Introdução
A minha histórica é um pouco longa, e fala de como as construções sociais podem te fazer viver uma farsa, até que algum acontecimento te faça acordar daquilo.
Meu nome é Maurício, tenho a mesma vida desinteressante de qualquer universitário de dezenove anos, moro numa república, tenho uma namorada da qual não tenho muito o que reclamar e por aí vai.
É estranho quando mesmo você vivendo em torno de uma diversidade imensa, a mídia, as crenças e o senso comum te fazem ter uma construção ideal de vida e você cresce acreditando que tem que se portar de tal forma, namorar alguém que seja daquela outra forma, ter amigos que não saiam fora do padrão e etc.
A única coisa que eu não obedecia era a questão dos amigos, pois meu melhor amigo é a pessoa mais fora do padrão do mundo e acabamos tendo uma imensa diferença de comportamento e aparência. Eu sou mais baixo (1,69), tenho um físico legal, cabelos castanhos, olhos claros e tento parecer discreto o tempo todo, me visto com roupas sóbrias, não falo muito alto, não sou fã de nenhuma diva do pop, não danço nas festas. Meu melhor amigo é o Miguel, é um pouco mais alto que eu, bastante mais magro, loiro, chama bastante a atenção; na verdade, chama a atenção demais! Ele fala alto pra caramba, faz piada com tudo, é fã de dezenas de divas do pop, de suas amigas e de qualquer mulher com a qual ele simpatize, está o tempo todo dançando, cantando e performando algo. Eu sempre me considerei heterossexual, sem quaisquer problemas relacionados a isso e Miguel é gay, mas passou por muitos apertos tentando negar a sexualidade mesmo já sabendo isso desde pequeno.
Conheço Miguel desde os cinco anos de idade, estudamos todos os anos da escola juntos, jogávamos videogame na minha casa quando éramos pequenos e eu ficava com o controle enquanto ele traduzia as cenas, definia estratégias e etc, aos poucos no afastamos quando ele tinha onze ou doze anos embora continuássemos estudando juntos. Hoje, estudamos na mesma faculdade, moramos na mesma república e cursamos a mesma área de engenharia. Nos falamos mais do que quando estávamos no ensino médio, mas muito menos do que quando ele tinha cinco anos e definia estratégias de videogame.
Embora tenhamos nos afastado nessa época, por algum motivo ele nunca me deixou na mão quando precisei! Uma vez, quando eu fiquei internado dois meses devido a um grave acidente descobri que ele já tinha levado meus trabalhos de reposição de aula e que eu tinha os feito muito bem, embora na verdade ele não tivesse falado nada sobre esses trabalhos nas duas vezes que consegui falar com ele (fiquei em coma induzido por boa parte do tempo), outra vez ele jurou na secretaria da escola que eu estava o ajudando a ensaiar para a competição de dança (minha escola tinha essas coisas) para me safar de ter fugido da aula chata de Geografia. Eu infelizmente falhei com ele, mesmo defendendo ele do Bullying algumas vezes eu não percebi que meu amigo passava por fases ruins em casa, ele enfrentou coisas que teriam me feito desistir da vida e enfrentou sozinho. Acho que ele é a pessoa mais forte que eu conheço.
Comecei a perceber muitas coisas nele tarde demais, já ele, embora nem esteja tão próximo de mim sabe exatamente o que eu gosto e não gosto, quando estou feliz ou triste, quando sei ou não algo e por aí vai. Não notei o afeto que tinha por ele até sentir por diversas vezes a dor de quase o perder.