O sogrão caprichou
(Caprichou, mesmo - até se excedeu, há há há -, na entrevista que lhe fiz, a fim de compor esta narrativa, dando-lhe voz. Valeu, sogrão!)
Narrado por Sérgio
Que alegria senti, enquanto dirigia para casa! Há tempos, não me programava para um fim de semana em família, mas naquele, dispensei até mesmo a companhia de Eliane. Perdi a ficante, que se irritou ao me oferecer sexo anal e ver sua proposta ser sumariamente recusada, pois eu preferia passar aquele fim de semana com meus filhos. Na verdade, não me importei. Eliane era gostosa, mas queria um envolvimento, então, estava passando da hora de por um ponto final naquele enrolo. Deixei de comer aquele cuzinho, mas... e daí? Deixei de lidar com uma situação que era um cu. Ótima troca.
Parei numa cidade próxima àquela em que eu morava, para comprar a cachaça envelhecida, de um fabricante local, que meu filho Heitor e eu apreciávamos muito. Liguei para casa, a fim de avisar que estava chegando, bem como para saber se meus filhos queriam que lhes levasse alguma coisa. Quem atendeu foi o Sávio, meu filho mais velho, que disse estar tudo bem e pediu que levasse três quilos de costela de porco, dois de batata bolinha e um bom molho barbecue, tendo em vista a compra da cachaça.
Comprei a carne, as batatas e o molho, com a pulga atrás da orelha. Meu filho Sávio tem uma característica interessante: usa um tom de voz para cada emoção que sente. Aparentemente, é a pessoa mais serena do mundo, mas eu, que sou pai, o conheço muito bem e sei que aquela voz vibrante era a de quando estava usando seu aspirador emocional para tentar sugar as nuvens de alguma tempestade e, ao mesmo tempo, por precaução, armava o pára-raios, no alto da cabeça.
Como o ser humano adora se iludir, trabalhei com a hipótese de ter escutado mal, mas a minha consciência, qual grilo falante, cantava nos meus ouvidos, como um aguilhão a espetar, incomodando seriamente. A quem teria saído o Sávio, para ser tão controvertido, tão transparente, não obstante vivesse implodindo? Provavelmente, a ele mesmo. E como eu só saberia do acontecido ao chegar à casa, apressei-me, preocupado.
Quando cheguei, faltavam alguns minutos para as dez horas. Sávio, que sempre adorou um fogão, começava a preparar o almoço, Sofia estendia roupas e Heitor, aproveitando a manhã do sabadão, ainda dormia, tranquilamente. Decidi zoar o preguiçoso, acordando-o. Peguei um CD do Julio Iglesias e coloquei para tocar a música Cucurrucucu, Paloma, a qual ele abominava. Quando chegou à parte que dizia 'cucurrucucu, paloma, cucurrucucu...', o Heitor se levantou, protestando bem alto:
-Cucurrucucu é o caralho!
Sávio, Sofia e eu espocamo-nos de rir, enquanto um irado Heitor ia desligar o som.
-Quem foi o corno que ligou essa porra?
-Fui eu, por que?
-Se foi o senhor, eu retiro o corno, mas o resto fica, rsrsrs.
Ver meus filhos todos juntos, alegres, era bom demais. Fisicamente, o único filho parecido comigo era o Heitor. Sávio era a versão masculina de sua mãe, Helena, meu amor que Deus levou. Sofia não se parecia comigo ou com Helena. Era uma cópia quase exata da minha mãe, portanto, parara de crescer ao atingir 1,57m. Bem pequenina e frágil, perto de seus irmãos altos e robustos. Apesar de ser um ano e meio mais nova que o Heitor, comunicava-se bem mais livremente com o Sávio, oito anos mais velho. Talvez porque ela falava e o Sávio se limitava a escutar e aprovar.
Eu não conseguia atinar com a origem da voz vibrante do meu filho, mas o tom estava ali, bem audível. Não quis precipitar as coisas, então, resolvi me abster de perguntas. Nem vi o tempo passar, enquanto conversávamos, roubando ingredientes da bacalhoada que o Sávio preparava, pacientemente. Lembrei-me de Helena batendo nas minhas mãos, todas as vezes que eu ia roubando as batatas que ela fritava, rs. E como as crianças sempre adoram um malfeito, meus filhos riam e aprenderam a fazer o mesmo. Só que chegou o momento em que nunca mais houve ninguém para tentar impedir as nossas travessuras.
