Ah, o bom e velho remorso... Remorso por ser eu mesmo. Esquisito... Se arrepender de ser você mesmo. Mas no final, esse sempre fui eu. Não por opção, claro, mas nada era o que eu poderia fazer e assim eu vivo há 33 anos (e contando). Mas agora existe outra pessoa em jogo, e por isso temo. Temo pois sinto coisas demais pra deixa-lo ir, mas o deixar perto de mim é perigoso; talvez um risco de vida, dependendo de meu pai e seu humor caso descobrisse que nós temos "alguma coisa".
Aos poucos vou me desfazendo de seu abraço pra não o acordar, sento na cama e observo seu torso subindo e descendo no ritmo de sua respiração, iluminado apenas pela luz do luar que entra através da janela. O lençol cobrindo apenas seu sexo e parte de suas coxas, gosto tanto delas. Torneadas, grossas e levemente revestidas de pelos lisos e negros, assim como o peitoral...tão tranquilo, tão sexy e sedutor quanto só ele consegue ser. Levo minha mão até seu rosto onde a rala barba cresce, passo a mão em um gesto de carinho, aproximo o rosto e lhe dou um beijo antes de vestir minha roupa, pegar minhas chaves, carteira, celular e seguir pela noite no terreno gramado e escuro até meu carro. Olho para aquela casa pouco iluminada e sinto tristeza, sei que não é justo largá-lo sem ao menos dizer que já estou indo depois de termos passado a noite inteira fazendo sexo, ou melhor, passamos a noite inteira fazendo amor. Dou uma breve riso percebendo o quão meloso foi meu pensamento, mas é a verdade, houve muito mais sentimento ali pra ter sido apenas sexo, mas logo o divertimento passa e a melancolia retorna enquanto digo um silencioso "Te amo", ligo o carro e dou partida rumo a minha penitência ao lado do meu pai.
---(Algumas semanas antes)
Era a primeira vez depois de muito tempo que conseguiamos uma informação concreta sobre onde encontrar o famoso "Boiadeiro". Não saberia dizer quem estava mais feliz, eu ou meu pai. Talvez meu pai, esse desgraçado, que quase não conseguia esconder o sorriso vitorioso, após meses de árdua procura por esse tal de Boiadeiro, ou eu, quem fazia a procura na prática atrás de informações com outros "peixes menores" como traficantes, empresários e fazendeiros. Mas esse apesar de ser dono de uma quantidade imensa das terras que fazem divisa do Paraguai com o Brasil que contém grande parte dos pontos estratégicos por onde entram as armas e drogas contrabandeadas, consegue ser um mistério mesmo para os que são do meio; como meu pai.
Consegui a informação de que poderíamos encontrar esse cara num bar frequentado por qualquer pessoa com um dedo ou corpo inteiro metido no submundo, mas enquanto meu pai dirige a Hillux por essa estrada mal iluminada e meio suspeita com seu sorrisinho irritante, eu também tenho um certo sorriso debochado nos lábios por ter conseguido essa informação com um empresário do ramo pecuário que sabia um pouco mais desse cara do que nós; o sorriso, claro, é pelo fato de ter pagado pela informação com o que meu pai mais odeia que eu faça. Nem de longe tinha sido a melhor transa da minha vida, o tal era mais um desses empresário musculosos, casados e enrustidos que pensam ser donos do mundo por terem um rostinho bonito e dinheiro na conta. Passei a tomar asco desse tipo, muitos já se insinuaram pra mim, mas no final a única coisa que querem é um buraco pra meter -de outro macho, na maioria das vezes- e depois voltam pro armário fingindo ser os heteros esbanjando preconceito pra não levantarem suspeita; mas no final, são de caras como eu que correm atrás. Pena eu estar me riscando da lista dos disponíveis.
O tal bar fica próximo a Foz do Iguaçu (PR) em uma cidade chamada Pastos cujo sustento provém em grande parte da pecuária e pelo visto, das drogas e armas contrabandeadas. Mesmo sabendo que a maioria dessas pessoas faz parte da classe alta, e apesar de estarmos vestidos socialmente, não consigo tirar da minha cabeça que ao chegarmos lá o que encontraremos é o típico cenário de filme com um lugar sujo, fétido, com homens carrancudos, abarrotados de cicatrizes e talvez um olho ou pedaço da orelha faltando; e a silhueta do lugar ao longe na estrada que mais parece um armazém, me faz acreditar cada vez mais em meus pensamentos. Ledo engano. Perto o suficiente para reparar nos carros estacionados em frente ao lugar, vê-se em sua maioria cabine duplas, Range Rovers e alguns um pouco mais esportivos para os mais exibidos, todos limpos, bem cuidados e versões do ano. Um contraste interessante de certo modo, pois de fora o bar ainda tinha ares de galpão, por mais que num estado também ,curiosamente, bem cuidado.
