Era mais uma quinta feita! Seria como as outras, se não pelo olhar de pedinte curioso do Marcos naquela manhã! A Jáque tentava várias vezes começar uma conversa com ele, o que lhe rendia uma resposta seca como “sim” e “não”. Assim que chegou o intervalo, o Marcos e eu fomos pegar um salgado. Eu estava com fome aquele dia, talvez pela novidade do meu amigo saber, não sei! Na fila, o Marcos me perguntava baixinho ao pé do ouvido:
_Ei, você não tá preocupado não né, Má? Você sabe que eu tô de boa com isso e não tem porque ter grilo!
_Eu sei Japa, mas isso tudo é muito novo pra mim! – falei eu o mais baixo que eu pude.
_Mas não tem porque você ficar com medo Má, você não está cometendo nenhum crime! – disse o Marcos baixinho e me encarando.
_É, de certa forma, você tem razão Japa! Foda-se! – falei eu em tom normal e com alguma firmeza que eu tentava transparecer.
Enquanto falávamos isso, logo vi ao fundo o Bruno, novamente atormentando o coitado do João. Ele estava conversando com umas amigas e do nada, ele e seus amigos trouxas gritavam:
_Viaaaadoooooo!
O Marcos me olhava e eu demonstrava a raiva em meu olhar! Aquilo era patético! Eu olhei pro Marcos e falei:
_Chega dessa palhaçada, mano! Não podemos ficá calado com isso aí! Ninguém merece isso! – falei pro Marcos.
_Verdade! Vamo chega junto nesses otários! – respondeu o Marcos com firmeza.
E assim, fomos eu e o Marcos chegando perto do Bruno e de mais dois amigos. Logo eu falei:
_Ei, você não tem vergonha de ficar insultando uma pessoa a troco de nada não seu ignorante? – falei eu encarando-o e com os punhos serrados, mas com as mãos pra baixo em posição normal.
_Uuuuiiii! Ficou sensibilizado com a pessoinha! Sempre soube que o jungle boy gostava de uma serpente! – Falou ele em tom afetado, dando ainda mais risadas junto com os dois amigos.
Naquele momento, todo meu medo junto com as imagens do Felipe e eu juntos vieram na minha cabeça! Como em um estouro, minha mão voou na cara do Bruno. Estava instaurada a pancadaria! Marcos, como aprendiz de Aikido, tomou conta de um dos amigos do Bruno. Logo que eu dei-lhe o soco, me virei para o amigo dele que estava a sua esquerda, socando-o também. O fator surpresa havia funcionado de primeira! Mas o Bruno logo se recuperou e veio me dando um soco no estômago, o que me fez cair no chão. Instintivamente, mesmo com a dor, eu consegui derrubá-lo no chão dando-lhe um chute nas pernas e logo me coloquei em cima dele e comecei a soca-lo na cara! Estava furioso e não podia deixar aquele idiota sair impune! Eu ainda o socava, quando senti um soco me atingindo. Eu caí no chão ouvindo um zumbido no ouvido e a voz do Marcos ao fundo:
_Não encosta nele seus filhos da puta!
Então eu apaguei!
Acordei em um quarto branco. Sentia um pouco de dor no maxilar, mas não parecia ter nada quebrado. Quando olhei para o lado, vi o Marcos que logo disse:
_Porra Má! Que susto que você me deu! – Disse ele com os olhos marejados e vermelhos.
_Putz, o que aconteceu? Eu paguei maior mico, né? – falei eu com dificuldade, pois percebi que havia gaze na minha boca.
_Que nada, Má! Você quebrou a cara daquele babaca do Bruno! O idiota do Rogério que te pegou desprevenido! Eu tava batendo no Vitor quando ele foi pra cima de você, pra defender o amigo dele! Mas não fizemos feio, não! Todo mundo gritou nosso nome quando os professores e os seguranças chegaram! – falou Marcos com certa empolgação.
_Caraca! Sério mesmo? Pelo menos, de alguma coisa valeu né?
Enquanto eu terminava essa fala, a porta da enfermaria se abre e logo vejo a diretora da escola.
_Matheus e Marcos! Vocês podem me explicar o que está acontecendo? Você é novo aqui Matheus, mas o Marcos nunca foi de dar trabalho! Vou chamar seus pais aqui e os pais daqueles outros dois!
