Na Ordem do Caos (Capítulos 8 e 9)

Um conto erótico de Hayel Mauvaisanté
Categoria: Homossexual
Contém 7892 palavras
Data: 22/10/2015 21:35:58
Última revisão: 24/10/2015 01:54:49

Bom gente, eu pretendia apenas postar o capítulo 8 (Peão Negro, uma Brecha de Destruição em um Jogo de Vicissitude) hoje, mas como deu problema no site, que reconhecia o texto como sendo o mesmo que um capítulo que já tinha postado (Problemas do site da CDC...) resolvi logo juntar com o capítulo 9 (Abismos) afim que eu conseguisse postar, ainda mais porque são parte um do outro também, então esse texto tá bem grande, só avisando já. E também por isso, não irei postar amanhã provavelmente, fora que tem ENEM fim de semana (Os deuses que nos ajudem!), e eu vou fazer naturalmente... Então ainda provavelmente, eu volte a postar na próxima Segunda ou Terça. Boa leitura, aceito avisos de quaisquer erros e críticas também.

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Na Ordem do Caos

Capítulo 8 - Peão Negro, uma Brecha de Destruição em um Jogo de Vicissitude.

===== Casa 24 de Dezembro 07h55min =====

Na véspera de natal, eu não tinha trabalho, mesmo que tivesse, não iria. Estava mal em demasia. Acordei me sentindo atropelado por um caminhão, lembrava de ter conseguido dormir entre às 1h30min da manhã e duas da manhã, cedo por sinal pra mim, devia estar muito frágil pra conseguir ficar acordado e queria uma fuga, acabara que eu acordei cedo, não como nos outros dias, claro. Era perceptível as consequências físicas que meu corpo apresentavam depois de tantas causas emocionais. Mas minha aparência não importava tanto. Fiquei um bom tempo na cama tentando voltar a dormir em vão, dormir era uma fuga perfeita dos problemas e tristezas da realidade, pena que meu mero escapismo não entrava em acordo com meu metabolismo. Fora que meu corpo estava totalmente gélido, parecia que eu estava morto, começava a achar que estava ficando doente. Comecei a pensar em como era engraçado meu corpo frio. Na Física, a agitação de moléculas significa um aumento de temperatura de um corpo, a chamada agitação térmica, então eu poderia inferir que o corpo estaria em uma temperatura "quente", de fato não tinha outro corpo para comparar a diferença e afirmar o calor, mas isso é mero silogismo intrapessoal, quero dizer, que dentro de mim havia uma colossal agitação, não de moléculas, mas de tudo que acontecera, porém meu corpo fisicamente estava frio. Eu não poderia obter qualquer tipo de "equilíbrio térmico" com ninguém.

De manhã acordado, lembrei daquela música do Led Zeppelin, Dazed and Confused era prefeita pra mim, ficava na cabeça aquele trecho; "Been Dazed and Confused, for so long it's not true".

https://youtu.be/ehwSEVbBZl4

Entretanto, as coisas sempre podem piorar, a Lei de Murphy nunca fez tanto sentido em minha vida, ainda nem acordado 100% recebia uma carta. Uma intimação, era do Sr. Rogério, foi colocada na fresta por baixo da porta, sim era uma ordem de despejo... Foi quando me dei conta que estava tão imerso em Maurício, Lourenço e em mim, que me esqueci do prazo do Rogério, meu salário já tinha saído, mas não tinha o dinheiro que precisava. Joguei-me no sofá tentando achar uma solução rápido. Pensei em ludibriar Rogério novamente, mas talvez desse errado, precisaria de um plano B. Não tinha que pensar em desculpas.

— Espero que meu xará natalino esteja se ferrando também em algum universo paralelo.

Enquanto repensava, percebi que não conseguia raciocinar direito, devido aos fatos recentes. Porém o prazo era urgente, sentia-me sob pressão, só concluía em dar o dinheiro que já tinha, tentar convencê-lo e arranjar outro emprego. Não sei como conciliaria, mas era o que conseguia pensar. Ainda sim, estava aflito com minha situação, pressentia que poderia dar tudo errado. Foi quando bateram na porta, eu hipotético de que seria Rogério, mas era quem eu mais não queria ver naquele momento.

"Toc Toc Toc Toc"

— Olá, bom dia. – dizia ele ao entrar.

Eu só me afastei o mais rápido possível, sem olhá-lo direito voltei para o sofá onde pude me sentir mais acomodado.

Enquanto me sentava, evitava olhá-lo, não sabia ainda como confrontá-lo. Ele tirou os sapatos, e colocou-se a me fitar calado por um tempo, como se estivesse me julgando, aquilo me irritava.

— Por que não me atendeu? – interrogou ele provavelmente com o celular na mão.

— Descarregado. – menti, só tinha desligado propositalmente.

— É tão difícil colocar para carregar? – indagou ele rude como se checasse algo. — Espero que se lembre que tem apresentação do coral hoje no fim da tarde ao anoitecer...

— É de manhã cedo, sem trabalho. Não sou tão atento ao celular. – explicava enquanto colocava minhas mãos no rosto como estivesse não aguentando.

Assim não eu tinha qualquer percepção se não fosse auditiva e intuitiva de seus movimentos, ele parecia chegar perto de mim, deu uma pausa e ficou em silêncio.

— Que isso, Claus? – questionava ele com a voz ríspida.

Quando tirei minhas mãos do rosto, pela primeira vez no dia direcionou minha visão a Lourenço. Olhei para ele, estava com a intimação de ordem de despejo nas mãos, com uma expressão nada amigável.

— Uma ordem de despejo. – respondi seco.

— Isso é óbvio, né. – rebateu ele impaciente. — Por que você não me disse que estava sem pagar o aluguel? – perguntou ele indignado expondo a carta.

Refletia como aquela situação era inconcebível, irônico da parte de Lourenço, logo ele exigir de mim e se interferindo sem minha permissão. Limitei-me a não respondê-las, precisava me controlar para não jogar tudo na cara dele, coloquei minha mão direita entre a boca e nariz, tentava controlar minha respiração em uma ordem.

— Claus, por favor, me responde. – pedia ele um pouco compassivo. — Eu sei que há algo errado. – comentou ele se virando para trás e pondo uma das mãos na cintura. — Se você me dissesse, eu teria...

Suas palavras proferidas estavam a me exasperar imensamente, uma situação incabível.

