Na Ordem do Caos
Capítulo 7 - Astuto como um Gato, ronrona como um Gato, como se achar como um Gato?
************* 8 Dias atrás 15 de Dezembro 10h48min
Narração Maurício
https://youtu.be/ZW2MUqmnCjA
Você tinha ido embora com Lourenço, as pessoas sem qualquer tipo de capa ou guarda-chuva se dissipavam das ruas. Estava na praça ainda por eu não poder te acompanhar, eu fui compreensível. Fiquei tempo o suficiente para ver para onde você estava sendo lendo levado. E indagava a mim mesmo, "eu sou mesmo responsável por provocar tamanha erupção em uma pessoa?", não me importava muito da chuva começar a cair com força, logo eu poderia entrar no meu carro. Eu tive a impressão que você ficaria bem. Foi quando ficava cada vez mais molhado, que me dirigi correndo ao meu carro, então foi aí que ele apareceu volúpio em pouco espaço de tempo:
"Espera, Maurício!", ele segurou meu braço quando tentava abrir a porta do carro, tentava se proteger da gélida chuva. "Preciso te perguntar", disse ele ofegante.
Antes fora, não imaginava que ele fosse aparecer de modo tão inesperado. Ele me olhou um pouco apreensivo, sua visão percorreu os lados e me questionou:
"Você realmente só quer perdão e ficar de bem com Claus?", disse ele firmemente enquanto ainda me segurava.
"Eu não sei...", respondi enquanto me soltava dele
"Eu realmente preciso saber das suas intenções, não quero ter cometido um erro irreparável com Claus, Maurício", dizia Lourenço com pesar nos olhos. "Quando o vi passando mal agora pouco e vi seu olhar lânguido, desfocado, totalmente sem sentimento algum. Eu também me senti como ele podia se sentir, tão perdido quanto alguém preso em seus próprios muros, onde ninguém poderia ultrapassar", ele falava com dor em suas palavras.
"Lourenço...", eu clamava, podia olhar para além do horizonte com aquele chuva de Dezembro. "Eu realmente queria saber porque quero tanto estar tão perto de Claus agora", respirei fundo, "Eu tenho coisas muito importantes para contar a ele ainda, eu preciso da decisão dele antes de partir", dizia com a voz inflexível.
No momento estávamos encharcados entre a chuva. Eu olhava pra baixo, não sabia se ele chorava junto com céu ou apenas o céu chorava por ele.
"Eu tinha tanto medo disso...", sussurrou ele triste. " Suas intenções tem que ser boas mesmo, senão...", ele pausava enquanto tentava se reerguer, "Eu terei de ser drástico.", eu via gana seus olhos.
"Não vou cometer o mesmo erro novamente", murmurei para ele, "Foi tanto tempo tentando restaurar, mas com cadáveres do passado, era impossível", disse eu lamentando, "O que acontecer daqui pra frente, será apenas decisão de Claus, e somente dele", afirmei já cansado. "Espero que compreenda também".
"Se algum momento, eu sentir que estraguei tudo com Claus", disse ele se recompondo. "Eu não me perdoarei", ele fechava seus punhos com tanta força e raiva.
Eu entrei no meu carro sem qualquer tipo de intervenção, tentei por algum minutos entender aquele homem que parecia se unir à chuva do lado de fora do vidro. Sim, era um bom amigo. Fazia muito mais que devia, era um espelho do passado.
Foi tudo por causa de Lourenço. Há 3 semanas ele entrou em contato comigo, disse que conseguiu me encontrar devido ao meu nome, que você Claus com certeza deu, me procurou entre orquestras das cidades daqui da região. Até ele finalmente encontrou a orquestra da minha cidade, onde eu participava. Tentou entrar em contato com a prefeitura, com o teatro, com membros da orquestra, até que chegou a mim. Conseguiu meu número e me ligou:
"Você é o Maurício Lima?", indagou do outro lado da linha.
"Sou sim, e você é Lourenço Martinelli.", respondi sabendo de sua ligação.
"Isso, sou regente de um coral da capital", dizia ele calmamente.
"Não nos conhecemos, então o que deseja? Espero que seja algo muito importante", falei irrestrito com a situação.
