– Capítulo 06 –
Quando nossa história começou
Conrado aumentava cada vez mais a intensidade do beijo, massacrando a boca de Miguel. Sua vontade era ficar ali para sempre, mas sua cabeça estava muito confusa por conta da correntinha. Ele foi finalizando o beijo em selinhos longos e macios.
- Você deve estar cheio de perguntas quanto à correntinha, não é? – Miguel desencaixou os pingentes.
- Estou surpreso, perplexo, confuso – Conrado falava sem tomar fôlego.
- Ei? Calma! – Miguel lhe deu um beijo tímido.
- Tem razão – Conrado riu levemente. – Acabo de receber um beijo maravilhoso e fico perguntando sobre o colar. Que se dane! Nada é tão importante quanto ter você aqui, coladinho comigo. – Conrado apertou Miguel, beijando seu pescoço.
- Você tá me deixando todo arrepiado – Miguel se contorcia em risos.
- Vou te deixar louquinho – Conrado riu maliciosamente.
- Vai com calma Conrado – Miguel o afastou um pouco, receoso – Eu ainda não me acostumei com a ideia de ser...
- Não pensa nisso agora – Conrado acariciou seu rosto. – Eu também não consigo completar a frase, mas por hora vamos nos dedicar apenas a isso que está rolando entre a gente.
- É muita loucura – Miguel deslizou a mão pelo rosto.
- Bota loucura nisso – Conrado voltou a beijar ele, ainda incrédulo com tudo.
- Não estou preparado para falar sobre isso nem comigo mesmo.
- A gente não precisa dizer nada. – Conrado alternava suas falas com beijos rápidos. – Seus olhos, sua boca, sua... Você todinho, já é a expressão em si.
Os dois sorriram, depois ficaram em silêncio, com as cabeças recostadas uma na outra, admirando a paisagem iluminada.
- Eu tinha quase catorze anos, quando comecei a frequentar o hospital da sua família – Miguel começou falar subitamente, sem olhar para Conrado. – Naquela época, meu trabalho era apenas religioso. Visitava principalmente os idosos em estado terminal, contava-lhes histórias da Bíblia e falava a eles sobre a esperança da ressureição, o fim das doenças, a juventude eterna e o paraíso restaurado. Muitos eram abandonados pelos filhos, que achavam que só porque estavam bancando o tratamento, já cumpriam com seu papel.
Um dia, quando passeava com uma senhora pelos jardins do hospital, encontrei uma mulher sentada em um banco, com o semblante destroçado. Ela era tão linda, mas a tristeza lhe pesava nos olhos. A presença dela mexeu comigo de uma forma tão estranha, era como se eu encontrasse uma pessoa muito importante que eu havia perdido por alguma razão que eu desconhecia.
Conrado olhava atentamente para Miguel, mas esse conservava sua visão no horizonte, com os olhos semicerrados, transportando sua mente para o momento exato do acontecimento.
- Não resisti, e tentei uma aproximação – continuou Miguel. – Ela não me deu muita atenção na minha primeira investida, mas estava desesperada por alguém que a ouvisse, então não demorou muito para aceitar minha companhia e amizade...
***
- Miguel, eu não poderia desejar nada mais na minha vida. Tudo que eu sempre quis, ou melhor, mais do que eu sempre quis, a vida me deu. – ela falava com alegria nos olhos, mas tristeza na voz. – Tenho um casamento maravilhoso, um filho que é tudo pra mim, amigos, uma condição social privilegiada, e principalmente muito amor.
- A senhora fala como se isso tudo fosse passado – eu tentava entender, sentado ao seu lado sob uma árvore frondosa.
- A vida me deu quase tudo em quantidade abastada, menos uma coisa – os olhos dela derramavam filetes de lágrimas – Tempo.
- A senhora está muito doente? – eu perguntei temendo a resposta.
- Estou em estado terminal meu anjo – ela riu sem graça. – Estou em meus dias finais Miguel. Cada segundo se tornou muito precioso para mim.
Foi inevitável conter as lágrimas. Apesar de conhecê-la tão pouco tempo, já me sentia tão próximo dela, envolvido por um laço maternal.
- Fui diagnosticada com um aneurisma em estado crítico – ela enxugou os olhos. – Nesse momento, é como se uma bomba relógio estivesse alojada dentro da minha cabeça.
- Eu sinto tanto pela senhora – eu a abracei chorando muito. – Mas o Senhor Jesus vai cuidar da senhora ouviu? E no paraíso vai poder rever sua família e o tempo vai ser uma mera vaidade da vida.
Ela riu sem forças.
- Como um garoto da sua idade pode ser tão doce e gentil? Desperdiçar seu tempo aqui, com uma condenada?
- A senhora não é uma condenada – eu não sabia o que fazer para lhe dar esperança. – E é impossível perder tempo ao lado de alguém como a senhora.
- Sua mãe deve ter muito orgulho de você – ela me abraçou.
- Eu não a conheço – falei timidamente.
Ela ficou a me encarar por um tempo, acariciando o meu rosto.
- Seus olhos são tão familiares – ela me disse. – O calor que eles emanam e a doçura, me trazem uma lembrança antiga.
Durante cinco dias eu fui sua companhia e ela a minha. Ela me chamava de filho do coração, e eu adorava ter uma mãe.
Quando perguntei sobre a possibilidade de uma cirurgia, ela me disse que as chances de sobrevivência eram mínimas, e que esgotaria assim o restinho de tempo que ela ainda tinha. Falou que o marido quase enlouquecia a procura de tratamentos, medicina avançada, mas nada de concreto foi encontrado. Ela pediu que no momento derradeiro, queria ser operada por ele, que era neurocirurgião. Queria morrer em seus braços, pois não podia desejar melhor fim, do que ao lado de um dos tesouros da sua vida. Seu marido tentou convencê-la de todas as maneiras possíveis a arriscar tratamentos, mas ela recusou gastar seu tempo com outra coisa que não fosse o filho e ele.
No dia da sua morte, eu estava lá. Ela me presenteou com essa correntinha que estou usando, e disse que era metade de uma joia de família. O natural, é que ela desse a peça inteira para o seu filho, e ele compartilhasse umdia uma das metades com a pessoa amada, mas iria quebrar essa tradição de sua família, e dividiria a correntinha entre seu filho do coração e o de sangue. Inicialmente eu recusei, mas ela disse que se eu não aceitasse, ela não morreria em paz. Cedi por fim. Junto com a correntinha, ganhei uma foto sua, que guardei junto com a joia durante todo esse tempo, e ontem, por alguma razão, encontrei as lembranças acidentalmente.
Miguel virou-se para Conrado, que estava completamente molhado de lágrimas, e entregou-lhe uma foto.
- Clarice Lima Jadão, foi uma das pessoas mais incríveis que conheci – disse Miguel chorando também.
- Miguel... – Conrado soluçava olhando para a foto da sua mãe – Meu Deus! – ele não sabia o que dizer.
- Quando eu vi a foto na sua casa, sabia que conhecia aquela mulher – lembrou Miguel.
– Ela estava mais jovem e sadia, por isso não reconheci de primeira vista.
