Folhas Secas
Capítulo 5 – Sinas Predestinadas?
“Então é isso, eu vou. É agora ou nunca.”
Em mais um de seus impulsos, intempestivo como sempre, Cristóvão decide ir para perguntar, mostrando seu RG para os guardas, conseguiu passar para dentro, onde ficou observando os residentes pelos campos e pátios, mas seu destino era dentro daquela residência. Logo Cristóvão se viu em um saguão com alguns tapetes hindu e de cores quentes, só havia uma recepcionista ali, foi onde se prontificou de se comunicar.
“Boa tarde, minha vó é daqui, e queria saber como faço para vê-la.”, Cristóvão suava de nervoso, mesmo assim conseguia manter uma compostura séria e confiante.
“Ah, sim. Você só vai precisar de seus documentos. E falar com a Senhora Lourdes, dona desta casa de repouso”, dizia a jovial moça tirando papéis de cima de seu telefone. “Espera um instante enquanto verifico”, finalizou.
“Tudo bem, espero.”, disse Cristóvão se sentando em umas cadeiras do local.
|
|
|
|
Enquanto Cristóvão aguardava ser atendido por Lourdes, Igor já se familiarizava com o novo interno por alguns dias, Robson Neto, senhor, apesar de uma faixa etária que seria o início da terceira idade, tinha uma saúde péssima. Igor então se certificou de ser mais cuidadoso e amoroso possível.
“Então Seu Robson, vou cuidar do senhor por esses dias”, dizia Igor colocando uma bandeja com alguns remédios e um aparelho na mesa.
“Gostava mais daquela outra moça.”, disse o senhor indiscreto fazendo Igor sorrir.
“E quem não gosta, né?”, Igor replicava rindo enquanto examinava os remédios. “Também sou novo aqui, seu Robson, três meses já, sei como pode ser difícil uma nova adaptação.”, inferia tentando se aproximar.
“O lugar não é ruim, não. Mas preferia estar na minha velha cidade, na minha casa. O imprestável do meu filho me largou aqui às traças quando nos mudamos pra cá.”, resmungava o velho sentado em sua cama com uma camisola.
“Não guarde rancor do seu filho, pode ser que ele achou que o senhor seria melhor cuidado aqui, nem todos tem dinheiro, paciência e tempo pra cuidar tão bem de seus entes.”, explicava Igor singelamente.
Robson já demonstrava que os sinais do envelhecimento chegara a todos, as manchas em sua pele parda expressavam tanto tempo de trabalho ao sol, ainda desejava em seu interior ser o jovem dos 20 anos que era ao olhar para Igor, parecia que tinha desistido de viver, por isso adoecera tanto.
“Pode ser também. Só que sinto falta dele, foi o único filho que sobrou para cuidar de mim, sei como ele é uma boa pessoa.”, dizia Robson com sua grave arqueando seu bigode grisalho. “Amanhã é meu aniversário de 69 anos, todo ano minha filha mais velha comprava um buquê de flores pra mim, e todo mundo almoçava junto pra comemorar.”, contava o anoso nostálgico.
“Seus filhos vão vim te visitar?”, Igor questionava quando colocava cada dosagem certa nas mãos com um copo de água na mesa.
“Minha filha morreu em um acidente há três anos.”, revelava o velho com semblante tristonho. “E meu outro filho morreu também em um acidente, estava bêbado. Foi há dois anos. Por isso só sobrou meu filho Ângelo pra cuidar de mim, e agora tô aqui, com você. “, finalizou Robson olhando fixo para Igor que deixou cair um copo plástico.
“Meus pêsames, senhor Robson”, disse Igor pegando o copo e olhando para o senhor.
“É a vida, sempre é assim, nos dá alegria e depois nos mata por dentro querendo seu pagamento para manter o universo em equilíbrio.”, suspirou o velho tocando no peito.
“Ah, Seu Robson. A vida pode ser muito mais que momentos tristes, sempre temos alegria iguais às tristezas que ganhamos, numericamente ou intensamente.”, Igor sorria.
Algo em Igor parecia assuntar Robson, com certeza queria saber mais daquele jovem, não por suas palavras, talvez fossem até vazias diante de uma imensidão de amarguras. Mas de certo, Igor era especial, sua esperança sempre no melhor era indissociável. Então por um momento, um único momento um brilho nos olhos de Igor acendeu uma chama no coração daquele pobre idoso.
“Suas palavras não me significam nada.”, resmungou o velho que sob a cortina da janela aberta se pôs. “São tão vazias quanto as esperanças que hão de se pôr nessa geração.”, ressaltou Robson de costas à Igor.
