Estávamos no banco de trás, ambos exaltados e bastante nervosos, deveria ser uma data especial, pois, as roupas eram finas, formais e muito elegantes.
Olhei o reflexo dos raios solares pelo vidro do carro que andava em velocidade constante, num dia ensolarado e bastante quente, amenizado pelo frescor do ar condicionado do automóvel, sem nuvens, apenas a imensidão daquele céu azul.
Ela? Uma moça loira e muito bonita, magra e jovem, as manchas deixadas pelo rímel em volta dos olhos, coberto pela camada lisa de maquiagem sendo marcada pelas lágrimas que escorriam em seu rosto formando uma linha fina entre as maçãs da face angelical.
Discutíamos muito, e enquanto ela gritava coisas sem sentido com o dedo apontado para mim, eu sentia a pressão que meus punhos exerciam conforme eu apertava forte as mãos contra minha cabeça.
O motorista pedia por calma enquanto dirigia, mas tirava toda a atenção da estrada para intervir em nossa discussão, ele também estava nervoso, sua expressão era de angústia, medo e aflição.
Eu chorava ouvindo os insultos, com vergonha por toda aquela situação inconveniente que estávamos passando ao mesmo tempo em que me sentia com medo por algo que acabará de ser descoberto.
Seu olhar era de ódio, repúdio, suas palavras eram dilaceradas em formas de ofensas e xingamentos, seu choro se misturava as palavras que eram cuspidas boca a fora.
De repente um zumbido no ouvido, um estrondo forte e tudo ficou escuro, nada se ouvia a não ser gemidos e gritos de pessoas que corriam pelas ruas, enquanto a poeira e fumaça se emancipavam.
Eu apaguei!
Acordei assustado daquele pesadelo, mas não era um sonho ruim.
Eu estava numa sala de hospital, ao lado duas enfermeiras que conversavam sobre o meu quadro clínico.
Ouvia os barulhos de oxigênio e equipamentos médicos, foi a pior sensação que poderia sentir.
Não sabia o motivo de eu estar naquela cama, com aparelhos presos no meu abdômen, soro no braço e uma dor absurda na cabeça, braços, pescoço, barriga e pernas.
Eu não sabia meu nome, minha idade e onde estava.
Não sabia distinguir algumas coisas e me senti uma criança, ainda aprendendo a falar.
Olhei para os lados e nada.
Calma Senhor Henrique não faça movimentos bruscos pois ainda está com três costelas fraturadas e uma leve lesão na cabeça, teve traumatismo craniano e está com o cérebro inchado.
Olhei para o rosto daquela moça que se dirigiu a mim e perguntei:
O que houve comigo?
Como vim parar aqui?
O Senhor teve um acidente de trânsito, estamos entrando em contato com sua família para que compareçam aqui.
Um respiro longo e eu senti uma tontura e apaguei novamente!
Quando acordei, vi rostos novos me olhando, pessoas que eu não conhecia, estranhos que sorriam enquanto me olhavam espantados.
Ao fundo um rapaz em pé que me pareceu familiar, mas ainda assim não conseguia distinguir quem seria aquele belo rapaz, que derrubava lágrimas ao me olhar e sorria ao mesmo tempo.
Mesmo sem conhecê lo eu me senti confortável com sua presença.
Uma Senhora veio até mim chorando alto e agradecendo a Deus por eu estar vivo, seu rosto era bonito, seus olhos apesar de cansados se mostravam azuis como águas de um oceano e suas palavras me trouxeram lembranças de algo que já tiverá vivido.
Aquele doce cheiro de seu perfume me levaram ao passado num dia de alegria em que eu abraçava alguém com aquele mesmo perfume.
Henrique graças a Deus que você está bem, meu filho, meu filho..... Ela chorava e me abraçava, de qualquer forma eu não sabia quem poderia ser aquela senhora tão aflita.
Quem são todos vocês?
Me desculpem, mas eu não os conheço.
Não me recordo de nenhum rosto aqui!
Ela limpou as lágrimas com um leve susto e se afastou da minha cama enquanto me encarava com as mãos na boca.
Dona Branca seu filho sofreu uma lesão cerebral, teve traumatismo, estamos fazendo exames para tentar descobrir se é um quadro de perda de memória temporária ou se é algo mais grave.
Meu filho está sem memória?
Você está louca?
Isso não pode estar acontecendo com o Henrique.
Quero um médico aqui agora! Gritou aquela mulher histérica.
Calma minha Senhora, logo o doutor irá falar com vocês e explicará com mais detalhes. Respondeu calmamente aquela enfermeira.
Numa atitude desesperada eu gritei pedindo para que todos saíssem da sala, já que eram todos estranhos para mim.
Discutindo, chorando e me olhando com pena, aquilo me irritou.
Forcei minha mente para tentar de alguma forma lembrar de alguém alí presente, uma lembrança, um rosto, uma fase, mas nada aconteceu a não ser uma dor ainda maior de cabeça.
A sensação de solidão era horrível, minha reação foi o desespero, choro e desespero.
Quem era eu?
Por que aquilo estava acontecendo comigo?
Entrei em pânico, urinei na cama sem sequer perceber, queria sair, mas não sabia onde estava, em qual cidade, pra onde eu iria e como iria sair dalí? Me senti completamente sozinho.
A enfermeira veio correndo e novamente me fez dormir para que eu me acalmasse.
"Você?
Imagine se vagando por um túnel escuro, sem vida, sem lembranças e sem identidade sua ou das pessoas que você conviveu".
