Asfalto - Capítulo 09

Um conto erótico de Lord D.
Categoria: Homossexual
Contém 10394 palavras
Data: 08/01/2016 19:58:00

– Capítulo 09 –

O inferno

- Eu conto, ou você conta Miguelzinho? – Paula sorriu para ele.

Miguel engoliu seco. Sua vontade era gritar e dizer que amava Conrado e que nada ia separá-los, mas o medo é o maior inimigo do amor.

- Eu... Eu... – Miguel não conseguia dizer. – Eu e Paula estamos...

- Miguel me pediu em namoro pastor Oliveira! – Paula completou pulando de alegria.

- Mais que excelente notícia! – o pastor comemorava ao lado de Fernanda. – Você deveria ter conversado antes comigo Miguel.

- O que importa é que estamos juntos. – Paula foi buscá-lo pela mão do meio da escada.

– Estamos tão felizes – Paula beijou-o na bochecha.

Miguel sentia náuseas violentas. Queria limpar seu rosto com álcool para remover aquela nojeira impregnada em sua face. Depois de um sonho tão lindo ele estava mergulhando em um pesadelo tenebroso.

Durante o jantar, Miguel permaneceu em silêncio. Todos falavam muito sobre o novo casal. Os olhos do pastor pareciam soltar fogos. Miguel estava ali, amordaçado e ancorado pelo nojo de si mesmo, odiando-se por ter sido tão covarde. Não tinha forças para protestar naquela berlinda em que fora colocado. Seu semblante era frio, vazio e sem vida, mas no seu interior, acontecia uma violenta tempestade.

- Precisamos ir visitar os pais da Paula o quanto antes, para oficializarmos o pedido – disse o pastor para o filho.

- Vou pedir para a minha mãe preparar um jantar com toda pompa e circunstância. – Paula explodia de felicidade.

- Com licença? – Miguel se levantou da mesa enjoado.

- Aonde você vai Miguel? – perguntou seu pai.

- Vou me deitar, estou com muita dor de cabeça – Miguel apressou-se em sair.

- Vai deixar sua namorada sozinha? – o pastor insistiu.

- Não tem problema pastor – disse Paula. – Ele precisa descansar, não é Miguelzinho. Sem declarar nada, Miguel subiu para o seu quarto e desabou na sua cama, se entregando a um choro convulsivo. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Depois do momento lindo que vivera com Conrado no sítio, agora teria que passar por

aquilo? Seria a ira de Deus? Não queria crê, principalmente depois de todos os sinais que Ele lhe dera.

Antes de ir embora, Paula foi até o seu quarto para se despedir.

- Você fez a escolha certa – ela disse parada na soleira da porta.

Miguel fingiu não ouvir, ficando imóvel até a infeliz ir embora. Seus olhos estavam fixos no teto, mas o sentido da visão parecia estar desligado. Lágrimas quentes e lentas escorriam pelo seu rosto, provocando ardência nos olhos. A noite inteira foi um martírio.

Na segunda-feira, estava um caco. Muitas olheiras e vermelhidão nos olhos. Ele foi para o hospital sem tomar café. Estava desolado e acuado, sem ter a mínima ideia do que fazer. Pegou um ônibus para não ter que passar pelo ponto combinado com Conrado, pois ele o esperava religiosamente ali.

No Hospital Jadão, Miguel foi para o refeitório antes de ir para a oncologia infantil. Engoliu alguma coisa contra a vontade e ficou durante muito tempo absorto em seus pensamentos. Depois, decidiu que o melhor era ir para junto das crianças, seu refúgio.

Quando andava pelo corredor da oncologia, distraído, sentiu um puxão no seu braço.

- O que aconteceu? Por que você não foi para o nosso ponto combinado? – Conrado o olhava seriamente.

Miguel sentiu vontade de chorar.

- Conrado eu... A gente precisa conversar – Miguel balbuciou. – Eu tenho que te contar uma coisa.

- Miguelzinho! – Paula surgiu do inferno subitamente.

- O que você tá fazendo aqui? – Miguel falou secamente.