_Mas, Dona Raquel, não é justo! Aqueles dois ficam sempre insultando o João por ele ser gay e ninguém nunca faz nada! Ele fica humilhando ele e alguém tinha que fazer alguma coisa! Nós só fomos falar para ele parar e ele veio com mais insultos! – falou o Marcos com firmeza tentando nos defender.
_Qual João? O menino da sala de vocês? – perguntou ela com um ar de preocupação.
_É! Ele mesmo! Já cansamos de presenciar humilhações daquele Bruno, que acha que é o dono da escola! Fica mexendo com ele e com as meninas! Fica dando uma de machão e fazendo insinuações sexuais pra elas! E ninguém fala nada! – falou o Marcos já quase gritando indignado.
_Entendi! De certa forma, a indignação de vocês é justa, mas brigas não são toleradas! Vocês conhecem o regulamento da escola! Tenho que chamar os pais de vocês aqui! As pessoas podem discordar, mas nem por isso devem sair por aí se digladiando feito animais! – falou ela saindo pela porta.
Eu respirei fundo, olhei para o Marcos e disse:
_Desculpa amigo, por ter te metido nessa! O que nós vamos falar pros nossos pais?
_Acho que não tem muito o que falar não Má! Agente fala a verdade! Que tentamos ajudar uma pessoa que não tem como se defender daquele ignorante! Não deixa de ser a verdade, apesar de que eu sei que você estava com mais ódio ainda por que você...
Então, abriu-se a porta e logo o Marcos engoliu o que estava dizendo. Era minha mãe.
_Matheus, meu filho! O que foi que te causou esse ódio? Você nunca foi de brigar assim! Você vai pegar dois dias de suspensão! – falou minha mãe em tom consternado.
Naquele momento, eu fiquei paralisado! Quase que o Marcos fala demais! Mesmo sem querer, quase minha mãe escuta ele dizendo que eu era gay!
_Dona Helena, me desculpa a intromissão, mas nós só tentamos ajudar um amigo da sala! Esse tal de Bruno fica fazendo humilhações todos os dias com o João e nós decidimos tomar partido! Quando o Matheus foi falar com ele, ele logo o xingou, nós ficamos com raiva e partimos pra cima deles! Nós erramos! Mas não temos sangue de barata! – falou o Marcos.
_Mas que absurdo! E o que esse amigo de vocês tem que o outro garoto não o deixa em paz? – perguntou minha mãe indignada.
_Ele é gay, mãe. Por isso! – respondi com a voz abafada pelas gazes.
Naquele momento, mil coisas passaram pela minha cabeça! Qual seria o posicionamento da minha mãe? O que ela iria dizer? Seria favorável à nossa indignação? Seria contra?
_Ah, entendi! - respondeu ela em tom enigmático.
_Bem, vocês erraram e terão de cumprir suspensão! O Seu pai não pôde vir Marcos, então vou levar vocês dois para minha casa a pedido dele! Mas não quero saber de diversão! Você tem que cuidar desse ralado Marcos e o Matheus tem que cuidar do rosto! E você, meu filho, está de castigo enquanto durar a suspensão! Você vai ficar só estudando, sem televisão ou vídeo-game! Estamos certos? – disse ela em tom sério e punitivo.
_Sim senhora! – respondemos ao mesmo tempo.
Terminaram de fazer os curativos em mim e no Marcos ali mesmo! O que de certa forma foi um alívio, exceto pela dor no meu maxilar e um roxo no meu olho. Pra amenizar a minha dor, o Marcos falou que o Bruno também ficou roxo, o que causou nova reprovação da minha mãe!
Assim, ao chegarmos em casa, minha mãe disse que o Senhor Yahiko buscaria o Marcos as dezenove horas, já que a mãe dele estava viajando a trabalho. Neste dia, fiquei sabendo que a mãe do Marcos era executiva de uma grande empresa de tecnologia, e sempre viajava para vários países, inclusive o Japão. Minha mãe nos ofereceu algo para tomar ou comer, o que foi descartado por ambos. Fomos para o meu quarto, já que minha mãe abriu uma exceção, pela tarde, de assistirmos TV. Coloquei um seriado e ficamos conversando. O Marcos disse que eu não deveria ter ficado com tanta raiva assim, que o Bruno era um idiota. Por um certo momento, ele ficou bem próximo a mim e a todo momento tentava me animar. Por um instante, achei que estávamos muito próximos e me levantei, com a desculpa de pegar algo para tomarmos. Seria impressão minha? Afinal, porque todas aquelas perguntas e curiosidades do Marcos com relação a mim e Felipe? Ele não estaria... apaixonado por mim? Não! Havia de ser impressão minha! Peguei um refrigerante e fui para o quarto. Tratei logo de falar do seriado, que ambos curtíamos e o papo fluiu até que o pai dele, o Senhor Yahiko o pegasse as dezenove horas.
