Cheguei em casa por volta das 16:20 h e Marcel estava vindo pelo corredor com um copo de suco na mão esquerda...
_ Olá mano, beleza? E levantou o copo como se me oferecesse sua bebida.
_ Olá Marcel. Tá tudo bem sim. Senta aqui que tenho algo pra te falar. Sentei no sofá da sala e apontei o lugar próximo a mim. Ele veio e assim que sentou disse:
_ O que tá pegando?
_ Na verdade tenho duas coisas a te falar. A primeira é que minha transferência finalmente foi autorizada, o que nos dará apenas trinta dias pra providenciar toda a mudança, e a segunda coisa é que o Juiz só autoriza a sua viagem quando a sua e a minha última assinatura constar nos registros da Justiça.
_ Aquele filho da puta bem que podia deixar a gente em paz, né mano? E terminou de tomar a suco repousando o copo no chão a sua frente.
_ Não adianta você esbravejar, rapazinho. Eu só fico triste por causa da mudança que provavelmente chegará primeiro que nós em Fortaleza. Tentei sorrir mas ele não me acompanhou na piada.
Marcel me olhou ainda sério e quando falou seu tom de voz parecia bem triste...
_ Desculpa, mano. Ele rapidamente levantou e começou a andar de cabeça baixa como se tivesse vergonha em me encarar... _ Eu só faço burrada, né? Nunca liguei pra nada, nunca quis ouvir os conselhos dos velhos, nunca procurei as boas oportunidades, me envolvi coma turma errada...
_ Ei cara, para com isso. Você só tava confuso. Ele me interrompeu...
_ Não Bernard, não venha me dizer que eu sou um cara bom porque eu sei que não sou... Se eu não tivesse corrido naquele dia feito um louco por conta dos efeitos das drogas que tinha usado, mamãe não teria ido atrás de mim e sido morta ao atravessar aquela maldita Avenida.
Fui até ele e o abracei. Seu choro era devastador apesar de calmo. Seu corpo estava tremendo e ele me agarrava enquanto me pedia perdão...
_ Por favor Bernard me perdoa. Eu nunca quis isso... Eu sofro por saber que tirei ela de você, da nossa vida, de nós... Eu não tava mais suportando a saudade do nosso pai e naquele dia eu consumi muita droga e... Matei nossa mãe.
_ Ei irmãozinho, calma rapaz. Você não foi o culpado de nada daquilo. Foi um acidente. Mamãe realmente estava preocupada com você e quando ela me ligou naquele dia cancelando a ida na minha colação de grau eu pedi que ela me esperasse... Só que ela disse que eu não mudasse de planos e por essa razão ela saiu de casa. Só que fatalidades acontecem e infelizmente naquele dia ela aconteceu nas nossas vidas.
Era desesperador ter que ouvi-lo se culpar e cada vez mais se afundar na culpa e na solidão que com certeza o consumiria por muito mais tempo se eu não tivesse conseguido a transferência da cidade em que nascemos e crescemos assim como nossos pais e demais familiares.
Quando finalmente ajoelhamos no chão da sala, Marcel já tinha se controlado e permaneceu por mais alguns minutos abraçado a mim com toda a força que conseguia me segurar junto a ele..
Ele era um garoto lindo. Tinha atualmente 17 anos de idade, olhos e cabelos pretos, que atualmente estavam raspados. Seu físico que antes era bem definido e proporcional a altura de 1.78 m estava agora normal. Sua pele estava bem mais clara do que sempre foi e por essa razão seu rosto sempre sofrido sugeria um eterno estado de doença. Ele nos fez sofrer por conta do vicio em cocaína e suas atitudes o fizeram ser um cara totalmente arredio e solitário. Quando mamãe morreu, no mesmo ano em que terminei a faculdade, eu decidi que não perderia também meu irmão. Nosso pai havia morrido no começo do ano de câncer de próstata e ele era a única coisa que eu tinha na vida. Os parentes sumiram quando os problemas do meu irmão começaram e depois que ele ficou dois anos internado numa instituição paga por mim, já que havia passado num concurso público Federal, decidi que era hora de virar a página e seguir em frente e com ele ao meu lado as coisas iriam melhorar cada vez mais.
Voltei a nossa realidade quando ouvi sua voz novamente...