"Olho do Touro" diz um letreiro de fundo negro com lampadas vermelhas fluorescentes acima da entrada de portas duplas totalmente pretas, como o resto da faixada da construção, e guardadas por dois seguranças de terno escuro levemente camuflados pelo tom de seus uniformes e pela noite.
- chegamos. - Diz meu pai parando o carro no estacionamento organizado apesar da falta de faixas delimitando vagas. "Parece que nem só de gente mal vista esse lugar é frequentado" pensei um pouco surpreso.
- Nasci pra ser serviçal mesmo. É muita firula pra um lugar onde um quer cortar a garganta do outro... - Comenta Murilo, um dos trabalhadores do meu pai.
- Ainda não sei pra que eu sirvo aqui - Digo.
- Nem aqui e nem lugar nenhum na tua vida. - Ele diz com as mãos na cintura, encarando a construção. Nem me dou o trabalho de responder, já estou acostumado com as demonstrações de amor vindas dele.
Meu pai entrega a chave a Jerson, um negro alto e forte, por volta de seus 1,80 metros, que apesar da relação estrita entre serviçal e patrão, recebe menos desaforos que eu. Mas como disse, não ligo para essese pensamentos, pois agora o que vem em minha mente é o som abafado de um piano vindo de dentro do lugar. Um piano num bar suspeito no meio do nada... A situação era cada vez mais intrigante e eu me vi repentinamente atraído pela música a entrar naquele ambiente.
Meu pai dá um rápido suspiro e se bota a caminhar em direção à porta, onde passamos os 4 por uma revista completa. Um dos seguranças passa um rádio dando nossas descrições físicas provavelmente para a segurança do lado de dentro. Olho um pouco abaixo do letreiro e há uma câmera do lado esquerdo do mesmo. Imagino o que deve se passar ali pra esse esquema de vigilância todo.
As portas são abertas pelos dois seguranças e o que eu vejo lá dentro é algo que nunca imaginaria existir num lugar desses. Na minha concepção, o inferno não é um lugar que te traz horror, medo e repulsa. Muito pelo contrário. Ele é convidativo, sedutor e hipnótico; e se alguém me pedisse para descrever como eu imagino que seja a entrada do purgatório, eu traria essa pessoa ao Olho do touro. Logo que se adentra naquele local percebemos os dois lados da parede da entrada tomados por mesas envoltas em poltronas acolchoadas em vermelho, luminárias de mesa em cada uma delas. Um palco não muito grande em largura mas alto o suficiente para ter destaque por todo o lounge, panorâmico, adornado por cortinas grossas em vermelho sangue. Um bar à esquerda contendo uma impressionante variedade de whiskeys, vodkas, vinhos, taças e copos. As paredes revestidas em faixas de papéis de parede marrom e cinza escuros; luminárias provendo um ar tranquilo por luz ambiente e alguns quadros de lâmpadas de neon com escritas que não prestei atenção. O lugar mais parecia um bar mafioso de filmes noir, com a única diferença de que aquilo não era um filme. Eu não estava em um filme.
As pessoas encontravam-se todas arrumadas propriamente. Os homens com ternos sob medida e seus sapatos de bico fino e as mulheres, algumas acompanhantes; outras, parte do submundo, com vestidos dignos do tapete do oscar e jóias brilhantes. Todos numa elegância da qual não entendi o motivo. Tudo extremamente surreal.
Impressionado com a situação, mal percebi que meu pai já havia se juntado a um de seus conhecidos em uma mesa.
- Seu Robson mandou você arrumar conversa com alguém e ver se descobre quem é o tal do Boiadeiro. - Disse Murilo perto de mim para não sermos escutados.
- Apelido mais idiota...
- Guri, fala baixo. Ou melhor, nem fala uma coisa dessa aqui, antes que tu vire adubo de grama.
