Naquela primeira semana, combinamos de fazer a divisão da tarefas e despesas de casa.
Fomos até uma loja de roupas com e compramos tudo o que ele precisava, sapatos, cuecas, meias.
Ele não tinha nada, pois tudo que estava na casa da mãe o padastro botou fogo.
Meus treinos com o Ricardo continuaram, e na maioria deles a Mary ia com ele, levava, buscava e as vezes ficava lá nos assistindo.
Era nítido que ela gostava dele, mas eu não enxergava o mesmo nos olhos dele e isso me trazia um pouco mais de esperança.
Um dia na mesa comentei com o Dimas sobre o Ricardo e as várias vezes que pude fazer alguma coisa, mas o acaso me impediu.
Ele ria, mas não opinava, não se metia, eu gostava disso nele.
Nunca perguntei onde ele realmente trabalhava, ele também não me falava absolutamente nada sobre sua vida, não tínhamos tanta intimidade para tal, mas o respeito era recíproco.
Certa manhã, antes de saírmos para o trabalho, ele apareceu com uma pasta transparente com alguns documentos, me disse que não queria me prejudicar de maneira alguma e por isso fez uma espécie de minuta de contrato, dizendo que a parte dele seria tal valor mensal e que era um contrato com prorrogação automática, me destituindo de qualquer cobrança ou multa.
Eu ri de tal besteira e falei que não tinha nenhuma necessidade de fazer contrato de locação, eu já tinha um contrato com a dona da residência.
Mas que eu não pretendia pagar o aluguel daquela casa por mais tempo, afinal que não almeja sua casa própria?
Ele insistiu e me fez assinar todos aqueles papéis.
As primeiras folhas eu até li e vi que realmente se tratava de um documento que praticamente o obrigava a me dar metade de tudo que era gasto com nossas despesas, mas as últimas folhas eu não me dei ao luxo de olhar com clareza pois estava atrasado para ir ao trabalho.
Ele olhou aqueles documentos, me perguntou se estava tudo certo e tendo meu consentimento, colocou na pasta e saiu em direção ao que eu imaginava ser seu trabalho.
Minha relação de "amizade" com o Ricardo estava na mesma, eu cortando os pulsos de ciúmes e ele esfregando o namoro dele na minha cara.
Não tive coragem de me abrir com ele e por isso vivia chateado com tudo.
A Michelle me incentivava a conversar e a expôr os meus sentimentos ao Ricardo, mas o foda era ouvir da boca dele que estava feliz com a Mary.
Esses pensamentos me faziam recuar e evitar qualquer espécie de transtorno entre nós.
Eu engolia a seco a relação deles e assim nós íamos levando.
Me lembro que um final de semana ele me ligou dizendo que estava com quatro convites para um show e que a Mariana estava doida pra ir.
Pensei uma, duas, três, várias vezes para aceitar, até que pensei: "levo o Dimas".
Confirmei o evento com eles e tratei logo de avisar o Dimas que íamos no show sei lá de quem, aceitei sem saber qual o nome do evento ou quem iria cantar.
Era um um show beneficente e teriam quatros shows de famosos e vários espetáculos no decorrer dos intervalos.
O Dimas não pode ir comigo, pois teria que resolver assuntos com um amigo e talvez demorasse a voltar.
Michelle se prontificou a me fazer companhia no show.
Bebemos, dançamos muito, e rimos pra caralho. Por toda noite eu pegava os olhares que o Ricardo me jogava, vi também o descontentamento escrito no rosto da Mariana (ela estava infeliz).
Mas o fator de tanta tristeza era coisa dos dois e eu não queria saber de nada, só queria me divertir.
Eles foram embora antes do show principal e nós continuamos, eu ainda mais feliz, pois aquela noite seria decisiva. Pelo menos eu pensava e desejava que fosse.
Terminado o show, voltamos, deixei a Michelle na casa dela e continuei em direção a minha.
Do caminho a poucos passos de casa, eu pude ver que a porta estava aberta e as luzes acesas.
Corri e entrei pensando que era assalto ou alguma outra coisa.
Dou de cara com o Dimas caído no chão todo ensanguentado com vários machucados e respirando com muita dificuldade.
Me ajoelhei no chão, chamei por ele e vendo que estava consciente eu liguei para o hospital solicitando uma ambulância e em seguida liguei na delegacia de polícia, se fossem ladrões, eles poderiam estar ali ainda.
Em menos de quinze minutos eles chegaram, vasculhei a casa toda para ver se foi tentativa de assalto, mas tudo estava no devido lugar.
Junto veio uma viatura da polícia e conseqüentemente tive que ir dar meu depoimento sobre o ocorrido, eu não tinha muito o que falar, mas descobri algumas coisas a respeito do Dimas.
Envolvimento com pequenos furtos, brigas de rua, tráfico de entorpecentes e uma tentativa suicídio, numa briga que havia tido com a mãe e o padrasto. (Por isso ele não ia pra casa da mãe).
Sai de lá transtornado, com medo e com raiva de mim mesmo por tê-lo colocado dentro da minha casa, mas nada entra na vida da gente por acaso, tudo tem um propósito.
Passei a noite com ele no hospital, ele estava bem machucado, mas nada muito grave.
Enquanto me olhava com o olho totalmente inchado, um sussurro saiu de sua boca.
"Me desculpa, me desculpa, eu queria parar, mas eles não querem me deixar sair".
Ele foi até a boca pedir pra sair da facção ou gangue sei lá como se diz, mas eles deram uma surra nele e o ameaçaram de morte se ele saísse.
