✦ Morro da Conceição, Recife – Pernambuco
Situado em área que pertenceu ao bairro de Casa Amarela, o Morro da Conceição tornou-se bairro autônomo em 1988, através do decreto municipal númeroque criou, também, outros novos bairros na cidade.
O nome Morro da Conceição surgiu depois que, em 1904, o então bispo de Olinda e Recife, Dom Luis Raimundo da Silva Brito, mandou construir ali um monumento em honra à Virgem da Conceição. A imagem de Nossa Senhora da Conceição (de 5,5 metros de altura e pesando 1.806 quilos) foi trazida da França e, além da construção do monumento, foi aberta uma estrada de acesso ao morro, para facilitar o deslocamento dos fiéis. No dia da inauguração do monumento (08 de dezembro de 1904), uma multidão de 20 mil pessoas subiu o morro (na época, toda a população do Recife era 120 mil habitantes) e, desde então, o morro virou um local de romarias. Todos os anos, no dia 08 de dezembro, o Morro da Conceição é visitado por milhares de pessoas, numa das maiores festas religiosas do Brasil. A programação mistura novenas, missas e procissão com a festa dita profana.
É nesta famosa comunidade em que o nosso protagonista reside. Lucas tem 17 anos e vive com sua mãe Josefa, ou dona Zefinha como todos do morro a chamam e também vive com seu pai, Alfredo.
> 08 de Dezembro – Dia de Nossa Senhora da Conceição
— Filho, me ajuda a colocar esses bolos e salgados na frente de casa.
Era o último dia das festividades relacionadas à santa, e neste último dia, o morro era bastante visitado por milhares de fiéis, muito deles para pagarem pecados, como subir as ruas e escadas ajoelhadas, outras pessoas subiam descalças, outros com tijolos na cabeça e entre outras promessas uma mais curiosa que a outra. Dona Josefa era uma cozinheira de mão cheia e aproveitava a festa da santa para conseguir alguns trocados com seus bolos e salgados deliciosos que eram bastante famosos no morro.
— Claro mãe, cadê o papai? – Perguntou pegando uma das travessas de torta.
— Não sei, Lucas. Você sabe que quando estamos nessa época não vemos o seu pai direito, só vive enchendo a cara nas barracas lá em baixo.
Dona Josefa se referia a algumas barracas que ficavam juntos com o parque de diversões que eram montados na avenida que ficava lá em baixo.
— Sempre é assim – Bufou – Desde ontem não vejo ele – Falou.
— Com certeza deve ter apagado em alguma calçada – Dona Josefa falou com pesar.
— Um dia ele vai acabar morrendo por causa disso – Lucas falou tristonho.
— Eu sempre espero por isso todos os dias, filho. Eu tenho medo de que alguém bata naquele portão – Falou apontando para o portão – e me de a notícia que o Alfredo esteja morto numa dessas calçadas. Eu tenho que está preparada para esse dia, por que tudo indica que esse será o fim dele – Disse tristonha.
Lucas suspirou profundamente.
— Mãe, é... – Balbuciou – Você tem notícias do Luan?
Luan é o filho mais velho de Dona Josefa, irmão mais velho do Lucas. O caçula de seu Alfredo e dona Josefa têm 17 anos, enquanto Luan tem 28 anos. Sim, a mãe dos dois deu a luz ao Luan muito nova, se Lucas passa ainda por dificuldades, Luan passou o dobro. Zefinha fez de tudo para que o filho mais velho crescesse na vida, investiu nos estudos, na verdade não teve condições de coloca-lo num colégio particular, mas sempre procurou boas escolas públicas, mesmo que fossem poucas, mas sempre fez de tudo para o seu filho e hoje o mesmo é bem de vida, tem carro, apartamento e raramente visitava a sua família, ou melhor, sua mãe, aquela que sempre motivou o filho a ser o que ele é hoje, mas a única coisa que ele sente da família é a vergonha. Vergonha de ter vindo de berço humilde.
— Não! – Engasgou-se com sua própria saliva – Nem no meu aniversário ele me ligou.