— O quê? – interrompi ele não aguentando mais. — Pagaria meu aluguel? Melhor! Aproveitaria para me levar pra sua casa, onde eu poderia ser todo seu. – Indaguei ríspido enquanto lhe lançava um olhar de bravura.

Lourenço lançou-me um olhar confuso, como quisesse uma explicação. Olhou para o papel e pôs a mão em cima da boca.

— O que você quer dizer com isso? – indagou ele confuso. — Sabe que não sou assim, Claus. – afirmou ele sério. — Eu te emprestaria o dinheiro e você ia pagando quando pudesse, sei lá... – murmurava ele se virando a todo momento.

— Humpf! – expressei sarcástico.

Eu não podia e nem queria vê-lo, mas precisávamos ter essa conversa. Então me levantei do sofá, fui até a única janela da casa que ficava na sala e fiquei observando as coisas que tinham por perto.

— Eu sinceramente não entendo como você lida com seu dinheiro. – comentava ele nervoso. — Assim fica difícil de te ajudar, Claus, você nunca aceita.

Eu tentei muito me controlar para não jogar tudo na cara dele e iniciar uma discussão, mas era chegada a hora do meu limite.

— Ajudar!? – indaguei irônico. — Você sempre quer ajudar! Ajuda tanto que até interfere na minha vida. – disse com furor nas palavras. — E o dinheiro é meu, eu sei o que faço!

— Claus... Eu não interfiro de modo ruim. É pro seu bem. – dizia ele mais sereno.

— Pro meu bem, humpf! – resmunguei irônico. — É por acaso pro meu bem você procurar o Maurício para me encontrar!? – proferia totalmente raivoso enquanto via seu reflexo na vidraça, expressava espanto. — Eu por acaso te pedi para se intrometer? – Via ele se aproximando.

— Claus... – arfava ele tentando tocar em mim.

— Não toque em mim! – Avisei de sobressalto com seu reflexo impedindo contato físico.

Queria evitar qualquer tipo de contato físico com Lourenço, se não eu me perderia em meus pensamentos. Poderia desabar ali mesmo, seria uma provável reação inesperada. Até por mim mesmo. Ele ficou atônito, depois com um semblante triste e decepcionado. Saí da janela e fiquei andando para um lado pelo outro.

— Maurício então te contou? – questionou ele tentando me acompanhar.

— Lógico. – respondi ríspido. — Era mais do que a obrigação dele e deveria ter sido a sua também! – reclamei apontando o dedo para ele.

— Eu não queria soubesse assim... – sussurrou ele olhando para baixo. — Iria te contar tudo depois que Maurício se fosse, seria a hora certa. – explicou ele em vão.

Voltei a me sentar no sofá, levantava meus cabelos com a mão, como se não conseguisse suportar. Ficava cada vez mais fora de si por causa de Lourenço.

— Hora certa... – sussurrei e ri sarcasticamente. — Isso foi totalmente inconsequente. – cochichei.

Passei a olhá-lo com rigidez, queria analisar cada reação dele, queria agora enxergá-lo. Aquele que era meu melhor e praticamente amigo e eu exalava ódio por sua causa. Queria pôr medo e remorso.

— Me desculpa, Claus... – arquejou ele com a voz mais fina. — Sei que não foi certo eu me intrometer – ele se desculpava nervoso com as mãos na testa. — Eu não sei o que deu em mim...Me desculpa.

— Por que fez tudo isso? – questionei com a voz baixa enquanto o olhava com gana nos olhos. — Pra quê tudo isso, Lourenço?? – eu exigia inconformado.

— Porque... – arfava ele.

— ME DIGA PORQUÊ! – gritei ordenado não aguentando mais.

Ele se assustou, continuava atônito, mas buscava refletir, ele se pôs de cócoras nas pontas dos pés apoiando-se frente à mesa que havia no centro, de frente a mim no sofá e fitou-me obstinadamente.

— Tudo bem, vou dizer porque fiz tudo isso por você mesmo sem pensar direito.

********** 3 semanas Atrás

Narração Lourenço.

https://youtu.be/3OpLKcqGhxI

Íamos percorrendo uma rua perto do nosso destino, uma rua de comércio, naquela época era uma multidão por conta do natal próximo. Lembro bem que você não estava nada satisfeito de me acompanhar, porque iria comprar presentes de natal para minha família e amigos, mas tinha te chamado, coisa que você negou prontamente, "não". Porém, logo te chantagiei prometendo te levar ao 'O Quebra-Nozes', você ficou pensando, até que aceitou, já que não poderia conseguir ir. Enquanto andávamos por uma avenida movimentada cheia de lojas, eu só falava das minhas dúvidas do que comprar e só andava, quando dei por mim, eu já não o via perto ou atrás, fiquei um pouco desesperado, porque não seria a primeira que você se perde na cidade. Não está acostumado ainda. Entretanto, no tempo que meus olhos te procuravam, finalmente consegui te achar, você não estava longe, apenas parado alguns metros atrás em meio a multidão frenética da cidade, parecia entretido com algo numa loja, mas estava estranho. Imediatamente fui a teu encontro, passando pelas pessoas. Fiquei um pouco espantado ao chegar perto e ver você com um olhar desfocado, mas ao mesmo tempo tão fixado. Quando olhei para dentro da loja, além da vidraça vi você vendo um programa que passava numa TV LED 52".

"Começou a gostar de programas de assistencialismo barato, agora?", Indaguei tentando descontrair ao identificar o programa que vira.

"Não é isso...", suspirava você lentamente. "Eles demoliram a casa antiga dela e construíram uma nova", dizia você introspectivo tocando com uma mão no vidro.

Naquele momento olhei atrás da vidraça, tentando encontrar algo a mais no programa de TV bastante comum. E não consegui concluir nada. Sabia que você pensava algo, mas não conseguia distinguir, eu não podia estar perto, se você criava barreiras em torno de si.

"Sim, é isso que esses programas fazem. Destroem e constroem casas para pessoas sem condições, aproveitando-se delas para apelo emocional e audiência", argumentava obviamente.

"Destruíram a casa velha desta família humilde, uma casa que deveria estar cheia de lembranças, dores, alegrias e suor", dizia você pausadamente ainda com aquele olhar fosco. "Simplesmente lhe entregaram uma nova, que é indubitavelmente melhor e mais confortável, muito diferente da antiga, mas sem alma", cochichava você aparentemente preocupado com algo.

