[Rômulo. DIA UM]
- Pai? – eu perguntei entrando na sala.
Ele já deveria estar dormindo. Era meia noite. Eu estava com o rosto inchado de meu choro mais cedo. Após deixar a mãe do Victor em casa eu voltei querendo apenas tomar um bom banho e dormir já que nada podia ser feito.
Eles deviam estar com pouco tempo de voo agora mas eu já sentia como se já estivessem há dias longe. Fui pro meu quarto e vesti meu short de dormir. Fui até a cozinha ver se encontrava algo pra comer mas, apesar da geladeira ter muita coisa, eu não sentia vontade alguma de comer nada dalí. Na arte onde ficam as bebidas uma garrafa de vodca me chamou atenção. Eu a retirei do suporte e abri a tampa. Peguei um copo qualquer do armário e me servi uma dose bem generosa.
A regra da vodca é clara. Vire. Jamais beba vodca beliscando. Vire e pronto. Espere os cinco segundos que levam pra ela começar a queimar na garganta e pronto. Eu fechei os olhos sentindo o queimar na garganta e estômago enquanto me encostava no balcão. Lembrei da noite em que trouxe Victor em casa pela primeira vez. Não da noite do assalto. Na noite em que tomamos sorvete juntos alí. Quando ainda estávamos nos conhecendo e àquela altura acho que ele já gostava de mim.
As lágrimas mais uma vez me vieram mas antes que elas caíssem eu mais uma vez enchi o copo de vodca e tomei mais um dose jogando a cabeça pra trás num impulso para que ela descesse mais rápido. A queimação veio mais forte que da primeira vez.
Peguei a garrafa da mesa e desci a cozinha em direção à sala. Saí ao jardim e na piscina eu desliguei os refletores. Tudo ficou escuro. Entrei na água e sentei em um degrau da parte mais rasa.
Recomecei os shots de vodca que agora vinham em medidas desiguais.
O César era muito cabeça dura. Não importa o que eu ou o papai disséssemos ele não ia mudar de opinião. Como ele não podia ver que isso era um erro? Era nítido pra mim. Um erro. Sem finalidade alguma. Um perda de tempo.
Durante anos se conversa isso aqui em casa. Adiantou alguma coisa? O César era a pessoa com mais falta de consideração que eu havia conhecido em minha vida! Ele poderia ao menos levar em consideração algo e ponderar nessa escolha de ir atrás dessa mulher.
Ele vai gastar uma grana na viagem e não vai resolver nada. Além disso, ele passou meses indo procurar por essa mulher nos arquivos perdidos da prefeitura. Ele acha mesmo que fez isso em segredo? Acha mesmo que faltou aula na faculdade e eu nunca o segui? Que eu não sabia do acordo que ele fez com a funcionária? Achava que eu não sabia a senha do notebook dele? Até isso eu sabia!
Não podia acreditar que ele preferiu nos largar e ir atrás dela. Nada faltou pro César aqui em casa. Inclusive, se ele se chama César, é por conta da mamãe! Nem um nome aquela mulher deixou pra ele no orfanato. A vida dele poderia ser de mais uma criança que roda de casas em casas e é devolvida pro orfanato porque a família não o quis. Mas aqui em casa? O César sempre foi o preferido do papai e da mamãe no processo de adoção. Sempre foi o meu preferido! Eu mesmo disse pros meus pais que se ele não viesse, eu não queria nenhum outro irmão.
Quando eu recebi a notícia de que todo o processo de adoção havia finalmente terminado, aquela foi a tarde mais feliz da minha vida. O papai me jogando no ar com a mamãe com seu melhor sorriso num dos vestidos mais lindos que ela tinha. Tudo aquilo era vivo na minha mente.
“Nós já podemos busca-lo! Nós já podemos busca-lo! O César agora vem de vez, Rômulo!”, o papai dizia contente já catando as chaves do carro. Ia ser pra valer, ele viria e iria ficar. Ficar pra sempre. Nada mais de fins de semana com autorização judicial. Nada mais de assistente social vistoriando nossas vidas em casa pra saber éramos uma boa família. Agora íamos ser nós quatro. Nossa família.