"Conhece Claus Rossi Moreira?", indagou seu nome.
Quando ouvi seu nome, pude sentir todo meu passado à tona. Alguém que eu fiz sofrer tanto quanto eu sofri.
"Sim... Conheço", respondia com uma voz firme.
"Eu sei que é estranho. Eu sou muito amigo dele, muito amigo mesmo, eu faria tudo o que pudesse por ele. E ele já me falou muito de ti, falava com tanto amor e adoração, ao mesmo tempo com tanto pesar e frieza", explicava ele um tanto transtornado na linha, "E esses dias eu o senti tão distante, parecia deslocado, eu sabia que eram feridas do passado", dizia ele com um tom triste. "Demorou um pouco, mas consegui te encontrar, sei que você é a causa de muita coisa do que ele é. Devo tá desesperado...", ria tristemente ele. "Mal o conheço, mas se for pelo Claus, deve ser bom. O que faria se o encontrasse novamente?", questionou ele.
Eu pensei muito na pergunta de Lourenço, algo que pensara tantas vezes depois minha partida. Mas nunca achara uma resposta. Minha vida prosseguia em frente, mesmo com o passado, mas com aquelas palavras de Lourenço, senti que meus atos te marcaram tanto... E a culpa que sentira tanto tempo voltava e me massacrava.
"Lourenço... Claus é uma pessoa muito especial", dizia reflexivo. "Eu não sei se eu deveria interferir de novo na vida dele", comentei. "Mas se eu não tivesse outra oportunidade de vê-lo, eu pediria perdão. Seria a coisa que mais desejaria fazer", respondi introspectivo.
"Entendo...", sussurrava ele ofegante. "Eu realmente quero ajudá-lo, mesmo que signifique...", dizia ele pausadamente. "Se quiser realmente tentar consertar tudo entre ele, poderá encontrá-lo na capital, dia 15 meu coral terá uma apresentação na praça municipal e Claus estará me ajudando, ele deve vir entre às 8h até as 9h da manhã, essa é sua única chance. Se perder, não quero que tente procurá-lo novamente", dizia ele veementemente. "É isso, Maurício", ele desligou.
E foi assim que te encontrei, tinha vindo três dias antes à capital tratar de assuntos que acabara de receber, eu ficava ansioso com as possibilidades de te reencontrar. Fiquei desde as 7 horas da manhã perambulando de carro pela praça, para te enxergar, mas no caminho para ela, enquanto ia e voltava, encontrei você, Pequeno Claus.
===== Dias atuais 23/12 Igreja Católica 20h31min =====
Silêncio. Eu não chorava mais, porém estava atordoado, paralisado em meu espanto. Já não estávamos dentro da igreja, era do lado de fora. Fiquei parado, e tudo parecia se silenciar ao me redor. A dor não restringia limites, a dor batia a sua porta quando você menos esperava, mesmo se a casa estiver destruída. "Meu melhor amigo... A única pessoa que podia ter amor na minha vida, que encaixei em uma vida torta", viver em indecisão e conflito era tão comum, mas o limite do meu limite teimava em quebrar barreiras.
— Eu pensei que ele não houvesse te dito ainda. – comentou ele atrás de mim. — Não pediu pra eu guardar segredo, mas não podia deixar de contar toda verdade, eu não poderia mais mentir ou omitir nada para você antes de... – sussurrava ele.
Eu tentava escutá-lo. Entretanto, não era fácil processar tudo que eu acabara ouvindo antes, eu olhava para frente, mas não enxergava nada além de uma profunda imensidão caótica. Era certeza que eu precisava tomar decisões, se não estaria perdido em si para sempre.
— Se você tivesse pelo menos algo para se reerguer, mas você perdesse os sentidos... Se você perdesse todo amor, toda esperança, ainda conseguiria encontrar o caminho? – sussurrava a mim mesmo.
— Claus... – disse ele com ternura. — Eu vou embora. – revelou.
— Embora como? – Indaguei frio.
— Embora daqui, do país. – contou ele se recompondo e se aproximando. — Eu vou para Rússia. – ele encostou a mão no meu ombro.
