9. QUEM TEM MEDO DA VERDADE?
- Giuliano, é melhor você calar boca, porque não sabe do que está falando – Fernando disse, olhando para Henrique, que mudava de cor o tempo todo.
- O que você tem a ver com isso, Fernando? – Giuliano voltou sua truculência para o outro. – Aliás, eu nem sei o que você está fazendo aqui.
- Giuliano! – minha avó falou com voz cheia de autoridade. Todo o meu esforço em aguentar as grosserias e injustiças do meu primo, caíram por terra, pois o que eu menos queria era que a vovó Elisa fosse abalada.
- Vó... – meu primo baixou o topete.
- Eu não vou admitir que você destrate o Fernando e o seu primo! – ela estava resoluta. – Se não fosse pelos os dois, essa noite você estaria velando o meu corpo. O Fernando deveria estar recebendo os seus mais sinceros agradecimentos.
Giuliano coçou a cabeça, e olhou para a minha avó tentando contrariá-la, mas o semblante da minha avó era mais poderoso do que o dele, então meu primo e recuou, e com muito esforço disse:
- Valeu, Fernando – dizendo isso, ele saiu do quarto junto com Henrique.
O enfermeiro chegou e reclamou conosco por termos exposto vovó Elisa a uma situação de estresse, e nos ameaçou de reportar ao hospital, caso voltássemos a descumprir com as exigências médicas, para que a minha vó pudesse ficar em casa.
- Ei, não fiquem deliberando sobre a minha saúde na minha frente, como se eu estivesse senil.
- Mas ele está certo, vovó – eu fui até a sua cama e sentei-me a seu lado. – Eu e Giuliano não podemos ficar nos pegando feito cão e gato na sua frente.
- Não quero que se tratem bem por mim, acredite, isso não me faria bem também, saber que tudo é teatro.
- Bom, não depende mais de mim – eu disse com tristeza.
- Sei disso – ela segurou na minha mão – Vejo todo o seu esforço, e Giuliano vai ter que ver também. Ele já está extrapolando.
- Vovó, vamos deixar esse assunto para lá – falei, enquanto olhava para o enfermeiro que me encarava, ainda com a ameaça feita nos olhos.
- De forma, alguma – minha vó insistia no alto de sua teimosia.
- Tudo bem, mas por hoje já chega, a senhora precisa descansar, por favor.
- Certo – ela cedeu. – Amanhã vamos ter mais uma conversinha.
- Amanhã é amanhã, e agora é hora de dormir, e sem discussão – falei em tom de ordem.
Felizmente ela foi descansar, depois de dar um beijo em Fernando e agradecer por tudo que ele fez.
Levei Fernando até a cozinha, para comermos alguma coisa, ele aceitou. Havia meia torta de morango na geladeira servir para nós dois e ficamos conversando um pouco.
- Por que você não disse a verdade para o Giuliano? – ele me perguntou, no intervalo de um pedaço de torta e outro.
- E potencializar a briga? De jeito nenhum – disse com convicção – Aguentar as acusações de Giuliano é muito difícil para mim, mas a minha vó vem em primeiro lugar.
- Você é demais, Benjamim – Fernando me puxou para um abraço, e acabei tropeçando no pé da cadeira e sentando no seu colo.
- Desculpa – eu pedi, sentindo minhas bochechas arderem.
- Por quê? Sua bunda é do tipo que eu gosto – Fernando fez piada.
Começamos a rir junto tão distraídos, que nem notamos que Giuliano entrar na cozinha, e por um milagre, sem sua cadelinha vadia farreando seus pés.
- Perdão, não sabia que a cozinha estava ocupada – ele foi até a geladeira pegou uma garrafa com água, e se foi até pia pegar um copo, e lá permaneceu de costas para nós.
Levantei das pernas de Fernando, e o mesmo levantou da cadeira, mas sem demonstrar qualquer constrangimento ou vergonha.
- Já está tarde, é melhor eu ir para casa Bem – Fernando me abraçou calorosamente, e me deu um beijo na bochecha, estalado – Não deixa ele te humilhar – ele sussurrou no meu ouvido.
Vi Giuliano nos observando disfarçadamente, de esguelha. Tive a impressão que ele queria conferir aonde o Fernando me beijaria.
