Os garçons também são vampiros. Eu peguei uma taça da bandeja que um deles me ofereceu. Por algum motivo, todos eles sorriem para mim. Olham-me diretamente até que eu decida virar o rosto. Decido ficar pelos cantos. A taça na minha mão é leve e o conteúdo de dentro é vermelho pungente. Quando a coloco na boca, sinto o gosto quente do sangue e consigo ficar mais tranquilo.
Estando bem alimentado, quase conseguia voltar a ser quem eu era. Era como uma explosão de novidades. Lembrava de tudo que havia acontecido comigo desde que conheci Eduardo, e do que aconteceu depois de ter me transformado. Eu sei que muitas coisas que fiz são erradas, no entanto não consigo sentir. Faria tudo de novo.
O salão no qual estou presente está lotado de monstros. A maioria é vampiro. Todos vestidos com a mais pura elegância. Nem pareciam monstros sanguinários. Eu sou um deles.
O local é tão espaçoso que parece ser maior do que a praça da cidade onde morava antes de Eduardo aparecer para estragar a minha vida. O teto oval cobria tudo como uma redoma protetora que não deixava nem um pingo de luz do sol entrar. É dia lá fora. Aqui dentro a luz provinha de milhares de velas e de centenas de lustres no teto. As luzes fazem um espetáculo, refletem nas paredes douradas e acendem cada canto afastado e menos populoso. Existem vários pilares iguais àquele no qual eu estou apoiado, feitos de mármore, sobem até o teto para servirem de apoio. Eduardo me falou que por cima do mármore foi colocado uma tinta especial para dar a impressão de que tudo era realmente feito de ouro.
Ele me disse aquilo no primeiro dia do encontro. Eu mandei ele se calar alto demais e acabei chamando a atenção de mais da metade dos atendentes. Ele não quer mais falar comigo agora. Já é o terceiro dia de ‘conselho’, Eduardo dorme comigo no mesmo quarto nas câmaras subterrâneas, mas não fala comigo, sequer para me dar uma bronca. Quando chegamos aqui, ele pede licença e vai tratar de conversar com seus antigos amigos vampiros.
Eu não ligo.
Eu disse isso a ele mais de mil vezes e não consegui nenhuma reação.
Aquele conselho de guerra parece mais um baile brega de centenas de anos atrás. Nisso, eu e Eduardo concordávamos. Ele não fala muito a respeito do que conversa com os amigos, mas ele está muito frustrado com o fato de que suas tias e mãe não conseguiram convencer os anciões de que os caçadores são um perigo.
As bruxas e bruxos chegaram antes de nós. Eles tentam conversar e pedir auxílio todos os dias, mas são avisados de que deveriam ir embora porque alguns vampiros são jovens e não conseguem se controlar. Algum acidente pode acontecer. Tudo que eles menos precisavam era de uma guerra entre bruxos e vampiros.
Tudo que eu menos precisava era de uma guerra de bruxos e vampiros. Experimentei o poder de um, e por mais que o sangue fosse a coisa mais deliciosa do mundo, nunca mais queria passar por aquela coisa infernal. Sangrei por todos os buracos do meu rosto. Só de lembrar meu corpo treme. Pego mais uma taça da bandeja de outro garçom que passa por mim sorrindo amigavelmente até demais.
Onde está Eduardo?
Eu estou com tanto tesão o tempo todo. Está começando a me deixar maluco. Não consigo esconder mais. Eduardo não entende como é difícil se deitar ao seu lado todos os dias e manter a distância.
Eu o odeio, mas não quero perdê-lo.
Seus olhos vermelhos brilham mais intensamente. Às vezes não consigo evitar encarar. Sua barba, seu cabelo longo e negro, tudo trabalhava em harmonia para deixar o seu rosto parecendo uma obra de arte. Quando sorri, parece que recupero o meu coração por meio segundo.
