Amor de Carnaval não Vinga (17)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 5001 palavras
Data: 05/12/2015 02:57:22
Última revisão: 05/12/2015 03:01:08

"Ela cantava pra mim, eu não ouvia; Ela sorria pra mim, eu não sabia; Sempre vinha pra mim, mas eu não ia; Quando eu percebi, outro alguém já existia..." (Papá Papet, Timbalada).

===

- Prontos?

Encarei a expressão de ambos e destranquei a porta de vidro, liberando o acesso ao imenso recinto. Juliana olhava para os lados, tentando identificar o limite das áreas. Seguramente, estava querendo comparar com o tamanho da visita anterior.

- Só para eu trabalhar a informação na minha cabeça, estamos falando de um andar inteiro desse prédio? – Marcos parecia chocado.

- E é quase o mesmo preço daquele conjunto de escritórios que a gente foi olhar. O que uma mudança de bairro não faz... Esses corretores estão ficando loucos!

- O arquiteto está sabendo disso? – minha sócia estava desconfiada.

- Foi ele que me indicou, quis fazer um mistério para você. Legal né?

- Você já fechou o negócio? É muito grande Guto!

- É o que a gente precisa, e tinha que ser rápido. Vamos começar? – não escondia a animação.

Peguei um pedaço de giz e dividi em três, entregando uma parte para cada.

- O que vão fazer? – Marcos não entendeu a intenção do gesto.

- Demarcar a empresa dos sonhos. O pessoal do estúdio vem aqui tirar as medidas e vamos nos reunir posteriormente para conhecer o projeto da reforma.

- Entendi. Tenho o poder da escolha também?

- Não, você pode traçar o lugar do sofá onde vai ficar me esperando todo dia – a esposa brincou.

- E a localização do salão de jogos. Deixo até você colocar um frigobar lá.

- Engraçadinhos... Com um espaço desses, me dou o direito de colocar um quartinho do amasso também.

Rimos os três, sem denotar que ele estava realmente falando sério. Começamos o exercício riscando a delimitação da recepção. Não sabia ao certo se era humildade ou completa falta de noção dimensional, mas precisei redesenhar minha sala algumas vezes, ampliando a extensão para que o conjunto fizesse sentido. Juliana estava bastante empolgada, assinalando onde seria a sala de reuniões, cantina, um ambiente aberto para os programadores... Parecia que tudo já estava planejado em sua mente.

Vencida essa etapa, revisamos todo o rascunho, enquanto Marcos comprava algo para almoçarmos. Estava bastante quente, mesmo com todas as janelas abertas, mas o trabalho árduo valera a pena. Sairíamos do pequeno galpão escondido e afastado para ganhar uma cara de empresa grande e moderna. Mais do que contente por me ver crescendo profissionalmente, me via realizado por poder fazê-lo ao lado de quem considerava minha segunda família.

Quando o nosso office boy retornou, já esperávamos sentados no quadrado rabiscado do refeitório. De uma sacola, retirou alguns copos plásticos e latas de cerveja, organizando os sanduíches em cima de guardanapos, que faziam a vez de uma toalha de mesa improvisada:

- Ao sucesso de vocês – convidou para um brinde.

- Não – interrompi – Eu prefiro brindar a um pacto.

- Qual?

- Continuarmos sempre assim: unidos, amigos confidentes e cúmplices de todas as horas. Não importa a situação, nada pode arruinar isso.

- Nem precisava dizer. Trato feito!

Entornamos a bebida e, sem cerimônias, partimos para o ataque. De esfomeados, passamos a bagunceiros, fazendo a maior sujeira. No fim, tudo era estímulo para sorrir. Para mim, sem dúvidas, essa era a plenitude da felicidade.

===

Sete anos depois

Os dias de calmaria antes da tempestade:

Terça-feira (ou dois dias antes da queda de Júlio)

A viagem tinha sido arrastada e cansativa. Desde o desembarque durante a madrugada, não consegui dormir um segundo sequer. Ainda assim, meu cérebro seguia em plena atividade. Saí do Rio de Janeiro sem a certeza do sucesso ou uma garantia de segurança para Vinícius. Sabia que tinha feito tudo o que estava ao meu alcance, mas não vivia a sensação de um plano concluído.