“Senhor...”, murmurava Igor um tanto decepcionado.
“Porém, tem algo em você.”, interrompeu Robson se virando para o jovem. “Em você, que me faz pensar que tudo isso pode estar vetorialmente errado, e acho que isso se credita em esperança na vida hehe.”, Robson dava um breve sorriso banguela. O que fez Igor sorrir também.
“Seu Robson “, iniciou o enfermeiro feliz com a resposta do velho. “Prometo pela minha vida falar com seu filho, caso ele não venha até aqui. Posso trazer ele até arrastado se quiser.”, prometia Igor totalmente obstinado.
“Hehehe, muito obrigado meu jovem.”, disse Robson que se aproximava para apertar sua mão.
Com certeza, para Igor aumentar as esperanças daquelas frágeis pessoas, com tristezas condicionadas a seu muito tempo de vida, era sua felicidade, era sua missão. Fazer que os outros não sentissem como ele se sentiu cada dia da sua vida no orfanato. Mas não seria o momento para se alegrar.
“Igor!”, uma voz esbravejava da porta clamando seu nome, interrompendo.
De repente Igor percebeu que a porta estava aberta, e lá estava Eliza com um semblante muito sério, Igor estranhou a situação com a amiga. Parecia dilacerá-lo com os olhos, até ouvir seu segundo chamado.
“Olha, é minha enfermeira. “, disse o velho com olhar cínico.
“Igor, venha cá! “, Eliza gesticulou indo para fora. “Quero conversar “, disse por fim.
“Espere aqui, senhor Robson, pode tomar seus remédios sozinho se quiser, tá tudo separado já. Depois venho aferir sua pressão com esfigmomanômetro. “, avisava Igor de prontidão se afastando.
“Eu ia tomar sozinho do mesmo jeito.”, o velho deu te ombros e esperou Igor fechar a porta.
De portas quase fechadas, entreaberta para Igor ter uma visão de Robson Neto, no corredor dos quartos dos residentes internos, Eliza e Igor se ajeitava um frente ao outro. Eliza lançando um olhar fulminante como se Igor compreendera o que se passava em sua cabeça, balançando para um lado para outro em seu uniforme branco aflita. E Igor totalmente confuso com a atitude da amiga, querendo uma explicação para ocorrido, pensava se tratar de algo grave, mas foi quando Eliza parando de seu vai-e-vem começa a falar por um impulso:
“Você tá louco o quê?”, sussurrou Eliza perplexa. “Prometendo o que não deve a um interno!”, disse ela repreendendo o amigo. “O que deu em você!?”, indagava ela já nervosa gesticulando com a mão na cabeça.
Igor se mostrava atordoado com Eliza, tinha certeza que o vira, mas não entendia a gravidade da situação do modo que sua amiga fazia parecer, então concluiu ser melhor se acalmar e explicar direito.
“Olha, Eliza, olha”, começava já um pouco atrapalhado com tantas informações. “Eu só disse que ia atrás do filho dele se ele não viesse até aqui. “, falou Igor tentando acalmar a amiga.
“Pensa que sou boba ou quê, Igor!?”, resmungava Eliza totalmente raivosa. “Sabe que não podemos nos meter na vida familiar dos residentes daqui, não importa o quanto seja triste.”, falava abaixando o tom de voz.
“Eu não acho isso certo, você sabe bem.”, dizia Igor com cautela olhando para porta. “Se posso ajudá-las, para que no mínimo estejam felizes e esperançosos em seus últimos dias de vida, por que não fazer?”, Igor discursava com as palavras mais hábeis que tinha.
Eliza olhava friamente para Igor, analisava-o e parecia refletir totalmente impassível o amigo naquela situação.
“Quantas?”, Eliza inflexiva.
“Quantas o quê”, indagou Igor confuso com a pergunta.
“Igor, eu te conheço. Pra quantos residentes você prometeu o que não devia, se envolveu com a família.”, falava Eliza não conseguia raciocinar direito. “Quantas!?”, esbravejou por fim.
“Eu só disse Sebastião que sua família viajou de férias no início do ano, e não poderia vê-lo, e daí aconteceu aquele mau agouro. E comprei uma santinha para Dona Hilda dizendo ser de sua filha que trabalhava muito.”, Igor Relatava em algum temor.