—Vai embora... –indagava sem nenhuma vivacidade em minhas palavras.
— Sim, vou partir. – Reiterou ele condizente.
Limitei-me a caminhar vagarosamente sem direção, como um morto-vivo. Pensava em mil coisas, mas aquilo era estranhamente uma gota de água em óleo.
— Quando vai? – questionei pausadamente.
— Depois do Natal. Fui convidado para participar da Orquestra de Moscou – respondeu ele sério e se aproximando de mim. — Quero que você venha comigo – disse ele segurando minha mão por trás. — Eu vou ser sincero, não sei o que sinto de verdade, mas eu sei que te quero perto de mim como você me quis um dia – revelava cabisbaixo. — Eu juro pela minha vida nunca te magoar mais. – ele apertou minha mão. — Quero tocar sua música para você lá, Claus.
https://youtu.be/bDQ9a768buM
Moscou sempre fora o sonho de Maurício, ainda em uma Orquestra. Toda uma vida seguindo linhas em pleno equilíbrio, em uma ordem. Seria muito egoísmo meu tornar tudo isso mais conturbado. Contudo, eu sentia algo com suas palavras, desarmavam-me, tudo o que um sonho destruído quisera e renascia igual uma fênix?
— Eu sei o que você sente. – Indaguei me virando. — Culpa, remorso...
— Até posso sentir – disse ele com brilho nos olhos. — Mas tenho certeza de que eu não sinto só isso em relação a você – ele apertou minha mão com muita força. — Você é o meu catalisador, Claus.
Fitei seus olhos profundos, pelo qual um dia me perdi. Ainda podia me perder... Sua voz doce que me encantava, em sobressalto eu o abracei afetuosamente, e ele também, como nunca houvera abraçado, sentia seu calor, seu odor agradável, sua respiração em sintonia. Colocava minhas mãos em seus curtos cabelos castanhos e afagava. Era um abraço incompleto devido a diferença de tamanhos, no entanto, ainda um memorável abraço.
— Por tanto tempo quis estar entre seus braços – sussurrava eu mesmo não podendo ver seu rosto. — Tanta desordem vai nos destruir. – cochichei.
— Podemos nos reconstruir. – Cochichou ele rebatendo.
— Eu vou pensar nisso, Maurício. – disse me separando. — Eu preciso ir embora, quero ir sozinho para casa. Se eu tiver que ir com você, tenha certeza que te procurarei. – disse eu andando para trás me despedindo.
Enquanto me distanciava de Maurício, eu via não como antigamente, nem como eu o via até dias atrás. É inexplicável, mas seu afastamento de mim significava razão. Mas nunca felicidade. Ele era a pessoa que me tornava lúgubre em minha essência, antes o que despertara o melhor, fez que o pior se criasse. Encontros e despedidas eram dois fatos de um mesmo destino.
Se a proposta de Maurício clareou um pouco minha mente, nem tudo estava certo. Lourenço mexeu com minhas feridas, trouxe à tona algo que eu não podia controlar, estava profundamente decepcionado, talvez aquele fosse o máximo. Sem dizer que eu tinha uma dúvida há dias que precisava tirar sobre Lourenço. Peguei meu celular e disquei aquele número que eu recentemente acabara de conseguir de uma colega em comum do coral.
— Alô? Lisa? – indaguei eu do outro lado da linha enquanto andava pela rua.
— Sim, sou eu. Quem fala? – dizia a moça com voz aguda.
— Sou Claus... – apresentei-me esperando ela saber de mim.
— Ah sim, o grande amigo do Lourenço... Aquele babaca. – resmungou ela irritada. — O que quer? Veio mandar recado dele? – indagou ela nervosa.
— Não, não... – tentava explicar. — Ele nem sabe que tenho seu número. – respondi sério..
— Então o que quer de mim? – indagou ela desconfiada.
— Eu tenho uma grande dúvida. Lourenço nada me contou. – disse eu ofegante. — O que houve entre vocês? – questionei ansioso.