- Decidi fazer uma surpresa para o meu namoradinho – ela lhe roubou um beijo subitamente.

Conrado encheu os olhos de ódio diante da cena e arrancou Miguel de Paula abruptamente.

- Que merda essa! – Conrado estava a ponto de cometer um homicídio.

- Ficou maluco garoto – Paula se assustou com a atitude de Conrado. – Deve está com raiva porque agora não pode levar o Miguel para o mau caminho. E eu como sua namorada vou zelar pela integridade dele.

- Do que essa garota tá falando Miguel? – Conrado não tentava disfarçar. – Que brincadeira essa?

- É que...

- FALA PORRA!!! – Conrado apertava com violência o braço de Miguel. Sua vontade era quebrá-lo na pancada.

- Você é surdo rapaz? – Paula se intrometeu. – Eu e Miguel estamos namorando. NA- MO-RAN-DO.

- É verdade o que essa puta tá dizendo?! – Conrado olhou no fundo dos olhos de Miguel.

- Olha como você fala comigo – Paula se ofendeu.

- Garota vaza daqui, antes que eu te arraste pelos cabelos hospital á fora.

- Paula vai embora, por favor – Miguel pediu.

Ela hesitou um instante, até que concordou:

- Eu vou, mas mais tarde a gente vai conversar direitinho Miguelzinho – ela saiu de nariz em pé.

- Agora pelo amor de Deus me diz que isso mentira – Conrado suplicava.

- Vamos conversar em outro lugar.

- Não! Eu quero ouvir agora e aqui! Depois de tudo que aconteceu nesse final de semana, eu tenho direito a uma resposta imediata. – Conrado foi incisivo. – Então me responde sem enrolar: o que aquela garota disse é verdade?

- É... Mas...

Conrado não deixou Miguel concluir e saiu ensandecido.

- Conrado?! – Miguel tentou detê-lo inutilmente. – Me deixa explicar.

- Vai tomar no cu Miguel – Conrado ainda disse antes de desaparecer pelo corredor. Miguel não desistiu e saiu atrás dele. Os dois foram parar no estacionamento do hospital. Conrado socava o próprio carro com muita raiva, chorando revoltado.

- Conrado? – Miguel parou alguns metros dele, ficando de coração partido ao ver seu amor daquele jeito.

Conrado entrou no carro na tentativa de sair dali, e não ter que olhar mais para Miguel, mas o filho do pastor foi mais rápido, entrando também no carro, e ocupando o banco do carona. Miguel tomou a chave do enfurecido.

- O que você quer Miguel? A sessão de tortura ainda não acabou? Eu não quero...

Miguel o calou com um beijo ágil e devorador, sua boca colou na boca de Conrado, massacrando esta em movimentos intensos e sugadores.

- Para de agir como um garoto mimado! – Miguel o repreendeu, assim que encerrou o beijo. – Você acha que eu ia te trocar por aquela garota?

- Mas é que...

- Calado! – Miguel falou autoritário. – Você agora vai me escutar. Conrado baixou a crista, olhando para ele como um animal adestrado.

- Você pensa o que de mim, hein garoto? Eu não sou do tipo que brinca com sentimentos, e nem permito que façam isso comigo – Miguel falava com firmeza. – Não duvide do meu amor por você nunca. Nada e nem ninguém pode mudar o que eu sinto. Eu desafio até a morte a tentar por fim no nosso amor – Miguel chorava. – Eu te amo Conrado Lima Jadão, como nunca imaginei que poderia amar alguém.

- Mas é aqui aquela garota...

- Não existe garota nenhuma! Não seja burro, levando em consideração o que aquela tresloucada diz. Só existe você meu amor.

- Ah, meu cordeirinho – Conrado o abraçou, cheirando seu pescoço e deslizando seu nariz pela bochecha dele, até encontrar sua boca. – Você é minha vida. Te amo! Te amo! Te amo!