Cheguei cedo à firma. Era o dia da pré-reunião com a agência da empresa de vestuário. Minhas atenções estavam totalmente voltadas a isso. Avaliei a apresentação que tinha iniciado e a criação posterior da equipe. Fiz algumas modificações e quando Juliana chegou, estava tudo pronto.

Não escutei nenhum questionamento sobre a minha ausência ou alarde sobre o comportamento do irmão. Pelo contrário, ela estava brincalhona como sempre. Também não cheguei a discorrer com Flávio sobre o ocorrido. Esforcei-me para deixar os últimos acontecimentos em segundo plano.

Pela tarde, fui anunciado a Verônica, o atendimento da conta e a nossa principal ponte entre as companhias. Ela possuía um porte físico que com certeza deveria encher os olhos de muito marmanjo (e mulheres também), apesar da baixa estatura. O conjunto de cabelos castanhos longos e a simetria perfeita entre os olhos azuis e o nariz arrebitado era algo irritante, mas a simpatia ganhou méritos. Na sala de conferências, junto a outros dois membros da diretoria, expus o que seria mostrado na tarde seguinte com o cliente. Expliquei todo o conceito, a ideia e o funcionamento do que seria relatado. As reações eram das mais animadas e isso me tranquilizava.

Após algumas observações e cumprimentos finais, alinhamos alguns procedimentos para a reunião fundamental. O entrosamento era evidente, e aquela parceria poderia render bons frutos. Pedi licença aos presentes e deixei minha sócia distraindo-os, exercendo o seu lado extrovertido. Mais uma vez, chequei o e-mail e sites de notícias. Nenhuma novidade.

À noite, a ausência de Gustavo na aula de natação era um balde de água fria. O seu silêncio, físico ou virtual, era perturbador. Não entendia a sua frieza ou os motivos desproporcionais da sua chateação. Cedo ou tarde, teríamos que debater sobre o tema, e eu não sabia ainda como me posicionar.

===

Quarta-feira (ou um dia antes da queda de Júlio)

- Vamos? – Juliana estava a postos na entrada da minha sala.

- Já?

- Almoçamos juntos em algum lugar perto e seguimos direto.

- Pode ser. No seu carro mesmo?

- Fechado. Desço agora e te espero na garagem.

Salvei os arquivos da exibição, guardei algumas imagens impressas em um envelope e segui ao seu encontro. A pauta “trabalho” comandou o trajeto até o restaurante. Só com a escolha do cardápio feita, nos permitimos colocar o papo em dia:

- E a festa lá no Rio? Nem tivemos tempo de resenhar. Foi legal? – ela começou.

- Foi sim – disfarcei – Bem divertida. O Guga não te contou?

O argumento era o pretexto ideal para saber da vida do meu “comparsa-pretendente”.

- Não. Nessa correria, mal o tenho visto...

- Hum, também não tenho conversado muito com ele. Será que tá tudo bem?

- Por quê? Aconteceu alguma coisa que eu deva saber? – ficou em estado de alerta.

- Claro que não. É que seu irmão é sempre tão comunicativo... – instiguei.

- Tirando o fim de semana da curtição de vocês, ele tem aproveitado para estudar bastante, o que é ótimo. Acho que o Gustavo finalmente está tomando as rédeas da sua vida.

- Que bom. Aquele ali pode ser bem teimoso às vezes...

- Sério? Conheço uma pessoa igualzinha a ele – ela me encarou, rindo.

Pensei em abrir o jogo sobre os sentimentos velados que começaram a me atormentar, mas a chegada do garçom com as bebidas parecia ser um sinal claro de que deveria manter a cautela. Decidi mudar de assunto:

- E você? Aproveitou a folga?

- Como assim? – tentava disfarçar.

- Atividades físicas a dois, manter a chama acesa, colocar a tcheca pra sambar... Eu posso ser mais direto se você preferir.

- Para com isso! – suas bochechas coradas já eram resposta suficiente.

- Uhhh... – debochei – Já vi que a cegonha está a postos.

Seu semblante ficou mais compenetrado, como se estivesse incomodada com a chacota.

- Falei o que não devia? – me preocupei.

- Não, não é isso... É que às vezes eu fico imaginando que tem algo errado comigo, e ainda não criei coragem para comprovar.