“Droga, Igor!”, murmurava a enfermeira quase que batendo na porta. “O que pensa que tá fazendo? Mentindo e enganando essas pessoas? Eles não são crianças. Se alguém da família descobrir o que você anda fazendo ou até a Nazaré, a Lourdes, você nunca mais trabalha de enfermeiro nessa região, você tá me entendendo?”, advertia Eliza efusiva.
“Tenho total ciência do que faço.”, disse Igor. “E Droga! Eu não sou um monstro pra ver familiares jogando seus entes aqui como se fossem nada, e não fazer nada!”, aumentava o tom de voz indignado.
“E você acha que sou um?”, indagava Eliza. “Trabalho aqui há 3 anos, e sei muito bem como isso fere nossa alma, só tento fazer o máximo pra que eles vivam bem aqui e não acabando com a minha vida!”, confessava Eliza atônita.
“SEU ROBSON!”
Em único grito súbito, Igor quando entreolhava para dentro do quarto com a abertura da porta, sua visão era clara, Robson Neto tentara tomar seu remédio, mas seu corpo se paralisava, o copinho de plástico com água que segurava em sua mão direita, primeiramente transbordava de tanta tremedeira, sua face petrificava, o copinho ganhava o chão molhando o piso e seu corpo se desfalecia junto ao chão. Igor rapidamente adentra o quarto para socorrê-lo, seguido por Eliza percebendo a situação em um total desespero.
“Robson, Robson! Fala comigo!”, esbravejava Igor tocando seu rosto que se abaixava.
“I-i-i-gui”, balbuciava Robson com dificuldade.
“Ele tá tendo um derrame!”, Exclamava Eliza nervosa.
Igor prontamente abria seus olhos para ver sua pupila dilatada, aferia seu pulso, garganta e apalpava seu corpo afim de constatar seus pontos vitais, Igor estava nervoso também não queria perder outro, assim como Eliza.
“Gui-gui-go Eli-li”, continuava o senhor tentando falar.
“Droga!”, gritou ele.
“Temos que nos acalmar, Igor!”, falava Eliza abalada. “Vou chamar o Doutor Humberto!”, disse ela saindo em uma velocidade.
“Isso, vai!”, disse Igor concordando
Igor começara a desesperar frente à condição de Robson, não fizera mais nada, olhava para ele temendo o pior, mas foi o tempo de Humberto aparecer com alguns enfermeiros invadindo aquele quarto, enquanto Igor só observava.
“Temos que levá-lo para o hospital mais próximo, preparem uma ambulância!”, gritava Humberto ao sair do quarto com o corpo de Robson Neto.
Foi o tempo de Igor totalmente estático se mover, e ir atrás deles, seria um inevitável e trágico destino.
|
|
|
|
“Desculpa senhor, mas agora não vai ser bom momento para vê-la, volte outra hora por favor?”, dizia a recepcionista aflita enquanto discava um número no telefone.
“O que tá acontecendo, senhora?”, perguntava Cristóvão confuso.
Formava-se um rebuliço no local, um entra e saí de enfermeiros, ouvia-se gritos, um aspecto um tanto assustador, juntando à recepcionista aflita, mas não para Cristóvão, este parecia se fascinar mais de tanta curiosidade.
“Um interno teve um AVC, desculpa, tenho que mandar uma ambulância!”, disse a mulher cortando o papo.
Misteriosamente a resposta da recepcionista animou Cristóvão, era uma circunstância vantajosa para ele, um sorriso sórdido abria-se em sua boca com seus pensamentos soturnos. Finalmente podia-se ver, como em câmera lenta o corpo de Robson Neto paralisado em uma maca cheia de homens de brancos aos lados correndo urgentemente junto com um homem, quando seus olhares se cruzaram, era familiar para ele, o mesmo do cemitério. Humberto se deparando com ele também ficou muito surpreso e estranhando tudo, mas não tinha tempo para isso. Pois logo após seria o encontro dos dois personagens dessa história, Igor vinha logo atrás mais afastado e correndo em menor velocidade, dando de cara com Cristóvão, um rosto de familiar que se destacava em sua mente desde o funeral de Sebastião. E Cristóvão muito mais instigado e confuso por percebera que era o mesmo homem que repará-lo noutro dia. Então Igor em todo processo de lentidão se sua mente, o tempo parava diante desse encontro, não seguia mais a maca, parou para observá-lo.
“Você!”, gritou Igor. “Quem é você!? Eu já te vi no enterro de Sebastião e agora aqui!?”, indagava Igor há alguns metros de distância totalmente atordoado, não seria por menos, uma figura pálida e toda de preto poderia ser muito misteriosa.
“Eu?”
Soou como um suspiro de tão fugaz que se foi.