No dia seguinte acordei cedo, tomei café, banho, coloquei meus instrumentos dentro de uma sacola de supermercado e fui ate a praça de nossa senhora. fiz acordo com um moleque que lá engraxava, ele me emprestou o caixote dele e em troca, metade da minha fatura seria para ele.
La era bom porque os clientes pagavam bem, a maioria era empresários cheios da grana. E foi numa dessas engraxadas que minha vida mudou completamente.
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Felipe – e ae moço, deixa eu dar uns tratos nesse bico fino? ( muitos passavam, mas nem olhavam na minha cara).
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Felipe – amigão, bora dar uma lubrificada?
-Não, não. (respondeu um senhor apressado).
Felipe - esse pelo menos respondeu - pensou eu.
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Felipe – amigo, me deixa engraxar teus sapatos, cobro baratin.
- Quanto tu cobra?
Felipe – cinco reais no par. (o cara começou a rir e eu não entendia o porquê)
- E se for só um pé, você cobra dois e cinquenta, é isso?kkkk ( perguntou o cliente me fazendo ficar vermelho)
Felipe – Nunca aconteceu, mas se o senhor quiser engraxar apenas um pé, eu cobro a metade do preço.
O cara riu com mais entusiasmo ainda.
Felipe – e ae posso?
-faz um serviço bom mesmo? (perguntou o homem)
Felipe – vai ficar brilhando, se o senhor não gostar, lhe pago outro sapato novinho.
- kkkk. Rapaz, eu vou ser é engraxate, esta dando mais lucro do que ser diretor de empresa. (falou o cliente se sentando).
Felipe – qual o seu nome amigo?
- tem que falar o nome pra pode engraxar aqui agora é?
Eu me senti envergonhado.
Felipe – precisa não senhor. (levantei um pouco as pernas da calça do meu cliente e comecei o serviço).
Estava sentado em cima da caixa, meu cliente em uma cadeira, com o sapato do pé direito posicionado, quando ouço alguém falando próximo a mim.
-E ae lek,você já pagou o pedágio? (um cara moreno, magro, do rosto fino com cabelo arrepiado, perguntou).
-Falou comigo? – respondi.
-É com tu mermo.
-Ta falando de qual pedágio? (parei um pouco meu serviço e virei meu corpo para poder encarar aquele cara).
-Ora qual? Essa área aqui já ta toda terceirizada, pra trampar aqui você tem que pagar pedágio.
-Quanto é isso?
-10 reais.
- 10 reias? - perguntei incredulo.
- isso, 10 conto - disse o rapaz me encarando.
Passei as mãos pelos bolsos da calça.
Felipe – cinco paga?
-Não. Tem que ser dez.
Felipe – Mas eu não tenho dez reais.
- então não pode trabalhar aqui.
Felipe – por causa de cinco reais cara?
- claro, isso vale pra todo mundo.
- Qual é o problema? (meu cliente perguntou, olhando serio para aquele rapaz que acabara de me cobrar um tal de ‘’pedágio’’).
- É que esse cara é novato aqui, e novato tem que pagar o pedágio. (respondeu o cara apontando para mim).
- e quem fiscaliza esse pedágio? (perguntou meu cliente)
- é eu mermo.(respondeu o rapaz)
Meu cliente deu um sorriso leve, mostrando alguns dentes brancos.
- era só o que me faltava. Quanto é esse pedágio mesmo? ( perguntou o cliente)
- é 15 reais. (respondeu o rapaz, ainda em pé, olhando para eu e meu cliente)
- mas você disse agora mesmo que eram dez reais, como já subiu para quinze? (falei eu indignado).
- aqui. tome, e suma daqui. (falou meu cliente dessa vez com a cara fechada)
O moleque se aproximou, pegou o dinheiro na mão do meu cliente e saiu apressado, mas antes ainda conseguimos ouvir ele resmungar algo.
- Por hoje tua cota ta paga leke, por hoje. (falou o rapaz sumindo de vista)
Felipe – você deu quanto pra ele?