Almoçar com a família à mesa não tem preço. Nosso almoço seguiu feliz, animado e estava divinamente bem preparado. Comemos sem pressa, colocando os assuntos em dia. Lavamos, secamos e guardamos a louça, enquanto o Sávio temperava a costela de porco e cozinhava as batatas, para colocá-las no azeite com ervas e pimenta calabresa. Sofia reclamou que não gostava da costela, nem das batatas apimentadas. Sávio sorriu e disse: -Nem eu. Vou pensar em alguma coisa, para nós.
Por fim, Sávio deu suas atividades por encerradas e foi tomar banho, pois iria ao cinema com Clarice, sua namorada. Heitor foi dormir mais. E eu também ia dormir, quando a Sofia me chamou para conversar. Pensem num pai apavorado. Interiormente, decodifiquei que ali estava a chave mestra dos gritos do meu inconsciente.
Sentamo-nos na varanda dos fundos, eu num banquinho, ela, na rede e a conversa começou. Pensei até que estava delirando, pois o que ouvia, até então, era duma heterodoxia impensável. Sofia tinha dezenove anos e jamais abrira a boca a respeito de sentimentos. Eu sabia que minha filha não era virgem. Não que ela tivesse se exposto, mas porque eu era atento. Há dois anos, à epoca do início de sua vida sexual, concedi-me o direito de fazer vista grossa, afinal, que ser humano saudável pode viver indefinidamente sem sexo?
Mas o que a minha filha estava dizendo nada tinha a ver com sexo. Ou tinha, sei lá. Sexo é um assunto popular. Zé Ramalho e Freud explicam. O fato é que nos poucos dias em que estive fora, Sofia havia se apaixonado -perdidamente, entenda-se - por um rapaz da sua turma de faculdade, que tinha 22 anos, era filho de mãe dona de casa e pai advogado. Auxiliava o pai, digitando petições, recursos, agravos e afins. Enfim, sairia da faculdade com uma experiência diferenciada, pois tinha, desde sempre, processos em casa, conhecendo-lhes os trâmites. Manusear os autos era-lhe uma atividade familiar. Chamava-se Alec, nome que, por tradição familiar, herdara de um tetravô, tinha sofrido um acidente há pouco mais de ano, em decorrência do qual ficara com sequelas e usava muletas. Apesar do acidente, era quase tão independente quanto qualquer pessoa. E, claro (a bomba), queria pedi-la em namoro, a mim.
Que ninguém pense que sou preconceituoso, pois não sou, mas a ideia me deixou assustado. Primeiro, porque era o cúmulo da precipitação. Onde é que já se viu namorar a quem não se conhece? Que rapaz louco seria esse, que se candidatava a conversar comigo? Com base em que fundamento? 'Conheci a sua filha na segunda feira'? Como conseguira envolver a Sofia de tal forma? Todo pai deseja o melhor para seus filhos e meu coração nutria a esperança de que um homem bom e sadio seria o marido ideal para a minha filha e pai ideal para os meus netos. E, Deus me perdoe, mas ser pego desprevenido me bloqueou tanto, que, naquele momento, eu não conseguia imaginar um homem de muletas brincando com seus filhos. Quando os meus eram crianças, eu jogava bola, brincava de pique, andava de bicicleta, ia ao parque, brincava e curtia muito, com eles. E imaginar a Sofia perdendo o marido cedo e enfrentando a viuvez? Ser viúvo ainda doía, dentro do meu coração e eu sabia que iria carregar a dor enquanto vivesse, logo, não queria nem imaginar que a minha filha vivenciasse tal coisa. Minha filha sozinha, criando filhos? Não, nem pensar!
Quanto mais eu argumentava sobre a volubilidade das paixões e a falibilidade das expectativas, mais irredutível a minha filha se mostrava. Por fim, apercebi-me de que se proibisse o namoro, ela seria capaz de qualquer loucura, inclusive de sair de casa. Tranquei o cu, ante a possibilidade da Sofia ter transado sem se proteger e não ter tido coragem de tomar a pílula de emergência, para insistir tão ferrenhamente. Nem ousei perguntar, vez que não queria ouvir a resposta. Resolvi aceitar que o rapaz conversasse comigo, pois talvez, vivendo essa relação, a Sofia percebesse que a realidade transcende o sonho e não o contrário. A realidade se impõe e temos que lidar com ela. Assim sendo, autorizei minha filha a convidar o rapaz a estar conosco.