- E como nunca nos vimos? – Conrado fungava. – Eu a visitava todas as tardes.
- Eu a visitava todas as manhãs – esclareceu Miguel. – E ela nunca me disse que era a senhora Jadão.
- Agora eu lembro que minha mãe dizia que um anjo a visitava todas as manhãs – Conrado agora sorria e chorava. – Achei que ela estava delirando, por conta dos remédios. Mas... Era você ao lado dela.
- E agora eu estou ao seu lado – Miguel aproximou seu rosto do dele. – E não pretendo sair daqui – ele riu, beijando o lábio inferior de Conrado.
- Estávamos juntos esse tempo todo, e não sabíamos – Conrado não sabia onde colocar tantas emoções ao mesmo tempo. – Miguel, isso é... Divino.
- É exatamente isso, divino.
- E a tradição não foi quebrada – Conrado beijou o rosto de Miguel. – A metade da correntinha foi dada para a pessoa certa, para pessoa que eu escolhi antes mesmo de conhecer.
Os dois se entregaram novamente ao gosto um do outro. Deslizando seus lábios pela pele alheia. Conrado roçava sua barba ralinha pela extensão do pescoço de Miguel, fazendo-o estremecer.
***
-... Eu não estou gostando dessa história de ser trocado por você na preferência das crianças.
- Mas o que eu posso fazer, se meu charme é irresistível? – Conrado gargalhou.
- Idiota! – Miguel deu um empurrãozinho de leve no ombro dele. Os dois caminhavam pelo estacionamento do hospital.
- Ah, vai partir pra violência é pastorzinho? – Conrado o agarrou com força pela cintura e mordeu seu pescoço.
- Conrado, alguém pode ver – Miguel falava com uma voz manhosa.
- Isso é fácil de resolver – Conrado o arrastou para detrás de uma Hilux preta estacionada numa parte menos iluminada do estacionamento.
- O que você vai fazer? – Miguel perguntou inocentemente.
- Jura que você não sabe? – Conrado deu um sorriso safado de canto de boca, e engoliu a boca de Miguel em um beijo desesperado e um tanto bruto.
Sem desgrudar as bocas, Conrado sentou-se no chão trazendo Miguel para o seu colo. O beijo estava muito quente e ousado. O cheiro e suor dos dois se misturavam deixando o ar afrodisíaco. Não tinha espaço para respirar. Os lábios de Miguel estavam levemente inchados da pressão exercida pelo outro.
- Conrado, calma! – Miguel o empurrou com dificuldade, muito ofegante – Assim você me mata por asfixia – ele respirava pesado.
- É que essa sua boca é muito gostosinha – Conrado mordia o queixo dele e lambia o pescoço, seus braços enlaçados na cintura de Miguel, o prendiam com destreza.
- Acho melhor a gente sair daqui – Miguel tentou se levantar, mas o outro não cedeu.
- Só mais um pouquinho – Conrado fez cara de cachorro de pidão.
- Pra quem só teve mulher na vida, até que você está muito desinibido – riu Miguel acariciando seu cabelo.
- Pra quem vivia com a Bíblia debaixo do braço, até que você não tem resistido – Conrado devolveu.
Os dois riram
- É sério, daqui a pouco botam uma equipe de busca a nossa procura – os braços de Conrado eram muito fortes, por mais que Miguel tentasse se soltar era inútil.
- Então passa o dia comigo – pediu Conrado.
- Não posso – Miguel falou triste. – Meu pai já está muito irritado comigo e...
- Então eu não te solto – Conrado fechou a cara. – Vamos ficar aqui até o dono desse carro aparecer e ver a essa cena linda. Já pensou se alguém der de cara com o filho do chefe agarradinho com o filho do pastor?
- Não fala isso nem brincando – por um instante Miguel sentiu um pouco de remorso de toda a situação. – Tudo bem, eu aceito.
- Maravilha! Agora mais um beijo – Conrado colou sua testa na do outro.
- Só mais um – Miguel beijou-lhe com calma e maciez nos lábios.
Conrado não aguentou por muito tempo os movimentos tranquilos do filho do pastor, então tomou as rédeas da situação e voltou a sorver com desespero a boca do outro. Seus movimentos, com Miguel no colo, logo lhe provocaram uma excitação descontrolada. Miguel sentiu sua bunda ser pressionada pelo membro do outro, duro como ferro, ameaçando rasgar o jeans que ele usava.
- Pronto! – Miguel deslizou dos braços dele com uma flexibilidade de contorcionista. – Agora parou mesmo.
- Miguel o que eu faço com isso? – Conrado apontou pro meio das pernas, onde se formava um enorme volume.
- Não sei – Miguel estava assustado. – Pede pra ele se acalmar.
- Ele não costuma me obedecer. – Conrado comprimiu os lábios para não cair na gargalhada.
- Quando você convencer o dito cujo, segue para oncologia – Miguel começou a se alinhar. Estava muito suado e com a roupa toda amarrotada.
- Você vai me deixar sozinho aqui desse jeito? Isso é covardia – Conrado protestou.
- Minha presença não vai ajudar – o filho do pastor estava mais vermelho do que um tomate extremamente maduro.
No banheiro Miguel lavou o rosto e a nuca, se recompondo do amasso que Conrado lhe dera. Ele estava excitado também, mas bem mais controlado.
- Meu Deus, que loucura! – ele começou a rir baixinho, olhando seu reflexo no espelho. Recomposto, ele voltou para a oncologia infantil.
- Você demorou muito tio Miguel – disse algumas crianças quase que ao mesmo tempo.
- Tio Miguel estava resolvendo uns probleminhas – Miguel sorriu desconcertado, dispensando a enfermeira que estava com as crianças.
- Você estava lutando com um vampiro, tio Miguel? – perguntou Liara com os olhos arregalados.
- Vampiro? – Miguel ensaiou um riso. – De onde você tirou isso meu amor?
- Você está com uma mordida de vampiro bem grandona no seu pescoço – Liara simulava exageradamente com as mãos, o tamanho da marca.
Miguel ficou com o rosto em brasa levando automaticamente a mão até o lugar.
- Você não vai virar vampiro, né tio? – perguntou Joãozinho.
- Não meu lindo – Miguel gaguejou. – Isso não é mordida de vampiro – ele sorriu de forma desconcertada.
- E é mordida de quê então? – insistiu o menino.
- Oi galerinha – Conrado entrou todo malandro, com uma camisa xadrez amarrada na cintura, cobrindo a parte frontal da calça. Esteticamente era horrível, mas, a circunstância exigia.
- Tio Conrado! – as crianças tentaram abraçá-lo.
- Não gente! – ele gritou impondo as mãos. – Tio Conrado está gripado e cheio de catarro. – (e de pau duro, ou seja, nada de abraço, só se for de Miguel, pensou ele).
- Eca! – todos gritaram em coro.
- Não consegui convencê-lo a ir dormir – Conrado sussurrou no ouvido de Miguel.
- Seja mais persuasivo – Miguel soltou uma risadinha disfarçada.
Miguel foi ler a história do Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry.
