O jantar foi muito divertido, deu para matar um pouquinho da saudade. O pessoal foi embora só as 1h da manhã. Eu quase não falei com mamam durante toda a noite, e ela percebeu que havia algo de errado, mas deve ter preferido não falar nada naquele momento.
- Eu estava louco para dormir na minha cama! – Eu disse me jogando na cama após ter tomado banho
- Uma hora dessas o Pi estaria lá em casa... – Ele deitou ao meu lado
- Eu também estou com saudades dele, amor.
- Como será que ele está lá?
- Ele me disse que estava bem, mas que sentia muita falta da gente. Ele se faz de durão, diz que gosta de morar sozinho, mas isso não é verdade, não. Ele sente falta da família.
- Por que ele não conversa logo com a família dele?
- Tu não conheces meu tio, tu não achaste estranho minha tia sempre vir sozinha nos visitar?
- Na verdade, não. Para mim, o marido dela era ocupado demais, como o Pi havia falado, e não tinha tempo pra ir até Paris só nos ver.
- Não, amor. Ele só não foi lá por que éramos nós que estávamos lá, entendeu?
- Ele é preconceituoso?
- E é um dos piores... É por isso que o Pi não fala nada, ele tem medo.
- Normal! Mas, uma hora ele vai ter que abrir o jogo com os pais.
- Eu sei e eu deixei isso bem claro pra ele, ele me disse que na hora certa ele fala.
- Bom, espero que dê tudo certo. Mas, se teu tio é tão preconceituoso como tu falas, o Pi vai ter bastante problemas.
- Meu tio é de uma família tradicional francesa, leva a sério vários costumes hierárquicos e antiquados. Então, sim, o Pi vai ter muitos problemas.
Nós ficamos em silêncio, o quarto estava todo escuro. Eu falava do Pi, mas eu estava pensando em como seria o dia seguinte. Ter que ficar o dia todo em um hospital não era um dos meus programas preferidos.
- Amor, tu estás com medo? – Ele me perguntou fazendo carinho na lateral do meu corpo e pousando o queixo bem no meu braço, pois eu estava de costas para ele.
- Não!
- E por que tu ficaste quietinho de repente?
- É que eu não gosto muito de hospital, e passar o dia inteiro lá amanhã não vai ser muito legal.
- Eu vou estar lá contigo, não vou sair do teu lado.
- Eu sei! Obrigado por se preocupar tanto comigo e sempre cuidar de mim. – eu virei de frente pra ele.
Nós nos ajeitamos na cama, ficamos lado a lado.
- No nosso casamento eu prometi que sempre iria cuidar de ti, e eu sempre vou fazer por que eu te amo. – Eu me aconcheguei nos braços dele.
- Hoje a Loh me disse que eu tenho sorte, sabias?
- Sorte?
- É, sorte por te ter na minha vida.
- Eu é que tenho sorte, mocinho. - Ele me apertou e eu sorri - Tu lembras como eu era antes de ti? Eu nem amigos tinha... Contigo, eu ganhei o amor da minha vida e mais vários amigos.
Eu adorava quando ele falava essas coisas. Eu me sentia seguro ao lado dele por que eu sabia o que ele sentia, o que ele pensava. Bruno não era o cara perfeito, ele cometia os deslizes dele também, assim como todo mundo. O que o diferenciava, era que ele me encantava com pequenos gestos, desde o nosso namoro ele fazia isso. Ele sempre me dizia que me amava, sempre deixava isso bem claro, sempre estava ao meu lado em todos os momentos. Ele podia não ser perfeito, mas eu o amava mais do que tudo.
- Amor?
- Oi?
- Como vai ser amanhã? – Eu perguntei
- Nós vamos ter que sair bem cedo, será que nosso carro tá funcionando direitinho?
- Deve estar, lembra que tu pediste para o Dudu dar umas voltas nele.
- Verdade! Agora, será que ele fez isso?
- Pode apostar que sim.
- Bom, então a gente vai sair bem cedo, tu tens que fazer uma bateria de exames, vamos refazer todas as tomografias feitas em Paris, vamos estudar muito bem o teu caso, já falei com o pessoal do hospital e minha equipe está nos esperando.
- Isso tudo é tão chato!
- Eu sei, amor! Mas, é fundamental que tu faças todos esses exames.
- Eu sei...
- Vai ser só amanhã... Terminando tudo eu venho contigo pra casa.
- Até parece que vai ser só amanhã, né Bruno? Serão meses de tratamento.