Emocionada e feliz, Sofia foi direto para o celular e eu, direto para o meu quarto, atrás de um Cefalium. Um, não. Dois. Minha cabeça doía de forma que parecia conter uma banana de dinamite, prestes a explodir. Fui à cozinha, tomei os comprimidos e voltei ao meu quarto. Pensei que antes de me deitar, um banho me faria bem, então, entrei debaixo do chuveiro morno. Deixei que a água caísse pelo meu corpo, por alguns minutos. Comecei a me ensaboar e meu pau manifestou-se contra a semana sem sexo, enrijecendo. Apesar dos cinquenta anos batendo às portas, eu era bastante viril. Mesmo que a cabeça doesse, a de baixo estava em perfeitas condições, logo, uma punheta só poderia me fazer bem, então, tirei o sabonete do corpo e comecei a me masturbar, a princípio, dando apenas leves apertos na cabeça do pau. O tesão foi crescendo, de forma que o toque gentil já não me bastava. Fechei a mão esquerda ao redor do prepúcio e o arregacei, dando início a uma bronha furiosa. Que maravilha, uma canhota sempre tem seu lugar! Não fiz nada para retardar a gozada de que estava tão precisado, então, logo comecei a arfar, introduzi um dedo no cu e gozei fartamente. Que alívio! Com o remédio certo, o pau em paz e algumas horas de sono, eu poderia pensar com mais clareza. Terminei meu banho, me vesti, apaguei a luz e ouvi uma batida na porta do quarto. Era a Sofia, que vinha me avisar que iria à casa de sua amiga Louise.
Deitei-me pensando que não tinha grande simpatia pela Louise, linda morena cavalona, que eu achava lúbrica demais, explícita demais, escandalosa no falar, no vestir e no porte. Ser puta é uma coisa e se expor de forma vulgar, é outra. Bom senso faz bem e todos agradecem. Mas se ela e minha filha eram tão amigas, o que eu poderia fazer? Não cabia a mim escolher as amizades de Sofia e tempos houve em que pensei que as duas se pegavam, pois viviam grudadas e eu percebia que Louise olhava para os corpos das outras mulheres com a expressão que deveria ter um súcubo: com tesão e sangue nos olhos, apesar de ter namorado e, inclusive, ter ficado algumas vezes com o Heitor. Mas eu também desconfiava que o Heitor era bissexual, o que me levava a cogitar sobre quem comeria a quem. Devia ser um troca-troca. E olhe que deveria ser muito boa coisa fazer um troca-troca com uma vadia tão fogosa, a qual eu imaginava com uma rude pegada masculina. E como quem ajoelha, chupa, direi tudo: jamais apreciei o comportamento da Louise, mas se ela me desse, eu comia e lambia os beiços.
Dormi muito e bem. Acordei quase sem dor e menos inquieto, já prevendo que o Alec não esperaria o dia seguinte, para me procurar. Fui cuidar da aparência. Passei a máquina nos cabelos, barbeei-me cuidadosamente, aparei as unhas, tomei outro banho, escolhi uma roupa confortável e fui assistir à televisão, na sala. Da cozinha, vinham um cheiro delicioso e as gargalhadas de Clarice, que ria de alguma bobagem que o Sávio estava fazendo.
Eu gostava muito de Clarice, que era dois anos mais velha que o Sávio. Bela gordinha de cabelos e olhos pretos, vivaz e brilhante, não possuía grandes habilidades quanto a cuidar duma casa, mas fazia o básico com boa vontade e era ótima no cuidar de corações. Era fonoaudióloga e se especializara em audiologia, embora tivesse grande disposição para falar. Sonhava em ter filhos, uma família grande e eu a via como a pessoa certa para o meu filho, que era inspetor da polícia civil e escolhera tal profissão principalmente por achar imprescindíveis as escalas que lhe permitiam ter dias inteiros para estar em casa. Clarice e eu batíamos altos papos e eu sabia que se ela e Sávio viessem a se casar, não ganharia uma nora, mas uma filha.