- Boa noite, Giuliano – Fernando se despediu do meu primo, que apenas acenou com a mão sem virar-se.
Era possível cortar o ar com uma faca, de tão denso que ele estava, assim que Fernando me deixou sozinho com Giuliano. Enquanto meu primo tomava sua água a goles muitos lentos, eu juntava os pratos da torta e arrumava a mesa. Comecei a lavar os pratos, com Giuliano ainda recostado na pia.
- Você ainda não me respondeu porque não me avisou que a minha avó havia passado mal – ele me disse.
- Respondi sim, você que não quis acreditar – falei sem olhar para os seus olhos, ele, porém me encarava.
- Eu chequei as chamadas do meu celular e não havia nenhuma sua.
- Via ver alguém deletou – disse sem firmeza.
- Aposto que você já vai acusar o Henrique.
- Olha, Giuliano, quer saber? Cansei de você! – bati com força na pia. – Eu venho tentando conviver em paz com você, mas parece que seu maior prazer é me ferir.
- E o seu é inventar mentiras.
- Já havia decidido que não ia mexer nessa história, mas você está pedindo – falei pondo o dedo em riste. – Eu liguei, e o Henrique atendeu todas as vezes. Me disse um monte de barbaridades, não quis passar o celular para você, afirmou que eu estava usando a doença da minha avó como armadilha para te atrair..
- Para, Benjamim! – Giuliano me segurou firme pelos ombros. – Não acredito em você.
Tirei seus braços dos meus ombros e enfiei a mão no bolso, buscando o meu celular. Abri o histórico de ligações e mostrei para ele. Giuliano pode ver, pelo tempo da ligação, que alguém atendeu suas chamadas, justamente no horário em que nossa avó estava no hospital.
- Se não acredita que foi seu Henrique-o-perfeito, então uma terceira pessoa pegou seu celular e ficou batendo um papo comigo, o que faz muito mais sentido na sua cabeça, com certeza.
Consegui pela primeira calar Giuliano. Não acredito que ele estava convencido que Henrique estivesse por trás disso, mas pelo menos não seria mais acusado de não o ter avisado sobre a hospitalização de vovó Elisa. Uma a menos.
- Você e Fernando estão juntos? – ele perguntou com resistência na voz, como se uma força maior o impelisse a fazer aquela pergunta.
Olhei bem no fundo de seus olhos por alguns segundos, dei um sorriso que dizia não estar acreditando na sua cara-de-pau de me fazer aquela pergunta, e apenas ofereci mais do meu silêncio para ele.
- Eu te fiz uma pergunta, você não ouviu?
- Ouvi sim, mas não pensei que eu estava coagido a responder – disse.
- Beleza, então não responde – ele falou com irritação. – Ele deve ser bem o seu tipo mesmo, não é?
- Companheiro, gentil, amigo e amoroso? Sim, é esse o meu tipo mesmo, você acertou.
Giuliano soltou o copo na pia e rumou para porta da cozinha, segurei seu braço antes que ele saísse.
- Por favor, vamos dar uma trégua, eu te imploro – apelei. – A vovó não pode passar por um pingo de aborrecimento. Já basta a decepção com os filhos.
- Tudo bem – ele falou de forma relaxada, o que era um milagre. – Eu vou controlar as minhas explosões, por ela.
- Não sabe o quanto isso me deixa aliviado – apertei o seu braço.
Desejamos boa noite uma para outro e nos recolhemos. Despenquei feito uma pedra na cama, de forma que a noite não passou mais do que um borrão, quando tomei consciência, o dia já havia amanhecido. Meu doía, e minhas pernas pareciam moídas. Era como se eu tivesse passado a noite inteira, subindo uma montanha carregando uma grande carga nas costas. Todas as vezes que eu passava por situações demasiadas estressantes, tinha aquela sensação.
Levantei, fiz minha higiene rapidamente, e fui direto para o quarto da minha avó. Ela estava tomando um mingau de aveia, enquanto o enfermeiro falava com o médico pelo celular, informando sobe o estado dela. Rosa, também presente no quarto, a observava comer com detida atenção, garantindo que a minha ingeriria até a última gota do alimento nutritivo.