Por mais que tentasse, eu não conseguia. Foi um dos momentos que mais me senti distante de você em quase 5 anos, eu estava ao seu lado, mas tão distante ao mesmo tempo. Isso doía muito.

"Eu não entendo...", suspirei reflexivo. "Provavelmente se continuassem na antiga, a vida seria mais dura para eles", tentei raciocinar lhe olhando com expectativas.

"As pessoas e suas vidas são como esta casa, incluindo a minha", dizia você com pesar, "Lutam para mudar e melhorar, ainda morando no passado agridoce, buscam sempre a mudança... Mesmo com as inúmeras invariáveis de resultados, quem sabe se vai ser pior ou melhor? Me pergunto mesmo se elas buscam a mudança por mudança por não suportarem mais ou apenas têm esperança numa vida melhor?", questionava-se com as mãos mais em riste ao vidro, parecia cada vez mais ligado aquela circunstância.

Perplexo estava eu, que me lembrara o que me contava da sua vida, de como era solitária e sofrida, de como se culpava por tudo. Em especial, focava tudo quase uma pessoa...

"Vindo de um programa, dá pra saber", murmurei mais atento. "Elas sempre têm uma interferência para mudar sua vida para melhor, no caso o programa", rebati eu tentando ver sua reação.

"O ponto não é o provedor. E sim o desejo da família... Ela é o verdadeiro ponto inicial de tudo. Sem ela nada haveria de mudança", dizia você mais concentrado. "Eu já fora como a casa antiga...", cochichou você, agora com tristeza nos olhos. "E não acho que hoje seja uma casa maior e melhor, só mais adaptável a tudo o que a antiga sofrera", tocava firmemente no vidro. "A vida continua dura.", ressaltou você ao olhar de repente pra mim.

Seu olhar vazio, mas com uma penetrante tristeza na alma daquele que os recebem, me cortou o coração. Eu não sabia o que fazer pra te ajudar ou te dizer algo para confortar, me sentia inútil como amigo e olhava para a televisão, para fugir de seu olhar.

"É por causa do Maurício... ", arfei sem pensar.

"Eu não sei...", respondeu você reflexivo. "Às vezes sinto muito a falta dele, às vezes tentei ver sob outra perspectiva do que ele fez pra mim foi bom... Às vezes eu tento não sentir nada.", comentava deliberadamente. "Seja o que for, ele foi fundamental nessa reconstrução", suspirou com pesar.

"Claus... ", eu só conseguia dizer seu nome.

"É a única parte da minha vida que não que não pretendo mexer", revelou você se virando. "Vamos embora, demorei tempo demais aqui", disse você seguindo em frente.

Fiquei a olhar você seguindo em frente, parecia sem temor, não olhou para mim atrás, esperando minha companhia ou ajuda, ainda naquele formigueiro humano que tanto te amedrontava. O Claus que conhecia parecia não estar lá, eu precisava dele. Mais do que tudo.

===== Dias atuais 24/12 Casa 08h13min =====

— Desde então, decidi fazer algo, pra tentar te ajudar, eu não podia mais vê-lo assim. Entrei em contato com todas as orquestras da região afim de encontrar Maurício, procurei saber suas intenções, até entreguei você a ele, na espera de sei lá, que tudo se resolvesse e você fosse um Claus sem cicatrizes... – explicava ele com pesar me olhando com olhos marejados. — Mas parece que deu tudo errado... – arquejava angustiado se levantado. — DROGA! Fui um idiota impulsivo – Lourenço gritou pondo as mãos no rosto para abafar.

Meus olhos marejavam, uma parte de mim queria compreender Lourenço e abraçá-lo, mas ela não era mais forte que minha consciência e raiva. Ele tinha tocado onde não podia. Tentei analisá-lo bem, mas só conseguia ficar cego com tudo que eu ouvia.

— Eu não sou uma propriedade. – disse seco.

Depois de andar para um lado para o outro, quando disse aquilo, ele parou e me olhou com espanto, ainda com olhos marejados. Pareceu querer falar algo, até gesticulou, mas ficou um tempo pensativo me olhando.

— Claus, me perdo....

— Você não sabe o que senti todos esses dias!! – esbravejei não querendo olhá-lo, minha visão direcionava à mesa. – Você não tem ideia do que eu sofri com todas as suas atitudes estúpidas, Lourenço. – falava categoricamente e com furor.

Um peão negro estava na mesinha, não era de um jogo de xadrez completo, eu tinha perdido o meu. Era a única peça que sobrou, eu tinha guardado, não sabia porquê resolvi guardá-la, talvez lembranças... Apenas fixava toda minha visão e emoções no peão negro.

— Eu tô te pedindo desculpas, Claus... – arfava Lourenço esperando uma reação minha e com a voz mais calma.

— Você só me jogou ainda mais em confusão. – resmungava colocando as mãos nas orelhas e cabelos, se ouvisse suas palavras, poderia me vencer ali mesmo.

— Me ouve, por favor! – suplicava ele com a voz triste. — Me escuta, CLAUS! – esbravejou desesperado.

Controle, era o que precisava. Fixar-se no peão negro era um ótimo exercício para isso, poderia me controlar para com Lourenço. Estiquei-me e peguei o peão negro, segurei-o com força entre minhas mãos.

— Maurício vai embora... – cochichei com a voz fina quase sumindo.

— Como? – indagou Lourenço surpreso.

— Ele vai embora para sempre. – disse eu angustiado. – Vai morar na Rússia... Depois do natal.

— O que houve com vocês? – perguntava ele curioso.

— Ele me convidou para ir junto dele... – revelei friamente olhando para reação de Lourenço.

Após a revelação, ele voltou a andar para um lado para o outro, frenético. Aflito. Pensava em algo, parecia que o coração ia fugir pela boca.

— E você? – indagou ele parando um pouco. — Vai com ele? – falava ele aflito.

Pensei bem no que responder a Lourenço, olhei para ele aflito, para o teto, para a janela, para o peão apertado nas minhas mãos, mas nem eu tinha decidido nada.

— Eu não sei... – iniciei. — Talvez eu vá, seria uma oportunidade de fugir de tudo ou Talvez eu não vá. – Olhei para Lourenço. — Mais confuso do que eu possa estimar.

— Você... ir embora... – sussurrava ele com um semblante triste.