Nesse momento acontece uma reunião com os membros mais fortes das raças sobrenaturais presentes. Vampiros, lobisomens, bruxas, wendigos, elfos, fadas, os lindos homens peixes, e as estranhas virgens das florestas que conseguem se transformar em árvores, nereides e outras que fazem minha cabeça doer só de pensar.
Um outro mundo existia por debaixo de meu nariz e eu só fui perceber quando morri.
Eu sei onde Eduardo supostamente está. Numa daquelas reuniões. Ele é um general. Um orgulho estranho me atinge sempre que lembro disso. Eu só quero saber onde ficar a sala de reunião para poder ir atrás dele.
O tesão que estou sentindo não é brincadeira, não é. É tudo que consigo pensar. Todo homem que vejo me provoca de alguma maneira, as pernas grossas, os ombros largos, os olhos brilhantes, o queixo quadrado. Ficava difícil até de andar com a cueca cheia.
Eduardo deve saber o que estou passando e está me ignorando de propósito.
Entediado demais para continuar parado, pego impulso no pilar no qual estou encostado e bebo o sangue da nova taça. Coloco uma mão no bolso para parecer mais elegante e misterioso. O salão grande tem espaço para uma longa caminhada. Caminho em direção da entrada. É engraçado assistir aos rostos de novatos adquirirem diversas expressões de surpresas quando olham pela primeira vez a imensidão e beleza do local. Eu devo ter tido uma expressão daquelas. Eduardo não falou.
Eu quero o meu Eduardo.
Esvaziei a taça, colocando o resto do sangue garganta a dentro. Sinto-me mais revigorado automaticamente. Ponho a taça numa outra bandeja. O garçom abaixou a cabeça em reverência. Sorri de um jeito muito indicativo. Eduardo deve me agradecer de joelhos pela minha fidelidade.
Por ser dia, os que entram agora no salão são qualquer coisa menos vampiro. Vi duas garotas loiras de vestidos azul-claro e longas unhas pontudas. Seus olhos são negros como azeviche. Eu me arrepio quando me olham. Estou perto de uma mesa onde o banquete é servido para os não-mortos. As comidas são muito coloridas, mas nada abria o meu apetite, só sangue. Tinha muito sangue também.
Olho para a porta novamente, as duas garotas bizarras desapareceram. Dois homens entraram agora. Um claramente é lobisomem pelo jeito desajeitado que anda, e ele se encolhia no terno como se a roupa estivesse o furando. O outro tinha cabelos ondulados, vestia terno, gravata e seus olhos tinham um brilho amarelo peculiar.
Prendo o meu fôlego. Eu não preciso de fôlego, mas prendo mesmo assim.
Não pode ser.
Eu me aproximo dos dois, que estão olhando para cima como se tivessem caído sob um encanto, admirados com o teto dourado do local.
“Eu não posso acreditar. Épini?”
Quem olha para mim primeiro é o bruxo ao seu lado.
“Você.”
“Eu mesmo.”
“Você tem alguma ideia da ofensa que me fez, vampiro?”
“Para ser honesto, eu tenho sim.” Dei de ombros. “Você usou algum feitiço para colocar ele num terno?” pergunto. Épini parece sofrer dentro do terno, mesmo que o sirva muito bem. Parece outra pessoa.
“Eu não quero falar com você.” O bruxo me dá as costas e caminha para longe. “Venha comigo, Épini.”
O lobisomem olha ao redor mais uma vez parecendo aterrorizado. Sinto até pena por ele. “Onde está Eduardo?”
“No conselho.”
“Pensei que aqui fosse o conselho.”
“Não, o conselho é uma reunião de poderosos. Aqui a gente só come e espera pelas decisões que eles farão sobre o nosso destino, grandão. Seu dono tá chamando. Diga a ele que não precisa ficar tão ofendidinho. Foi só uma mordida.”
Épini sorriu. “Ele te meteu medo, não foi? E como é que você tá tão tranquilo?”