Os beijos ficaram intensos, e as mãos ousadas. Conrado travou as portas do carro, enquanto Miguel se apressava em tirar sua camisa. Os dois iam sentindo o gosto da pele um do outro, à medida que as peças de roupa iam deixando seus corpos. Conrado segurava firme no cabelo de Miguel, curvando sua cabeça para trás, deixando o pescoço dele a disposição da sua boca faminta. Miguel deslizava suas mãos vigorosamente pelas costas largas de Conrado, dando-lhe leves arranhões, o que excitava mais ainda o filho de Luciano.

- Eu quero sentir teu sabor, meu amor – Miguel gemia com as mordidas de seu namorado em seu peito, que se enchia de marcas dos chupões.

Conrado deu um sorriso de pura satisfação, descendo sua calça junto com a cueca até o tornozelo. Miguel também tirou a sua completamente, atirando todas as peças de roupa para o banco de trás do carro. Sem nenhum pudor, ele segurou firme na base do pau de Conrado e deu um chupão inicial bem forte, fazendo o outro quase arrombar o teto do carro de tanto prazer.

- Ahhhhhhhhhhhh, cordeirinho, você quer me matar mesmo? – Conrado segurou firme no cabelo de Miguel forçando a entrada de seu membro.

Miguel chupava de um jeito que deixava Conrado fora de si. Era suave no deslizar dos lábios, porem intenso no sugar, além das mordidinhas que alternava nas bolas dele.

- Ahhhhhhhhhhh, caralho! – Conrado gritou sentindo Miguel explorar ao máximo a sensibilidade de seu pênis. – Vou desmaiar de tanto tesão. Estou quase gozando.

Miguel olhou pra ele dando um sorrisinho safado e disse:

- Ainda não.

Ele parou o oral rapidamente, e com urgência sentou no colo de Conrado, defronte a ele, fazendo-se penetrado. Miguel mordia o lábio cada vez mais, à medida que sentia o membro do outro lhe invadir centímetro por centímetro.

- Como é bom está dentro de você Miguelzinho – Conrado inflava e esvaziava o peito intensamente, desfrutando do aperto de Miguel.

Miguel deslizava suas mãos pelo tórax de Conrado, esperando um tempo para o seu corpo se acostumar com o intruso. Aproximou sua boca da dele, mordendo o seu lábio inferior, enquanto se remexia lentamente. O interior do carro era uma verdadeira estufa. Os vidros embaçados testemunhavam todo o desejo que inflamava seus corpos. O suor emanado por ambos se misturavam no mesmo cheiro, grudando suas coxas que roçavam uma na outra, cada vez mais rápido.

Miguel acelerava seus movimentos sobre Conrado o deixando e ficando fora de si. Os dois se abraçavam trocando mordidas nas orelhas, pescoço e queixo, sincronizados na cavalgadura do sexo selvagem. Conrado ia cada vez mais fundo, apertando Miguel com força como se quisesse estar mais dentro dele, como se fosse possível. O gozo veio mais vulcânico que das outras vezes. As ondas de vibração se uniam no gemido final, explodindo em sensações únicas que sempre pareciam superar as anteriores.

- Meu Miguel... – Conrado gemia baixinho, tendo forças somente para reclinar o banco do carro.

- Meu Conrado... – Miguel, com o cabelo ensopado de suor assim como seu companheiro, recostava devagar sua cabeça no peito arfante do outro.

Os dois tremiam, sentindo as vibrações se irem.

- Por que aquela garota disse aquilo, e ainda por cima te beijou? – perguntou Conrado acariciando o cabelo de Miguel, já com o corpo acalmado.

- Ela nos viu fugindo do congresso, lembra?

- Aquela vadia está te chantageando?

- Sim.

- E você permitiu Miguel?

- Não exatamente – Miguel acariciava o peito de Conrado. – Resolvi me deixar levar pelo jogo dela para ganhar tempo, pelo menos até falarmos com seu pai. Mas aquele beijo foi por pura iniciativa dela, eu jamais tocaria meus lábios naquela desgraçada, mesmo sob sua chantagem e principalmente depois que ela se revelou quem era.

- Minha vontade era acabar com a raça dela – Conrado bateu com o punho no banco do carona.