Cliente – vinte reais.
Felipe – tó, eu tenho cinco. (tirei os cinco reais do bolso e estiquei a mão em direção a meu cliente). O senhor vai ficar com 3 engraxadas dentro da casa, blza?
Meu cliente começou a rir.
- Não. Não me importa.
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Terminei o primeiro pé do meu cliente e pedi que ele suspendesse o outro.
- Miguel.
Felipe – hãn?
- Você não perguntou meu nome? É Miguel
Felipe – prazer, Miguel, o meu é Felipe. (falei esticando e apertando a mão do meu cliente).
Miguel – porra, Felipe, você sujou minha mão toda de graxa.
Felipe – foi sem querer, Miguel, pega aqui. (tirei uma toalha pequena que estava no meu ombro).
Miguel tirou um pouco da graxa que estava em suas mãos e devolveu a toalha para o meu ombro.
Miguel era um homem branco, deveria ter seus 1,85, 27 p/30 anos no máximo, tinha barba, cabelo liso castanho com gel penteado para o lado, olhos azuis, lábios rosados. Acho que aquele cara não sabia o que era tomar sol.
Já eu era o oposto, 18 anos, 1,70, cabelo preto liso, cortado a maquina na lateral, olhos negros, alguns sinais que me davam um charme, pele branca mas queimada do sol, não era forte nem magro, meu corpo era proporcional a meu rosto e a minha altura só que eu não tinha músculos exacerbados.
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Felipe – prontinho, Miguel, o sapato do senhor voltou a ser novo.
Miguel – é rapaz, tenho que admitir. Você caprichou mesmo!
Felipe – eu não falei? Sou bom nisso sr, Miguel. (falei sorrindo)
Miguel se levantou e tirou a carteira do bolso.
Miguel – Aqui, rapaz, cinco do seu serviço e os cinco que você me deu.
Felipe – mas eu estava lhe pagando...
Miguel – Não carece, Felipe, você fez o serviço, tem que receber por ele.
Felipe – já que o senhor pensa assim, tudo bem. (peguei os dez reais e coloquei no bolso da calça). Miguel se despediu e seguiu seu caminho.
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No final da tarde eu tinha faturado quarenta reais e ainda tinha que pagar o aluguel do caixote.
Felipe – aqui mano, fiz 40, tou te dando 20.(falei entregando o dinheiro ao dono do caixote).
- só isso mano? – respondeu o rapaz, fazendo pouco caso.
Felipe – foi o que deu pra hoje, amanha talvez melhore. Aqui sua caixa.
-Leva. Amanha você trás. – disse o rapaz.
Felipe – tem certeza?
-Tenho sim.
Coloquei o caixote na minha costa e voltei para o hotel. Antes comprei um cachorro quente e um suco, seria o meu jantar.
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Chegando no hotel, dei boa noite ao recepcionista, ele respondeu e em seguida me chamou.
- Sr felipe?
Felipe – Oi.
- é que para o senhor permanecer no hotel tem que pagar a diária.
Felipe – eu sei, eu pago amanha.
- esta vencendo hoje.
Felipe – mas eu já paguei.
- O sr pagou um dia, e o senhor já esta aqui há dois dias.
Felipe – e é quanto?
- cinquenta reais.
Felipe – cinquenta reais, cinquenta reais... tudo bem, eu vou lá no quarto e já volto.
Fui ao quarto onde eu estava hospedado, contei meu dinheiro e estava dando 70 reais e algumas moedas.
Voltei a recepção.
Felipe – aqui amigo, cinquentinha.
- irei dar baixa. O sr vai continuar hospedado conosco?
Felipe – pretendo ficar mais alguns dias.
- então o senhor deve pagar mais uma diária.
Felipe – como assim mais uma diária? Eu acabei de pagar.
- Vou lhe explicar senhor. Cada dia que o senhor passa aqui são cinquenta reais, o senhor passou dois dias e já pagou por eles, para ficar mais um dia, são mais cinquenta reais.
