Conta novamente moça, por favor – disse eu quase suplicando.
Já contei varias vezes senhor, faltam dez reais e noventa centavos – Respondeu a atendente.
E se eu for em pé? Dispenso a cadeira. A senhora pode me vender à passagem? – eu retruquei.
Não senhor, tem que comprar a cadeira – disse ela fechando a cara.
Tudo bem – falei eu, pegando meu dinheiro e quase chorando.
Onde vou conseguir 10 reais e 90 centavos? (falei para mim mesmo)
Saí do terminal rodoviário e parei na rua principal, sentei na calçada e fiquei um tempo pensando no que eu iria fazer. Não iria jamais retornar, mas como eu conseguiria sair daquele fim de mundo se me faltava dinheiro para concluir a passagem? Pensei mais um pouco e nenhuma ideia vinha à mente. Levantei da calçada, olhei para o caminho que me levaria de volta à fazenda do Sr Nicolau, e definitivamente eu não iria voltar ali nunca mais, peguei minha mochila que estava no chão, abri o zíper do bolso do meio, retirei uma camisa velha e amarrei na minha cabeça tentando pegar o mínimo de sol possível. Coloquei a mochila na costa, limpei o suor da testa e fui seguindo os poucos carros que iam sentido a cidade.
Dias antes.
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Vô Francisco – Felipe, Felipe?
Felipe – Estou aqui vô – acenei por trás da imensa plantação de milho.
Vô Francisco – a boia já chegou. Venha comer – gritou meu avô.
Felipe – sim senhor – parei meu serviço e sai cortando caminho ate chegar ao local da comida.
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Vô Francisco – Como foi na escola hoje? - Vô Francisco perguntava enquanto dividíamos a pequena marmita de comida caseira e fria.
Felipe – foi bom vô.
Vô Francisco – E foi é? E o que estudaram hoje?
Felipe – Matemática e português.
Vô Francisco acertou a colher com toda força nos dentes, fazendo eu me assustar.
Vô Francisco – tem certeza menino que estudou essas coisas hoje?
Felipe – tenho sim Vô, mas por que a insistência nesse assunto?
Vô Francisco – por que você esta mentindo pra seu avô, sei que você passou a manha lá na pracinha engraxando os sapatos daqueles bandidos.
Felipe – Quem falou isso mentiu pro senhor vô. Eu passei a manha na escola.
Vô Francisco acertou uma mãozada no meu pé do ouvido fazendo voar longe a comida triturada que estava em minha boca.
Felipe – ai vô, que eu fiz?
Vô Francisco – esta mentindo pra mim cabra senvergonha, e continua querendo me enganar, eu vi você engraxando os sapatos, não foi ninguém que me contou não.
Vô Francisco me colocou contra a parede, e eu não tinha mais como continuar mentindo. O acordo era que eu estudaria pela manha e a tarde o ajudaria no serviço da fazenda do Sr Nicolau. Acontece que o dinheiro que eu ganhava na fazenda era muito pouco, e como naquele fim de mundo não tinha engraxates, eu ganhava um trocado fazendo esse serviço digno.
Felipe – foi só hoje vô. Juro por Deus, o senhor pode ir lá na escola conversa com a fessora.
Vô Francisco – já falei um monte de vezes que não quero você burlando aulas.
Felipe – eu não estava burlando, foi só hoje. Amanha eu recupero todo o conteúdo.
Vô Francisco – não te falo mais nada. Se você quer acabar igualzinho a teu pai e teu velho avô, o problema é seu.
Meu avô se levantou do chão onde estávamos comendo, pegou a metade de sua comida e se dirigiu a outro lugar. Eu não tenho nem pai, nem mãe, desde criança fui criado pelo meu avo. Acordo cedo todos os dias para estudar e depois ainda tenho que trabalhar na fazenda. Meu objetivo e sair dali e poder tentar uma vida melhor na cidade.
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10;45 am estava a caminho da cidade, mas quanto tempo levaria para eu chegar ate ela?
Carros passavam, eu dava com a mão, mas eles não paravam. Deve ser essa camisa na cabeça. Tirei a camisa para parecer normal. Um caminhão vinha se aproximando, dei com a mão e o motorista parou para eu subir, levantei as mãos aos céus como forma de agradecimento.
Vai ate a cidade moço? – Perguntei.
Vou fazer um descarregamento em campinas primeiro – respondeu o homem com cara de mau.
- O sr pode me dar uma carona?
- Posso se você me ajudar a descarregar as encomendas que tenho ae atrás. (dei uma olha na parte traseira do caminhão)
- Todos esses bois? – perguntei espantado.