Ultimamente, vinha me preocupando com Heitor, que copiara parte do meu modelo de comportamento, levando-o a um nível mais extremo. Não namorava, nem trazia ninguém para perto da família. Limitava-se a ficar, no melhor estilo 'botada e tchau', razão pela qual seus amigos o apelidaram de 'uma vez'. Repetir as transas estava fora de questão. Mas, como já disse, conheço meus filhos e sabia que Heitor tinha um coração que pulsava, querendo amar, além de algum segredo. Sabia, também, que seu sono exagerado (não saíra da cama, após o almoço) era algum tipo de fuga, embora alegasse ser fruto do cansaço pela cumulação dos estudos com o trabalho no banco. Fui bancário durante quinze anos e sabia que a rotina era exaustiva, mas Heitor era um rapaz forte e inteligente. Que estudo, se ele praticamente não botava a mão nos livros? Ia à faculdade e com o que ouvia, fazia as provas. Tinha uma facilidade incrível para aprender. Menos a lidar consigo mesmo.
A noite se aproximava, quando Heitor, finalmente, saiu de seu quarto, foi tomar banho, arrumou-se e veio já perguntando:
-Cadê a cachaça, pai?
-Escondi. Cria vergonha na cara e vai comer alguma coisa, antes, rsrsrs.
-Posso pegar para nós dois?
-Pode - respondi, sentindo o corpo a pedir alimento.
Exagerado como ele só, Heitor retornou com o molho barbecue e um prato cheio de costela de porco e batata calabresa, que pôs na mesa de centro. Peguei a cachaça, dois cálices, uma garrafa de água e um copo. Comecei pela água, pois sempre fui um desleixado, quanto a me hidratar. Neste momento, Sofia chegou, toda sorrisos e foi direto para o banho.
Aproveitei para perguntar ao Heitor o que achava do relacionamento da Sofia, vez que fora informado por ela de que ele e Sávio sabiam e apoiavam.
-Eu acho um absurdo. Não tenho nada contra o cara, que nem conheço, mas acho muito cedo para um compromisso.
-Mas a sua irmã disse que você e o Sávio a apoiaram.
-Claro, né, pai? Ela é minha irmã e por mais doido que seja isso tudo, tenho que admitir que a Sofia está tão feliz que até seu olhar mudou. Dá pra impedir a chuva de chover ou o vento de ventar? Então, é a mesma coisa. A Sofia é obstinada, então, o melhor que eu posso fazer é apoiar.
-E o Sávio? Vocês trocaram ideias?
-Rsrsrs, como? O senhor do silêncio não fala, esqueceu? Ô Sáviooooooo... vem aqui, que o pai quer te perguntar uma coisaaaaa!
-Estou indo... Grita mais, pros vizinhos participarem da conversa. Cheirou ânus, rs?
-Menos, mano, vá te foder, rs. O pai quer saber o que você acha do relacionamento da Sofia.
-Eu?
-Não, cara, a cabeça do meu charuto, rsrsrsrs... Claro que é você.
-Não acho nada. Só vou poder formar opinião com o tempo. E vê se da próxima vez, não fala no lugar do pai, rsrsrs.
-Quer cachaça?
-Enfia no cu, rsrsrsrs.
-Vira aí, que eu enfio, rsrsrs.
-No SEU cu, caralho, rsrsrs.
Tomei a primeira dose da cachaça, enquanto ria da criancice dos meus filhos, cada qual dizendo que ia introduzir a cachaça no cu do outro, com litro e tudo, rs. Sávio foi à cozinha e voltou acompanhado pela Clarice, trazendo uma pizza de provolone e calabresa, cortada à francesa, um vinho Concha y Toro Cabernet e três taças. Juntos, ficamos beliscando os petiscos, conversando e rindo, até que o Heitor foi pegar seu violão. Começamos a cantar o que nos viesse à memória, quando Sofia, linda, fresca e perfumada, usando um leve vestido branco, veio se unir a nós. Encontrou sua taça já na mesa e sabia que só podia ter sido trazida pelo Sávio, o irmão que procurava poupá-la até das mínimas coisas. Serviu-se de um terço da taça de vinho. Não quis comer da pizza. Devia estar com o estômago cheio de borboletas.