“Tô de barriga cheia. Eles servem sangue em taças aqui.”
Os olhos de Épini arregalaram-se.
“Sangue de quem?”
Um garçom passa por perto de nós naquele instante. Eu pego uma taça, olho para o lobisomem e dou uma piscadinha. “Sabe, eu nunca pensei em perguntar.”
“Eles vão pegar o meu sangue?”
“Não que eu saiba.” Eu bebo o sangue e coloco a taça na bandeja de outro garçom.
Ele respirou aliviado.
“São muitos vampiros. Estou ficando nauseado.”
“Está me ofendendo.”
“Eu não me importo.”
“Lembre-se que eu consigo dar uma surra em você agora.”
“Sem sangue de bruxo? Você pode tentar.” Ele sorri. Nesse momento parece se lembrar que deveria estar ao lado de um bruxo naquele momento. “Onde...”
“Naquela direção.”
“Aquele miserável” Épini fala, e anda na direção que eu apontei, deixando-me sozinho mais uma vez.
“Estão fodendo” eu digo para mim mesmo.
Alguém dá uma risada, feminina e afiada, bem atrás de mim.
“Você tem bons olhos” diz a mulher. Cabelos ruivos e cacheados que descem até os ombros, olhos vermelhos brilhantes, vestido rosa e lilás, com detalhes roxos. Linda. Vampira. Podia sentir um imenso poder emanando de seu corpo.
“E você tem bons ouvidos” falo, sem pensar. Minha língua de vampiro recém-nascido parece ter vida própria. “Desculpe-me, senhora.”
“Não se desculpe.”
Ela me rodeou. “Chamo-me Aleera” disse, dando-me a mão, a qual eu beijo por ter aprendido os costumes com Eduardo. Aleera... Já ouvi aquele nome em algum lugar. O longo vestido da mulher me faz sentir medo de pisar. Seus lábios são cheios e vermelhos.
“Prazer, sou Jesus.”
Ela dá uma risadinha.
“Que interessante.”
“Eu sei. Bem irônico” eu falo, sorrindo. A mulher continua a me encarar. Limpo a garganta, incomodado com o silêncio. Olho para todos os lados. A mulher ainda me olha com interesse. “É bem bonito... aqui... o salão.”
“Você acha?”
“Sim.”
Mais uma vez, paramos de conversar. Mas ela me encara intensamente. A conversa dos outros ao nosso redor não melhora a situação. A vampira ruiva Aleera coloca as mãos no corset apertado da sua cintura. “Está com sede?”
“Nã... na verdade, estou sim.”
Ela já havia pegado duas taças. Deu-me uma e começou a andar. “Acompanhe-me.”
As pessoas abriram espaço na nossa frente por onde caminhássemos. Tenho uma leve impressão de que não abriam alas para mim. Aleera... Não me lembro por mais que tentasse.
“Quantos anos você tem?”
“Dezenove.”
“Dezenove anos” ela repete, e dá uma risadinha. Eu não vejo a graça, mas acho melhor não comentar. Só a acompanho pelo meio da festa e das pessoas que paravam para nos observar porque ela me comandou. Tomo cuidado para não pisar no vestido longo de Aleera.
Eu sei desde o primeiro dia que vim aqui que existia um palco na extremidade oposta da porta de entrada, mas nada ali havia de especial além de mais mesas para se sentarem. No entanto, é para lá que estamos indo. Aleera nem olha para trás. Penso que ela esqueceu de mim, mas não ouso dar a volta.
As pessoas param para nos observar andando. A mulher deve ser alguém muito especial. Encontro na multidão de curiosos Épini e seu bruxo, também nos observando. O bruxo evita o meu olhar. Aleera para abruptamente de andar e ergue sua mão para mim. Automaticamente eu a seguro e vou para o seu lado. Ela está sorrindo. Não consigo fazer nada a não ser sorrir de volta. Encaro seu rosto.