- Talvez pro meu pai, eu como adubo de grama seja mais útil.
- Ai, ai... - Murilo me dá as costas e segue para o lado do meu pai.
Não fazia a mínima idéia de como iniciar uma conversa com alguém que pudesse me dizer algo, sendo assim fui até o bar, me sentei em uma das cadeiras e pedi um martini seco. Bebida é sempre o melhor motivador para se fazer o que não quer ou o que quer e não tem coragem. Não se esperando menos, os bartenders também faziam jus ao lugar com seus classicos uniformes sociais, mas nenhum que chamasse muita atenção atrativamente falando. Após minutos entre bebericos e devaneios, uma silhueta feminina para ao meu lado e senta em uma das cadeiras. "Thiago, me arruma uma dupla de whiskey, por favor" ela pede. Interessante por vários motivos: o primeiro é que não se vê muitas mulheres bebendo doses duplas whiskey puro, segundo que ela tinha intimidade com o bartender, e terceiro por ela ser linda. Eu gosto de homem, gosto de macho, gosto de rola, mas ela era realmente linda. Cabelos grandes, ondulados e negros, traços de rosto fortes e lábios perfeitos, batom vermelho. Salto alto, calça de um material preto e fosco; látex, eu acho. Vestia um top preto com uma jaqueta branca e curta por cima, aberta. O sonho de consumo de todos os homens e o pesadelo de qualquer mulher, até eu precisava admitir.
- Nunca te vi aqui, sua primeira vez.- afirmou convicta.- Mirian, prazer. O seu?- demorei alguns segundos assimilando a abordagem.
- Ah, é... Maurício, prazer.
- Então, Maurício, o que te traz aqui?
- Eu? Vim acompanhado do meu pai, aquele ali.- apontei depois de procurá-lo pelo lounge, já um pouco afetado pelo álcool em meu sangue.
- Hm, você é o mais velho do Roberto.- ela diz mais uma vez afirmando, sem perguntas. Aliás, como ela sabia?
- Como você sabe?
Perguntei surpreso. Ela ri como se fosse algo óbvio e responde:
- Maurício, você prestou atenção no nome do bar, o letreiro em cima da porta de entrada?- "que diabos de pergunta era aquela?" Pensei.
- É... Sim...- respondi ainda sem saber o rumo daquela breve apresentação.
- Bom, Maurício, aquele nome não tá ali por acaso e ninguém aparece aqui à toa. Quando alguém conhece o Olho do Touro, o verdadeiro Touro já te conhece há muito tempo.- diz mirian dando ênfase ao "verdadeiro". Com certeza ela quis dizer algo por trás disso. Frase de efeito idiota, eu sei, porém real.
-Então deixa eu adivinhar, o tal do "Touro verdadeiro" é o tal do Boiadeiro?- resolvo tentar entrar no seu jogo de palavras. Ela apenas responde levantando o copo sutilmente como um brinde e uma piscadela -E quem seria o homem por trás do famoso Boiadeiro?
De repente Mirian aproxima seu rosto do meu. Me afasto por instinto, assustado, Inútil. Segurando minha nuca, num rápido e sutil movimento ela leva o rosto à minha orelha, os lábios próximos o suficiente para sentir seu hálito provocante e meu coração pulsando, rápido e assustado. Como numa conversa íntima entre amantes, ela diz: "Alguém que passaria a noite inteira metendo a rola numa bunda sexy e redondinha igual a sua." E se afasta como uma pantera que abate sua presa. O olhar sedutor, o pequeno sorriso, a mão direita passando pelo meu rosto e indo de encontro ao copo de whiskey. Ruborizado, acuado e me sentindo indefeso, não consigo parar de encara-la sem algo a dizer, nem ação a tomar. Impossível ela saber isso. Impossível e irrelevante. Ou seria algum tipo de ameaça? A confusão em minha mente era perceptível e embaraçosa.
- C-Como...-
- Eu sei?- disse interrompendo uma sentença que eu não seria capaz de terminar.- Não se preocupa, voce não tem trejeitos ou qualquer outra coisa que te denuncia, mas olha pra mim. Você não agiu diferente quando eu cheguei perto de você. Nem um suspiro sequer. Eu chamei sua atenção, mas não de um jeito sexual. É o tipo de observação que nem todo mundo faz questão ou consegue perceber... Mas eu consigo- ela se aproxima mais uma vez até encostar os lábios vermelhos em minha orelha-, e como eu fico excitada só de pensar em ver um macho dominando o homem padrão do século XXI: encubado, trabalhador de escritório com casamento infeliz e vida tediosa... exatamente o seu tipo...