Ele ficou por uma semana na cama do hospital, até se recuperar e poder voltar pra casa.
Precisava de cuidados médicos e ajuda com alguns afazeres e por isso eu dava esse auxílio a ele.
Um dia o Ricardo apareceu em casa e tentou me convencer de que ajudar o Dimas era a mesma coisa que assinar a minha sentença de morte. Eu não podia virar as costas a ele, depois que todos já haviam desistido dele. (Eu não seria mais um).
Pela primeira vez eu briguei com o Ricardo e por algum tempo nós ficamos sem conversar.
Uma noite eu fui trocar o curativo das costas do Dimas, estava muito melhor.
Ele já estava se virando sozinho, mas as costas eu trocava pra ele, já que ele não conseguia.
Porquê você faz isso Fábio?
Eu te violentei, te tratei mal, te ameacei, fiz da sua vida um inferno naquela faculdade e mesmo assim você não me abandonou quando teve sua chance, por quê?
Eu respondi!
Porquê eu aprendi que não podemos dar as costas para o próximo, "o próprio Senhor irá à sua frente e estará com você; ele nunca o deixará, nunca o abandonará. Não tenha medo! Não se desanime"! “Deuteronômio 31:8"
Eu sou filho de evangélicos Dimas, meus pais sempre pregaram a palavra dentro de casa e para quem quisesse ouvir.
Mas no momento que souberam da minha sexualidade, ele me abandonaram, sem sequer lembrar que a palavra que eles mais pregavam era essa "Deus nunca abandona seus filhos".
Você fez muita coisa errada, mas se arrependeu, estou tendo a chance de te ver mudar e se tornar alguém melhor, e pode contar sempre comigo. Eu não sou ninguém para apontar seus defeitos, mas sou uma mão amiga para te empurrar sempre pra frente.
Tanta lição de moral dentro da casa dos meus pais me serviram de alguma coisa né?...
"rsrs" nós rimos!
Os dias foram passando e nossa amizade estava mais estreita, ele abriu o jogo comigo sobre o ta Patrão, que se ele não voltasse, as coisas seriam difíceis para ele. Mas ele não queria voltar!
Nunca me envolveu em nada, nunca veio um fulano sequer bater a minha porta, nunca tive surpresa desagradável enquanto o Dimas estava morando comigo.
Eu tive medo por ele em muitas ocasiões, mas ninguém controla o destino, não podemos adivinhar o que nos espera nas esquinas da vida.
No dia do meu aniversário ele me convidou pra ir jantar onde eu quisesse, chamamos a Michelle e o namorado também, eles foram sem pestanejar.
Eu adoro isso na Michelle, falou de comida grátis ela já está com o prato e os talheres na mão rs.
Foi uma noite bem bacana, eles eram a minha família, o Ricardo por birra não foi, e eu também não bajulei, ele insistia na relação com a Mariana.
Tiramos fotos, rimos, falamos muitas besteiras e comemos tudo o que pudemos rs.
Percebi que o Dimas não tirava os olhos do relógio, mas não nos apressou em nenhum momento.
Eu já estava mais a vontade com ele e apesar de ele sempre me respeitar eu ainda tinha um receinho até aquela noite.
Quando chegamos em casa ambos bêbados (não estou colocando a culpa na bebida), mas a bebida nôs faz criar coragem para meter a cara sem medo da recusa.
Ele segurou meu braço e me virou de frente a ele. A respiração ficou pesada, os olhares se batiam e os lábios se convidavam a um beijo.
Ele me falou:
Fábio eu estou apaixonado por você, não consigo tirar você da minha cabeça e antes de tudo eu queria que você soubesse disso, que me arrependi de ter te maltratado, que você hoje é mais que especial na minha vida.
Ele me abraçou e chorou sentido, me apertava e me agradecia por todas as coisas que aconteceram.
Fiquei sem entender nada naquele momento, ele falava de uma forma que parecia estar se despedindo, que não fosse me ver mais e eu pedi que ele calasse a boca e parece de dizer tantas besteiras.
Enxugou as lágrimas e me deu um beijo maravilhosamente quente, molhado e com todo amor que alguém poderia ter me dado. Eu retribui até ele se esquivar e ir para o quarto dele.
Fui para meu quarto e deitei dormir!
Acordei assustado com dois estrondos fortes, parecidos com rojões do lado de fora, provavelmente os bêbados estavam brincando na esquina.
Vi que a luz da sala estava acesa, levantei e fui apagar, a porta do quarto do Dimas estava aberta.
Alguma coisa estava errada, eu entrei no quarto e tudo arrumado, me bateu um aperto no peito e eu saí pra fora, pra ver se ele estava alí.
Liguei no celular dele e só chamava, chamava até eu ouvir o som do telefone ao longe.
Corri pensando que era outra surra, mas dessa vez não era.
Eu não conseguiria ajudá lo mais a partir daquele momento.
O Dimas estava morto!
Dois tiros: um na cabeça e o outro no peito.
Seus olhos estavam abertos e pareciam pedir por clemência, levei um choque, um sensação ruim, tontura que me fez ajoelhar no chão, a frente do seu corpo.
Eu chorei muito, pedi que não fosse verdade, mas aquele pesadelo era real.
Ele se despediu de mim, mas foi um burro de querer fazer tudo sozinho, deveria ter avisado a policia, a gente dava um jeito, mudava de cidade, de pais, sei la, mas juntos a gente encontrava uma saída.
Eles cumpriram o que disseram e voltaram para tirar a vida daquele rapaz de 24 anos, que estava começando a ter sonhos novamente e eles interromperam.
Desde então eu não comemorou mais meu aniversário.