— O mais intrigante é que desde ontem com Maurício, depois de revelar tudo – Tomei fôlego. — É que eu não sei mais o que sinto por ele, ou melhor, eu não encontrei aquela dor que mantinha por ele...

Lourenço ficou confuso primeiramente, olhou-me com exigência por uma explicação, olhou para os lados, por fim ficou em silêncio introspectivo.

— Isso é bom... – sussurrou ele com uma mãos entre a boca. — Isso é bom, Claus! – exclamou ele um pouco mais energético. — Vocês conseguiram se resolver – dizia ele se animando e se aproximando de mim.

Não, não estava tudo resolvido, nem entre mim e Maurício, havia falhas e medos, um passado que deveria ficar para trás e vidas em frente. Não esperava que Lourenço entendesse. Logo ele se pôs de frente a mim no sofá de cócoras, com um sorriso estampado no rosto.

— Claus, isso é muito bom. – dizia ele me segurando pelos ombros enquanto o olhava indiferente.

— Não! – esbravejei não suportando mais.

Olhei para o lado para não ver seu ingênuo sorriso, tentei respirar fundo, voltei para frente, ele tinha me soltado, estava confuso, fitei o peão.

— Nada está bom. – arfei triste com os olhos marejando. — Está tudo em desordem....

— Como não, Claus? O que te impedia em seguir em frente está se pondo para você! É só ter coragem, a decisão é sua. – falava ele tentando me convencer perto de mim.

Podia sentir seu hálito, seu calor, suas palavras, mas não sentia mais o mesmo, nem sentia sequer as boas vontades de Lourenço.

— Do que adianta resultados bons ou até do bem, se a proposta da causa é dúbia e inconsequente? – Indaguei nervoso olhando para ele com meus olhos marejados. — DO QUÊ ADIANTA!? EIN, ME DIZ!? – gritava furiosamente com as lágrimas caindo.

Lourenço ficou atordoado, seu olhar procurava algo nos meus, lentamente se retirou de perto de mim, voltava a sua posição inicial. Ficou de costas para mim, apoiou-se no rack da televisão, parecia nervoso. Pensava e repensava, minhas lágrimas teimavam em cair por sua causa.

— Você e seu senso moral destrutivo... – bufou ele ainda de costas. — ridículo...

Eu não sabia mais quem estava na minha frente, comecei a pensar se ele sempre fora assim e eu nunca quis enxergar ou foi tudo consequência de sua aniquilação pessoal. Tentei me concentrar no peão, se não não conseguiria mais parar de chorar ou conseguir falar algo.

— Eu falei com Lisa ontem... – confessava receoso.

Quando levantei a cabeça, vi sua aura negra. Parecia que eu o havia despertado. Lentamente ele tirou as mãos daquele móvel e ficou completamente em pé, se virou e me olhou com um olhar aterrorizante.

— Lisa? – indagou ele com a voz fria.

— Ela me disse porquê terminaram... – continuei aflito.

— O que ela te disse? – questionou ele friamente indo para janela.

— Ela me contou que você a enganou – media minhas palavras enquanto apertava o peão. — Que você não podia usá-la... Que não era certo – parafraseava Lisa. — Que você ama outro alguém... — disse com lamúria nas palavras.

— DROGA!! – Exclamou ele raivoso esmurrando a parede violentamente. — COMO VOCÊ ME ESCORRAÇA DESSE JEITO? – gritava em fúria. — Fez a merda da mesma coisa comigo e agora fica de vítima aí... – dizia ele atônito.

Eu me assustei com Lourenço, pensava se ele fosse me atacar, então teríamos uma briga física, coisa que eu não bom, eu desprezava violência, mas não deixaria ele me fazer nada.

— Eu só fiz isso depois de saber de você... – disse com frieza. — Então não tente achar ser o mesmo, eu já suspeitava sobre você. – dizia com firme enfrentando-o.

— Maldição... – sussurrou ele entre os dentes enraivecido.

Nesse momento tentei juntar forças para inquirí-lo sobre o que me perturbava sobre ele... Mas só ficava mais triste, poderia significar o fim de nós.

— Por que não me contou nada? – questionei tristonho. — Você estragou tudo... – suspirava. — Quando perguntei se você me amava aquele dia... – cochichava com meus olhos marejados apertando o peão mais do que tudo.— Se me amava daquele modo, do modo que era impossível de eu am... – balbuciava entre as palavras.

A cada palavra, Lourenço ficava desnorteado, nunca tinha o visto assim. Estava com medo, mas com raiva e decepção também, era o momento do confronto e todas as coisas que haviam escondidas entre nós.

— Claus... – proferia ele mais calmo – Me ouça com atenção...

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Na Ordem do Caos

Capítulo 9 - Abismos.

******************* Historieta de Lourenço.

Propositalmente, você não sabe tudo de mim. Vou começar pela minha família, sou filho de pais muito bem afortunados, meu pai um grande empresário do setor têxtil, minha mãe sempre fora uma dama alta sociedade, eles tiverem aquele típico casamento arranjado que era costume antigamente, ainda mais de famílias ricas, que prezam por acordos e negócios, clichê, mas foi assim que minha família foi formada. De origem italiana, logo são sempre famílias grandes, unidas, que gostam de comer, acabei que fui o único filho deles, sempre quiseram outros, mas nunca conseguiram, meu pai ficou estéril. Então nossa geração ficou menor, sendo filho único, restou a eles darem toda atenção e amor pra mim, certo? É, quase... Meus pais tinham das suas brigas, às vezes acredito que elas me influenciaram no que sou hoje, tentava não ser como eles. Meu pai me dava sua atenção e cuidados quando lhe sobrava tempo, de fato ele se esforçava para ser um bom pai. Minha mãe sempre me deu seu amor, era mais apegada a ela por passarmos mais tempo juntos, entretanto, ela dificultava as coisas, sempre preocupada com sua aparência e imagem da família frente à sociedade. Perguntava-me o que meus pais priorizavam?

O bom de ter nascido em berço de ouro, é que eles podiam me dar todo tipo de educação, desde cedo já recebia aulas de professores de idiomas e de música. Música em especial pra mim, era uma maravilha. Recebi aulas de flauta, foi escolha minha, pelo menos tive essa opção, logo após veio o piano e violino. Meus pais pareciam satisfeitos. Principalmente minha mãe, sempre orgulhosa de mim, isso me deixa muito feliz. Sempre ouvira ela me expondo às amigas, me superestimando...