Conrado não tirava os olhos do filho do pastor, mordendo o lábio inferior sempre que Miguel lhe dava um pouco de atenção.
- Tio Conrado o senhor está mesmo gripado? É que não espirrou nem uma vez – Liara interrompeu a leitura de Miguel.
- O tio Miguel me deu um remedinho, antes de a gente vir para cá, o efeito já deve estar se espalhando pelo meu corpo – Conrado não tirava os olhos do outro.
- Posso continuar Liara? – perguntou Miguel esquivando-se do descaramento de Conrado
- Pode sim tio Miguel – ela respondeu.
- Posso continuar tio Conrado? – ele olhou para o outro com uma cara séria.
- Por favor, tio Miguel – Conrado mantinha o sorriso safado no rosto.
O restinho da manhã seguiu tranquilamente, salvo às vezes em que Conrado dava um jeito de colar no corpo de Miguel.
Quando estavam de saída, Conrado e Miguel cruzaram com Luciano e Júlia no estacionamento. O pai de Conrado ficou muito surpreso e feliz com expressão leve do filho, sendo um dia tão triste aquele.
- Parece que a manhã de vocês foi excelente – observou Júlia com um tom insinuante.
- Tivemos um dia interessante – disse Conrado, deixando Miguel pálido.
- Fico feliz em ver que você está bem Conrado – Luciano apertava as mãos em sofreguidão.
- Tô levando – Conrado se mostrou menos arisco do que de costume. – Miguel vai almoçar com a gente – ele informou.
- Que ótima surpresa – sorriu Júlia.
- Não tem nem um problema né? – perguntou Miguel.
- Problema? – indagou Luciano incrédulo. – Finalmente né Miguel? Perdi as contas de quantas vezes eu e Júlia o convidamos.
Miguel comprimiu os lábios em um sorriso tímido.
- Então vamos! – Conrado, inconscientemente, pegou Miguel pela mão e o levou em direção ao seu carro.
Júlia e Luciano ficaram emudecidos com a cena inusitada. Era inacreditável? Onde eles estavam quando Conrado mudou tanto?
Na mansão Jadão, o almoço ainda estava recebendo os preparos finais. Júlia perguntou a Miguel se ele não queria tomar um banho, e antes que ele respondesse Conrado o arrastou escada a cima, até o seu quarto.
- Ele vai usar o meu banheiro – o enteado de Júlia ainda disse para ela.
No quarto, Conrado partiu logo para o ataque, agarrando Miguel com um pouco de brutalidade, beijando-o loucamente.
- Você agora é meu – os dois caíram em cima da cama.
- Imagina seu pai vendo uma cena dessas – sussurrou Miguel.
- A porta tá trancada, relaxa – Conrado rolou, fazendo Miguel ficar por cima dele sentando sobre seu pau. – Você acha que temos quanto tempo até esse almoço ficar pronto?
- Tempo suficiente para um banho rápido – Miguel pulou da cama pegando sua bolsa e indo para o banheiro.
- Hum... É um convite? – Conrado foi atrás do outro como um cachorro no cio.
- É uma constatação – Miguel trancou a porta antes que Conrado entrasse.
- Ah, Miguel, isso é sacanagem – Conrado esmurrou a porta. – Abri aí vai?
- Me deixa pensar... Não!
- Se a gente banhar junto vai economizar tempo – Tô doido pra ver essa tua bundinha nua, era o que Conrado queria dizer na verdade.
- Sua teoria é boa. – Miguel sorriu, enquanto chuveiro trabalhava. – Mas acho que pode ser refutada facilmente.
- Você é cruel Miguel – Conrado fingia um choro. – E o amor ao próximo? Olha que a Bíblia disse que é mais importante DAR do que receber – Conrado enfatizou.
- Eu não acredito que você tá usando a Bíblia como base para suas safadezas Conrado Lima Jadão – Miguel escondia o riso, abafado pela água.
- Tenho que apelar né?
- Não precisa mais – Miguel abriu porta do banheiro já vestido com outra roupa, agora mais leve. – O banheiro é todo seu.
- Já está vestido? – Conrado perguntou desapontado.
- Eu sempre trago uma roupa reserva – disse Miguel. – Sim estou vestido. Agora vai tomar banhar logo!
- Sim vossa senhoria – Conrado ainda roubou um beijo de Miguel.
O banho do dono da casa foi bem mais rápido do que o da visita. Miguel estava deitado na cama King Size de Conrado, quando ele surge de dentro do banheiro só de toalha. O corpo, malhado proporcionalmente, estava cheio de filetes de água. Era uma visão espetacular. Ele possuía uns gominhos que trincavam seu abdômen em uma perfeição digna das obras de Michelangelo. Miguel não desgrudava os olhos do corpo escultural do outro
- Que foi? Arrependido por não ter aceitado meus apelos? – Conrado jogou o cabelo molhado para trás.
- Eu vou sair pra você se vestir – Miguel ia se levantando.
- Ah, não se incomode – Conrado sorriu safadamente, virando as costas para Miguel, enquanto empurrava a porta do seu closet – Como é aquele ditado mesmo...? Ah! Lembrei. O que é bonito é pra se mostrar.
Conrado arrancou a toalha de uma vez, arremessando para o lado, enquanto procurava uma roupa, naturalmente. Conrado quase não tinha pelos pelo corpo.
S eu closet era gigantesco, mas Miguel não deu nem uma atenção para a montanha de roupas, afinal, sua visão estava perdida naquelas costas largas e atléticas, e cintura bem desenhada, bunda durinha e empinada e pernas de jogador de futebol.
- Meu Deus! – ele engoliu em seco, ficando de todas as cores possíveis.
- Eu ponho uma cueca preta ou branca? – Conrado provocou se virando de frente para Miguel.
Miguel arregalou os olhos diante daquela píton branco-rosada, que pendia entre as pernas de Conrado. Aquilo parecia ter vida própria. Como cabia dentro da calça?
- E então? Preta ou branca? – Conrado segurava as duas cuecas boxers, uma em cada mão.
Miguel estava mudo.
- Vou usar a preta – Conrado adorou a cara de espanto de Miguel diante da sua... “potencialidade”.
Já na mesa, o almoço transcorria tranquilamente. Algumas conversas eram iniciadas, mas nada muito extensivo. De repente o celular de Luciano toca.
- Na hora do almoço meu amor? Quem será o inconveniente? – Júlia se irritou.
- Preciso atender, pode ser algo do hospital – disse Luciano se levantando e indo até o celular que estava sobre a mesa de centro da sala de visitas.
Conrado, que estava sentando ao lado Miguel, ficou acompanhando com os olhos a conversa de seu pai. Luciano passou uns 10 minutos falando com alguém.
- Obrigado por me avisar meu amigo – disse Luciano desligando celular e voltando para junto dos demais.
- Aconteceu alguma coisa meu amor? – perguntou Júlia diante da expressão séria do marido.
- Sim aconteceu – respondeu Luciano. – Acabo de ser informado que o Pedro Henrique e o Flávio foram presos. Era Luís no celular.
- Quem são esses? – perguntou Miguel confuso.