_ Não me deixa, Bernard, pelo amor de Deus não me deixa... Sem você eu não vou conseguir.
_ E quem disse que pretendo te deixar, Marcel? Você que não pouse me deixar sozinho nessa vida, cara. Eu amo você e vou amar sempre... Não esquece que estarei sempre aqui pra você, beleza? Agora levanta desse chão e vai terminar de desmontar o seu armário pra que possa ser embalado e despachado pra Capital Cearense.
_ Acho que não vou fazer isso não, mano.
_ E posso saber a razão pela qual isso não será possível, Marcel?
_ É que no trabalho comunitário eu acabei conhecendo uma família bem pobre, sabe? Eles quase nada tem dentro de casa. Não há sofá, cadeiras, tem um armário totalmente quebrado e aí eu pensei em fazer uma doação... Com... As... Minhas... Coisas...
Ele ia dizendo palavra por palavra enquanto esperava eu dizer algo. Eu o olhei ainda com os olhos úmidos e voltei a braça-lo...
_ Você promete uma coisa pra mim, mano?
_ O que você quiser, Bernard...
_ Sempre me surpreenda e me dê excelentes ideias como essa que você teve, ok?
_ Você não vai ficar com raiva de mim por conta disso?
_ Definitivamente não, garoto. Agora vou tomar um bom banho e assim que me trocar vou levar você pra comer o maior hamburguer que você puder comer, que tal?
_ Prum cara que tem 29 anos, até que você ainda tem excelentes ideias... E correu pro seu quarto pra também tomar banho.
Quando saí pelo corredor, pensei no que Marcel havia dito. Eu tava realmente com 29 anos de idade e era mais velho que ele bons doze anos. Eu era a sua versão mais velha, apesar de que meu cabelo preto e liso era bem cheio mesmo cortado. Me olhei no espelho e vi um cara sério que já tinha passado por muita coisa na vida nos últimos três anos e que estava louco pra seguir em frente pra poder também me dar uma chance.
O último relacionamento tinha me deixado bem pra baixo e mesmo não tendo sido revelado a ninguém, me fez sofre pra caramba. Mamãe sempre soube minha opção e meu medo maior era que Marcel não aceitasse isso de bom grado. Quando ele começou a sofrer mais do que devia por conta do seu problema com as drogas e logo em seguida a perda de nossa mãe, eu resolvi não mais sofrer por ter sido abandonado por um cara que não valia a pena de jeito nenhum e me voltei pro meu irmão mais novo e nossas vidas.
Tive ajuda de minha ex-cunhada, já que ela trabalhava na Clínica em que Marcel foi internado, e meu novo emprego me absorveu de um modo tão preciso e rápido que quando dei por mim já havia esquecido do tal cara.
Deixei o passado de lado e finalmente liguei a ducha quente do banheiro. Mais ou menos vinte e cinco minutos depois já estava dentro de uma bermuda preta, uma camiseta cinza, tênis preto e esperava Marcel no sofá da sala. Ele veio trajando bermuda jeans clara, camiseta preta, tênis preto e branco e o melhor dos sorrisos nos lábios...
_ Demorei, mano?
_ Essa demora toda só pra vestir isso aí? E apontava o dedo de cima a baixo...
_ Tá me tirando né, Bernard? Pode dizer que eu tô lindo... Alias eu sempre estou lindo, eu sou lindo mesmo que vestisse trapos...
_ Lindo eu não sei não mas, convencido... Começamos a rir e saímos de casa.
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Hoje acordei e logo uma decisão importante preencheu minha mente e minha razão. Muitos foram os dias em que li, reli, rereli os comentários em todos os contos que havia escrito aqui e isso solidificou de uma vez por todas essa decisão que se fez presente de forma forte e precisa no dia de hoje.
Quero me desculpar com cada um de vcs por não mais cumprir o que havia prometido... Não mais voltar.
Mesmo sem saber como será daqui pra frente, quero apenas dizer pra cada um de vcs que NUNCA os esqueci e que os CONSIDERO mais do que a mim mesmo. VOCÊS são p meu POVO DO LADO ESQUERDO e espero com toda humildade voltar a fazer parte de nossa estrada. Um beijo em vossos corações. Nando Mota