CAPÍTULO 4
No final da tarde João Felipe me levou para casa. Eu queria dormir lá com ele, como sempre havíamos feito antes de tudo mudar. Passávamos a noite comendo besteiras, vendo filmes, conversando e quando nos dávamos conta, já não tínhamos mais muitas horas para dormir. E era ótimo, o tempo simplesmente voava. Sem dúvida nem uma, eu havia vivido a maioria dos meus momentos felizes com aquele amigo tão amado, e eu sentia saudade de ter um tempo com ele ser tem medo de ser descoberto por Henrique. Eu pensava nisso tudo durante o percurso, enquanto via aquela quantidade de carros andando pelas ruas, o horário em que as pessoas iam embora do trabalho. Torcia para que meu pai não demorasse a chegar, que não trabalhasse até mais tarde. Sua presença me dava a sensação de estar seguro. Afinal, aquele que me afligia jamais o enfrentaria.
Quando chegamos ao meu prédio dei-lhe um abraço e um beijo na bochecha, e no momento em que estava me virando pra abrir a porta Daniel segurou a minha mão, e me disse:
- Diga a ele que não quer mais. Não tenha medo dele. Se você quiser eu faço isso junto com você, mas não permita que ele te agrida novamente, que te faça mal. Você não merece isso – seus olhos estavam fixos nos meus durante cada segundo que ele passou falando comigo. Eu apertei a sua mão.
- Você não sempre disse que, incrivelmente, as coisas sempre acabavam dando certo pra mim? Relaxa, já já eu resolvo mais essa. – forcei um sorrio amarelo para confortá-lo, não queria ele envolvido nessa confusão – Até amanhã Joãozinho.
Joãozinho era o apelido dele quando éramos criança. A muito tempo eu não chamava-o assim, não pude conter um sorriso, agora verdadeiro. Virei as costas antes que ele pudesse responder, ou argumentar, e saí do carro. Instintivamente olhei para os lados, como quem confere se está sendo seguido, ou observado. Parecia que a neurose estava tomando conta da minha cabeça. Enquanto caminhava pude sentir a presença dolorida de Henrique ainda no meu íntimo. Parecia que a calça jeans acentuava o grande incomodo.
Cumprimentei o porteiro e segui para meu apartamento. Ao entrar percebi que meu pai já estava em casa, e assistia TV junto com meu irmão na sala de home-theater. Eu sentia vontade me juntar a eles, me aninhar no colo do meu pai e me sentir como se eu ainda fosse uma criança, o garotinho dele. Mas me sentia traidor, sentia que o desrespeitava cada vez que eu ficava com Henrique. Meu irmão e meu pai já sabiam da minha homossexualidade a alguns anos, e lidava muito bem com isso, era um homem jovem, moderno, viajado e de cabeça aberta. O que ele nem sonhava era que eu tinha um caso com seu sócio casado, e eu temia a decepção que ele iria ter se um dia viesse a ter consciência disso.
- Oi pai, Rafa... – disse olhando pra eles.
- Oi filho, estávamos pensando no que íamos jantar. Você anima de ir em algum lugar? – meu pai me perguntou, sempre com seu tom carinhoso.
- Ai pai, acho que não vou animar de sair não. To cansando, saí de manhã e cheguei agora... Mas se vocês quiserem sair, não deixem de ir por mim não. Vocês podem trazer algo pra mim, ou então eu mesmo ligo e peço pra trazerem algo pra mim. Pra falar a verdade eu nem estou com fome.
- Você ta se sentindo bem Daniel? – disse meu pai se sentando no sofá, apreensivo.
- Eu to bem sim senhor. Só quero tomar um banho e relaxar mesmo. – disse já me retirando para o meu quarto.
Quando cheguei ao meu quarto fechei a porta e me direcionei ao banheiro, jogando a mochila na cama. Tirei a camiseta e depois a calça, quando fui tirar a cueca reparei que no absorvente que eu usava desde aquela manhã havia uma macha grande de sangue. Tirei-o me sentindo humilhado novamente. Era paradoxal o fato de eu sentir prazer em ser dominado por Henrique na cama, fodido brutalmente como se fosse uma putinha barata , e fora dela não gostar mais nem um pouco dessa situação. No início do relacionamento eu pouco me importava, e as vezes até gostava de sentir que aquilo era vestígio do prazer que eu havia dado ao meu homem. Mas a situação tinha mudado. Aquilo agora me fazia mal, perturbava. Encontrei um saco plástico dentro do armário e escondi o absorvente apara que depois eu o joga-se no lixo do prédio sem ninguém ver. Aquilo levantaria muitas perguntas constrangedoras.