- Pezão e Azeitona – respondeu Conrado, fazendo cara de nojo ao pronunciar os nomes vulgares dos dois indivíduos.
- Mas como isso aconteceu? Eu lembro que o senhor me disse que trataria com seu amigo delegado, sobre o que eles fizeram comigo. – continuou Miguel.
- Exatamente! – assentiu Luciano. – Na verdade eles não foram presos pelo que fizeram com você Miguelzinho, eu havia conversado com Luís, e ele havia me dito que iria averiguar o caso, mas que seria necessário uma denúncia sua. Como você não estava bem, e ainda por cima sofrera a perda da Luiza, eu achei melhor não tocar nesse assunto por enquanto.
- E como aconteceu a prisão deles? – perguntou Conrado impaciente.
- Foram pegos em um assalto num posto de gasolina – respondeu Luciano. – Com um sério agravante; encontraram 10 quilos de cocaína no estofado do banco do carro roubado, que os dois andavam.
Luciano falava com um peso na voz, mas aliviado por dentro. Conrado poderia está envolvido nisso, senão fosse pelo convívio com Miguel.
- De qualquer forma, sinta-se justiçado Miguel – Júlia falou com satisfação. – Espero que aqueles marginais paguem caro pelos seus crimes.
Conrado se levantou desconfortável com a conversa e subiu pisando pesado para o seu quarto.
Miguel, Júlia e Luciano ficaram em silêncio diante da reação súbita de Conrado.
- Será que disse algo inadequado? – Júlia buscava a resposta nos rostos dos outros dois.
- Eu vou falar com ele – Miguel se levantou e subiu com sutileza.
No quarto Conrado atirava uma bola de beisebol na parede. Ele estava com cara muito séria e para poucos amigos.
- Posso entrar? – perguntou Miguel.
- Entra – respondeu Conrado secamente, largando a bola e se jogando na cama
- Tudo bem com você?
- Claro – respondeu Conrado sem ânimo.
Miguel se aproximou e sentou na borda da cama, encarando a foto da mãe de Conrado.
- Sabe o que eles estavam pensando não é? – Conrado revelou sua irritação.
- Conrado – Miguel deitou-se perto dele, acariciando seu peito. – Eles estavam angustiados quando pensaram que poderia ser você também. Imagina o alívio do seu pai, em ter você ali, almoçando com eles, estando tão perto e seguro.
- Você sempre ver o lado positivo das coisas, não é? – Conrado desanuviou o semblante puxando Miguel para um beijo calmo.
- Conrado, não acha que esta na hora de se acertar com seu pai? – perguntou Miguel. – Por que nutrir a raiva e o rancor depois de tanto tempo?
- Miguel eu não quero falar disso, pode ser? – Conrado o abraçou, fazendo-o deitar a cabeça em seu peito.
- Não! – respondeu Miguel virando o rosto para ele. – Era nítido que sua mãe amava seu pai, e esse sentimento era recíproco. Conrado, ela sabia quais eram suas chances, ela queria que ele a operasse, mesmo sabendo que seria tarde demais, ela escolheu estar com vocês até os últimos segundos. Tem ideia do que o seu pai passou durante todo esse tempo? Sentindo-se injustamente culpado?
- Mas ele não esperou nem dois anos direito pra pôr outra em seu lugar! – Conrado se revoltou.
- Sua mãe o fez prometer, que ele encontraria uma pessoa que o merecesse e que ele seria feliz novamente em nome de tudo que viveram – Miguel deixou escapar. – Eu não queria falar sobre isso porque é um assunto muito pessoal, mas você precisava saber.
Conrado ficou em choque com o que ouvira.
- Sua mãe nunca vai ser substituída – Miguel acariciou o rosto de Conrado. – Nunca foi do interesse de Júlia assumir esse lugar e tenho certeza que também não era a intenção do seu pai. Eu sei que no fundo você sabe disso.
- Terminou?
- Só se você me prometer que vai pensar nisso – Miguel fez um biquinho.
- Se você sair comigo hoje à noite, quem sabe? – Conrado devolveu.
- Não posso! – disse Miguel. – Meu pai já deve estar subindo nas paredes por eu ainda não está em casa, imagina se eu for sair com você hoje à noite.
- Então nada feito – Conrado emburrou a cara cruzando os braços.
- Que menino mais marrento! – Miguel tentou beijar ele. Conrado enrijeceu os lábios, fingindo não querer.
- Tudo bem! – Miguel fingiu decepção. – Se não quer... Eu vou indo então.
Quando Miguel ameaçou levantar, Conrado o puxou subitamente, trazendo-o de volta para o calor do seu peito.
- Claro que eu quero essa boquinha colada na minha – Conrado apertou Miguel contra o seu peito e o beijou com a intensidade costumeira. – Mas vamos sair Miguel?
- Conrado...
- Eu prometo que a gente não vai demorar – insistiu Conrado.
- Então você vai tentar conviver melhor com seu pai.
- Se ele não encher o meu saco, tudo bem – retorquiu Conrado. Miguel fez uma cara de insatisfeito.
- Tá bom! – Conrado cedeu. – Mas você vai sair comigo.
- Fazer o que não é? – Miguel aceitou – Mas uma coisa bem simples.
Alguém bateu na porta. Miguel levantou-se da cama se arrumando e foi abrir
- Trouxe a sobremesa de vocês – Júlia entregou uma bandeja para Miguel com brownies de chocolate branco.
- Obrigado Júlia – Miguel agradeceu com um sorriso.
- Tá certo, eu reconheço, ela é um pessoa legal – disse Conrado, diante do olhar que Miguel lançara para ele, assim que fechara a porta.
Comeram a sobremesa entre risos e beijos.
- Esse dia está sendo maravilhoso – disse Conrado.
- Assustador, mas maravilhoso – completou Miguel.
Os dois se beijaram provocando pequenos estalados. Miguel deitou opostamente a Conrado, enquanto este último se aninhou em conchinha no corpo do primeiro.
- Que gostoso – Miguel se contorcia arrepiado, com o roçar da barba rala de Conrado na sua nuca.
- Então você tem muitas cócegas? – Conrado falou com malícia.
- Principalmente na barriga – Miguel revelou inocentemente.
Conrado o virou de uma vez, deixando-o de peito para cima, e começou a fazer cócegas na sua barriga, lambendo e beijando. Miguel sorria convulsivamente, tentando se soltar do outro, mas era quase impossível.
- Você vai me matar seu idiota – Miguel já estava vermelho.
- A quem você pertence? – perguntou Conrado.
- A ninguém – respondeu Miguel lacrimejando de tanto rir.
- Resposta errada – Conrado intensificou as cócegas. – Você te dar uma nova chance. A quem você pertence?
- A você quem?
- A você Conrado Lima Jadão.
- A você! – Miguel gritou sem forças.
- Isso mesmo – Conrado parou as cócegas. – Você é todinho meu – ele beijou Miguel que desfalecia de tanto rir.
- Aquilo é um álbum? – Miguel apontou para um livro enorme de capa cinza sobre a escrivaninha do quarto.