Ela fala no mesmo tom de antes enquanto faz círculos com o indicador nos ralos pelos do meu peito. Eu estava vulnerável e indefeso, e na minha cabeça a única coisa que eu queria era abrir um buraco no chão e sumir dali, mas em contrapartida a cabeça de baixo, dura e rija, pensava nas palavras daquela mulher que me deixou estático. O timing social para expor uma reação já havia passado do limite, assim sendo, peguei o resto de Martini e dignidade que ainda me restavam, engoli os dois e permaneci no silêncio.
Quando menos percebo, ainda atordoado sou pego por uma sonora onde de aplausos que Mirian e quase todas as pessoas naquele lounge dirigiam a um homem em meio ao pequeno palco pouco iluminado por um holofote não muito brilhante mantendo a identidade daquele misteriosa como todo o ambiente. "Era ele quem tocava o piano?" Penso comigo assim que reparo na figura de postura elegante, smoking negro em contraste à pele alva, cabelos escuros como a noite numa charmosa mistura de corte social e rebelde, sorriso singelo e reverencia de agradecimento à ovação. Era o possível a ser visto em função da luz ambiente e já era interessante o suficiente pra me deixar aceso. Eu só torcia para o álcool nas minhas veias não serem combustível para algo vexatório. As pessoas foram voltando para seus burburinhos, negociações e seja lá o que essa corja falava naquele lugar. De nossa breve apresentação até aquele momento, Mirian não havia mais me dado atenção, parecia esperar por alguém. Quanto mais silêncio ela fazia, mais dignidade eu mantinha. Entretanto, eu não podia negar suas afirmações pois apesar desse papo de "o olho do touro percebe tudo" ter parecido que foi tirado de O Senhor Dos Anéis, o que ela havia falado era verdade, desde eu ser o filho mais velho do meu pai até a parte da minha vida ser um acúmulo de insignificância e meu casamento forçado. Sim, eu era casado e sim, era um casamento forçado. por quem? Dispensável dizer. Mas tudo uma tentativa (falha, se me permitem a observação) de que eu e meus desejos sexuais se mantivessem na linha.
Na metade do terceiro Martini meus devaneios foram mais uma vez interrompidos pela presença de outra pessoa, só que agora minha respiração se tornara profunda, os batimentos acelerados, o nervosismo aflorado e a atenção completamente tomada pelo tal pianista que se aproximava com o mesmo singelo sorriso. Sua compleição física era outro contraste interessante pois sem o sorriso, a expressão amigável e o andar transmitindo calma, ele passaria facilmente de galã para uma figura imponente, rústica e altiva. Ele tinha traços bem masculinos e atraentes, sobrancelhas bem desenhadas e negras como seu cabelo, estrutura maxilar um pouco quadrada. olhos grandes, escuros, queixo levemente dividido. Devia ter por volta de um metro e setenta e cinco a um metro e oitenta e dois de altura. A roupa não escondia que seus braços, torço e coxas eram um pouco robustos. Rosto e compleição física de um macho exemplar, era um desses que eu gostaria pra mim.
- Fui bem ou essa salva de Palmas foi só bajulação?
Ele pergunta a Mirian.
- Claro que foi bom, e pra amanhã to pensando em algo com mais destaque, e vamos nós dois.- Ele sorri de acordo- Ah, sim! Maurício, esse é o Alexandre. Alexandre, esse é o filho mais velho do Roberto, aquele que tem terreno perto da "desova".- ela diz explícita.
- Aaah, esse Roberto. Prazer, Maurício.
Ele diz sorrindo apenas curvando a boca, parece ser simpático. "Já vi que esse cara não vai sair tão cedo da minha cabeça" penso enquanto nos cumprimentamos com um aperto de mão.
- Prazer.- respondi sorrindo e tentando disfarçar o nervosismo- você toca bem.
"Eu também toco bem, mas só punheta num instrumento chamado seu pau" eu penso com o álcool já em meu controle.
- Diga, Maurício, como sua primeira vez aqui, veio fazer contatos com o pessoal do círculo ou é algo mais específico?