- Como assim, Ju? – o tom da conversa tinha mudado abruptamente.

- Já tem algum tempo que eu parei de tomar anticoncepcionais, Guto. E simplesmente não acontece. Acredite, não é por falta de tentativa – seus olhos ameaçavam lacrimejar.

- Ei, ei, calma... – me apressei em intervir – Existem diversos fatores que podem estar colaborando. Talvez vocês estejam esperando muito por isso, e a expectativa deixa todo mundo ansioso.

- Sei lá... Só queria que meu relógio biológico parasse de gritar um pouco.

- Relaxa, não tem nada de errado com você, tá? Não fica pensando nisso.

Precisava encontrar uma forma de desfazer aquele semblante desolado. A vinda do almoço parecia uma excelente oportunidade:

- Já pode colocar um sorriso nessa carinha. Olha a quantidade de camarão que veio no seu prato. Deveria ter pedido a mesma coisa.

Ela esboçou um meio sorriso, tentando se recompor.

- Ok, foi uma péssima tentativa – admiti.

- Foi mesmo – seu lado festivo voltava à ativa – Esperava muito mais de você.

Cacei alguns frutos do mar para provar a sua escolha e continuamos o papo, já emendando em outro assunto.

===

Estávamos inquietos, aguardando na recepção, quando Verônica apareceu. Fomos convidados a conhecer o local e, atravessando a sala de espera inicial, pudemos entender a razão da filial ser líder no segmento em que atuava. O lugar era enorme. Os corredores pareciam levar a ambientes que se desdobravam em dezenas de outros novos, todos com decorações descoladas e pessoas concentradas.

Após o rápido tour, também conhecemos o diretor do empreendimento, que participaria do encontro, e fomos direcionados à sala de reuniões. Repassamos as ideias discutidas, combinamos o momento em que começaríamos a discursar e deixamos a demonstração a postos. Pouco depois do horário agendado, a comitiva da empresa foi anunciada.

Dois senhores e uma jovem sentaram-se ao redor da gigantesca mesa, acompanhados por todos. Cada um teve o seu nome e o cargo revelado a Vicente, o ocupante do posto central com um ar de durão e, agora já sabido, dono da companhia de vestuário. O motivo da nossa parceria estava atento a tudo, mostrando-se interessado em entender a participação de cada um dentro do projeto.

A Wear4, como Verônica esclarecia na introdução, era uma das maiores fabricantes têxteis do Brasil. Sua linha de roupas, com materiais propícios ao frio, fazia grande sucesso no eixo Sul-Sudeste. A nova campanha, a qual se destinava o nosso debate naquele compromisso, pretendia lançar uma nova coleção que abrangesse todo o país, abocanhando uma fatia significativa da concorrência. O mercado certamente receberia com grande alarde a mudança de posicionamento e estratégia.

Quando chegou a nossa vez, me apresentei tentando esconder o nervosismo e o principal participante abriu um largo sorriso. Preferi começar indo direto ao ponto sobre o seu desejo na nossa relação:

- Senhor Vicente, não nos conhecemos, mas eu e minha sócia – apontei para ela – ficamos sabendo da sua vontade em estar inserido de alguma forma no universo do nosso famoso aplicativo. Quando a equipe da agência veio até nós, já sabíamos a resposta, e creio que o senhor também já tenha conhecimento dela. Quando concebemos o Imagine, nos comprometemos com alguns tipos de políticas que impossibilitam ações desse tipo, apesar da peculiar sugestão...

- Não precisa usar formalidades comigo, Augusto – ele interrompeu rapidamente, comprovando ser ótimo em memorizar nomes – Sou um dos diversos admiradores do seu programa, e já aceitei o fato de não poder usá-lo para a minha instituição.

- Na verdade sen... Vicente – corrigi – A sua demanda abriu portas para que pudéssemos criar algo diferente e inovador, e é isso que viemos mostrar.

Pedi que iniciassem a exibição de um curto vídeo e segui com a narração:

- Sabemos que a Wear4 tem um público prioritariamente jovem, e que já é bastante estabelecido. São pessoas ligadas à moda, redes sociais e tecnologia, além de relativo poder aquisitivo. A nossa proposta, então, é aproveitar esse lançamento e unificar todos esses elementos em um aplicativo exclusivo.