- Deixa isso pra lá – Conrado tentou enlaçar Miguel, mas este foi mais rápido e pulou fora da cama, indo pegar o álbum em questão.
- E perder a oportunidade de ver você criancinha? De jeito nenhum. – Miguel pegou o álbum e voltou pra cama.
- Mas é muito curioso mesmo não é? - Conrado mordiscou o pescoço de Miguel.
Miguel começou a folhear. Nas primeiras páginas havia as fotos de Clarice grávida ao lado de Luciano. Na sequência Conrado bebê e logo depois uma série de fotos dele pelado.
- Que fofinho! – disse Miguel. – Suas bochechas eram muito apertáveis. Conrado riu do comentário.
- Nossa! Nessa época eu já tinha pau grande! – exclamou Conrado.
- Você é um pervertido Conrado Lima Jadão – Miguel deu um tapinha na coxa dele.
- Hum... Hoje sou incomparavelmente mais...
- Safado? Disso eu tenho certeza.
- Eu ia dizer pauzudo – Conrado gargalhou.
- Vou fingir que não ouvi sua observação – Miguel corou.
O filho pastor continuou a explorar o álbum, encantando-se com as fases de Conrado. Ele sempre foi muito lindo.
Na parte dos 15-16 anos, havia fotos de Conrado e um grupo de amigos no que parecia ser uma banda.
- Quem são esses? – perguntou Miguel.
- Os melhores amigos do mundo – respondeu Conrado olhando para foto com olhos nostálgicos. – Essa loirinha é a Luna, o de cabelo arrepiado e argolinha é o Bernardo, o de mechas azuis é o Túlio e esse ruivo com cara de bobo é o Alex. – Conrado falava com alegria. – Éramos a banda Nave.
- Nossa que máximo! – Miguel deslizou os dedos sobre a foto de Conrado. – E a banda acabou?
- Eu quase a destruí – respondeu Conrado triste. – Assim que minha mãe morreu, eu tomei um rumo diferente na vida, deixando para trás tudo que eu era e tudo que eu tinha. Fiz muita coisa errada Miguel.
- Mas agora você está voltando para casa – Miguel sorriu dando-lhe um selinho.
- Você foi uma das melhores coisas que me aconteceram – Conrado o abraçou, fazendo- o derrubar o álbum no chão.
- Olha o que você fez seu trapalhão – Miguel foi apanhar o álbum, e umas fotos que se soltaram – Quem essa mulher Conrado? – Miguel mostrou a foto de uma mulher grávida de cabelos longos, cacheados, castanho-claro e olhos vivos.
- Não conheço – respondeu Conrado estranhando a foto. – Nunca tinha visto essa fotografia antes.
Miguel a tomou de volta, e olhou no verso onde tinha escrito: “Olha seu afilhado crescendo madrinha coruja”.
- Onde essa foto estava? – perguntou Conrado.
- Dentro do álbum – respondeu Miguel.
- Nunca a vi aí – disse Conrado.
- Talvez ela estivesse escondida entre algumas fotos. – Miguel ficou encarando a imagem da mulher – É tão estranho.
- O quê? – perguntou Conrado.
- Bobagem – Miguel devolveu a foto. – Bem eu preciso ir.
- Mas a gente não tinha combinado que ia sair hoje à noite?
- Justamente por isso – disse Miguel. – Eu vou para casa da minha prima Christiane, aí você me pega lá.
- Tudo bem – disse Conrado triste por não poder passar o dia todo com Miguel.
- Então nos vemos mais tarde – Miguel pegou suas coisas. – Vou deixar o endereço anotado aqui – ele escreveu em um pedaço de papel sobre a mesa.
Na casa de sua prima, Miguel contou tudo para ela, ruborizando em cada parte relatada.
- Eu não acredito! – Christiane gritou, agarrando Miguel pela cintura e pulando feito um canguru dentro do seu quarto. – Então você está namorando o gostosão do Conrado.
- Namorando? – Miguel se assustou com a palavra. – Bem... A gente tá vendo no que vai dar.
- Falando em dar, não dê de inicio pra ele. O Conrado é um comedor nato, você não pode ceder com facilidade. Deixe-o ficar bem loucão, ouça voz da experiência – Christiane falava sem parar.
- Christiane! Por favor – Miguel estava com o rosto em brasa – Eu vim aqui por dois motivos: primeiro; não quero ir para casa e deixar meu pai me matar antes do encontro com o Conrado. Segundo; preciso de uma coisa para usar, e você é a guru do estilo e bom gosto.
- Ótimo! – Christiane esfregou as mãos contentes. – Tenho muitas peças aqui em casa que ainda não levei para loja.
- Nada de exagero, ok?
- Como se eu fosse exagerada – disse ela. Os dois caíram na gargalhada.
Ela produziu Miguel com um blazer azul marinho de veludo discreto, sobre uma camisa branca de gola V não tão profunda, uma calça jeans skinny com pouca lavagem e um sapatênis branco.
- Miguelzinho, Miguelzinho – Christiane deu um tapa na bunda dele que estava muito destacada com a calça justa. – Você vai ter que se desdobrar pra afastar o bambu do Conrado desse teu traseiro gostosão.
- Ficou muito bom Chris – ele se olhava sorridente no espelho. – Acho que nem o pastor me reconheceria.
- Claro que não. Você está muito gostoso. Estou começando a me arrepender de ter ti incentivado a ficar com o Jadão.
- Boba! – Miguel a beijou.
Os dois primos ficaram a conversar por bastante tempo. Além da felicidade, Miguel colocou suas preocupações que, expostas, pareciam ser maiores que as alegrias dos últimos dias. Obviamente, ser maior medo estava concentrado na figura do Pastor Oliveira. Miguel estremecia só de imaginar seu pai descobrindo seu envolvimento com Conrado Lima Jadão. Seria uma catástrofe!
O carro de Conrado buzinou, interrompendo a conversa de Miguel e Christiane.
- É ele – Miguel disse sentindo um friozinho na barriga. – Preciso ir Chris, obrigado por tudo.
- Disponha de sua prima – ela o abraçou. – Ah, usem camisinha.
- Não será necessário – Miguel disse se desvencilhando dela.
- Pelo sim pelo não... – Christiane enfiou uma camisinha no bolso de Miguel. – é melhor está sempre prevenido.
Miguel riu e foi embora ao encontro do seu namorado.
- Nossa isso tudo é pra mim – Conrado desceu do carro o abraçando.
- Você também está lindo – Miguel não queria que ninguém o visse. – Vamos? Conrado usava uma camisa polo rosa, uma calça preta e uma bota bem transada.
Eles foram para uma pizzaria, e se divertiram bastante. Conrado até tentou roubar uns beijos, mas Miguel estava resistente assim como irresistível. Conversaram bastante, e
não se prenderam a nenhuma preocupação futura. Um conselho bíblico que Miguel estava seguindo com muito prazer. Mas a noite correu rápido demais para o gosto deles. Na saída, enquanto riam relembrando a primeira vez que se viram e a aspereza de Conrado, eles foram surpreendidos por uma voz feminina familiar:
- Conrado? – alguém o chamou.