"Meu Lourenço é um gênio da música", dizia ela orgulhosa frente as amigas.

Eles adoravam ver meus recitais quando podiam ver... Então entre meus 10 e 11 anos, aprendi o canto. Foi mágico pra mim, saber que podia cantar divinamente tão bem quanto as sonatas de meus instrumentos, logo eu participava de corais da igreja, embora minha família não seja católica fervorosa, eram religiosos. Faziam a linha, 'família tradicional'. Quando entrei para escola e para igreja, pela primeira vez pude fazer amigos, era ótimo estar com eles, eu sentia que ali era meu lugar. Tudo começou a complicar na minha adolescência, aos meus 17 anos, eu tinha decidido ser músico e cantor. Iria começar dando aulas para crianças. Quando fiz meus 18, tomei coragem para contar a eles meu futuro. Não foi uma boa ideia...

"OK, filho. Mas acha mesmo que isso é carreira? Isso não é trabalho para alguém da sua estirpe.", meu pai Augusto comentava serenamente.

"Lourenço, eu amo seu talento que Deus te deu, mas como vai sobreviver assim?", indagava minha mãe Magda preocupada.

Depois disso, vieram inúmeras e inúmeras discussões entre nós, eu iria com ou sem a aprovação deles. Uma hora eles aceitariam. Eu já iniciava minhas aulas como professor e aluno, fiz o curso de música na universidade. Eu tocava e cantava na igreja, frequentava o teatro, participei de orquestras, não demorou muito para me tornar um especialista, virar o próprio professor no curso de música na universidade. Sem saber se meus pais tinham algum tipo de influência nisso ou não. E por último consegui me tornar regente do meu coral. Meus pais aceitaram porque eu era um músico clássico, algo admirado pela alta sociedade. Se eu fosse um mais popular, certeza que estariam no meu pé até hoje. Contudo, nossa relação nunca foi mais a mesma. Aí Lisa entrou na minha vida, fazia parte do coral, era filha de amigos de meus pais, nos tornamos amigos devido a isso. Meus pais de alguma forma tentavam nos empurrar um ao outro, para criar um casamento/negócio como foi com eles. Nunca gostei muito dessa idéia, mas estive uma vez apaixonado por Lisa, mulher linda e estonteante, de lábios finos e sedutores, uma voz angelical. Foi uma paixão avassaladora, era o que eu te dizia, te dizia para esconder o que eu tanto temia... Lisa era muito influenciada por essas idéias, imaginava como seus pais e a sociedade fez a cabeça dela, para pensar só em casar e ter filhos, servir a um marido... Lisa não era livre.

"Imagina, Lourenço, quando nossos pais nos virem juntos! Vão ficar tão felizes", Lisa afoita dizia animada quando a pedi em namoro.

Foi aí então que você entrou na minha vida, já nos conhecíamos e mesmo com tantos amigos, me sentia tão só. Quando te conheci no banheiro, percebi como eu via minha solidão em teus olhos, foi o ponto de partida. Eu não estava apaixonado, se pensa isso... Mas algo foi crescendo dentro de mim com o tempo... Algo novo e que eu não conseguia explicar, eu não conseguia vivê-la. Passávamos cada vez mais tempo juntos, tentava abrir essa sua fortaleza e com o tempo conseguia. Lembra da primeira vez que te convidei para minha casa? Você ficou boquiaberto, como nunca verá algo assim antes. Embora meus pais parecem não ter gostado muito de você.

"Quem é ele? Parece estranho", sussurrava minha mãe em sua ausência.

"Lourenço, virou amigo de um migrante pobre do norte?", bufava meu pai a minha ao lhe contar sobre suas origens. Se ele percebesse como era hipócrita...

Acho que não sabia esconder como estava íntimo de você na frente deles, meus pais pareciam suspeitar algo, o que fez aumentar a antipatia de meu pai. Então deve se lembrar que parei de evitar a levá-lo em minha casa ou falar de meus pais, senão teríamos sempre uma discussão. Foi quando passei a frequentar mais aqui, mas digo, era muito melhor mesmo. Algo que poderia ser minha rotina vivêssemos juntos, cada um em seu mundo, mas unidos. Quando decidi sair de casa, foi a revolta completa. Minha mãe chegou a chorar, meu pai foi mais severo, disse que se eu quisesse sair, poderia, mas não ia me ajudar em mais nada. Porém eu tinha meu próprio dinheiro, minha independência, poderia viver bem sozinho. O mais difícil foi suportar minha mãe triste.

"Lourenço... É tudo por causa daquele seu amigo, não é?", perguntava minha mãe Magda firme em suas palavras com os olhos marejados.

Eu não pude respondê-la, não podia responder nem a mim mesmo. Você foi um grande impulso pra mim, Claus. Foi meu ponto inicial de reconstrução, eu queria que isso você em conjunto... Quando pedi Lisa em namoro, percebi que estava fazendo pessoas sofrerem por minha causa, com minhas atitudes impulsivas, ela queria descontar sua raiva em mim, então eu deixei... Afinal, prometi o que não podia. Parece um ciclo, Claus...

*************** 2 Anos atrás.

Narração Lourenço.

Há 2 anos, quando armei de te levar a um parque de diversões, algo que você tinha me dito que não ía desde os seus 10 anos, eu achava que seria a oportunidade certa. Mesmo você falando que não gostava de parques, em especial que tinha trauma da Roda-Gigante, me relatou que quando foi numa pela última vez, foi com seus irmãos, a cadeira balançou como se fosse cair, estava no alto, você sentiu que estava quase morrendo... Não era medo de altura, era medo de morrer em um brinquedo. Um dos seus momentos perto da morte que me contara, sempre tinha um, você dizia que a morte o acompanhava, ficava com minhas idéias na cabeça se você era vegetariano por isso, já que você não tinha causa política nenhuma, só afeição por animais, sendo que sempre se lamentava de ter matado alguns...

Com ou sem relutas, consegui te obrigar a ir, queria te fazer uma surpresa especial, de quebra acabar com um de seus traumas, você chegou todo emburrado e mal humorado, não queria ir em brinquedo nenhum por se achar "grandinho", não comia nada também.

"Vamos Claus, se anima, sei que há uma criança dentro de você", dizia eu tentando mudar sua expressão enquanto andávamos para a Roda-Gigante.