Com raiva, Lucas pegou outra mesa, levou para fora e juntou com a outra que já estava lá. Com as duas juntas, a sua mãe forrou as mesmas com um pano decorativo e o seu filho colocou as duas tortas doces, uma salgada e uma enorme tigela com várias coxinhas, enroladinhos e rissoles.
— Muito obrigada meu filho, agora vá se divertir – Falou dando um beijo na testa.
— Tem certeza mãe? Não quer mais ajuda? – Lucas perguntou.
— Não, aqui eu me viro – Falou sorrindo.
— E aquelas tonturas que a senhora estava sentindo? – Perguntou.
— Menino, some daqui, eu estou bem. Tchau!
— Então eu vou tomar um banho rápido e descer – Falou.
> NARRADO POR LUCAS
Após o meu banho, fui em direção ao meu quarto, aliás, o melhor lugar em que eu poderia estar, meu precioso quarto. Ele tinha apenas uma cama de madeira que está comigo desde meus 13 anos e um guarda-roupa que pertenceu a uma grande amiga da minha mãe que a doou. Coloquei minha melhor roupa e meu melhor perfume e saí. Eu e alguns amigos da comunidade combinamos de nos divertir num parque itinerante que sempre era montado nas festividades do morro.
— Vê se não volta muito tarde, Lucas. – Minha mãe pediu.
— Relaxa mãe, volto antes das dez – Tranquilizei.
Então fui caminhando, até me dar de cara com o Hugo, um dos capangas do "justiceiro" do morro. Eu falo justiceiro entre aspas, por que apesar de ele ser considerado o justiceiro do morro, onde nos "protege" de todos os meliantes que adentram aqui na comunidade, ele continua sendo um bandido, marginal ou qualquer termo que se adeque a isso, até porque ele comanda várias bocas de fumo que existem no Morro da Conceição e fora os crimes que ele e seus capangas cometem fora da região, mas vamos falar do Hugo;
— Bora Luquinha! - Hugo me cumprimentou sob os olhares dos outros capangas.
Quem é Hugo? Como eu havia dito anteriormente, ele é o braço direito e até o esquerdo do "poderoso" chefão, Paulão. Hugo foi meu melhor amigo quando estudávamos numa escola pública ali próxima, ele sempre foi mais velho que eu alguns anos, digamos que eu tenho 17 anos e ele tem 23 anos ou 24 anos, acho.
— Oi Hugo! – Fui recíproco.
Hugo foi um pouco relaxado em relação aos estudos. Tá, eu fui bonzinho, ele sempre foi SUPER-RELAXADO em relação aos estudos, repetiu o ano várias vezes e por isso ele estudava comigo na sala de aula onde estudávamos. Ele sempre foi inconsequente, suspenso várias vezes da escola, perturbava a paz de alguns alunos, mas comigo ele nunca mexeu, acho que por eu ser bastante calmo e não ligar muito pelo que ele fazia. Ele até tentou tirar uma com a minha cara no primeiro dia de aula, quando eu fui sentar na cadeira. Ele simplesmente puxou o móvel e eu caí de bunda no chão, por favor, não riam, mas eu levei na esportiva e ri também, então depois daquele dia ele nunca mais tentou algo parecido comigo. Ainda bem!
— Firmeza irmão? – Estendeu a mão para mim.
E a nossa proximidade veio com mais força depois de ajudar ele diversas vezes em provas e trabalhos, ele diz que aprendeu muito comigo, até mais que os professores. Bom, eu não acreditei muito no que ele disse, até porque eu não sou nerd e me acho um péssimo "professor", mas ele garantiu e até me mostrou que realmente aprendeu. Ele não se interessava muito pelos estudos, mas quando ele queria, se esforçava e aprendia. Acho que todo mundo é assim, quando nós queremos algo vamos atrás e procuramos nos esforçar ao máximo para conseguir, não é mesmo?
— Tudo na paz! – Sorri.