Desse modo, logo que ele saiu, mandei mensagens para o Felipe! Queria conversar com ele ainda hoje! Ele me respondeu que poderíamos conversar. Falei que estava de castigo, o que lhe causou gargalhadas, mas logo ele disse para que eu esperasse todos dormirem e descesse até a casa dele, dessa vez sem fazer coisas que nos fizesse dormir. Concordei de imediato!
Dado meia noite, logo todos estavam em seus quartos e o silêncio imperava! Saí do meu quarto, encostei a porta para que ninguém percebesse minha ausência, caso um de meus pais saísse do quarto deles, e saí. Chegando na casa do Felipe, ele me recebeu com espanto ao olhar meu rosto:
_Amor! Quem fez isso em você? Me fala! Quem foi o filho da puta que te encostou a mão, que eu vou lá arrebentar a cara dele! – falou Felipe com ódio em seu olhar.
_Calma Fê! Ele ficou com a cara pior! – falei eu para tranquiliza-lo.
_Poxa Má! O que aconteceu? Me conta amor! – falou ele me abraçando e dando um selinho, enquanto fechava a porta.
Então, contei tudo o ocorrido ao Felipe. Meus olhos marejavam pelo ódio e pela raiva e ele ficava me olhando preocupado. Assim que terminei de contar, logo nos abraçamos e nos beijamos com muito carinho e intensidade. Também disse a ele sobre meus medos, sobre como era injusto termos de ficar escondidos e como me indignava ver pessoas como o Bruno, que simplesmente acabam com uma pessoa sem que ela tenha feito qualquer coisa que o afetasse, a não ser o fato de ser diferente. Felipe me disse que sempre reprimiu os desejos dele por causa disso, mas que sempre esperou a hora certa, em que ele iria ter alguém para dividir essas angústias e, finalmente ele me tinha, em seus braços! Ele me disse que ao meu lado, teria forças para enfrentar qualquer um, até mesmo seus pais, e que ele considerava em contar sobre nós para a mãe dele, já que ela era psicóloga e totalmente aberta. Ele tinha esperanças de que ela pudesse nos ajudar. Ele finalizou, dizendo que eu era o cara mais corajoso que ele conhecia, principalmente por defender um cara que eu não conhecia muito, mas cuja causa era totalmente justa e que, de certa forma, me envolvia também. Felipe me disse para ter cuidado e não ficar tomando as dores alheias em todo momento, até porque poderiam desconfiar! Me disse também para não me preocupar com os xingamentos do tal do Bruno, porque eu era muito macho até pra ele!
Demos muitas risadas e percebemos que já eram duas da manhã! Eu estaria de suspensão, mas o Felipe tinha aula logo cedo! Nos despedimos com um longo beijo apaixonado, daqueles desentupidores de pia, e fui pra minha cama.
§
prireis822: concordo plenamente com você! Se não fossem esses "padrões" apenas superficiais, e sim, ver que as pessoas são seres muito além de suas carapaças! Sem falar nas amarras conservadoras que dizem que homem tem que ser com mulher e família é homem e mulher e toda a ladaínha das religiões predominantes... acho que o mundo seria um lugar muito melhor!
Taciturno: eu li, comentei e dei nota lá! Valeu por prestigiar, só ficou faltando você dar nota também! Mas agradeço desde já pela consideração! Espero que goste e continue lendo.
Geomateus, VALTERSÓ, Hello e FASPAN - não vou comentar para não dar spoilers! Mas mesmo assim muito obrigado por estarem acompanhando!
Espero que todos estejam gostando! As vezes é difícil sentar para começar a escrever, mas uma vez que começo, deslancha! Muito obrigado por acompanharem! Repassem aos amigos que também gostem! Quero mais opiniões! Todos são bem vindos!
Abraços.