- Bom dia, menina linda – disse para ela, indo enchê-las de beijinhos. Vovó Elisa me abraçou, depois de entregar a tigela, já vazia, para Rosa.
- Passou a noite bem? – ela me perguntou.
- Dormir feito uma pedra – informei –, mas era eu que deveria fazer essa pergunta.
- Eu também tive uma noite tranquila, principalmente depois de saber, pela boca de um neto turrão, que houve um armistício entre ele e o primo o mais novo.
Apenas ri, abaixando a cabeça, sem dar mais detalhes do que aquilo significava para mim.
- Amanhã é véspera de Natal – vovó soltou um suspiro e ficou a me encarar, esperando que sua frase solta ascendesse algum alerta em mim.
- Como a senhora está com uma excelente aparência...
- Não sou a aparência – o enfermeiro me interrompeu. – Sua vó continua bem estável.
- Melhor ainda! – exclamei – vamos poder fazer uma ceia de Natal bem gostosa.
- Vou pedir para o Inácio pegar o melhor peru do quintal – Rosa se entusiasmou.
- Ah, que maravilha – Vovó Elisa bateu palmas, marejando os olhos. Era aquele brilho que eu gostava de ver nela, que eu lembrava da infância.
Ficamos conversando mais um pouquinho, mas não tocamos no nome de Giuliano, o que foi um alívio para mim. A situação já era desgastante por si só. O que mais queria era paz, principalmente durante a ceia, que afinal, era um dos motivos para eu ter vindo para sítio, ainda que secundário.
Deixei minha avó sozinha com Rosa, que lhe daria banho, e fui preparar um agradecimento especial para a pessoa que mais me apoiou nos últimos dias. Fiz uma sexta de piquenique bem sortida e peguei uma coberta felpuda.
- Alô, Fernando? – liguei para ele.
- Oi, Ben, já sentiu saudades de mim? – ele gargalhou.
- Na verdade, sim – dei vitória para o ego do safado. – Quero vê-lo agora, pode ser?
- Hum, mandão, adoro desse jeito! – ele não perdia nunca uma piadinha. – Claro que eu posso. Tô indo aí agora.
- Não. Não venha aqui para a casa, me encontra naquela cajazeira, próxima do lado – eu disse.
- Nossa, Ben, você gosta de uma coisa selvagem, é?
- Você não para nunca?
- Nem quando pedem – Fernando riu mais. – Mas tudo bem, te encontro lá em 20 minutos.
- Perfeito! – eu disse, desligando o celular em seguida.
Terminei de arrumar as coisas, dei um grito avisando a Rosa que passearia um pouco pelo terreno, e saí. O carro de Giuliano estava estacionado na frente da casa, mas eu não o havia visto naquela manhã, já o Henrique, foi o primeiro rosto que dei de cara, assim que deixei a casa.
Trocamos um rápido olhar, mas não dissemos nada um para outro. Não pude deixar de notar que seu semblante perdera o ar de vitória, que parecia permanente. Os olhos pareciam inchados, se não fosse mera impressão. Quando dei as costas para ele, senti que ele me acompanhou com o olhar. Seja o que tenha acontecido, parecia que a noite dele não foi das melhores, o que me deixou feliz, não propriamente por um sentimento de vingança, mas porque com espírito quebrado, ele me deixaria em paz. Mal eu sabia que descobriria o quanto estava equivocado.
Cheguei a cajazeira primeiro que Fernando. Não havia capim ao pé da árvore, apenas um tapete de folhas secas, que forrava o chão. Joguei estendi a manta, e comecei a postar as coisas que eu havia trazido na cesta, deixando tudo bem arrumado. Assim que ergui os olhos, o vi andando em minha direção. Fernando estava lindo, com uma regata preta bem cavada nas laterais, uma bermuda rosa e gorro cinza. Ele abriu um sorriso e acenou com a mão, quando me viu já a sua espera.
- Piquenique? Benjamim, Benjamim, sua tentativa romântica de conquistar o meu coração pode dar certo, e você depois não vai poder reverter – ele já havia começado. – Quer me prender pelo estômago.
- Bom, aí então você teria que se apaixonar pela Rosa, pois tudo que tem aqui dentro eu furtei da cozinha dela.