Continuamos a cantar e o Heitor, que era um verdadeiro palhaço, começou a improvisar repentes, com os temas que lhe dávamos. No meio das risadas, o interfone tocou. Levantei-me, fui atender e como esperava, era o Alec. Já descontraído pelas três doses de cachaça, com um sorriso, falei para a Sofia: -Prepare-se, porque seu namorado chegou - o que a fez corar.
No curto trajeto até à porta, pensei no quanto fora descuidado: não perguntei se o Alec tinha alguma restrição alimentar. Que a bebida alcoólica não lhe era recomendável, eu sabia, afinal, era representante de laboratório e tinha noção das medicações que talvez usasse. Mas não havia tempo para suprir meu despreparo, pelo que abri a porta e segui para o portão, que abri e finalmente, estávamos cara a cara. Imaginei um rapaz frágil e de pele translúcida com veias azuis aparentes, mas o homem que estava à minha frente era moreno, tão alto quanto eu mesmo, tinha bons músculos, aspecto saudável, expressão amistosa e me estendeu a mão, num cumprimento firme, enquanto dizia:
-Muito prazer, senhor. É uma honra conhecê-lo e à sua família.
Como de praxe, respondi que o prazer era meu e o convidei a entrar, sem me oferecer para carregar o buquê de flores ou a bolsa, os quais trazia em sua mão esquerda, pois não sabia como lidar com a situação, bem como queria analisar sua desenvoltura. Vi que era ágil e me seguia sem dificuldade.
Enfim, transpusemos a porta, adentramos a sala e era como se eu pudesse escutar as batidas descompassadas do coração da minha filha, quando o Alec se aproximou e, após as apresentações, lhe entregou o buquê, dizendo que era importante lhe dar aquelas primeiras flores brancas como o puro amor que lhe oferecia, diante da família, pois a beleza das flores consistia, principalmente, na forma como suas várias pétalas eram unidas, formando um todo harmônico que representava a forma como ele desejava se unir não somente a ela, mas a todos nós.
Emocionada e sem saber o que dizer, minha filha sorria e olhava para seu buquê de rosas e gypsophilas brancas, o qual lembrava um buquê de noiva, enquanto o Alec me entregava a bolsa, dizendo ser para mim. Agradeci à sua gentileza e abri a embalagem, que continha um Chivas 21 anos, excelente whisky. Comentei que era uma bela escolha, pus a garrafa no bar e reiterei os agradecimentos.
Sentamo-nos todos e observei que, assentado, o Alec não parecia ter qualquer dificuldade de locomoção. Tinha boa postura e as pernas bem alinhadas. Usava uma camisa pólo branca, jeans de lavagem escura, tênis e um relógio do tipo que eu jamais compraria, por considerar muito caro. Notei sua amabilidade e facilidade de entrosamento, pois já conversava com Heitor, Clarice e Sávio, olhando nos olhos. Gostei disso. Característica de quem é sincero e não tem nada a esconder. Também notei sua voz firme. Pela voz e pela linguagem corporal, é possível aferir o básico, acerca duma pessoa e o que eu via e ouvia estava me agradando. Meus temores sobre os alimentos eram infundados: Alec era bom de garfo, aceitou de tudo o que lhe foi oferecido e elogiou os petiscos. Recusou o vinho e a cachaça, pois viera dirigindo. Sofia lhe ofereceu suco de uva integral e refrigerante. Escolheu o suco. Heitor perguntou-lhe se já sabia que se dependesse da Sofia cozinhar, ele iria viver de miojo, ovo cozido e lasanha congelada. Como uma criança envergonhada, a Sofia fez biquinho e se defendeu:
-Se não sei cozinhar, a culpa não é minha! O Sávio não me deixa fazer nada, porque diz que não levo jeito.
Sávio sorriu e disse que tinha que admitir que era verdade, ao que o Alec respondeu que por ele, não tinha problema nenhum, pois não era nenhum expert na cozinha, mas se virava bem e até aquela data, ainda não tinha mandado ninguém pro hospital, rs. Pensei: 'tá, seu filho da puta, você cozinhou meu cérebro e por pouco, não me mandou pro hospital'. Ri dos meus pensamentos, os quais já tinham caráter de gracejo.