Felipe – eu entendo, mas eu pago amanha quando eu voltar do serviço.
- Infelizmente não senhor. Tem que ser hoje, as diárias são pagas antecipadamente.
Felipe – mas eu não tenho esse dinheiro hoje, amanha quando eu voltar do serviço eu pago.
- desculpe senhor, mas não posso deixar, tem que ser pago hoje mesmo.
Felipe – amigo, eu não tenho esse dinheiro hoje, mas acredite em mim, não irei lhe enganar.
- eu acredito, mas infelizmente são normas do hotel.
Felipe – e não posso nem dormir? Amanha de manha cedo eu deixo o hotel, preciso nem tomar café, é apenas pela dormida mesmo.
- não posso senhor, infelizmente.
Felipe – ok, vou so recolher minhas coisas no quarto.
- sempre pressa, o senhor tem ate as 20 horas.
Felipe – ok. (não ia ficar me humilhando por um quarto de hotel)
Voltei a meu quarto, sentei na cama de solteiro do pequeno cubículo e fiquei tentando imaginar pra onde eu ia. Na fazenda não era bom, mas eu tinha dormida certa toda noite, e daqui pra frente como ia ser?
Levantei, tomei um banho, troquei de roupa e voltei a me deitar. Alguem batia na porta do meu quarto.
Felipe – já vai.
- é que o senhor esqueceu isso daqui la na recepção – falou o recepcionista do hotel.
Felipe – poxa, eu esqueci mesmo, obrigado.
Disponha – finalizou o recepcionista saindo do quarto em seguida.
Se eu perdesse a caixa do engraxate ia ter que dar outra.
Felipe – é isso (falei para eu mesmo) eu vou sair pra ganhar uns trocados ainda.
Coloquei a mochila na costa, dei uma fiscalizada rápida pra ver se não estava esquecendo nada e me encaminhei ate a rececpção.
Felipe – já estou saindo amigo, aqui esta a chave. Obrigado.
- disponha senhor – respondeu o recepcionista.
Felipe – me diz uma coisa, ainda tem um restaurante aqui chamado ‘’la premiere’’?
- tem sim.
Felipe – por favor me passa o endereço de la.
O recepcionista me passou o endereço e eu tive que pegar apenas dois ônibus para chegar ate o local.
Lembro quando eu era criança, sempre passava em frente a esse restaurante, nunca pude entrar era pra gente cheia da grana. Minha ideia hoje seria engraxar ali na frente, com certeza ia ter muitos barões e baroas, e o que seriam cinco reais para aquelas pessoas? Hehe.
O que eu achei que fosse ser uma noite rendosa acabou sendo frustração. Consegui engraxar apenas um sapato, dava nem pra voltar e pagar mais uma diária do hotel. Já eram mais das 23 horas quando eu resolvi voltar para a praça de ‘’nossa senhora’’, iria dormir lá e amanhecer o dia trabalhando.
sem perceber esbarrei em alguém. tanto eu como a outra pessoa fomos ao chão.
-Olha o que tu fez menino, presta atenção – falava a moça impaciente se levantando do chão e tentando limpar seu vestido que acabara de sujar.
Felipe – ah moça, desculpa, é que eu estava distraído, deixa que eu te ajudar.
Não precisa, pode deixar que eu a ajudo – falou uma voz masculina (uma voz que me era um tanto familiar, olhei bem para o rosto daquele senhor que há essa hora ajudava aquela moça a se limpar).
Felipe – Miguel?
Miguel – pois não? Respondeu Miguel me encarando.
Felipe – sou eu, o Felipe. Ta lembrado de mim não?
Miguel – E ae rapaz, ainda trabalhando?
Felipe – Tou mermo, e tu?
Miguel – estávamos jantando.
Felipe – aqui nesse restaurante? (falei apontando para a faixada do ‘’la premiere’’
Miguel – exatamente.
Felipe – ah sim. Bacana.
- De onde você conhece esse rapaz, amor?