- Por ela eu já sou apaixonado – Fernando veio sentar-se ao meu lado, encostado a cabeça no tronco da cajazeira.
A árvore frondejava majestosa, deixando o clima sob ela muito agradável. Fernando e eu não perdemos tempo, e devoramos as delícias que eu havia preparado. Entre uma mordida e outra muitos gracejos da parte dele. Estava sendo uma manhã muito agradável, a brisa fresca beijava nossos rostos e soprava da minha cabeça todos os problemas que lá na casa habitavam, até que Fernando tocou novamente no assunto, que eu tentava esquecer:
- E você e o Giuliano?
- O que tem a gente? – perguntei, enquanto comia um morango.
- O clima, a relação...
- Bom, levantamos bandeira branca ontem à noite, e eu espero que dessa vez seja para valer – disse. – Ele perguntou se nós estávamos namorando.
- O que você respondeu, Ben?
- Não respondi na verdade, o que deixou ele puto para caralho – eu falei, recostando as minhas costas no tronco da árvore.
- É mais do que escancarado que ele te ama – Fernando observou. – E acho que você também ainda o ama, ou não?
- Amo sim, Nando – confessei. – Apesar de tudo, não consigo arrancar esse sentimento de mim. Todas as vezes que eu vejo ele, até em situações de briga, eu fico nervoso, meu corpo e treme, e sinto uma vontade avassaladora de abraça-lo e beijá-lo. Queria tanto sentir o coração do antigo Giuliano, batendo contra o meu peito, a sua voz doce e preocupada. Mas parece que essa versão do meu primo está morta.
Fernando ficou em silêncio, apenas me abraçou, fazendo o meu rosto afundar em seu peito. As lágrimas vieram à tona.
- Ah, não acredito – Fernando desencostou do tronco, fazendo com que eu saísse de seu abraço.
- O que foi Fê? – perguntei olhando para ele.
Fernando apenas apontou para frente, e segui seu dedo até os meus olhos encontrarem a figura de Henrique, caminhando em passos pesados em nossa direção. O vento jogava seus cabelos para trás, e ele o enfrentava com resignação. Ficamos eu e Fernando de pé, mas sem mover um passo.
- Casal perfeito! – Henrique disse, fazendo um enquadramento de nós dois com os dedos. – Por que maldição então, você quer empatar a minha relação com o Giuliano?!
- Você está louco – eu disse com desprezo. – Eu e Fernando somos apenas amigos, e eu não estou empatando a sua vida com Giuliano, você é que está se afundando nos seus golpes baixos.
- Então você confessa, que foi bater a língua para o Giuliano, sobre a nossa conversinha ao telefone?
- Falei, sim! E quer saber? Eu devia ter feito isso na primeira oportunidade.
- Cara, vaza daqui, ou eu vou te encher de porrada – Fernando se interpôs entre Henrique e eu, mas o passei para trás, tomando a frente novamente.
- Sua tentativa de minar a minha relação com Giuliano deu errada – ele comemorou de forma insana. – Neguei tudo, e dei a minha versão dos fatos. É claro que ele acreditou, pois, a minha palavra vale muito para o seu primo, bem diferente da sua.
- Ele acreditou, porque é um idiota! – Fernando falou, cerrando os punhos.
- Eu fui bonzinho demais com você, primo do Giuliano – Henrique estava com os olhos vermelhos. – Agora basta!
Quando ele disse isso, ouvimos um barulho de um corpo pesado se movendo pelos galhos da árvore, seguido de um baque surdo no chão. Giuliano surgiu subitamente, para o espanto de nós três. Ele estava esse tempo todo no alto da árvore, e nós não notamos por conta das folhagens e dos muitos galhos grossos.
- Basta mesmo, Henrique! – ele espumava.
- Giuliano... – Henrique falou com uma voz manhosa, ameaçando um choro.
CONTINUA... MAIS TARDE.
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Isso mesmo, parte 10 ainda hoje. Fiquem ligados em ENTRE PRIMOS, muitas emoções estão reservadas para vocês. Amigos, quero muito saber a opinião de vocês. O último capítulo teve 2000 leituras, e fico pensando o que o grande público pensa sobre o conto. Até mais tarde.