“Eu preciso de algo de você. Faria isso por mim?”
Quero perguntar o quê, mas sinto que aquela não é a resposta que ela precisa.
“Absolutamente.”
Ela aperta minha mão e aquilo me dá segurança, surpreendentemente. Segurança para quê? Não faço ideia. Volto a andar e agora estou ao seu lado e segurando sua mão. Quero muito que Eduardo estivesse aqui para me ajudar e me guiar. Não vejo sinal dele.
Aleera sobe as escadas comigo ao eu lado, no palco adornado de enfeites dourados no chão. As mesas que se encontram ali estão mais para o fundo, dando espaço na borda do palco para que alguém pudesse olhar todo o salão. É imenso.
A vampira manda o único vampiro que estava em pé ali sair, e ele obedece rapidamente.
Ela se vira para mim.
“Você não me conhece, não é?”
“Não.”
“Ele não falou nada de mim?” Perguntou ela enquanto tirava a taça da minha mão e colocava no chão junto com a sua.
“Ele?”
“Esqueça isso por agora.” Aleera me deu um último sorriso reconfortante e se virou para as pessoas. Alguns olhavam para ela, mas a maioria estava conversando e comendo e andando. Começo a ficar nervoso.
Todo mundo se calou e virou-se para Aleera quando ela bateu palmas, o som é tão forte que pareceu tiros de arma-de-fogo. O silêncio absoluto que se seguiu me fez ficar parado como se qualquer movimento fosse fazer todo mundo pular em cima de mim.
Aleera limpou a garganta. Sua voz é potente e poderosa quando fala. “Eu sei que todos vocês no fundo sabem qual o motivo desse encontro de tantas raças. Assim como sei que a maioria sabe qual é reação de nossos anciões. Medo! Estão com medo de lutar. Vampiros, lobisomens, bruxos, estão sendo assassinados todos os dias.”
“Minotauros também” gritou a voz grave e monstruosa da plateia.
“Minotauros também. O que o conselho faz? Finge que nada acontece e exclui a maioria de vocês dos assuntos de guerra. Eles escolhem não acreditar. Mas eu mesma vi o poder que um dos caçadores carregam. O próprio Drácula foi morto.”
“Eu sei que a maioria de vocês iria à luta comigo se eu pedisse, mas eu quero todos, todos juntos, na luta contra aqueles que procuram nos destruir. Eu e minhas irmãs somos anciãs também e nós dizemos que vai haver guerra.”
“Agora eu espero que prestem muita atenção. Vamos fazer o nosso próprio conselho aqui. Vamos tirar nossas conclusões aqui. O primeiro a dar o comentário sobre os acontecimentos com os caçadores...” ela se virou para mim. “Vai ser o novo vampiro Jesus, criado pelo meu sobrinho Eduardo, um dos nossos melhores mestres na guerra, com mais de setecentos anos, Eduardo só precisa de mais três centenas para ser um ancião e é filho de uma e sobrinho de duas. Eduardo sofreu com os caçadores, e o seu novo filho e amante vai nos contar tudo a respeito.” Ela finalizou e sua voz foi seguida por um silêncio profundo.
Eu sei que já estou morto, mas quero muito morrer.
as
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as
as
Parte favorita do capítulo????????????? - vou fazer essa pergunta toda vez agora.
Luanegra: ora, que bom que está com saudades, porque eles vão voltar. ahahahahha.
Ru/Ruanito: quanto mais louco, melhor.
Hello : o capítulo respondeu sua pergunta, mas eu vou responder também. Não. Vai continuar tendo Eduardo e Jesus. Quem sabe até Alexandre.
'Bell': obrigado, haha. postei. olha ai.
S2DrickaS2 : precisa sim, pode ser cruel comigo pq eu mereço. hahaa. estou feliz que tenha gostado dos novatos, espero que continue gostando das coisas que tenho pra trazer.