Os olhos dos integrantes estavam grudados na projeção, e o chefe não escondia certa admiração:

- A princípio, cogitamos utilizar QR Codes nos códigos de barras, mas analisando o valor que poderia ser investido, resolvemos ousar. Uma espécie de microchip, discreto e imperceptível, seria agregada às etiquetas da nova coleção. Com o uso de um tablet ou celular, esse seria o acesso principal de cada usuário a uma rede social que conectaria todos os seus consumidores, indicando lojas e amigos próximos através da sua localização. Além disso, em ação conjunta com o resto do time, teríamos acesso a matérias especiais, com possibilidade de opinião para futuras aquisições ou consultoria de moda. É a maneira ideal de fazer com que os seus clientes interajam entre si e com a entidade, mesmo que de forma indireta.

Os gráficos ilustravam dados da nossa pesquisa, e como funcionava na prática. Os prazos, valores, testes e implementação vieram a seguir, juntamente com o nome escolhido para batizar o aplicativo: WearMedia.

- Isso... – seus olhos brilhavam – Isso é sensacional!

Agradeci aliviado, percebendo o sorriso vitorioso de minha sócia com o resultado. Dei abertura para Verônica continuar outros pontos criativos da campanha e voltei a me sentar. Por baixo da mesa, apertei forte a mão de Juliana, querendo dar um grito de comemoração.

Algumas horas mais tarde, o saldo da reunião era o mais positivo possível. Solicitado pelo superior, fui conhecer o restante da área de criação e planejamento, enquanto as garotas seguiam trocando figurinha com Vicente. Os profissionais realmente pareciam empolgados com as minhas ideias e, curiosos, perguntaram coisas sobre os nossos trabalhos.

Em seguida, já caminhando pelo estacionamento, não escondi a euforia. Minha sócia, mais comedida, pensava em como organizar o tempo:

- O prazo será apertado. É possível que a gente perca algumas noites...

- A gente dá um jeito. É hora de comemorar!

- Deixe de agonia! – ela achava graça da minha animação - Semana que vem tem feriado, é sexta-feira santa. A gente podia aproveitar e fazer uma confraternização com o pessoal.

- Ótimo, boa sugestão!

- Até lá, terei uma novidade para você, das grandes...

-Ah não, pode parar. Odeio quando você faz isso. Fale logo!

- É segredo!

===

Quinta-feira (após a queda de Júlio)

Passei um bom tempo encarando a mensagem de agradecimento de Vinícius. As coisas pareciam voltar aos trilhos e isso era reconfortante. Não resisti e dei continuidade ao papo:

- “Fico feliz que tenha gostado do presente. Como você está?”.

- “Na medida do possível, bem. As coisas estão meio loucas agora”.

- “Seus pais desconfiaram?” – questionei.

- “Eu contei a verdade para os dois na segunda-feira. Falei sobre o estupro, da minha tentativa de incrimina-lo, de como fui parar na delegacia...”.

Estava totalmente pasmo ao ler o enunciado. Demorei alguns minutos para retomar o pensamento, e Vinícius se adiantou:

- “Calma, não disse nada sobre você”.

- “E eles?” – continuava perplexo com a audácia.

- “Inicialmente surtaram. Minha mãe está bem mais tranquila, meu pai ainda está digerindo tudo. Parece que vamos nos mudar”.

- “Mudar? Você corre algum perigo? Está bem fisicamente?”.

- “Sim, só com um hematoma do murro que levei naquele dia. A polícia conversou com eles ontem. Escutei algo sobre um programa de proteção às vítimas, mas é temporário. Pelo menos até o inquérito ser concluído”.

- “Que droga! Eu sinto muito...”.

- “Que nada, fui eu quem saiu do plano, lembra? Mas agora tudo se resolveu. Soube até que Lúcio tinha sido expulso da escola”.

- “Fizemos o que precisava ser feito, e o nosso sucesso é a sua segurança. Espero que você tenha a chance de conhecer e realmente gostar de alguém interessante”.