- Serão mesmo, mas nós vamos procurar as maneiras menos ofensivas possíveis.
- Tudo é ofensivo e agressivo quando se fala de câncer...
- Ok! Ok! Não vamos falar sobre isso agora, tá? Hoje, eu só quero dormir agarradinho contigo, na nossa cama, na nossa casa.
Nós ficamos agarradinhos e conversando até adormecermos.
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- Acooooooooooooooooooooooooorda, viado! – Eu sentei na cama com muita velocidade com o susto que eu levei
- Sua macumbeira de beira de estrada, o que tu fazes aqui? – Pelo grito eu já sabia quem era.
- Eu vim pra acompanhar vocês lá no hospital. Levanta logo que tu estás atrasado!
- Cadê o Bruno?
- Ele está lá embaixo falando com o pessoal do hospital.
- E ele te deixa subir aqui? E se eu estivesse pelado?
- Tudo o que tu tens aí eu já vi e revi, então, não te estressa com isso. – Ela se jogou na cama, mas teve cuidado para não cair em cima de mim.
- Tá, mas agora é diferente. Agora, eu sou um rapaz casado
- E o que é que tem? Como se eu fosse uma ameaça, não? Tu nem gostas disso aqui, meu filho.
- Tá bom, tá bom!
- Bora, levanta essa bundinha linda e vai logo tomar teu banho senão eu mesma te levo para o banheiro.
- Eu hein, a pessoa chega na casa dos outros atazanada desse jeito? – Eu falei levantando da cama
- Isso mesmo! E não demora por que eu estou com fome e quero tomar café.
- Mas é muito folgada mesmo, viu?
- Adoooooroooo a comida da Dona Cacilda, essa mulher é uma fada.
- Pois vou ordenar que ela pare de te alimentar.
- Experimenta fazer isso, Antoine... experimenta! – Ela me olhou com o olhar fatal que ela só faz quando se fala de comida
Eu entrei no banheiro e a deixei resmungando na minha cama. Tomei um banho rápido e sai só de cueca.
- Ual, tá gostoso, hein amigo?!
- Unrum, sei!
- Sério, tu estás muito gostoso. O que tu andaste fazendo na França?
- Nada demais! – Eu falei procurando uma roupa
- Mas que tu estás gostoso, ah isso tu estás. Olha essa bunda, que inveja dessa bunda! Teu corpo ta bonito, tá tudo no lugar certinho. Nada em exagero e nada faltando.
- Beleza, Jujuba, agora tu estás me deixando com vergonha.
- Até parece que tu tens vergonha de algo, viado. – Ela me jogou um travesseiro
- Maluca! Deixa eu me arrumar, vai?!
- E eu estou te impedindo por acaso? Tô segurando tua perna, teu braço? Anda logo, Antoine!
- É hoje, meu Deus! É hoje! Ela tá atacada! – Eu disse vestindo minha calça
Eu me arrumei e ela ficou matracando, eu nem entendia o que ela falava, mas eu sorria e balançava a cabeça quando eu achava ser necessário.
- E aí? Tá bom?
- Nossa, olha, se tu gostasse da minha frutinha eu te pegava de jeito aqui e agora.
- É, mas a frutinha que eu gosto e bem diferente da tua, então, sossega a periquita! – Eu disse rindo feito um louco daquela maluca.
- Infelizmente tu gostas da mesma fruta que eu.
- Que papo estranho esse de fruta, eu hein! Vamos tomar café que é melhor...
- Ain, agora sim! Vamoooos que eu estou morta de fome!
- Credo, não tem comida na tua casa, não?
- Tem, mas eu tive que madrugar aqui, né meu filho? Então não deu tempo para eu fazer café em casa.
- Hum... Ah, como tá a casa? Tu ainda não destruíste ela não, né?
- E eu tenho cara de Dudu, por acaso?
- Eu preciso responder?
- Aaaaaaaah sua bichinha!!!
Eu sai correndo do quarto e desci as escadas.
- Ei, por que essa correria toda, tu não podes fazer isso, não?
- Bom dia pra ti também! – Eu dei um beijo no Bruno
- Bom dia, amor! Tu não podes descer as escadas assim e se tu te machucas?
- Não exagera, né mozão? Eu estou super bem!
- Vem cá, Antoine! – Jujuba desceu as escadas enfezada.
- O que vocês estavam aprontando?
Eu fiquei atrás do Bruno.