"Acho que minha criança interior morreu quando eu tinha dez anos", respondia você ranzinza enquanto te puxava pelos braços. "Ah não... Vamos embora", reclamava você tentando se soltar quando percebeu que estávamos perto da Roda-Gigante.

"Calma, Claus...", dizia impondo mais força.

Logo chegamos e você estava com cara de poucos amigos. Parque com certeza não era sua praia, odiava pela multidão caótica que havia. Se sentia oprimido dentre muitos, o barulho incessante. Era um reflexo de seu ser, mas você não enxergava. Sabia que não iria fugir, soltei-o. Então minha nova missão impossível seria te convencer.

"Tá, qualquer que seja a proposta. Não vai dar certo. Posso acabar vomitando em você ou quem quer que esteja embaixo", você já mostrava as garras bastante arisco.

Com certeza, teria grande probabilidade de você passar mal, ficar enjoado e vomitar. No entanto, acreditei que era um risco a se correr, ao meu lado, pelo menos naquele instante, você não teria de passar mal.

"Me escuta, você não vai passar mal, OK?", inferi atencioso tocando em seus ombros. "Segundo, prometo deixar você ver todo ensaio e apresentação que eu tiver, de quebra te levo para ver o Lago dos Cisnes que você ama, tudo certo?", dizia eu prometendo como um pai para um filho pequeno e teimoso.

Você se calou, parecia pensativo com minhas propostas. Tinha certeza que tinha tocado no ponto certo, você é um grande fã de Tchaikovsky.

"Olha, Lourenço... Eu realmente gostaria de tudo isso", você suspirava, "Mas é um trauma, com certeza passarei mal e despertará pânico, eu não sei...", dizia você indeciso.

"Prometo pela minha vida que nada acontecerá e que se você não gostar, pode deixar de ser meu amigo", disse eu tentando argumentar, mas com um enorme medo no que eu acabara de proferir.

Você me olhou confuso, estava intrigado, olhou para o alto para Roda-Gigante, encarando-a. Foi um silêncio de minutos mesmo aquele barulho todo.

"Promessas são perigosas...", sussurrou você indiferente. "Eu aceito", por fim você foi vencido e aceitou estranhamente.

Você reclamou da fila, mas se manteve firme até chegarmos nossa vez, você foi forte mesmo com todo o medo. Eu te segurava o tempo todo, sentia você tremendo cada vez mais, até quando chegamos na nossa cabine, era amarela. Deixei você sentar logo após eu, pra demonstrar que estava tudo certo, você sentou, se agarrou na barra de ferro com as duas mãos nervoso. Olhava somente para frente.

”É grande...", cochichava você trêmulo.

"Espere e verá", disse eu tentando o abraçar.

Era questão de minutos para a rodar começar a funcionar, os bancos eram giratórios, esse era meu único temor, em você não conseguir suportar. Quando iniciei, tentei segurar em sua mão, mas você estava tão amedrontado que a barra parecia ser sua única salvação, então desisti. Esperaria acontecer. Aos poucos a roda girava, quando mais alto, mais ao topo, mais você ficava tenso, olhava para baixo, seu olhar despertava o pavor, acabei que fui inútil e não sabia o que fazer.

"É mortal", Cochichou você nervoso.

Quando a roda parou com a nossa cabine no topo, e nosso banco balançando, senti que você ia gritar. Não, você apenas urrou e fechou os olhos. Foi quando dei por conta, que era o momento certo.

"Claus...", dizia eu tocando em suas costas, "abra os olhos", disse com a voz mais serena que tive.

Aos poucos você reagia a mim, abria aqueles olhos cheio de medo e terror, segurava com tensão a barra e você levantava para olhar em frente, seus olhos mostravam expressivas mudanças, você estava surpreso com a paisagem que o brinquedo lhe proporcionou ali. Seus olhos agora estavam maravilhados.

"É lindo...", sussurrou você ao ver aquela paisagem noturna e urbana.

"Viu? Eu disse que gostaria", disse eu mais feliz que pudesse imaginar.

Seus olhos brilhavam, você sorriu. Era o Claus que tanto queria... Sorria diante daquela cidade com seus arranha-céus surreais e futuristas, as luzes brancas, amarelas, vermelhas, azuis, verdes... E um céu estrelado. Era tudo mágico, pra mim e pra você.

"Sim...", expressava você mais terno. "É tão lindo... Eu poderia pintar isso", expressava você entusiasmado. "Me lembra A Noite Estrelada de Van Gogh, mesmo sem tantas estrelas", comentava você vívido.

Acho que não sabia me controlar, foi um dos momentos mais felizes que tive, talvez foi quando percebi que era muito mais do que deveria ser, eu estava enfeitiçado, ou você apareceu certo pra mim.

"Você gosta muito de Van Gogh...", comentei lhe olhando sereno.

"Eu me identifico com ele.", afirmou você mais firme, "Não em seu talento, claro. Sou muito diferente, nem sou tão talentoso", você se depreciava. "Mas em como podemos ser parecidos em artistas com mentes perturbadas", disse você com angústia nos olhos e aquele brilho desapareceu por instantes. "Em como eu vejo o mundo da mesma forma que vejo suas telas às vezes... Em como vejo a vida em traços embaçados ou como eu me represento como natureza-morta em pinturas impressionistas".

"Queria um dia ver uma obra sua.", pedia olhando em frente e voltando para você.

"Eu não posso...", agora você olhava para baixo novamente e segurava firme a barra.

Uma das coisas que mais desejei em você, era ver seu talento, eu poderia te olhar sem suas palavras, apenas eu. Eu poderia talvez até te enxergar por completo, toda sua essência, se visse seus trabalhos. Eu poderia te compreender melhor, mas nunca você me abrira espaço, estava fechado em seu passado conflituoso. Foi quando tentei pôr minha mão sobre a sua novamente, você me fez aquela pergunta....

"Você me ama", perguntou você enquanto afastava sua mão de mim e olhava para a paisagem.

Você me pegou de surpresa, por um momento fiquei abalado, talvez soubesse realmente do que se tratava, mas não queria que houvesse desavenças entre nós.

"Claro que sim, todo mundo ama seus amigos", respondia eu com um sorriso.

"Não, não desse modo...", cochichava você segurando cada vez mais forte aquela barra. "Do modo que eu não posso amar mais...", sentia sua amargura em cada palavra, você olhava para baixo.