Vinícius repetiu a gratidão, e pedi que me avisasse caso precisasse de alguma coisa. Não sabia se manteria contato ou se voltaríamos a nos ver algum dia. Aquela etapa estava concluída, mas era impossível não se deixar envolver. Lutava para ser mais frio e calculista nas minhas atitudes, mas falhava em todos os esforços. Por outro lado, me sentia um pouco mais humano com esse contato.

Tinha ciência que não teria conseguido chegar tão longe sozinho. Olhei para a televisão silenciada que continuava a repetir imagens do escândalo, fruto do plano minucioso, e decidi mandar uma mensagem tardia para Gustavo:

- “Você não vai conseguir me evitar a vida inteira. Precisamos conversar”.

===

Sexta-feira

Cheguei exausto, tirando a roupa e jogando-a no chão até alcançar o sofá. Pretendia abraçar o ócio completo, mergulhar em alguma maratona de séries ou simplesmente hibernar. Imaginei o que estaria fazendo nesse momento em qualquer outra ocasião. “Transando, ou jantando fora com o namorado”, teorizei.

Uma notificação no celular me resgatou do tédio profundo e dos pensamentos inconvenientes. Era o histórico diário de César. Não escondi uma gargalhada sonora ao notar que Júlio tinha sido removido do grupo. Arrisquei perguntar o motivo.

- “Não foi você?” – ele respondeu no whatsapp.

- “O que?” – desconversei.

- “Sugiro que olhe os noticiários. Ele foi preso ontem”.

- “Soube de algo do tipo, mas não fui o mandante” – precisava sustentar o jogo – “E por isso foi renegado? Já não serve mais aos propósitos dos amigos?”.

- “O irmão dele avisou que o celular foi roubado e poderia cair em mãos erradas. Alexandre, que é o administrador, resolveu excluir para não correr riscos”.

- “Entendi. Continue me enviando os históricos”.

- “Até quando isso vai continuar?”.

- “Não é você quem faz as perguntas, lembre-se disso”.

Encerrei a confabulação e fiquei pensando em como Lúcio conseguiu comunica-los. “O irmão talvez tenha dado a ordem”, pensei. Lembrei de parte da minha investigação e corri atrás do laptop para averiguar. Vasculhei novamente o material salvo do celular confiscado e encontrei os chats individuais com alguns membros da Liga. Não hesitei em ler algumas passagens:

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Sexta-feira, 20/03

Alexandre diz: E aí malandro, consegue uma folga nesse fim de semana?

Júlio diz: Ih rapaz, esse tá difícil viu?

Alexandre diz: Porra, você é enrolado demais!

Júlio diz: Marquei um encontro domingo. Vai rolar uma sessão repeteco...

Alexandre diz: Repetindo foda? Tá tão difícil assim é? Ahahahaha.

Júlio diz: O moleque pediu com jeitinho, não pude negar.

Alexandre diz: Pô, fala sério! Paguei uma pessoa pra fazer uma sacanagem lá em casa. Até o Adriano vai!

Júlio diz: Prometo que da próxima vez eu marco presença, sem falta! Vamos dar um jeito de aumentar a sua coleção.

Alexandre diz: Promessa é dívida!

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Senti um calafrio com aquela informação sobre Adriano. Eles continuavam a agir, sem cerimônias, mesmo que a formação não estivesse completa. Para piorar, não fazia ideia do seu paradeiro. Tinha resolvido dar um tempo na caçada aos meus algozes, afinal, a queda de grandes proporções de Júlio poderia gerar alguma suspeita, mas naquele momento passei a rever a minha decisão. Adiar o inevitável poderia aumentar o número de vítimas, o que seria catastrófico.

Li o trecho direcionado ao meu agente duplo:

===

Domingo, 22/03

César diz: Malandrão! Pode falar?

Júlio diz: Mais ou menos, tô saindo agora de casa. O que foi?

César diz: Ia te ligar porque preciso discutir um negócio sério com você, não confio muito nesses aplicativos...

Júlio diz: Pode ser de noite? Devo chegar mais tarde.

César diz: Beleza, pode sim!

Júlio diz: Devo me preocupar? Adiante logo o assunto!

César diz: Sossegue, é só uma opinião!

===

Estranhei o diálogo. Naquele dia, à tarde, eu já tinha a posse do celular de Júlio, então a tal conversa sequer existiu. “Será que César começou a avisar todos eles?”, ponderei. Não podia questioná-lo, mas era uma hipótese bastante plausível, dado o silêncio da equipe nos históricos que recebia. Os fatos começariam a afunilar, e eu precisava repensar a minha estratégia.