— Ele simplesmente me enganou, me usou, foi um idiota por completo! – gritava ela irritada. — Já tínhamos nosso caso faz um tempo com apoio de seus pais, que nos apresentaram. Daí quando finalmente me pediu em namoro, fiquei toda boba felicíssima, mas aí do nada horas depois quis terminar tudo, um indeciso do caralho! Quase não machuquei ele, mas consegui me controlar. – Relatava ela muito encolerizada.
— Ah sim, entendo. – disse já assustado com a mulher. — Mas Lisa, por acaso você sabe o motivo que ele terminou com você? – Indaguei interessado.
— Eu não sei bem... – dizia ela um pouco mais calma. — Quando estava tentando forçar ele a falar, ele disse algo como "Eu não posso te enganar, Lisa. Não posso te usar. Eu amo muito outra pessoa e não conseguiria poder ser quem você quer, nem eu poderia fazer isso com ela, eu não conseguiria..." Ele devia tá me traindo aquele cafajeste da porra. – Exclamou ela rancorosa. — Não entendi bem, mas parecia triste ao falar, mas nem liguei, estava muito furiosa com ele, queria acabar com a raça daquele desgraçado....
Enquanto ela resmungava o quanto estava odiosa com Lourenço, eu nem a escutava mais, abaixei meu celular, via as luzes e os carros passando lentamente pra mim. A paisagem noturna de uma cidade grande parecia combinar, estava em sintonia com o que sentia. Um misto de tristeza e incompreensão. Agora tudo fazia sentido para mim....
— Alô? Você aí? Tá me escutando? Eu não quero nunca mais ver aquele filho da puta! [...] Quer dizer, não! [...] Eu gosto da Dona Magda [...] Alô?
Caminhava vagarosamente para uma estação de metrô para voltar pra casa, eu já não tinha tanto temor de algo de ruim me acontecesse sozinho nas ruas. Não sabia o que seria minha vida, tanto faria pra mim se eu morresse naquela noite.
============ Casa 21h13min ===========
Consegui voltar para casa algum tempo depois, nada houve durante isso. Nada que eu tivesse percebido. Estava destruído, uma noite cheia de emoções, perguntava-me como eu podia aguentar tanta coisa... Era tão jovem. E tudo era demasiadamente problemático e caótico. Como de praxe, cheguei totalmente embaçado, tirei meus calçados para não sujar a casa, segui vagarosamente para meu quarto, onde me despi sofridamente. Portanto, pude ver meu corpo nu e como eu poderia ver através de mim, até a minha alma nua. Em estado lúgubre. Um coração faminto. Uma idéia desgastada. Uma voz sem expressão. Uma pessoa morta.
Desloquei-me para o banheiro, tomava inúmeros banhos durante o dia, sabia que não era nada saudável. Pra quem sentia tanta sujeira em si, era necessário. Precisava acalmar minha áurea caótica. Lavar cada canto dentro de mim. Quando achei o momento, terminei. Fui para meu quarto, onde me vesti para deitar, desabei na cama no intento de nunca mais levantar. Onde tentava colocar ordem na minha cabeça, mesmo que não houvesse tanto silêncio. Olhava para luz do teto, uma luz quente e resplandecente, que ora me ofuscava, ora me cegava. Onde eu desaparecia.
"Meeeooooww"
Em seguida, Pólux logo entrava no meu quarto, pulava na minha cama. Prontamente pôs-me a recebê-la.
— Oi Pólux – disse eu com uma voz serena acariciando com meu pé enquanto estava na beirada da cama.
"Meow"
Ela se ajeitou perto do meu tórax, afofou e massageou meu lençol, espreguiçando-se. Logo eu fazia carinho em suas bochechas peludas.
— Onde estava, Pólux? – perguntava para o gato.
"Meeooow!"
— Devia estar bem dando um de seus passeios noturnos... – comentei afagando minhas mãos e voltando a olhar para o teto.
Tanta imensidão criara tanto lares.
— Parece ser bom ser um gato, né Pólux? – disse trocando a visão para ela e o teto. — Sabem voltar para casa sozinhos, não parecem conseguir se perder... – disse enquanto me fixava naquela luz.
"Meooooooowww" "Prrrrrrr rmmm!", ronronou e se aconchegou em mim.
— Queria ser um gato.