“Você pode pegar todos os brinquedos quiser. Agora eles são todos seus também. São meus e seus.” Brinquedos eram as coisas que mais faziam o César rir e dizer que todos os meus brinquedos também eram dele o fez tão feliz que ele começou a chorar de emoção. E também comecei a chorar porque pensei que tinha feito algo errado com ele.
César era mais novo. Eu sentia a obrigação de cuidar dele. Ele era mais novo, adotado, veio de fora, era pobre. Eu me sentia responsável. Não podia deixar ninguém fazer mal a ele. De forma alguma! Na escola eu passava de cadeira em cadeira falando com os meninos e os avisando que não mexessem com ele ou iam se ver comigo. Eu era mais velho, séries a frente, é claro que me obedeciam.
Quando a mamãe morreu o César era muito pequeno ainda. Eu acho que ele não lembra direito dela, apesar dele dizer que sim. Eu duvido muito... César e eu dormíamos em quartos separados mas era comum naquelas noites de luto irmos um pro quarto do outro vez ou outra e dormirmos juntos. “Eu tenho medo”, ele confessou enquanto deitava do meu lado. “Medo de quê?”, eu perguntei. “Não sei. Não tinha antes... Mas tá tudo tão quieto desde que a mamãe se foi que... Eu agora tenho medo.” Quando a mamãe faleceu o luto que se formou aqui em casa por um tempo dava a impressão de que falar era algo proibido. O papai não falava nada. Consequentemente César e eu também não.
Um dia a tarde após a noite em que ele me confessou sobre o medo que sentia eu lembro que o papai estava bebia café na mesa da cozinha lendo o jornal e o mesmo silêncio de sempre estava instaurado. Falávamos muito baixinho. Eu então trouxe César pra sala e coloquei um CD de alguma coisa que eu não lembro. A música começou a tocar e papai nos olhou. Eu devolvi o olhar. César me deu o olhar do tipo, “Estamos ferrados!” e abaixou a cabeça. Eu aumentei um pouquinho mais o som e papai continuava nos olhando. César imóvel de medo de levar uma surra.
- Fica aqui. – eu disse.
Fui até meu quarto e trouxe a caixa de brinquedos e despejei no centro da sala. Me sentei no chão entre eles e comecei a brincar com César alí. O papai pareceu não se importar já que a música que tocou naquele dia foi o primeiro som ecoado dentro de casa após a morte da mamãe. O que o César queria era aquilo. O som. Já bastava daquele silêncio penante e perturbador na vida dele. Ele já tinha vivido muito daquilo. Desse dia em diante as coisas ficaram mais leves e aos poucos fomos aprendendo a viver com a ausência da mamãe.
A história do César poderia ser mais uma clichê em que ele é devolvido. Daí depois escolhido. Vem pra uma família horrível, que bate nele e o maltrata. Ou então uma que tem dinheiro e não tem amor. Aqui em casa o César encontrou tanto amor como uma vida confortável. Nada faltou. Nada.
Quando eu tive a minha primeira namorada ele morreu de ciúmes. É... Eu lembro bem, isso me faz rir até hoje. Ele contou pro papai que eu havia ficado com a menina atrás das salas na escola. Meu namoro terminou uma semana depois porque ele deu um jeito dos pais da menina saberem de nós dois e ela foi proibida de falar comigo. Eu fiquei puto! Era minha primeira namorada! Eu não entendia nada de mulheres e estava me descobrindo.
Ele cantava vitória aqui em casa dizendo que ela tinha ido tarde. Eu fiquei muito chateado com o César. Muito mesmo! Mas ele simplesmente não se importava. Andava com o sorriso estampado de satisfação por ver meu término e ainda me chamava pra sair.
“Por que você fez isso?” eu perguntava alterado. “Porque ela é feia e eu não gostava dela. Você tem que namorar com alguém que eu goste senão ela vai separar a gente.”, era a resposta dele.