Todos aqueles rostos e nenhum era familiar a não ser aquele rapaz que ficou ao longe.
Quando acordei vi uma garotinha linda sentada na poltrona, seus pés mal alcançavam o chão, estava com a TV do meu quarto ligada vendo desenhos.
Olá garotinha!
Oi moço, você se importa se eu ver desenhos aqui?
Claro que não me importo linda, pode assistir sem problema algum, mas você está aqui porquê?
Eu tenho leucemia, venho fazendo quimioterapia e você?
Eu estou com a costela machucada e não lembro das pessoas.
Não lembra das pessoas?
Não, não me lembro! Esqueci de tudo rs.
Não lembra nem do seu nome?
Acho que meu nome é Henrique.
Eu me chamo Fernanda, pode me chamar de Fer ou Nandinha que são meus apelidos rs.
Claro linda, te chamo de Nandinha então.
Está bem e eu vou te chamar de Hick ok?
Ótimo apelido, obrigado rs.
Uma menina falante e muito simpática.
Logo entra uma moça loira, jovem e a segura pelo braço.
Fer você não pode invadir o quarto das pessoas assim, sabe que é proibido.
Me desculpe pelo atrevimento da minha filha moço!
O nome dele é Henrique mãe e ele perdeu a memória.
É mesmo filha, mas agora deixe ele em paz, ele precisa descansar.
Eu ri vendo aquelas duas debatendo sobre a minha crise e as interrompi.
Qual o seu nome? Eu e a Nandinha já fomos apresentamos, só falta você rs.
Perdão Henrique eu me chamo Patrícia sou a mãe dessa fujona aqui, desculpa pela minha filha, ela é arteira demais rs, tem horas que não consigo acompanhá-la.
Imagine Patrícia sua filha é bastante comunicativa, gostei muito da visita dela.
A garotinha nos interrompeu: eu vim aqui por que no meu quarto não tem TV e eu não gosto de ficar sem fazer nada Hick.
Bom linda venha até aqui?
Ela seguiu até minha cama e ficou me olhando enquanto sua mãe esperava.
Nandinha enquanto eu estiver aqui, você pode vir a hora que quiser, tem minha permissão, mas precisa avisar a sua mãe para que não fique preocupada ta bem?
Está bem Hick eu aviso na próxima vez.
E as duas saíram do quarto me deixando sozinho.
Logo recebo uma visita inesperada.
Oi, posso entrar?
Claro, pode entrar!
Henrique você realmente não se recorda de nada?
Aquele rosto era familiar, mas por mais que eu tentasse eu não lembrava dele.
Era um rapaz muito atraente alto, de porte e físico de atleta, muito bonito, olhos verdes e uma voz forte e grave, mas calma.
Quem é você?
Sou o William, seu... sou seu.....seu amigo.
Ele gaguejou, pensou para falar e por isso fiquei um pouco confuso.
Me desculpa William, mas eu não me recordo de nada, não lembro de você cara. Pode me falar de você? Como nôs conhecemos e a quanto tempo somos amigos?
Ele abaixou a cabeça e começou a chorar.
Antes mesmo que começasse a me explicar, fomos interrompidos por outro rapaz que não estava junto aos demais na outra ocasião.
Ele entrou sem avisar e já foi falando todo nervoso.
Mano você está bem?
Caralho cara que susto você deu na gente! E aí como está?
E o que esse cara está fazendo aqui?
Eu recebi uma enxurrada de perguntas e nem sabia quem era aquele garoto!
Eu não lembro de nenhum de vocês dois e não sei responder a nenhuma de suas perguntas.
Henrique sou eu o Jean seu irmão mais novo, é sério isso? Tipo você está sem memória mesmo?
Aparentemente estou Jean e peço desculpas por isso, você é meu irmão e você é meu amigo? É isso mesmo?
Podem me explicar o que houve comigo?
O Jean me atropelou respondendo.
Não, esse cara não é seu amigo, a causa de você estar aqui é ele.
Foi por culpa dele que você se acidentou não foi William?
Você não contou ao Hick sobre vocês? Não contou que vocês são mais que amigos?
Bom Jean, estou sem memória, numa cama de hospital, não sei onde estou, que dia é hoje e quanto tempo estou assim, já chorei, gritei e esperniei aqui, dormi e acordei várias vezes sem lembrar de nada.
Não sei que dia da semana é e muito menos quantos anos tenho.
Se puderem esclarecer as coisas ao invés de me bombardearem com perguntas eu ficaria grato.
Jean respondeu:
É mano perdeu tudo, menos a educação né?
Desculpa Jean mas eu não consigo assimilar nada desse jeito.
A enfermeira entrou no quarto e pediu que os dois saíssem, o horário de visitas tinha acabado.
Ambos saíram se encarando e aquilo era motivo de preocupação, o que o Jean queria dizer com "mais que amigos"?
Por que o William chorava e não dizia nada?
O que realmente havia acontecido para que eu fosse encaminhado até aquele hospital?
Tantas coisas, tantas questões e nenhum esclarecimento, além de esquecido eu ficaria louco.
Era como se eu tivesse formatado minha cabeça e limpado todas as lembranças armazenadas, meu cérebro estava vazio e aquilo era um buraco sem fundo que eu estava lutando para sair.
Como num sonho ruim onde você cai naquele precipício e já acorda assustado.
A diferença era que eu não conseguia acordar e continuava caindo contra o nada.