- Vim com meu pai na tentativa de encontrar o famoso Boiadeiro. Você por algum acaso sabe algo sobre ele? Aliás, vocês dois são... exatamente o que?- fiz a pergunta na expectativa de talvez responderem seus "cargos" no submundo e se eram um casal. Não que me fosse fazer diferença se estavam juntos ou não, mas o álcool...
- Somos quase irmãos, não temos nada disso que você tá pensando. crescemos juntos em Pastos, e naquela época os unicos jeitos de sair da merda na cidade era entrando pro crime ou morrendo, e assim aqui estamos, irmãos de guerra.
- Mirian, eu acho que ele quis saber o que exatamente nós fazemos no meio, e não o que eu e você somos.- na verdade eu queria os dois, e consegui. Agradeci Mirian mentalmente por isso - Mas enfim, nós somos uma espécie de mensageuros pro "Boiadeiro"
Ele fez aspas com as mãos e os dois tinham uma expressão no rosto que me pareceu diversão ao dizer esse apelido. Talvez fossem simpatizantes do pensamento de que é um nome estúpido.
- Então vocês sabem me dizer onde eu encontro ele?
Eles sorriram mais uma vez como se fosse algo óbvio e estúpido da minha parte perguntar isso. Ou talvez eu quem era óbvio e estúpido demais para aquele lugar.
- Maurício, é desnecessário dizer que o Boiadeiro é o mais influente dessa região por conta das terras dele, certo?- assenti - E você sabe que todo mundo nesse bar daria a própria mãe pra ter as terras dele, porque tendo as terras, se controla o tráfico que abastece uma boa parte do Brasil, o que obviamente gera uma quantidade ridícula de dinheiro e poder, certo?- mais uma vez concordei - Então quero que você pense na quantidade de perigo que ele correria só das pessoas saberem quem é a pessoa por trás do nome. Seria estupidez, não é mesmo? Sendo assim, é pra isso que estamos aqui. Se é algo que um de nós ou os dois podemos cuidar, fica por nossa conta. Mesmo nós dois não temos contato com ele além de ligações por telefone ou mensagens alternativas. Então a menos que você tenha algo como uma bomba nuclear ou dinheiro pra comprar nosso país inteiro, receio que infelizmente seu pai não vai conseguir o que ele quer.
Ele termina sua explicação, esperando que eu dissesse algo, mas essa é uma batalha do meu pai, e ele não vai gostar de saber como as coisas funcionam. Eu nada respondi, apenas dei mais um gole no quarto drink do qual eu não me recordo qual.
- É, ta na hora de bater o ponto e ir trabalhar. Foi um prazer te conhecer, Maurício, de verdade, não é sempre que aparece alguém como você por aqui.- diz Miriam
- Alguém como eu? Como assim?
- Que não tem o fardo da morte e desgraça alheia nas costas.
Um arrepio subiu pela minha nuca ao ouvir essas palavras. Será que eles também...
- Mas como ela disse, amanhã nós dois vamos nos apresentar juntos, e apesar de tudo, ainda tentamos fazer desse lugar, um lugar neutro e agradável onde as pessoas possam no mínimo negociar sem a iminência de um confronto armado, então gostaríamos da sua presença, tomo das palavras delas as minhas.
- Meu pai já tá rindo à toa, e esse assunto não faz ele rir com frequência, o que diz que ele está mais bêbado do que deveria, então provavelmente amanhã estaremos aqui de novo. Eu venho pelo entretenimento e pela companhia, já ele... sinceramente não dou a mínima pra essas disputas de poder, então podem contar com minha presença. Ah, e esse lugar é impressionante, parabéns pela gerência.
- Bom, agradecemos. Uma ótima noite e até amanhã, então.
Ele ia saindo quando Mirian diz:
- vou só terminar o copo e já te acompanho.
Ele assentiu e foi empenhar seu trabalho como representante. Apertado para ir ao banheiro, eu estava abrindo a boca com a intenção de pedir licença para me retirar quando ela se antecipa e despeja o ápice da noite.
- E aí, o que achou dele? E não precisa se segurar nas palavras porque já se foram 3 martinis e uma dose de vodka de baunilha pura.
- Sinceramente?- ela me olhou com um sorriso como se prevendo o nível do que eu iria falar - Dava pra ele o resto da minha vida. Ele tem essa carinha de bom moço, mas aposto que mete forte e gostoso.