- Não adianta te esconder atrás do Pão (era assim que ela estava chamando o Bruno). Vem cá! Vamos resolver isso de viado para viada.
Eu não me controlei e ri demais daquela doida.
- Meninos, o café já está na mesa.
- Glória a Deus! – Jujuba disse indo para a sala de jantar – Depois resolvemos esse probleminha.
- Que problema? – Bruno perguntou a mim
- Eu, indiretamente, disse que ela parece com o Dudu.
- E ela parece mesmo!
- Eu ouvi isso aí, hein? – Ela disse de boca cheia
- Sua porca! Come direito!
- Eu estou com fome, tu demoraste uma vida pra te arrumar...
Bruno e eu fomos tomar nosso café também.
Durante o café Bruno me explicou quais exames eu faria e disse que todos demorariam o dia todo, como já estava previsto. Ele me disse que a equipe já estava preparada e que faríamos tudo o mais rápido possível.
- Meu filho, tudo vai dar certo!
- Obrigado, dona Cacilda! – Eu a abracei e ela me apertou em seus braços.
- Deus está contigo! – Ela me soltou e nós entramos no carro.
Nós fomos em silêncio até o hospital. Chegando lá as enfermeiras, os médicos, todos que cuidaram de mim quando eu estive doente lá vieram falar comigo. Todos me receberam e falaram que tudo daria certo.
Eles me levaram para uma sala onde eu faria o primeiro exame, enquanto as enfermeiras me preparavam para o exame, Bruno saiu da sala e foi até a sala dele. Ele só voltou na hora de fazer o exame e ele trouxe mais dois médicos com ele.
- Oi, amor!
- Oi! Olha só, minha bunda fica aparecendo.
- Antoine! – Ele sorriu
- O que foi? Aparece mesmo, eu vou passar o dia inteiro com a bunda do lado de fora? As roupas antigas do hospital não eram assim, não.
Os médicos e as enfermeiras riram do que eu falei.
- Amigo, se for preciso tu passas o dia inteiro pelado, mas tu vais fazer todos esses exames hoje e vamos logo começar com isso. Deixa tua bunda aparecer, não tem problema nenhum.
- Também não é assim, né Jujuba? – Bruno disse
- O que? Vai ter ciúmes dele aqui? Agora?
- Não... quer dizer, sim. Não quero a bunda do meu marido exposta pelo hospital durante todo o dia. Põe a cueca, amor.
- É por isso que eu te amo! – Eu corri e peguei minha cueca e a vesti.
- Mas e o exame?
- Quando ele for fazer os exames que não permitem o uso da cueca, aí ele tira, mas até lá, ele fica de cueca.
- Sim, senhor! – Disse uma enfermeira rindo da situação.
- Bom, agora que já está tudo protegido, deixa eu te explicar o que vamos fazer.
- Ok!
- Amor, nós já temos a tomografia que fizemos em Paris, portanto, nós não vamos começar por ela. Mas, ela será um dos exames realizados hoje. Nós vamos começar pelo exame de sangue. Vai ser um exame de sangue completo, então será retirado bastante material. Após o exame de sangue, vamos fazer um exame chamado Cintilografia Óssea. A enfermeira vai injetar uma pequena quantidade de material radioativo no teu corpo, nós vamos ter que esperar algumas horas para essa material agir no teu corpo. A parte cancerígena do teu corpo vai atrair esse material e nós vamos poder mapear toda a extensão do tumor por meio de uma câmera especial, esse exame é bem moderno e novo aqui no hospital, eu nem sabia que tinha, só o conheço por que eu o estudei lá na França. Por meio desse exame, nós vamos poder saber se há câncer metastático também.
- Ok! O que mais?
- Bom, depois vai a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e por último vamos fazer a Tomografia por emissão de Pósitrons.
Ele ainda me explicou como seria realizado cada exame, mas eu não prestei muita atenção, pois se eu tinha que fazer tudo aquilo de exames, e exames muito caros e modernos, é por que ele já suspeitava de algo, algo grave que ele não queria me falar. Eu não falei nada, deixei que eles realizassem todos os exames e o dia inteiro eu entrei e sai de máquinas, fui espetado, furado e analisado de todas as formas possíveis. Bruno e Jujuba não saíram do meu lado nem um segundo sequer.
Bruno sempre segurava minha mão quando ele percebia que eu estava com medo, ele tentava ser o fortão mas eu podia ver nos olhos dele que ele estava sofrendo tanto quanto eu. Fazer todos aqueles exames não era um bom sinal e nós sabíamos disso.