- Só os bezerros – respondeu o moço.
- eu aceito.
Ele destravou a porta do carona e eu entrei na boleia do caminhão. Sentei, apoiei minha mochila nas coxas, dei uma respirada e estava me sentindo aliviado.
- enfim, saindo desse inferno.
- como disse? Perguntou o caminhoneiro.
- que enfim, estou voltando pra cidade.
- Você não é daqui?
- Não senhor, vim pra ca depois que meus pais morreram, mas as coisas não fluíram aqui pra mim.
- ah, sinto muito.
- tudo bem.
- e o que vai fazer na cidade?
- primeiro quero chegar la e depois vou pensar.
- voce já é pelo menos de maior rapaz?
- sim senhor. Tenho 18 anos.
- fora seus pais, não tem nenhum outro familiar seu?
- tinha meu avô, mas ele teve um infarto e faleceu.
- nossa, sinto muito mais uma vez.
Eu fiquei calado, meu avô era a ultima lembrança viva de alguém que tinha meu sangue.
Conversamos mais um pouco e eu acabei caindo no sono. Quando foi a tarde acordei com o barulho do caminhão estacionando no acostamento, o caminheiro deu uma parada para se aliviar, eu desci e o acompanhei, também estava querendo mijar.
- Felipe – eu disse.
- É o que? Perguntou o caminhoneiro.
- meu nome, meu nome é Felipe.
- Antônio.
-Prazer Antônio.
Ainda mijando, o caminhoneiro olhou para mim e balançou a cabeça como forma de afirmação.
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Próxima parada: Campinas, eu o ajudei a descer com os bezerros, havia pagado a minha corrida.
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Antônio me deixou em um posto de combustível assim que chegamos na cidade.
Antônio – óh Felipe, aqui é minha parada. Você ainda vai ate aonde?
Felipe – vou procurar um hotel. Obrigado sr Antônio. Falei me despedindo.
Antônio – felipe espera.
Felipe – Sr?
Antônio – Você já sabe o que vai fazer aqui na cidade? Digo em termo de trabalho?
Felipe – ah, eu faço o que pintar sr Antônio. Tenho frescura com isso não.
Antônio – não quer trabalhar comigo? Meu parceiro de estrada se acidentou e eu estou sozinho.
Felipe – desculpe Sr Antônio, mas eu tou querendo me fixar aqui pela cidade mesmo, quero estudar também, ainda não conclui o 3º ano. Mas obrigado de qualquer forma.
Antônio – tome aqui. (falou Antônio me esticando a mão) esse é meu numero, se voce precisar, é so me ligar.
Felipe – ah, blza.(coloquei o cartão do Antônio dentro do bolso da bermuda) assim que eu comprar um celular passo o numero.
Antônio – ok Felipe, se cuide.
Foram as ultimas palavras que ouvi de Antônio. Despedi-me e segui sentido ao centro. As luzes da cidade são bonitas demais, os carros nem se comparam com os carros lá da zona rural. Avistei um ônibus vindo e desabei na carreira, dei com a mão e ele parou, aquele ônibus me levaria ao centro. Ia procurar por um lugar barato para dormir e amanha cedo eu iria procurar emprego.
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No dia seguinte acordei cedo, tomei do café que era servido no simples hotel, em seguida tomei um banho, coloquei minha melhor roupa e sai em busca de melhores condições de trabalho e salario. Parei em uma livraria que ficava localizada na praça da independência, comprei o jornal diário e fiquei olhando as oportunidades.
As 14:40 voltei para o hotel, com fome e sem conseguir nada. A maioria dos locais já estava com vaga preenchida ou queriam alguém com experiência. Estava sentindo fome, mas eu tinha que economizar, não podia ter as três refeições do dia. Passei pela portaria direto a meu quarto, tomei um banho, e me joguei na cama. Meu corpo estava pedindo aquilo.
Acordei eram 16:30, dei uma saída rápida e voltei com graxa, escova e flanela. Ia trabalhar com o que eu fazia de melhor, queria ao menos garantir o dinheiro da comida.
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No dia seguinte acordei cedo, tomei café, banho, coloquei meus instrumentos dentro de uma sacola de supermercado e fui ate a praça de nossa senhora. fiz acordo com um moleque que lá engraxava, ele me emprestou o caixote dele e em troca, metade da minha fatura seria para ele.
La era bom porque os clientes pagavam bem, a maioria era empresários cheios da grana. E foi numa dessas engraxadas que minha vida mudou completamente.