Ela ficou em silêncio por um tempo, pensando. Achei esquisito, mas antes de concluir que ela não batia bem da cabeça, Mirian torna a falar, mas agora com uma expressão mais séria.
- Sabe, você é do tipo que ele precisa.
- Do que você tá falando?
- Nesse mundo, você não sabe o dia de amanhã. Na verdade, você não sabe nem se vai estar vivo na próxima uma hora. Nós já vimos muita gente estar bem e no dia seguinte ela aparece morta numa plantação qualquer. Pessoas conhecidas, amigos. O amor então é algo que nós dois nunca demos nem chance, é assinar a sentença de morte de quem você ama.
- E... onde você quer chegar com isso?
- Apesar de ser um mundo perigoso para as pessoas ao seu redor, o meu caso foi diferente. Eu tinha alguém que eu gostava. Até eu descobrir que era corna, e isso é extremamente ruim pra quem tem que representar uma das pessoas mais influentes dessa região do país.
- Aí deixa eu adivinhar, você matou a amante dele e largou ela numa plantação?
- Não, eu matei ele no meio da rua mesmo. Desnecessário, mas é preciso mostrar respeito, ou sua reputação morre junto com sua credibilidade.
Outra vez ela me deixava sem reação, estático. Ela me olhou, talvez pra saber se eu ainda estava ali. Mas algo eu precisava admitir, precisavam existir mais mulheres como ela no mundo. Passado uns 40 segundos do choque daquela passagem de vida eu consegui formular uma pergunta:
- E a amante, fez o que com ela?
- Tá vendo aquela porta?- ela apontou pra uma porta no extremo canto esquerdo do lounge, com pequenas luzes vermelhas em volta. Fiz que sim com a cabeça - ela é uma das acompanhantes.
Ela disse sorrindo de modo debochado. Eu precisei sorrir junto, era coisa demais pra processar em pouco menos de uma hora. Virei a metade da dose de vodka de uma vez - Você não deve estar no melhor dos estados depois de beber assim, então se você aparecer, amanhã continuamos, tudo bem?
Mirian se levantou do banco, me beijou a bochecha, acenou levemente com a cabeça e seguiu para sei lá onde.
Eu já estava meio zonzo, e sabe-se lá quantos minutos depois sinto algo tocar meu ombro, me viro e vejo meu pai num estado lastimável sendo carregado por Jerson e Murilo . Eu ri de deboche e entendi que era a hora de retornarmos pra casa, E após pagarmos a conta, foi o que fizemos.
Nada do que acontecera ali sairia da minha cabeça, mas toda aquela situação tinha me causado um sentimento que há muito tempo não via: a sensação de estar vivo. De que sua vida não é apenas mais uma qualquer. Eu poderia dizer a meu pai que nada tinha conseguido, voltar pra a capital de São Paulo e retornar à minha vida medíocre, porém enquanto meu pai vomitava pela porta do carro, amparado por Jerson, eu via a silhueta obscura do Olho do Touro diminuir na paisagem à medida que nos afastavamos na estrada rodeada pelo breu da falta de iluminação pública , mas apesar de todas as histórias ruins, pessoas ruins e total imprevisibilidade daquela cidade, algo em meu âmago me fazia querer ficar em Pastos, e retornar no dia seguinte Ao olho do Touro
Olá a você leitor. Resolvi lançar uma história minha no site baseado em uns poucos escritores que realmente considero por se destacarem das demais histórias, como o Jader Scrind, Kherr, WhiteChocolate, mk194 entre outros que não me vêem na cabeça por hora. Meu intuito ao escrever aqui é apresentar mais histórias com abordagens e temas diferentes das coisas que já tem aos montes por aqui. Não estou criticando nenhum conto nem autor, apenas querendo estender o leque de variedades.
Queria dizer também que esse é um capítulo experimental e não sou de ficar pedindo voto nem comentário, mas caso as pessoas não se interessarem pelo conto, não darei continuidade a ele (ou o farei em outro site/aplicativo, sei lá). É isso, repito o padrão de todo escritor que é pedir o feedback, tanto positivo como negativo e caso haja algum erro no texto, ou qualquer outra coisa a ser comunicada, comentem ou me peçam o email dessa conta que eu mandarei. No mais, espero que gostem