Escutei a campainha tocar e olhei o relógio, que já passava das dez da noite. Só três pessoas estavam autorizadas a subir sem que o porteiro me avisasse. Justamente quem eu menos imaginava, pelo menos naquele momento, aguardava no hall de entrada:

- Guga?

- Surpreso? – ele riu – Atrapalho alguma coisa?

- Não. Entre, por favor – procurei a calça no piso para me vestir - Em plena sexta-feira à noite, achei que você já tivesse programação.

- Que nada... Tá “trabalhando”? – fez as aspas com a mão, quando viu o laptop aberto em cima da mesa.

- Longe disso – desconversei, pelo simples orgulho de não ter que admitir.

- Bom, então aqui estou – colocou a mão no bolso e ficou parado.

- Como assim?

- Vim “não te evitar” e conversar, como você pediu.

Fui pego desprevenido, mas resolvi levar a defensiva com naturalidade:

- Acha que não devemos?

- Depende, não sei se chegaremos a uma boa conclusão.

- Eu prezo sempre pelo esclarecimento – sentei no sofá, convidando-o a fazer o mesmo.

- Beleza, por onde quer começar?

“Pela vontade irracional de ir aí te dar outro beijo”, cogitei. Encarei o seu olhar e percebi que levaria uma bronca feia. “O plano Augusto, começa pelo plano...”, resolvi escutar meu inconsciente:

- Guga, talvez seja difícil enxergar, mas eu sempre vou te entender – preparei o terreno – Compreendo a sua angústia, o seu medo de dar errado, o temor pela nossa segurança... Valorizo isso tudo, de verdade. Mas talvez você não esteja pensando também no meu ponto de vista.

- Não entendi – cruzou os braços.

- Brigar sempre pelo mesmo motivo é meio cansativo. Eu sou uma pessoa obstinada, e sei que isso às vezes é chato pra caramba. Não lembro as palavras que usei, mas desde que mergulhamos juntos nisso, prometi ser o mais correto possível e nos manter fora de perigo. Eu admiro o comprometimento, e prezo pela sua integridade acima de tudo. Firmei um acordo mental comigo mesmo, e sei que não terei sossego até terminar o que comecei.

Ele permanecia quieto, prestando atenção em cada palavra dita:

- O caminho nem sempre será uma linha reta. Talvez eu tropece, criei um atalho ou derrube um muro. Nesses casos, antes de pensar em qualquer solução, o que importa para mim é que você saia ileso, certo? Digo isso porque não concordei com a sua reação exagerada no último domingo, mas procurei respeitar...

- Você consegue visualizar o quão egoísta foi tudo o que acabou de falar?

Cessei a minha voz, tentando encontrar uma brecha no seu raciocínio:

- Reação exagerada, Augusto? Sério? Vamos recapitular... A gente tinha acabado de ver um garoto ser espancado e quase estuprado, constatar que a polícia corrupta poderia piorar ainda mais as coisas e confirmar que as pessoas poderosas envolvidas não iriam medir consequências. No meio disso tudo, você decide que vai até o fim, sem se importar com a opinião dos outros... Como reagiria se eu fizesse o mesmo?

Tinha conhecimento do meu lado impulsivo e sabia que ele poderia ter razão em certos pontos.

- Já parou para imaginar que as pessoas se importam? – prosseguiu – É tão difícil entender essa ótica? Eu nunca concordei com nada disso. Nada! Sempre disse que deveria entregar o seu caso para a polícia e virar a página. Abri mão de muitos conceitos de certo e errado, porque entendi o seu desejo de fazer valer uma definição utópica de justiça. Você pediu a minha ajuda, e eu aceitei, mas a troco de que? Será que a minha presença tem alguma importância, ou no fim das contas você vai fazer o que der na telha?

- Nunca duvidei do seu valor. Jamais chegaríamos nesse ponto sem a sua participação, não seja injusto.

Escutei um longo suspiro. Mais uma vez, estávamos dando voltas, sem chegar a um lugar comum.