Miguel – o Felipe engraxou meus sapatos hoje mais cedo.( Miguel respondeu ainda ajudando a mulher)
Felipe – e estou vendo que você já esta com outro, quer que eu o engraxe não?
Miguel – agora não chapa, vamos deixar pra outro dia.
Felipe – que pena, tudo bem então. Vou indo nessa.
Miguel – Você já vai?
Felipe – já sim, amanha é dia.
Miguel – esta indo pra onde? eu posso te dar uma carona.
Felipe – vou la pra praça de ‘’nossa senhora’’ é caminho?
Miguel – da pra passar por la sim, é só o tempo de eu deixar a Wanessa em casa.
Felipe – blza.
Percebi que a mulher não gostou muito, mas também não questionou.
Wanessa tinha uma beleza bem brasileira. Morena, altura mediana, acho que uns 1,65, cabelo liso escuro e cumprido, corpo afilado, mas tinha peitos e bundas o suficiente para deixar qualquer homem de quatro.
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Entramos no carro e partimos, eu abri o vidro da janela e coloquei um pedaço da cabeça para fora, era muita beleza que tinha naquele caminho.
Miguel – Felipe, pode abrir o vidro não. O ar esta ligado.
Felipe – a sim, tudo bem. Apertei o botaosinho e o vidro voltou a subir.
Miguel e a Wanessa trocavam conversas paralelas.
Miguel – prontinho amor, sã e salva.
A Wanessa deu um beijo no amado.
Wanessa – amanha voce vai?
Miguel – ainda vou pensar amor, tenho que falar com o pai primeiro.
Wanessa – faz uma forcinha, ta bom?
Miguel – faço sim.
Wanessa – e me manda uma mensagem avisando.
Miguel – mando.
Miguel deu outro beijo estralado na mulher e ela enfim saiu do carro.
Felipe – tchau, Wanessa. (acho que ela não me ouviu)
Miguel – vem pro banco da frente, Felipe.
Felipe – vou sim, abri a porta do carro, peguei minha mochila e caixa de engraxar, mas o Miguel me cortou.
Miguel – deixa suas coisas ae rapaz, quando chegar lá, você pega.
Felipe – Blza. (saí do banco de trás e entrei no banco da frente)
Miguel ia concentrado na estrada, e eu admirava tudo: o carro, o Miguel, a paisagem, o Miguel, as movimentações na rua, o Miguel.
XX
Chegamos ate a praça de ‘’nossa senhora’’ e Miguel estacionou o carro.
Miguel – chegamos. tua casa ainda é muito longe daqui?
Felipe – eu não tenho casa, Miguel.
Miguel – como não tem casa, Felipe?
Felipe – longa historia.
Miguel- e você vai dormir aonde?
Felipe – aqui mesmo.
Miguel – aqui mesmo aonde? Na praça?
Felipe – é.
Miguel – Você é menino de rua, Felipe?
Felipe – eu não, só tou sem casa por enquanto, ate as coisas se acertarem.
Miguel – tendi. Então ate mais.
Peguei minha mochila e minha caixa e sai do carro do Miguel.
Felipe – ate mais, Miguel.
Durante meus 18 ano de existência nunca havia dormido na rua, mas como dizem que pra tudo tem uma primeira vez neh!? Essa seria minha primeira vez.
Caminhei ate o primeiro banco que encontrei. Passei a mão nos bolsos para ver se o dinheiro estava tudo ok, deitei a cabeça em cima da mochila, e seja o que Deus quiser!
- Felipe – ouvi uma voz gritar pelo meu nome levantei assustado, pois ninguém ali me conhecia.
Era o Miguel, ele não havia saído do carro, apenas havia abaixado o vidro e me chamava acenando com a mão. Corri ate onde ele estava.
Felipe – oi Miguel?
Miguel – entra no carro.
Felipe – vai me levar pra onde?
Miguel – Hoje você vai dormir no meu apartamento, mas só hoje, amanha você ver um lugar pra ficar.
Meu sorriso foi tão grande que bateu no cú. Ainda não seria agora que eu iria dormir na rua.
Continua...