Mas tudo mudou quando o Hugo abandonou a escola na metade do terceiro ano do ensino médio, ele foi para o mundo dos crimes. Era o resultado de ele começar a andar com o Paulão, na primeira vez que eu o vi com o chefão já vi que coisa boa não iria ser. Então Hugo se tornou uma das pessoas mais perigosas do morro, afastou-se das pessoas, inclusive de mim que sempre sentia algo se revirar dentro de mim.
— Precisar de qualquer coisa, "tamo" aí – Falou.
Meu ex-amigo era bastante atraente. Branco, cabelos castanhos claros e curtos, alto, aproximadamente 1,80 de altura, forte e musculoso, não tão exageradamente, e também tinha uma tatuagem tribal que ia do ombro até o tórax, vi que ele tinha feito recentemente. Sim, o Hugo era bastante atraente.
Neste dia ele estava com uma camisa regata branca e notou que via sua tatuagem.
— Gostou da tatoo? – Disse levantando sua camisa e mostrando onde ela terminava.
— Ei parceiro, não mostra muito se não o garoto vai ficar excitado.
Debochou um dos capangas que estava junto com ele.
— Cala a boca! – Hugo o fuzilou com os olhos.
— Eu "tava" tirando onda – O mulato murchou na hora.
— Ficou legal – Falei.
— As "nega" gamaram – Falou sorrindo.
Sorri falsamente.
— É o fodedor do morro – Gargalhei – Agora vou lá para baixo.
— Beleza irmão, vai lá – Se aproximou e me deu um abraço me surpreendendo.
— Tchau Hu... Hugo – Gaguejei.
É, tenho que confessar, o bonitão ainda mexe comigo.
.
— VINHADÔ!
Quando eu a olhei, automaticamente começa a tocar Crazy in Love da Beyoncé na minha cabeça, sim, eu estava falando de Rosemary Tamborzão, a "viada" travesti mais "lacrante" do Morro da Conceição (Como ela sempre diz).
— Sua rapariga! – Sim, ela é assim – Como você ia descer o morro sem a companhia da personalidade mais ilustre, lacrante e derrubadora de forninhos, claro, depois de mainha Ceça
Ela se referia à santa.
— Você não tem medo de um castigo, não é? – Falei rindo.
— Meu amor! Não falei nada demais, apenas falo verdades.
— Falo em relação a Nossa Senhora da Conceição, criatura – Falei.
— Mas eu não a desrespeitei querido, só falei verdades, ela é lacradora e rainha da porra toda, inclusive já agradeci minhas promessas alcançadas e fiz mais uma promessa.
— Promessa? Promessa para quê? – Perguntei.
— Pra arranjar um boy babado para mim, já está na hora, fofa. Eu quero um boy!
— E se por acaso a santa atender o seu pedido, você prometeu o quê? – Perguntei.
— Prometi que não vou mais bater boca com ning...
De repente ela joga seus cabelos longos crespos para o lado e vai em direção a uma mulher. Eu sabia que isso no mínimo iria dar em merda.
— AMOR – Chamou a atenção da mulher – Eu quero saber quando você vai pagar aquela hidratação nesse seu cabelo "Bombril".
É, pelo visto a promessa foi por água a baixo.
— Primeiro; Quem é você para falar desse jeito comigo, seu veado decadente! SEGUNDO; Não paguei e NEM irei pagar, meu amor, até porque esses produtos que você usa naquele LIXO que você chama de salão não servem para nada.
— Não servem, é?
Rose jogou mais uma vez seus cabelos volumosos para o lado e foi na direção da outra barraqueira. Bom, eu sabia que isso iria dar num barraco apoteótico, mas quando ela colocou as mãos no cabelo da mulata e em seguida vi o mega hair todo ficar todo nas mãos da transexual, eu logo pensei: "Fodeu".
— FILHA DA PUTA! – A mulher gritou.
Em seguida o que eu vi só foram sandálias voando, tufos de cabelos indo para os ares, pedaços de tecidos de roupas indo para o espaço e as gritarias beiravam a loucura. Estava começando a rir, até que meu juízo falou mais alto e fui lá apartar a briga das barraqueiras, junto com duas pessoas que também presenciavam a briga.