- Eu não sei se posso mais te ajudar, Augusto. Essa é a verdade. Por mais que eu busque relevar seu senso meio deturpado de individualidade, não tem uma vez que eu venha aqui escutar as suas ideias e saia sem temer pela sua vida. Sua emoção imprevisível vai te corroer, e não sei se estou preparado para vislumbrar o que vai sobrar no final.

Lembrei o último carnaval, quando estava acuado e solitário em casa assistindo O Conde de Monte Cristo na televisão. Peguei-me cabisbaixo, recordando uma cena onde Jacopo alertava as atitudes de Edmond:

“Fiz um juramento, e eu vou te proteger. Mesmo que isso signifique que eu deva protegê-lo de si mesmo”.

- Desculpe – evitei contempla-lo – Não deveria ter te envolvido nisso. Queria me abrir para alguém e senti que seria uma forma de inclui-lo. Acontece que as coisas saíram do meu domínio, poxa! A sua presença é reconfortante e ela passou a ter outro significado para mim. Você pode até duvidar, mas eu me importo sim! Mais do possa imaginar...

Com calma, voltei a admira-lo, apesar de todo o escudo desafiador:

- Quando te abracei naquele dia, eu... Eu senti uma coisa diferente, não sei explicar.

- Não fala isso, Augusto. O que aconteceu no motel...

- Fiquei feliz que tenha acontecido – atropelei a sua fala, fitando-o.

Gustavo apoiou o cotovelo nas pernas e enterrou o rosto nas mãos, sem saber o que dizer. Enchi-me de coragem para finalmente externar o que estava vivenciando, mas fui interrompido por um rompante desesperado:

- Você tem noção do que eu passei? De quantas sessões de terapia enfrentei? – seu desabafo era quase um grito – Qual o seu problema?

Tentei não me assustar com a sua inquietação:

- Agora quem não está entendendo sou eu...

- Eu praticamente me declarei pra você! Perdi o controle por causa do que sentia, me preocupava por não ser recíproco, temia pela nossa amizade... Esperei pacientemente e cheio de esperança, até você deixar claro que não tinha a mínima chance de rolar alguma coisa entre a gente – se levantou, nervoso – E agora, quase um mês depois, você vem com essa de “Beleza, eu também tô afim?”.

- Não desconte todas as suas frustrações em mim. Seu acompanhamento médico abrange muitas outras coisas – mantive a firmeza – Você não conhece a minha história, o que eu vivi...

- Pensa... Pensa bem no tempo que a gente perdeu. Já poderíamos estar em outro patamar!

- Sei disso. Se tô aqui te falando o que eu sinto, é porque ainda podemos continuar de alguma forma, não acha?

Ele estava de costas para mim, apoiando as mãos na mesa, paralisado com a minha súplica.

- Não Guto, não podemos... – suspirou – Eu já tô em outra, cara.

A princípio, não compreendia o que foi dito. Aos poucos, a sensação de uma pedrada violenta começou a invadir a minha cabeça.

- Eu acho melhor ir embora... – concluiu – Nos falamos outro dia, tá bom?

Continuei atordoado, observando a porta fechar, e assimilando cada palavra do maior fora que já tinha recebido na vida.

===

Cinco dias depois,

Quinta-feira (véspera do feriado)

Passei a semana desenvolvendo o meu lado introspectivo. Não existia outra rota senão de casa para o trabalho e vice-versa. Concluí que o ocorrido serviu para me mostrar que eu estava bem assim, solteiro. Não valeria a pena arriscar algo diferente disso. Uma hora iria me machucar e já tinha feridas suficientes para lidar.

O dia passou rapidamente e abri mão de planos para o feriado. A semana santa seria um bom incentivo para virar monge e meditar, ou fazer voto de silêncio. Os projetos estavam adiantados e bem encaminhados. Abri o Imagine no celular e nele me isolei na maior parte da tarde. Estava tão imerso no aplicativo que não notei a movimentação nos corredores. A caixa de entrada continuava lotada e provavelmente levaria o fim de semana inteiro para responder tudo. Aproveitei o clima entediante e comecei a ler as primeiras mensagens:

- “@Luluzinha33 abriu uma confeitaria no seu bairro. Clique aqui para conhecer”;

- “@Nomad diz: Estou reunindo Imaginative’s para marcar um encontro real com os moradores do bairro. Topa participar?”;

- “@Inlove diz: O parque de diversões da cidade vizinha está bombando. Vamos criar um aqui?”;

- “Arq.Irda diz: Você é o criador do aplicativo? Podemos conversar?”

