Cap.4
De início não entendi o que ele quis dizer. Aberração, eu que falava português fluente não sabia o que era aquilo. Nunca tinha ouvido um xingamento na vida. Na hora não tive noção do que ele havia dito.
- O que ? Não entendi... - dizia, continuando a nadar.
- Acha que eu não percebi os seus olhares ? - perguntou, se aproximando de mim com uma cara nada boa.
- Do que está falando ? - perguntei curioso.
- Dos seus olhares pra mim ! Acha que eu não percebi ? Você é tarlouze ! - só então percebi que ele estava me xingando.
- Do que você está falando ? Eu mal falei com você.
- Nem precisa. Eu notei de longe ! Eu tenho nojo de gente como você - falou, saindo da água. Quando ele saiu, foi como se junto com ele levasse a minha alma.
TEMPO DEPOIS
Eu nunca havia sido xingado. Não sabia direito o que acontecia no mundo. Era ingênuo até demais para a minha idade. Mas eu tinha consciência do que ser marica tinha como consequência. Xingamentos, olhares tortos, desonra a família. Eu... Até ali não entendia direito como isso acontecia. Não podia dizer que havia olhado para ele apenas por olhar... Era algo natural eu olhar para ele, eu não via como uma coisa ruim. Eu não conseguia evitar. Peguei as minhas coisas e voltei para casa. Quando cheguei, percebi que ele havia se trancado no quarto dele. Eu fui direto para o meu, buscando pensar. Não podia pedir ajuda de ninguém. Eu não iria ter resposta para as minhas dúvidas. Eu mesmo teria que descobri-las. Qual é o normal ? O que é certo ? Não sai de dentro do quarto até a hora em que minha mãe chegou, pois juro que estava com medo de ele falar algo e, bem... Se ser assim era tão errado como ele havia dito, ela não iria gostar.
TEMPO DEPOIS
A hora do jantar havia chegado. Tomei um banho, me arrumei e fiquei imaginando se ele havia dito algo. Sai do quarto e a primeira coisa que vejo é a minha mãe.
- Oi mãe ?
- Oi filho ! Trouxe chocolates para você, estão deliciosos !
- Ah, obrigado mae - ela estava sorridente, ele não havia dito nada.
O tempo foi passando e logo o jantar foi servido. Fui para a mesa e pela primeira vez depois da discussão, eu e ele ficamos frente a frente. Com a mesma cara fechada e de raiva de antes, ele se sentou a mesa e começou a se servir.
- Filho ? Você lembra da dona Rosa ?
- A vizinha mamãe ?
- Sim...
- Sei, o que foi que houve ?
- Ela morreu hoje a tarde. Dizem que foi infarto.
- Infarto ? Mas o que sera que causou isso ?
- Ela descobriu que o filho namora com os homens - assim que ouvi ela dizer aquilo, fiquei em alerta e olhei para ele. Retribuiu o olhar, e permaneceu calado - o susto deve ter sido um baque enorme. Um garoto tão lindo daquele metido em coisas tão sujas - sujas ? - ele devia ter vergonha de ter nascido ! - vergonha ?
TEMPO DEPOIS
Ué, mas se não era legal ser assim porque eu estava sentindo e tendo aquelas atitudes estranhas e erradas ? Eu não escolho, elas vem como algo natural. Vergonha de ter nascido ? Quer dizer que quem e assim não tem o direito de viver. Então porquê eu contínuo vivendo ?
Nos dias que se seguiram, Maurice me evitou bastante. Ficava o tempo todo longe de mim , não conversava comigo. Sempre que eu o olhava, ele estava com uma cara feia. E o pior, cada vez mais eu pensava nele e tinha curiosidade em ve-lo de perto. Se é errado, porquê eu sinto ? Porquê eu contínuo vivendo ? Se é errado, eu não posso ser assim ! Comecei a tentar mudar, afasta-lo dos meus pensamentos mas adiantava pouca coisa...
- Eu não posso ser assim ! Não posso ! Não posso !
Batia minha cabeça de leve na parede, em busca de tirar aqueles sentimentos da mente. Mas não adiantava de nada. Eu estava prestes a explodir de tanto pensamento na mente.
TEMPO DEPOIS
Certo dia, o sol era bem forte. Andava ao redor do riacho, olhando para as águas límpidas que o circundavam. Se eu sou assim, nunca poderei mudar. Se eu não mudar, minha mãe vai ser infeliz. Eu serei infeliz se não puder ser eu mesmo. Porquê que eu ainda vivo ? Se minha vida é encaminhada a tristeza e sofrimento, o melhor que eu tenho a fazer é preveni-lo agora. Continuei a olhar para o riacho. Até que tomei uma decisão. Me joguei. E não voltaria nunca mais.
Continua
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