Poderia dizer que isso aconteceu só uma vez. Mas não. O César destruiu vários romances meus no colégio. Todas as vezes que ficava com alguém tinha que ser muito escondido ou ele ferrava com tudo. E ele nunca gostou de nenhuma das meninas, não tinha jeito. “Pai, ele tá me infernizando na escola!”, eu o denunciei. “Pai, ele quer namorar com aquelas meninas horríveis. Elas são todas feias, eu juro! O senhor precisa ir na escola ver! Ele só quer saber delas! Vão separar a gente!”. O papai não podia ir contra um argumento desse. No intervalo, eu olhava pras meninas pensando em como chegar perto delas. O César? Ele ficava do meu lado de propósito e dava língua pra elas. Isso durou até o César chegar na adolescência e também querer ficar com meninas. Ou seja, minha “vida amorosa colegial” teve que esperar o César chegar na oitava série.
As lembranças iam passando de forma devagar na minha cabeça. Eu lembrava de tudo. A vodca já ia pela metade do litro enquanto eu tomava mais doses. Já zonzo. O choro não era contido já há um bom tempo. Tentei me levantar mas meu corpo pesava dentro da água. Mergulhei e quando saí consegui me arrastar pra fora da piscina.
A tentativa de afogar tudo o que eu tinha deu super certo. Naquele instante eu não sabia que horas eram mas não conseguia lembrar de nada mais. Eu só queria ir pra cama enquanto estava de pé. Se eu caísse alí no gramado muito provavelmente não iria conseguir levantar e não estava em meus planos, mesmo bêbado, dormir alí. Fui cambaleando pra porta de casa com o litro de vodca na mão. O copo eu não sabia onde havia deixado.
Recoloquei o litro pela metade na geladeira e subi as escadas com esforço terrível. Muito tonto e o corpo pesado. Devo ter quase sentado umas duas vezes nos degraus mas consegui subir. Caí na cama ainda com as roupas molhadas e dormi apenas pensando que naquele instante César e Victor sobrevoavam algum lugar até chegar em Fortaleza.
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Capítulo curtinho apenas pra vocês saberem o que virá por aí. Eu tô meio ocupado (pessoal do email sabe) mas é só passar esse zum zum zum de fim de ano e logo eu volto. Espero que estejam todos bem.
Higor Gonçalves: Muita coisa vai acontecer. Isso você pode ter certeza.
ms_cleiton, marcelo8486, ❤juju_gordinha_sapeca❤️,Ursolino, : É que vai ter parte 2!
Rph_rj: Veremos quem ela é de verdade.
CDC✈LCS: Obrigado! Eu já tô ansioso pra liberar. Mas fica chato colocar um capítulo agora e outro só daqui há muito tempo. Então, esse é apenas uma introdução. O conto em si começa a ser liberado logo mais. Meus planos são no início de janeiro, mas pode ser antes.
Malévola, Marcos Costa, Gabriel978, isabela^^, Matt sousa, : Vai sim! Espero que gostem do que está por vir.
Phelps: Essa hisória de conto de natal eu realmente considerei mas aí a falta de tempo falou mais alto. Infelizmente. Mas isso não significa que um dia eu não volte a escrever sobre mim ou sobre os garotos.
Drica Telles(VCMEDS): Então que bom que já está tudo bem! Vamos conhecer mais lados de todos os personagens.
#Léo!: Até que enfim alguém comentou isso! Veremos!
Jardon: Finalmente acabei tudo da faculdade!
math- Silva: Nossa, que bem observado! Adorei.
mille***, joaopegomes: Obrigado!
mattheusfl: Eu fui acompanhando seu comentários conto a conta ao passar do dia em que você leu todos eles. Muito obrigado! Que determinação! kkkk
Drica (Drikita): kkkk "Do Kaio". Não quero matar ninguém do coração não! Ou melhor, só um pouquinho.
ms_cleiton: Nem você, nem eu, nem ninguém. César já é super real pra mim. E não se preocupe que eu não vou sumir não!
É isso aí. Eu e meu namorado desejamos a vocês ótimas festas de fim de ano, muito amor, paz e saúde.
Abraço.
Igor.
kazevedocdc@gmail.com