Heitor pegou o violão e começou a improvisar sobre o Rondó da Sonata Patética, de Beethoven, num estilo muito seu: dedilhado e tendendo ao clássico. O Alec não tirava os olhos do braço do violão e das mãos do Heitor. Seus olhos brilhavam, à execução dos trechos de maior dificuldade técnica. Ao fim da música, todos aplaudimos, entusiasticamente, meu filho fez uma reverência engraçada (típico dele) e, bom observador que era, perguntou ao Alec se gostava de música e se tocava algum instrumento.
-É mais que gostar, a música é vida, é víscera, pulmão, coração e asas! Eu arranho um violão, mal e porcamente, rs.
-Toma aí. Manda ver.
-Tá louco, cara? Cadê a sua consideração aos ouvidos da família, rs?
-Toma. Deixa de enrolação e toca, rs. Eu insisto, rs.
-Depois, não reclame. Quem avisa, amigo é, e eu avisei, rs.
Pegando o violão, o Alec se posicionou, fechou os olhos, pôs as mãos no instrumento e começou a tocar, com alma, de forma que o violão parecia ser uma extensão de seu corpo e as cordas, suas próprias veias. Seu estilo era emocionante e seus sentimentos transpareciam, quer seja na forma de segurar o violão, nas expressões faciais ou nos sons que produzia. Tocava a música 'Bicho de sete cabeças' numa execução peculiar, a qual, eu que não entendo nada de instrumentos, não saberia descrever. Tudo estava misturado: dedilhar, bater, puxar e era muito bom de se ouvir. Aplaudimos muito. Todos haviam se identificado com aquela intimidade entre o violão, seu executante e a melodia intensa. Sofia limpava as lágrimas, discretamente, tomada de emoção.
Alec devolveu o violão ao Heitor, que lhe disse:
-Eu devia dar com esse violão na sua cabeça, pelo cu doce que fez, sabendo tocar tão bem. Como aprendeu?
-Primeiramente, meu pai tentou me ensinar, mas perdeu a paciência e me mandou para um professor. O professor também perdeu a paciência e me devolveu ao meu pai, rs. E o meu pai respondeu que ia rezar, porque devido à minha lentidão, só mesmo Jesus poderia me ensinar, rsrsrsrs. Daí, comecei a estudar sozinho e, devido à persistência, acabei aprendendo alguma coisa. Acho que posso dizer que foi Jesus quem me ensinou, rsrsrs.
E como eu sabia que assunto não ia faltar ao nosso animado grupo, decidi que era chegada a hora do inevitável, então, disse:
-Alec, meu jovem, a música foi incrível e a conversa está ótima, mas nós temos assuntos de suma importância, a tratar. Haveria algum problema quanto à família assistir à nossa conversa?
-Nenhum, senhor. Acho até melhor.
-Muito bem, esta é a resposta certa. Hoje, você veio me pedir a Sofia em namoro... Quando lhe entregou o buquê, declarou diante de todos que desejava se unir a ela e à nossa família. Então, eu te pergunto: seus pais sabem que tomou essa decisão e que está aqui? Você quer se unir à nossa família, e, caso eu responda positivamente ao seu pedido, posso esperar que a sua família agirá de igual modo com a minha filha?
-Papai, que pergunta é essa? - disse Sofia, corada e de olhos arregalados.
-Sofia, ele é o seu pai. O dever dele é perguntar, porque quer que você seja feliz e que a sua vida dê o mais certo possível. Um dos fatores da maior durabilidade dos casamentos arranjados de antigamente era justamente esse: os pais sabatinavam os candidatos à mão de suas filhas e não se davam por satisfeitos com qualquer resposta. O cidadão tinha que explanar direitinho acerca de suas perspectivas de vida e futuro, tinha que dizer quanto ganhava e muito mais. Não diga que o único fator para manter os casais unidos era a falta de independência das mulheres, porque desde que o mundo é mundo, os homens dependem muito mais das mulheres que elas, deles. A capacidade de superação, a criatividade e a força intrínseca das mulheres excede a qualquer expectativa, isto é fato. Então, deixe o seu pai me perguntar o que quiser, pois eu vim aqui para isso. Querias que o seu pai fosse omisso? Quem ama não se omite, jamais.