Eu queria poder te dizer que te amava como nunca amara ninguém em minha vida, mesmo sendo recente, eu já sabia disso. Mas tantas e tantas vezes você desprezando o amor romântico, aqueles que os gregos antigos chamavam de Eros. Um amor que você dizia incapaz de ter, que só teve uma vez, que seria impossível ressurgir em você, tantas e tantas palavras de sofrimento. Me fizeram temer o amor que eu sentia por você, eu não poderia e nem queria perder você. Mesmo se isso me destruísse por dentro. Eu não te amava e eu não te amaria.

"Não, Claus. Eu não te amo desse modo." respondi frio, mas com cada parte do meu coração estava se despedaçando.

"Certo.", você se limitou a dizer isso e a roda voltou a rodar.

Você não temeu mais seu trauma após isso, se por um lado tive o ápice da minha alegria, resolvi desistir de tudo o que eu pudera sentir além do que já tínhamos. Eu não voltaria a este ponto nunca mais, eu prometi a mim mesmo.

===== Dias Atuais 24 de Dezembro 09h00min =====

https://youtu.be/TtIdUgdQvAo

— Você estragou tudo, você estragou tudo.... – repetia irracionalmente com minhas mãos entre a cabeça — Você estragou tudo, tudo! — Exclamava com cólera.

Ao ouvir a versão de Lourenço, eu me sentia profundamente enganado, eu sentia que tudo que vivemos até hoje era uma ilusão, que tudo era uma mentira, que eu não tinha amigo nenhum. Estava tudo acabado. Não tinha mais como me controlar, poderia ter uma síncope a qualquer momento.

— Você mexeu com a única coisa que você não poderia mexer – proferia descontrolado. — Meu passado! Estragou nossa amizade, estragou tudo que eu podia me segurar... – esbraveja descontrolado. — VOCÊ ESTRAGOU TUDO!

A cada palavra cheia de ódio que eu proferia a Lourenço, ele ficava mais nervoso, hesitava em dizer algo, calava-se e ficava mais aflito. Quando gritei de sobressalto, Lourenço veio bruscamente como um animal selvagem furioso, veio até mim como sua presa, exalava fúria me agarrou com violência.

— EU TE AMO! – gritava ele ao me machucar, podia sentir sua saliva expelindo em meu rosto.

— VOCÊ ESTRAGOU TUDO! – gritava rebatendo de raiva em total desespero.

Naquele instante, fechei meus olhos, tinha medo, terror, raiva, ódio, decepção, tristeza, um total estado de desordem emocional em ambos.

— EU TE AMO, DROGA!!!

Depois de seu grito estridente e irracional, Lourenço tentou me beijar à força, eu sentia sua boca quente e úmida, sua sáliva pegajosa, sua língua tentando violar a minha, era tudo muito nojento. Eu estava tremendo de medo com tanta brutalidade por parte de Lourenço, tentava usar força para empurrá-lo, naquele momento o peão negro já estava no chão e Lourenço feroz continuava tentando violar minha boca, machucava muito.

— Eu te am...ggghh – podia ouvir ele tentando falar com sua boca na minha.

— Páraaa Lou... – tentava falar ao lutar e tentar fugir da sua língua que me penetrava.

Tentava esconder minha língua, soltar-me de Lourenço, ele me puxava cada vez mais pra ele, eu chorava, eu já não tinha mais controle sobre as lágrimas. Tentava resistir, não desistir. Então usei meus dentes e mordia com toda minha força seu beiço.

— ME-ME-ME SOLTA! – mesmo que o som das palavras não saísse tão identificável, eu consegui gritar com uma pequena brecha da sua boca da minha.

Impulsionei toda força que tinha em mim em seus ombros e braços e nos meus dentes, mordi irracionalmente e em desespero, podia sentir sua carne em mim, ela se dilacerava em meus dentes, o gosto de ferro do pouco sangue. Não aguentando mais, ele se afastou de dor e me soltou, voltou para onde estava, era a personificação da fúria, seu olhar mortal, como quisesse me matar. Examinou sua boca, viu que seu beiço sangrava e doía intensamente.

— PORRA!

Ele teve um ataque, chutou a cadeira da sala que ficava perto violentamente na parede, chutou o rack da televisão, quase que o aparelho caindo, mas os objetos que estavam ali iam caindo e eu via tudo com medo, como se estivesse em câmera lenta, vendo aquele meu amigo que sempre fora calmo, que tentava me tirar do meu caos, estando tão desnorteado quanto eu. Meus pensamentos seriam se ele pudesse me matar, talvez eu não me importasse. Todavia, eu chorava muito, não o enxergava direito, minhas lágrimas embaçadas, minha voz turva.

— DROGA CLAUS! – gritou ele como se fosse seu último suspiro de vida. — Eu te amo... – ele suspirou com a voz mais serena que tinha. Era o final?

Não pude examinar sua expressão devido às lágrimas, tentei me recompor em vão, tentei achar o peão negro desesperadamente com o pé, não o achava. Apenas via Lourenço parado me olhando. Foi quando tentei recobrar a razão em Lourenço, controlando minha respiração desorganizada em sintonia. Pude ver um homem destruído, com a boca vermelha de sangue, com ódio e remorso.

— Me desculpa... – eu balbuciava. — E-E-Eu... Eu estraguei você, Lourenço. – dizia eu ofegante e toda lamúria voltava. — Eu destruí você...

— Claus...

— Tudo o que eu fiz, o modo como me comportava, como te tratava...Quem eu sou, minha sina, acabaram você. – Tentava manter a sintaxe entre o choro. — Me desculpa...

Levantei minhas mãos, mesmo de maneira turva, queria vê-las, olhava fixamente como se procurasse respostas nelas, mas tudo o que eu conseguia era me lamentar, lamentar por quem eu era, lamentar tudo o que eu fiz e não fiz, lamentar vidas que me abandonaram, lamentar pelo meu amigo que parecia estar esmaecendo. Meu medo do amor, o amor que tanto relutei, o amor que se escondera de mim, provocava desespero, provocava caos, provocava separações.

— O amor que eu tinha... O amor que era impossível pra mim, ele que tanto neguei, é tudo culpa minha. – lamentava descontroladamente. — Por tanto tempo me sentindo inferior e vazio por isso, me sentindo um nada perto de você, de Maurício, de todos que se foram.. — confessava entre as lágrimas enquanto olhava para minhas mãos. — Fui irresponsável como sempre. Não soube manter ninguém, não soube lidar com todas as dificuldades, não soube mudar, não soube amar...