Me perdi em meus pensamentos enquanto tomava banho, tentava me convencer de que eu devia arrumar uma forma de dizer a Henrique que tudo estava acabado, e que dessa vez eu não poderia voltar atrás. O que me dava mesmo medo era de ele me ameaçar, retirar uma nova carta da manga e usá-la para me chantagear. Despertei dos meus devaneios com meu pai batendo na porta do banheiro, ele a abriu um pouco e colocou a cabeça dentro sem constrangimento algum (éramos muito íntimos desde sempre, além disso, o vidro do Box era altamente fosco na região central, impedindo a visão das regiões genitais). Olhei rapidamente pro chão pra ver se não escorria sangue de mim novamente, e me aliviei ao perceber que não.
- Filho, eu o Rafa resolvemos ficar aqui contigo e pedir um japonês. Quando você terminar, vai lá pra fora ficar com agente. To com saudade de ficar um tempo com vocês. Os últimos dias foram muito corridos. Tive sorte que a esposa do Henrique viajou hoje, e como ele ia ficar sozinho mesmo, não se importou de ficar até mais tarde e terminar uns serviços pra mim... Daí eu pude vir ficar com vocês.
Um gelo na espinha me fez estremecer só de ouvir meu pai falar que a esposa de Henrique não estava aqui. Tinha medo de ele querer me ver novamente ainda aquele dia.
- Tá... ta certo pai. 10 minutinhos e eu to lá fora, tudo bem?
- Anda rápido que o pai tá com muita saudade- disse ele rindo. Mesmo um pouco nervoso, não me contive e sorri também. Eu amava demais aquele homem, e ele era o melhor pai do mundo. Um pai que havia criado sozinho muito bem os seus filhos.
- Vou correr, prometo. – E então ele fechou a porta e se retirou, me permitindo continuar a tomar banho. Me enxagüei e fui me secar, pouco tempo depois já estava vestindo meu pijama. Quando fui conferir meu celular antes de sair do quarto vi que Henrique havia falado comigo no Imessenger:
“Tem como você fugir depois que teu pai apagar? Queria dormir só não, e a amanhã de manhã antes de ele acordar te levo em casa”.
“Acho melhor não, tenho medo de meu pai acordar e ver que eu não to em casa”.
“A, para Daniel, você ta grilado por hoje de manhã? Deixa de frescura, to sem paciência. Te arruma que se teu pai acordar você arruma alguma desculpa pra ele, fala que foi sair com aquele teu amiguinho cara de pastel”.
“Henrique eu nem vou dar conta de fazer nada contigo. E eu disse pro meu pai que não ia sair hoje porque to muito cansado. Não vai colar se eu inventar algo.”
“Brow, tua marra ta grande esses dias né? As vezes acho que tu faz certas coisas pra me tirar do sério! Eu te chamei pra DORMIR comigo, eu sei que já rasguei esse teu cú hoje de manhã. Não vou meter nele não”.
“Não quero te tirar do sério não Henrique. Ultimamente tenho tido medo de ficar perto de você até quando você está de boa comigo. Desse jeito que você ta fazendo comigo não dá, não quero assim”. Resolvi enfrentá-lo, mesmo que o medo estivesse me consumindo.
“Ta querendo dizer o que com isso?”
“Que não acho certo você me bater Henrique. E muito menos falar dessa forma comigo”.
“Bebê, para com isso. Você sabe que é meu jeito. E você que me tira do sério sempre, acabo explodindo contigo sem querer. Se você para de agir da forma que age, não vamos mais brigar”.
“Você me bate e a culpa é minha? Nem meu pai me bate.”
“Se ele batesse você não era assim. Por volta de meia noite ou uma hora teu velho já deve ter dormido. Passo ai pra te pegar. Vamos ao menos conversar.”