Gostei do jeito como ele foi firme com a Sofia, habituada a manipular os irmãos a seu bel-prazer. Sávio pensava que controlava a irmã. Heitor não era diferente. Mas a verdade é que ela não precisava usar nem mesmo um dedinho mínimo, para mandar nos dois ao mesmo tempo. Minhas divagações foram interrompidas, pois o Alec, respondendo às perguntas feitas, já falava para mim:
-Senhor... eu não posso dar algo diferente daquilo que desejo receber. Meus pais estão cientes de tudo e irão receber a Sofia e a toda a sua família do mesmo modo que aqui desejo ser recebido. Certo é que desejo ter momentos a sós, com a Sofia, mas também desejo poder estar em sua casa, em família e fazer parte disso. O que poderia ser superior ao que vocês tem? É sábado, cada um poderia sair para um lugar, mas estão juntos pelo prazer da companhia. Vocês não pediram uma pizza ou encomendaram um prato especial. Se bem entendi, tudo foi caprichosamente preparado pelo Sávio. Mas enquanto ele cozinhava, outro limpava e, certamente, alguém lavava ou passava as roupas, visando um objetivo comum. Se existe algo melhor que isso, eu desconheço. Estou aqui porque amo a sua filha e minhas intenções são sérias. Hoje, não tenho um trabalho melhor que ajudar meu pai, mas sei que virei a ter e que tudo farei para que a sua filha viva à altura do seu merecimento. Desejo entrar para a sua família para honrar o nome que ela tem, senhor Sérgio. O maior desejo do meu coração é que o senhor possa conceder-me a mão da sua filha em namoro. Sei que ela é a sua jóia preciosa e, por isso, sei do peso do pedido que estou fazendo. Sei também que não tenho, por ora, perspectiva alguma de voltar a andar e seria sensato dizer que não voltarei, a menos que a ciência desvende a fórmula dos milagres. Mas mesmo assim, peço ao senhor: acredite em mim. Eu posso fazer a sua filha feliz, porque a amo e este amor me dá asas, a fim de substituir os pés que me faltam. Não sei se o senhor quer saber isso mas... eu nunca tive um namoro sério, antes deste. Não porque me furtasse a agir como homem, mas porque antes da sua filha, não amei a ninguém, então, eu não me colocaria diante dum pai de família sem uma convicção inabalável dos meus sentimentos. O que mais o senhor deseja saber?
-Acredito que você já respondeu às perguntas que eu faria, Alec. Mas antes de te dar minha resposta, tenho algo muito sério a te dizer. Um dia, eu amei e me entreguei de corpo e alma a viver aquele amor, do qual nasceram meus três amados filhos. Mas o castelo da minha felicidade ruiu, quando a Helena faleceu. Isto aconteceu há dez anos e desde então, decidi não voltar a me casar, nem manter nenhum relacionamento sério. Não façam cara de que ouviram um absurdo, porque todos são adultos, mas, épocas houve em que cogitei a possibilidade de passar a me relacionar com homens, pois só buscava o sexo e não desejava ferir as suscetibilidades do coração de nenhuma mulher. Desisti da ideia porque não demorei a perceber que um homem sofreria de igual modo, afinal, eu mesmo estava sofrendo. Você acha que durante este tempo, não encontrei ninguém que despertasse meu coração? Pois eu te digo: achei, sim, várias pessoas encantadoras. Mas eu as dispensei sem hesitações. Sabe por que? Porque morro de medo de que alguém maltrate a minha menininha! Filhas são muito ligadas a seus pais e as novas esposas ou namoradas, em regra, não vêem esta ligação com bons olhos e, a partir daí, a disputa está travada. Eu não quis pagar para ver uma mulher tratar bem ao Sávio e ao Heitor e, sob uma máscara amável, hostilizar a Sofia. Perdi minha esposa e depois perdi minha mãe. É difícil responder quem é a mulher mais importante da minha vida? É a minha princesa Sofia. Foi por ela, Alec. Por ela que abri mão de me casar. Se preciso fosse, morria viúvo, mas nenhuma mulher faria minha garotinha sofrer. Entendes o que ela significa, para mim?
-Sim, senhor, eu entendo - respondeu o Alec, com lágrimas correndo pelas faces.
-E apesar de declarar que entende o valor do meu tesouro, você insiste no pedido?
-Inteiramente, senhor.
-Então, devo lhe dizer que... concedo o seu pedido, dando-lhe a mão da minha filha, em namoro.
Alec passara no teste, estava aceito e eu sabia que não teria apenas um genro e sim, mais um filho.