Conrado se virou e deu de cara com Michele e Maria, que olharam com curiosidade para Miguel.
- O que vocês querem? – perguntou Conrado secamente.
- Nossa, Conrado, por que tá falando assim com a gente? – indagou Maria surpresa.
- Eu vou esperar no carro – Miguel saiu deixando os três sozinhos.
- Pezão e Azeitona estão presos – disse Michele.
- Eu sei – respondeu Conrado com indiferença.
- Que bom – sorriu Michele. – E você já falou com seu pai para soltarem eles.
- Se depender de mim, eles vão apodrecer lá, aqueles filhos da puta! – Conrado cuspiu fogo, deixando as duas no vácuo.
- Conrado... – Michele tentou chamá-lo, mas ele já havia se distanciado rapidamente.
- Algum problema? – perguntou Miguel assustado, quando Conrado entrou no carro batendo a porta com força.
- Sim! – ele disse com aspereza – Minha boca tá muito longe da tua. – ele agarrou Miguel pela nuca e juntou suas bocas num beijo sugador. As línguas dançavam sincronizadas. Os vidros do carro tinham película, por isso eles podiam ficar a vontade. Conrado levou Miguel de volta para casa, deixando-o um quarteirão antes, a pedido de Miguel. Mas os dois ainda ficaram namorando por um tempo no carro. Conrado estava muito excitado, e tentava toques mais ousados. Sua mão deslizou pelas costas de Miguel, invadindo a calça deste. Quando seus dedos atingiriam o início do bunda do filho do pastor, este se soltou subitamente dos braços do filho de Luciano.
- Conrado é só isso que você quer? – Miguel ficou irritado.
- Claro que não Miguel – Conrado ficou nervoso. – Desculpa, é que eu perco o controle com você.
- É melhor eu ir indo – Miguel ameaçou descer.
- Me desculpa, por favor – Conrado suplicou. Miguel ficou em silêncio.
- Trouxe aquela foto pra você – Conrado tirou a foto do bolso. – Percebi que você ficou mexido com essa mulher grávida.
- Obrigado – Miguel recebeu a foto e pôs no bolso, abriu a porta do carro e desceu.
- Eu sei por que você ficou estranho quando viu ela – Conrado segurou a porta do carro aberta. – Você tem os olhos dela.
Miguel mudou o cenho completamente, a surpresa tomou conta de sua face. Porém ele não disse o que estava pensando.
- Nos vemos amanhã – Miguel saiu de cabeça baixa, consternado.
Quando ele entrou em casa ele constatou feliz, que o pastor e Fernanda ainda não haviam chegado da igreja. Miguel subiu para o quarto e ficou deitado em sua cama encarando a fotografia. Por mais quisesse absorver demoradamente aquela imagem, ele logo pegou no sono com a foto na mão. Havia tido um dia bem agitado.
Os olhos de Miguel abriram-se lentamente. Anda sonolento, ele olhou para o relógio do criado-mudo e o viu marcando nove da manhã. Tomou um susto com o atraso, e correu para o banheiro tomando um banho rápido. Vestiu-se com urgência, arremessando tudo dentro da sua bolsa, inclusive a foto da mulher grávida. Desceu as escadas já se preparando para bronca que receberia. Na sala seu pai conversava com alguém do lado de fora da casa.
- Obrigado – o pastor Oliveira fechou a porta com um ramalhete de tulipas brancas nas mãos
- Bom dia... – disse Miguel receoso.
O pastor o encarou com maus olhos antes de ler algo:
- “Miguel, desculpe-me pela noite de ontem, prometo tentar controlar minhas mãos da próxima vez”. – o pai de Miguel leu o cartão que acompanhava as flores que ele acabara de receber. – Será que você pode me explicar o que significa isso, Miguel Fernandes Oliveira?
Miguel ficou sem reação. As palavras fugiam-lhe com o mesmo pavor que ele estava sentindo, diante dos olhos acusadores do pastor Oliveira.
- Pai... São apenas flores de um amigo. – Miguel balbuciou. – Um pedido de desculpas pelo que me parece.
- Verdade? E o que esse amigo, que não assina o cartão, fez com você? Ou melhor, o que as mãos dele fizeram com você? – o pastor apertava o cartão entre os dedos.
Miguel respirou fundo, prometendo para si que se saísse vivo daquela sala mataria Conrado. Que ideia mais estúpida mandar flores para casa dele, sob o risco de levantar suspeita, como acontecia agora.
- Ele foi... Um tanto grosseiro comigo, mas, não foi conscientemente – Miguel não queria mentir, então resolveu ser vago nas palavras. – A flores são um pedido de desculpa. É isso.
- Ele bateu em você? – perguntou o pastor nervosamente.
- Não!
- Cometeu algum tipo de violência, lesão, machucado...?
- Pai eu está tudo bem! – Miguel falou convicto.
- Você passa o dia inteiro fora, só chega à noite, tem como companhia sabe-lá-Deus- quem, e quer que eu acredite que está tudo bem? Miguel, por acaso você tem a intenção de me fazer de trouxa?!
- Não senhor – respondeu Miguel cabisbaixo. – Eu sei que não deveria ter ficado tanto tempo fora sem sua permissão, mas poxa! Será que o senhor não confia em mim?
- Tenho motivos para não confiar? Ou posso ter certeza que você nunca vai mentir para mim? – a voz do pastor era insinuante e temperada com um pouco de retórica.
- Tenha a certeza de que tudo que eu fizer não será imprudentemente. Mas, sob camadas e mais camadas de reflexão. – disse Miguel.
- Será? – o pastor buscava nos olhos do filho alguma resposta que divergisse de suas palavras.
- Eu preciso ir pai – Miguel se apressou em deixar a sala.
- Só mais uma coisa – o pastor o deteve antes que saísse.
- Senhor? – Miguel virou-se pra ele, receoso do que poderia vir.
- Foi Conrado Lima Jadão que enviou essas flores?
- Que diferença faz? Eu já respondi...
- Faz toda diferença! – o pastor se exaltou.
Miguel se assustou com o estrondo da voz do seu pai, que ecoou como um trovão tenebroso.
- Sim – Miguel sentiu um nó na garganta. – Foi ele.
- Oh, meu Deus! – o pastor se atirou no sofá, logo atrás dele. – O que está acontecendo com você Miguel? Se associar com um delinquente. Essa família Jadão é uma maldição na minha vida!
- Por que o senhor sente tanta raiva deles? – Miguel indagou. – O doutor Luciano é uma pessoa maravilhosa, assim como a sua esposa.
- Há muitas coisas que você não sabe sobre essa gente. – O pastor soltava veneno. – Essas pessoas destruíram...! – o pastor comprimiu os lábios para não falar demais.
- Conclua! – exigiu Miguel. – O que a família Jadão fez de tão grave contra o senhor? Por acaso isso envolve os segredos a respeito da minha mãe, que senhor tanto se esforça para enclausurar?
- Nossa conversa se encerra temporariamente aqui, Miguel – o pastor deu as costas e rumou para o seu gabinete.