— Olha o que essa ridícula fez? Meus cílios postiços, meus cabelos, blusa rasgada e ainda estragou minha sandália favorita. AHHH SUA QUENGA! – Partiu para cima.
— Para, Rose! – A repreendi.
— E meu Mega Hair? Esse "traveco" acabou com o meu mega. – Lamentou.
— Vem, Rose, anda, vai trocar de roupa que eu já vou descer. Eu mereço! – Briguei.
Rose foi em direção a sua casa e eu desci o morro para dar uma olhada no parque de diversão e nas barraquinhas que montavam próximo ao parque itinerante. Assim que desci o morro, encontrei algumas pessoas conhecidas e fomos em direção a alguns brinquedos do parque.
— Vamos no Surf? – Perguntou Juninho que o conhecia desde os meus oito anos.
— Vamos! Bora logo que já tem gente entrando no brinquedo – Falei.
Então corremos até o brinquedo e entramos. A atração não era muito radical, mas bastante agradável. Eu gostei! Quem não gostou foi a Tati que saiu um pouco enjoada. Depois fomos ao Kamikaze, aquele sim é um brinquedo criado por satanás, sai até desnorteado do equipamento. Quando estávamos nos recuperando da aventura, eu vi o meu pai cambaleando com uma garrafa de aguardente na mão no outro lado da avenida.
— Ué? – Meu amigo chamou atenção – Aquele não é o seu pai?
— É sim! – Confirmei – Eu vou até ele.
— Cuidado com os carros – Tati me alertou.
Atravessei a avenida movimentada e fui em direção ao meu genitor.
— Pai? – O chamei.
Meu pai mal abria os olhos de tão bêbado, ele apenas me olhou de lado e fez um barulho estranho com a boca e começou a falar com dificuldade.
— Não, aqui é o papa!
Falava atropelando as palavras e ao mesmo tempo gargalhando.
— Vem, pai. Eu te ajudo! – Falei segurando em um dos seus braços.
— Me solta... Seu merda! – Gritou.
— Pai...
— Tira a mão de mim... Eu sei... Eu sei me cuidar – Falava com dificuldade.
— Eu levo o senhor para casa, vem...
— SAAAAI – Gritou me empurrando para longe.
Seu Alfredo saiu apressado tombando para o lado em direção a pista. Quando ele iria pisar no asfalto, corri imediatamente para ele e o puxei, fazendo ele se irritar mais ainda.
— Eu vou dar uma coça em você, moleque! – Falou distribuindo socos em mim.
— Quer saber? – Me irritei desviando dos seus socos – Fica aí, então!
— Vai... sua BICHONA! – Gritou me fazendo engolir em seco.
Olhei para trás e quase fiz um gesto obsceno. Saí pisando duro irritado, estava tão "fulo" da vida que ia atravessando a pista na frente de um carro, a buzina do mesmo me fez voltar a realidade. Atravessei e notei que a Rose já tinha voltado e junto estavam os outros meus amigos.
— Você tá doido, querido? Está querendo morrer agora ou depois? – Brigou.
— É meu pai que irrita, ele já está para lá de Bagdá ali na barraca – Apontei.
— Esse seu Alfredo não tem... MEU DEUS! – Gritou junto com meus amigos.
Só escutei um barulho de freio e o desespero de algumas pessoas, me virei justo na hora que o corpo do seu Alfredo, meu pai, estava sendo esmagado pelos pneus de um caminhão que estava passando quando ele atravessou na frente.
— PAI! NÃO! – Gritei.
— — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — —
Oi gente! Que saudades de vocês. O que acharam do primeiro capítulo?
Podem criticar, dar opiniões, elogiar e etc. Quem mandam aqui são vocês, mas não deixem de votar, seus votos e comentários são a "gasolina" que eu preciso.
Ah, e como foi a passagem de ano de vocês? Espero que este novo ano seja de muita luz, paz e prosperidade para todos vocês. Saúde para todos nós! Beijos e Feliz 2016!