“Henrique é serio. Não vou poder”. Digitei já sentindo vontade de chorar, mas me contendo por saber que não podia chegar de rosto vermelho na sala. Ele não respondeu mais minha mensagem, apesar de eu ter certeza que ele havia visualizado. Se ele me pressionasse muito eu iria ter que ir. Mas hoje eu iria dizer a ele que não dava mais.
Saí do quarto ainda abalado, depois de ter lavado meu rosto no banheiro. Quando cheguei na sala meu pai já havia ido à a porta do apartamento atender o entregador e meu irmão estava sentando no sofá esperando ele voltar. Eu acabara demorando bem mais do que eu havia prometido ao meu pai. Quando meu pai voltou onde estávamos esperando, chamou-nos para ir comer:
- Já arrumei tudo lá na mesa de jantar. Vamos, antes que os Hot’s esfriem.
Eu não falava nada enquanto comíamos, apesar de meu pai e Rafael conversarem o tempo inteiro sobre os mais diversos assuntos. Até que meu pai perguntou:
- Daniel, fale logo o que você tem. Você está estranho, com o semblante triste, não conversa... Não quis sair. Me diga o que aconteceu. Brigou com o João Felipe?
- Como assim “briguei com o João Felipe”? – minha expressão era de desentendido.
- Uai. Você passa a tarde com ele e volta assim. O que quer que eu pense? – Disse ele me olhando.
- João Felipe e Dani não brigam pai. Quer dizer, o Dani briga com ele, daí o João abaixa a orelha e fica quietinho – dizia Rafael rindo. Apesar de eu amar muito meu irmão mais velho, e sermos grandes amigos, Rafael sabia ser muito pentelho as vezes.
- Fica na sua Rafael – eu disse impaciente.
- Filho se você não disser o que há, fica difícil.
- E se vocês não pararem de pegar no meu pé eu vou terminar de comer no meu quarto. Poxa pai, já te disse que só estou cansado – falei tentando encerrar a conversa.
Meu pai me olhou por uns instantes e mudou de assunto. A partir daí tentei participar da conversa, apesar de ainda assim não estar conseguindo ser como eu realmente era. Depois que terminamos de comer meu pai deu a idéia de irmos assistir filme em seu quarto. Fomos e eles acabaram escolhendo um que não me agradava muito, eu nem relutei, sabia que não ia conseguir prestar atenção mesmo. Deitei no peito forte e definido do meu pai, como eu fazia desde quando eu era criança e tentei descansar a minha mente. Mais uma vez senti vontade de chorar, mas resisti.
Estar ali, com aqueles dois homens grandes e fortes, que me amavam e que eu sabia que fariam o que fosse pra me defender, me deixava mais despreocupado. Fazia-me até sentir mais forte. Talvez se eu usasse das mesmas táticas que o próprio Henrique usava pra me persuadir, eu conseguiria sair daquela situação. Eu poderia chantageá-lo ou ameaçá-lo. Mas as verdade é que lá no fundo do meu coração, pensar em terminar tudo com ele também doía em mim. Ele havia sido meu primeiro homem na cama, o primeiro homem que amei. Não era fácil. Mas eu sentia que estava sendo mais difícil estar com ele, do que encara a vida sem ele.
Claro que meu pai pegou no sono antes do filme acabar e Rafael acabou resolvendo sair com seus amigos para um bar. Por volta da meia noite e meia Henrique me ligou, me intimando a estar na porta do meu prédio dentro de 5 minutos, porque ele não queria se demorar ali em frente. Mal me deu tempo de falar e desligou. Eu já estava arrumado, voltei ao quarto do meu pai e conferi se ele ainda dormia. E graças a deus ele ainda dormia. Fechei a porta do seu quarto e saí do apartamento tentando fazer o mínimo de barulho possível.
Poucos segundos depois de eu descer do prédio, reconheci o carro que horas atrás havia me deixado na porta da faculdade. Tentei ser confiante, assumir uma postura de quem tem capacidade de enfrentar. Afinal, eu também poderia prejudicar muito a vida de Henrique. Quando entrei no carro ele arrancou cantando pneus, como sempre fazia. E já foi logo indagando:
- Você está querendo terminar comigo?
CONTINUA!
Gente, dessa vez a história está toda escrita já. Vou definir a quantidade de posts a partir da ansiedade expressada por vocês nos comentários. Beijão. Desculpem a demora. A vida pesou um pouco esse semestre.