- O senhor não vai conseguir esconder a verdade de mim pra sempre, ouviu? – Miguel gritou, mas obteve como resposta apenas o bater da porta do gabinete de seu pai.
No caminho para o hospital, a mente dele insistia na imagem da mulher grávida. Ele precisava tirar essa dúvida urgente. De repente, lhe veio uma ideia.
- Como eu não havia pensado nisso antes? – ele disse para si.
Chegando ao Hospital Jadão, Miguel desviou do caminho da oncologia infantil e se dirigiu para a sala de Luciano. Bateu na porta e logo recebeu a autorização para entrar.
- Miguelzinho, algum problema? – Luciano levantou-se para recebê-lo com um abraço.
- O senhor pode me conceder alguns minutos da sua atenção – Miguel retribuiu o abraço.
- É claro que sim – sorriu Luciano. – Eu só tenho paciente á tarde. Você está tendo algum mal-estar?
- Não! – respondeu Miguel pálido. – Quer dizer, eu preciso muito da sua ajuda.
- Claro! – Luciano ficou um pouco preocupado.
Miguel retirou a foto da mulher grávida de sua bolsa e entregou para Luciano.
- O senhor a conhece? – perguntou o filho do pastor.
- Sim – respondeu Luciano. – Nossa, há muito tempo que não há vejo.
- Pode-me falar mais sobre essa mulher? – Miguel estava suando muito.
- O nome dela Silvia – começou Luciano encarando a foto. – Eu não sei muito ao seu respeito. Vimo-nos umas duas ou três vezes. Ela era muito amiga de Clarice, mãe de Conrado. Sei apenas que ela tinha uma relação conturbada com o marido que era pastor, eu acho.
Miguel ficou em choque, perdendo todo o sangue da face.
- Lembro que Clarice comentou vagamente comigo, que ela tinha um problema gravíssimo, mas como minha esposa era muito discreta, ela não especificou do que se tratava. – Luciano mantinha o contato visual na foto.
- O senhor sabe o que aconteceu com ela? – Miguel perguntou com dificuldade.
- Não. – respondeu Luciano entregando a foto novamente para Miguel. – Onde conseguiu essa foto?
- Era do álbum de sua esposa – respondeu Miguel. – Eu e Conrado ficamos curiosos a respeito dessa mulher, a Silvia. Ele disse que nunca tinha visto a foto no álbum.
- Bem, espero que minhas informações tenham sido úteis – disse Luciano. – Cuide-se Miguel, você não está bem.
Miguel saiu em silêncio, e foi para o banheiro lavar o rosto. Ele não tinha clima e nem mais tempo para ficar com as crianças. Sentia, como se a verdade sobre sua mãe estivesse debaixo do seu nariz, mas ele não conseguia enxergar.
- Miguel? – Conrado entrou de uma vez no banheiro, se deparando com o outro sentado no chão, com a expressão vazia. – O que aconteceu? Por que você não foi para a oncologia?
- Estava sem cabeça – Miguel respondeu secamente.
- Gostou das flores? – Conrado sorriu, se abaixando em busca da boca do outro.
- Meu pai as recebeu por mim – Miguel desviou o rosto do beijo, levantando-se. – Que ideia estúpida foi aquela de enviar um buquê de tulipas acompanhado de um cartão comprometedor?
- Eu só queria...
- Transformar minha vida no inferno maior? Conseguiu! – Conrado nunca tinha visto Miguel tão áspero daquela forma.
- Owwwwwww! Eu só quis ser carinhoso e me desculpar com você por ontem. – Conrado o segurou pelo braço quando ele tentava sair. – Desculpa, foi uma burrice mesmo. Mas não precisa me tratar dessa forma.
- Desculpe-me. – Miguel o abraçou com os olhos marejados.
- Fica calmo lindo – disse Conrado o apertando em seus braços. – O pastor pegou pesado?
Miguel balançou a cabeça que sim.
- Estou com muito medo de ele descobrir sobre a gente – Miguel o beijou calmamente.
- Eu sei que não vai ser fácil enfrentar essa barra, mas a gente tá junto nessa, entendeu?
– Conrado cheirava o pescoço de Miguel, já inebriado com o seu perfume. Miguel assentiu.
- Almoça comigo? – Conrado propôs.
- Não é uma boa ideia. É melhor eu ir pra casa, pois não posso vacilar, além do mais, minha cabeça está explodindo de dor – Miguel parecia nauseado.
- Eu te levo então – Conrado disse beijando seu namorado com vontade.
Durante o trajeto, Miguel ficou um pouco em silêncio tentando encontrar uma maneira de descobrir mais sobre a mulher da foto.
- O que essa cabecinha tá pensando? – perguntou Conrado, acariciando a mão de Miguel, enquanto a outra repousava sobre o volante.
- Não consigo parar de pensar na grávida da foto – respondeu Miguel.
- Tá mexido com a aquela parada que eu disse sobre a semelhança dos olhos dela com o seu não é? – Conrado deu um sorrisinho.
- Eu não sei se você sabe, mas eu não conheci minha mãe.
- Eu sei sim. Meu pai vivia te citando nas nossas brigas. Morria de ódio. Disse pra mim mesmo que ia acabar com a tua cara quando cruzasse meu caminho, e nem imaginava que ia tá acabando era com essa tua boca gostosa. – Conrado gargalhou.
- Eu não consigo parar de pensar na possibilidade, de que essa mulher pode ser minha mãe. Eu sei que parece loucura.
- Bota loucura nisso! – Conrado arregalou seus olhos.
- Eu conversei com seu pai – falou Miguel. – Ele contou que o nome dela é Silvia e que era muito amiga da sua mãe. Era casada com um pastor, e vivia um relacionamento conturbado, além de enfrentar um problema grave. É muita coincidência. Eu preciso chegar o fim desse mistério.
- Olha, eu sei que isso é muito importante pra você, e eu prometo que vou te ajudar com essa história – Conrado parou o carro antes da casa de Miguel. – Mas esquece disso por enquanto. Quero você pensando só em mim, meu cordeirinho.
- Tá lobo-mau – Miguel colou sua boca na de Conrado.
Os dois ficaram entre beijos e sorrisos. Conrado sempre muito afoito, mas agora, mantinha suas mãos no limite da cintura de Miguel, por mais que sua vontade fosse dar uns bons apertos naquele bumbum-durinho-empinado.
- Esse aqui vai ser nosso ponto – disse Conrado, enquanto Miguel abria a porta do carro.
- Ponto?
- É. Não quero mais você andando todo esse trajeto a pé até o hospital, agora eu venho pegá-lo todos os dias aqui. Esqueceu que você é meu?
- Tudo bem, meu motorista gostosão – Miguel o beijou, finalizando com uma mordida no queixo.
- Não faz isso cordeirinho, o lobo-mau aqui já está loucão, doido pra comer você. E não estou falando em sentido literal – Conrado sorriu safadamente.
- Esse é o sinal para eu zarpar – Miguel saltou do carro.
- Cruel! – Conrado mordeu lábio, alisando seu corpo. – Vamos sair hoje à noite?
- Na atual circunstância, eu não posso.