A interação estava em alta e comecei a imaginar o que mais poderia fazer de diferente pelo game em uma futura atualização. Prestes a responder a primeira pergunta, percebi que Flávio me encarava, encostado na porta:

- Não larga o vício, né?

- Esse aqui, nunca! – ri.

- Beleza, mas dá um descanso para o sangue nerd e dá um pulo aqui comigo, rapidinho.

- O que houve?

- Não faz pergunta difícil, vem logo!

Preguiçoso, segui o mesmo caminho do meu funcionário e notei que boa parte do quadro efetivo já tinha sido liberada. Presumi que a cidade ficaria deserta. Entramos no elevador e seguimos para o terraço. Quando chegamos ao nosso destino, escutei uma grande algazarra e garrafas de champanhe estourando. Levei um grande susto, fazendo o meu colega gargalhar. Logo atrás, notei um imenso painel preso na parede:

“Imagine Plus – 35 Milhões de Downloads”.

Arregalei os olhos sem acreditar. Juliana pediu passagem e veio me abraçar, fazendo-me lembrar da tal novidade. Só então entendi a pegadinha.

- Não disse que ia te surpreender?

- Como você soube?

- Recebi o relatório na semana passada, mas pedi pra não te contarem. Quando saímos da agência na quarta, tive essa ideia. Como você disse, temos muito a comemorar!

A máxima do “Sorte no jogo, Azar no amor” estava gritando na minha mente. Não importa o que estava sentindo, dei muito duro para construir tudo o que tinha, e o meu ofício ainda renderia bons frutos. Feliz, peguei uma taça e brindei com a minha sócia.

Em seguida, um DJ começou a animar a área de festas do edifício empresarial. Olhei toda a equipe se divertindo e me deixei levar pelo clima amistoso, deixando as desilusões de lado. No meio da celebração, constatei que Marcos tinha se juntado a nós e, evitando o constrangimento, perguntei pelo cunhado. A resposta veio apontada para a área próxima ao bar, onde escutei que ele estava com alguns amigos.

Olhei à sua procura e logo o encontrei. Estava disposto a dizer que apesar do clima e palavras proferidas, ainda acreditava na nossa amizade. Comecei a me aproximar e notei que ele estava acompanhado, de fato. Aos poucos, o interlocutor ao lado de Gustavo começou a se movimentar, revelando-se com mais clareza e permitindo a minha visualização.

Nesse momento, o universo ao meu redor desapareceu por uma fração de segundo, e fiquei sem reação com o que observava:

- Adriano?

(continua)

===

Oi pessoal! Não sei o que houve com o último capítulo (o 16), que sumiu do site e quando tentei postar novamente, recebi um aviso que o texto era repetido (uma confusão!). Peço desculpas pelo contratempo e espero que vocês tenham conseguido ler. Trager, fico feliz que tenha gostado! Não vou falar muito sobre o que está por vir para não estregar as surpresas, ;)! Drica Telles (VCMEDS), não tinha visto o seu comentário, :o!! Você está bem ou foi só o susto? Fico aqui na torcida, melhoras! Safirynha, adoro quando as pessoas comentam e opinam! Me alegra muito saber que está curtindo! Agradeço mais uma vez todos os votos e comentários! Até o próximo capítulo!

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P©®®@, se eu fosse o Guga jogaria na mega da virada...Com a sorte no amor que ele tem vai ganhar sozinho. Estou me recuperando bem graças a Deus e obrigada pela torcida. Beijos pra ti e o ruivo.

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IH, lá vamos nós de novo! Será que o Adriano se referia ao Guto quando mencionou novas adições para a Liga do Mal? Espero que Guto não se torne vítima dele. Quanto a Guga e Augusto, torço pelo entendimento entre eles e que isso se torne um relacionamento sério. Um abraço carinhoso para ti e para o ruivo,

Plutão

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Nao vi o capitulo passado, vou ver se da pra ler agora. Me perdi um pouco mas adoro seu conto. Abraço!

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