Enquanto eu desabava e desabafava em meu momento de verdade, Lourenço parecia distante, não parecia mais demonstrar mais nada.

— Talvez você esteja certo agora. – indagou Lourenço indiferente. — Pressionar seus amigos com tanto amor... Elas deviam se sentir obrigados a serem seus amigos. — comentava ele insensivelmente — Talvez tenha feito isso comigo sem perceber, tenha feito com Maurício e todos os outros... – sua frieza era repentina. — Por isso estou agindo que nem um animal...

As palavras de Lourenço me doíam na alma, uma parte de mim não queria acreditar, ele era agressivo, me atacava sem compaixão, enfiava uma espada em meu coração. Estava abalado demais para para olhá-lo, as coisas que estavam entre nós, estavam lá, escancaradas e nos socavam. Quem havia de sobreviver? O sinal de uma persistência tantas vezes irritante e criticada em mim, não havia porque me fazer desistir.

— Não. – neguei veementemente. — Eu estava errado. – afirmei limpando meu rosto. — Você está errado. – disse firmemente me recompondo. — Tudo está errado. – Me levantei impetuoso. — Você não pode me culpar pelos seus demônios, Lourenço. — disse com furor nas palavras. — Eu tenho meus próprios fantasmas! – esbravejei.

— CALA A BOCA! – gritou ele chutando a parede.

— Sempre com tantos amigos em torno de você... — sussurrava lentamente. — E você se sentia tão só. – afirmei rígido. — Quando me encontrou – disse pausadamente e ri ironicamente. — Você pôde ver outra solidão além da sua em meus olhos. – revelei impassível. — E você pode ver que não estava mais tão só, e se apegou, e amou, e quis tomá-la pra si...

— AAAAHHHH!

— Você me pressionou com toda essa sua amizade...

Ele chorava incessantemente e eu pude compreendê-lo, pela primeira vez desde que o conheci. Eu queria chorar com ele, mas eu não podia... Era tarde demais para nós dois. Ele me olhou, com aqueles olhos tristes, aqueles olhos onde a solidão sempre habitaram e o consumia, olhos chorosos e brilhantes com a lágrima, estavam longínquo aqueles olhos.

— Deve ser verdade... – sussurrei enquanto ele me fitava, prendi meus punhos com força. — Um abismo atrai o outro.

O Lourenço fora de si parecia não estar mais lá, nem sabia sequer se Lourenço ainda permanecia ali, éramos dois fantasmas cheio de marcas profundas no peito. Seu olhar mudou, estava vazio como o meu era de ser.

— Me perdoa, Claus... – sussurrou ele saindo com rapidez da minha frente.

E Lourenço se foi, era como um déjà-vu, quantos e quantos iriam da minha vida... Eu fui forte até ele ir, não tinha pleno controle sobre meu corpo ou percepção alguma, apenas sei que cai sentado no sofá e desabei em um choro sem fim, um choro insensato, era única coisa que podia fazer, a única que podia ter algum sentido em minha vida. Tanto amor criara tanto Caos.

========== 10h02min ==========

https://youtu.be/CF7YzjXVcZg

Depois de me lamentar, as lágrimas secaram, talvez dissesse que me sentia um pouco melhor, mas não tinha qualquer estimativa de meu estado atual. A realidade voltando à tona ou surrealidade que eu desejava... Minha casa parecia que um furacão havia devastado, um furacão chamado Lourenço. Estava tudo uma bagunça, eu não estava bem, mas aquilo me incomodava, fiz uma faxina de cima a baixo naquela casa, lavei cada canto dela, pelo menos limpar esvaziava um pouco minha mente, mesmo fazendo faxina em uma casa que provavelmente perderia. Pelo menos algo tinha que estar em ordem na minha vida.

Cansado, exigiu muito esforço físico. Enquanto deitava na minha cama e comendo algumas frutas, ainda chorava por dentro, de lembrar de tudo. Eu me sentia sozinho de novo. Seria muita ilusão minha naquele momento acreditar que tudo ficaria bem, olhando para pelúcia que Maurício me dera de presente, que ficava de decoração no meu quarto, que tomei uma das maiores decisões da minha, não questionei, eu não tinha mais razão alguma. Eu iria embora, embora daquela cidade, desistiria do meu futuro, das pessoas que estivessem por perto, eu voltaria para minha fatídica terra natal. E não podia esperar mais nenhum minuto, era urgente, botava pressão sob mim mesmo. Com um pouco mais disposição fiz algumas malas com roupas que achava necessário, objetos, documentos e materiais. Tentei achar alguma rodoviária onde funcionava fluxo de viagens naquele dia, até encontrar, era cheia nessa época, usaria o dinheiro que eu economizava para viajar, estava decidido a partir o quanto antes. A cidade grande não me resguardava mais nada.

"Miaaaaauu"

— Oh, Cástor! – colocava-me de frente ao meu gato. — Não vou poder levar você e Pólux agora, infelizmente. – dizia enquanto fazia carinho nele.

"Miaaaauu, miaaauu"

— Prometo quando chegar na minha cidade, dar um jeito de trazer vocês o quanto antes, deixei ração e água o suficiente para vocês. – avisava ao meu gato.

"Miaaaauuuuu"

Desejava que aquela fosse minha última despedida na vida, mas se existia algo que eu teria certeza de fazer, seria buscar meus gatos, pareciam ter sido minha única família de verdade. Estava nervoso e ansioso com a viagem, minha cidade guardava tantos fantasmas, o lugar que formou quem eu sou, as pessoas que me cercaram... Um misto de temor e nostalgia. Agora na viagem, se tinha um lugar bom para pensar sobre a vida, era a janela de um ônibus, mesmo que eu odiasse esses meios de transportes, durante a viagem de mais de 8 horas, vomitei a cada hora, passava muito mal, mas nada disso era comparado ao meu emocional destruído, eu ainda conseguia refletir. Quando via que estava perto da minha cidade, meu coração escapulia, corpo trêmulo e muito cansado. A hora de encarar o passado novamente, mas sabia que sem tantas decepções, todas que eu tive na minha cidade já foram desamarradas há muito tempo.

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Sem palavras, só quero saber como vai terminar agora tudo isso.

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