- Você vai me deixar na mão? – Conrado ficou indignado.
- Amanhã a gente se ver Conrado – tentava amainar Miguel.
- Amanhã demora muito – Conrado fechou a cara. – Eu não posso esperar esse tempo todo. Eu quero você ainda hoje!
- Conrado tenta entender...
- Não! Eu não vou entender nada! Mimado, pensou Miguel.
- Eu preciso ir – Miguel saiu correndo e deixou o outro soltando fogo pelas narinas. Para sua infeliz surpresa, Paula estava sentada à mesa, almoçando com sua família.
- Miguelzinho – ela fez menção de se levantar, mas ele a ignorou e subiu para o quarto para trocar de roupa e lavar as mãos.
Miguel voltou rapidamente para almoçar, agindo naturalmente, mas permanecendo indiferente à Paula.
- Veio sozinho, ou algum amigo lhe deu uma carona? – perguntou o pastor assim que o filho sentou-se.
- O Conrado veio me deixar – respondeu Miguel naturalmente. O pastor crispou os lábios e apertou com força o garfo.
- Fiz aquele arroz com brócolis que você gosta – disse Fernanda, servindo Miguel, na tentativa de acalmar os ânimos.
- Eu ajudei a irmã Fernanda – disse Paula mostrando os dentes feito uma jumenta.
- Paula seria uma ótima esposa para você Miguel – o pastor quase fez o filho engasgar.
- Fico honrada com suas palavras pastor Oliveira – disse Paula, recebendo um sorriso simples do pastor – Tenho certeza que e eu e Miguelzinho ser...
- Tenho certeza que não lhe faltarão pretendentes que se encantem com seus talentos diversos, Paula – disse Miguel no cúmulo do sacarmos.
- Não preciso de pretendentes, pois só me vejo casada com um rapaz da nossa igreja – ela foi insinuante.
- Desejo todas as bênçãos para você e o seu admirado – Miguel a cortou. – Aguardo o convite do casamento.
Paula ficou desconcertada.
O restante do almoço transcorreu em silêncio, mas o clima era pesado. O pastor não tirava os olhos de Miguel. Estudava cada movimento seu, tentando adivinhar seus pensamentos.
- Seu pai já te falou da novidade? – Paula se manifestou novamente. Miguel olhou para o pastor com interrogação nos olhos.
- Transferi nosso grupo de jovens para a primeira rodada de congressos. – explicou seu pai.
- Como assim? Nosso grupo sempre foi na rodada do segundo semestre. – questionou Miguel.
- Resolvi que era melhor antecipar a ida de vocês esse ano, por cautela, sinto que algumas ovelhas estão meio confusas. Algum problema em ir para o primeiro congresso jovem do ano?
- Não. Mas só acho que não havia necessidade disso...
- Eu sou o seu líder! Eu decido o que é melhor! Ou você prefere ir consultar a família Jadão? – vociferou o pastor Oliveira.
Todos na mesa ficaram assustados com a explosão do pastor.
- Vai ser muito bom esse congresso Miguel – Fernanda apertou a mão dele, olhando de forma reprovativa para o seu marido.
- Imagina passar três dias na companhia de jovens de toda parte do país, curtindo o louvor e adoração de várias bandas... – Paula falava sem parar, mas Miguel só conseguia se concentrar nos olhos assustadores de seu pai, que estavam fixos nele, como um leão a ponto de devorar uma presa.
A noite, como não tinha culto, ele foi deitar-se cedo. Nos últimos tempos, evitava um confronto com seu pai a todo custo. Era como se ele soubesse do seu relacionamento com Conrado, e quisesse o torturar psicologicamente até que ele se tornasse réu confesso. Miguel chorou um pouco, de bruços, com o rosto enterrado no travesseiro, que abafava seu soluço. O sono veio logo, acompanhado de sonhos confusos. Miguel sonhava com um cachorro lambendo seu pé, fazendo cócegas. E quanto mais ele chutava, mais o cachorro insistia com as lambidas.
- Para! – Miguel sacudia as pernas, rindo por conta das cócegas.
As lambidas foram subindo pela sua perna até o meio da coxa. Lá o cachorro começou a beijar. Beijar? Cachorro não beija!
Miguel acordou subitamente, caindo de cima da cama.
- Você se machucou? – perguntou alguém que o segurou na queda.
- Conrado?! – Miguel se assustou reconhecendo a voz.
- Xiiiiiiiii. Seu pai pode acordar – Conrado sussurrou.
- O que você tá fazendo...? Como você entrou...? – Miguel estava no colo dele.
- Eu não ia esperar até amanhã para ti ver – Conrado começou a beijar o pescoço de Miguel.
- Você é louco, sabia? – disse Miguel.
- Louquinho de pedra por você – Conrado começou a beijá-lo, ofegando muito.
- Como você conseguiu invadir o meu quarto?
- Eu sou alpinista, então não tive nem um trabalho de subir na sua janela, ainda bem que você não tranca ela. – ele sorriu baixinho. – Quando eu entrei me deparei com uma cena linda.
- O quê?
- Você deitado de bruços, de shortinho colado – Conrado alisou as costas dele.
- Você é um safado!
- E você tem umas pernas e uma bunda gostosas pra caralho – Conrado o beijou de forma bruta.
- Conrado, pelo amor de Deus vai embora – Miguel tentava sair do colo dele, mas era inútil.
- Ah, cordeirinho, relaxa – Conrado continuava a beijá-lo naturalmente. – Deu um trabalhão está aqui com você, não vai agora me fazer perder a noite?
- Alguém pode ter visto você entrando e ter chamado ligado para polícia.
- Ninguém, me viu cordeirinho... Ah, como você é macio – Conrado continuava acariciando ele e o beijando. Os dois dialogavam aos sussurros.
- Isso não vai dar certo – Miguel já estava quase cedendo.
- Tá tudo na boa – Conrado afagava o cabelo do outro. – O que pode dar errado?
- Miguel? Que barulho foi esse? Quem está aí com você? Abra essa porta! – o pastor Oliveira esmurrava a porta.
- Fudeu! – Conrado olhava para Miguel, assustado.
_______________________________________________________________________________________________________
Gente vamos esclarecer algumas coisas, que parece que o pessoal ainda está meio tonto com a volta de Asfalto, kkkkkkkk.
Quando resolvi sair da CDC, não foi apenas para publicar Asfalto em e-book, mas é porque eu recebia muitos e-mails que que me xingavam e diziam coisas horríveis ao meu respeito, puro ódio mesmo. Nunca entendi porque as pessoas têm esse tipo de reação, e olha que o conto era mais ou menos famoso. Creio que muitos autores da época deixaram de publicar e até removeram suas histórias pelos mesmos motivos, enfim.
NinhoSilva, claro que lembro de você. Você foi um dos poucos com quem eu conversava no MSN. Lembro de todas as nossas conversas. Tudinho mesmo. Queria voltar a conversar com você, pode ser por facebook. Me manda um e-mail para: jon_theo@hotmail.com.
S2Sonhador, Egeu foi o meu segundo conto publicado na casa, algum tempo depois de Asfalto.