- Não. No momento a gente tem que agir com cautela, meu amor – disse Miguel. – Meu pai não pode saber ainda, seria o Armagedom. Não estou preparado.

- Miguel, não importa qual seja a reação do teu pai, você vai estar comigo e ponto final

– Conrado foi incisivo.

- Eu sei meu amor, mas mesmo assim tenha um pouco de paciência e me deixa organizar minha vida direito.

- Como você quiser meu lindo – Conrado beijou sua cabeça.

- Agora vamos nos recompor e voltar para oncologia, nós estamos muito relapsos com o trabalho. – Miguel sorriu.

Os namorados se vestiram rapidamente e foram para o banheiro dá um jeito na aparência, que denunciava o que eles tinham feito.

- E como vai ficar você e aquela filha da puta? – perguntou Conrado não gostando nem um pouco dessa situação.

- Vamos deixar que ela pense que tudo está andando do seu jeito.

- Quer dizer que você vai continuar com essa palhaçada até meu pai e a Júlia saberem sobre a gente?

- Sim.

- Ótimo! – Conrado enxugou o rosto rapidamente e puxo Miguel pelo braço.

- Conrado o que você vai fazer? – Miguel ficou nervoso, sendo praticamente arrastado banheiro a fora.

Conrado o levava em silêncio, quase correndo pelos corredores.

- A oncologia infantil fica para o outro lado. – Miguel tentava pará-lo, mas era inútil.

No meio do caminho eles avistaram Paula, que ainda zanzava pelo hospital e que estava profundamente irritada com o desaparecimento do seu “namorado”.

- Miguel onde...

- Sai da frente!– Conrado a arremessou para o lado, sentindo prazer em vê-la despencar no chão como uma jaca madura.

- Miguelzinho! – Paula gritou.

Miguel apenas a olhou com uma cara de quem “eu não pude fazer nada”.

Conrado seguiu em direção à sala de seu pai, mais afoito do que nunca. Ele abriu a porta subitamente, assustando Júlia e Luciano que conversavam.

- Conrado será que você nunca aprende a bater na porta antes de entrar – Luciano o repreendeu.

- Tá pai, outro dia a gente discute sobre etiqueta e bons modos – Conrado estava impaciente.

- Mil desculpas gente – Miguel meio que se escondia atrás de Conrado, que o mantinha preso pela mão.

- O mal-educado aqui é meu filho, Miguel, não você – disse Luciano o tranquilizando.

- Mas a que devemos a honra da visita dos dois aqui há essa hora? – Júlia se manifestou.

- Bem, por mais que eu tente, não vou conseguir dizer isso de uma forma suave, então vou ser direto mesmo, aproveitando que os dois estão juntos.

- Você está me deixando preocupado Conrado, aprontou mais alguma coisa? – perguntou Luciano com receio.

- Eu e o Miguel estamos juntos – Conrado soltou de uma vez.

A sala ficou em silêncio. Luciano ficou sério diante da revelação, Miguel queria desaparecer e Júlia demonstrava tranquilidade.

- Juntos? – indagou Luciano.

- A gente se ama, e não há nada que o senhor e nem ninguém possa fazer para mudar isso. – Conrado falou com cem por cento de convicção. – E então, o que o senhor tem a dizer?

- Por que vocês demoraram tanto para se assumirem? – perguntou Júlia levantando-se com um sorriso, pronta para abraçá-los.

- Então você já sabia? – Miguel tremia, sem forças para retribuir o abraço da amiga.

- Tinha fortes suspeitas – Júlia beijou o seu rosto.

- Então tudo bem pra você? – perguntou Miguel.

- Vocês não devem se preocupar com ninguém. Tem que está tudo bem para vocês e não para os outros. Mas, eu confesso que estou muito feliz pelo casal – Júlia estendeu seu carinho para Conrado, beijando sua face também.

- Valeu Júlia – Conrado ficou desconcertado. – Eu sempre fui injusto com você, mas no fundo sempre soube que meu pai havia feito à escolha certa. Você é incrível!

Os três se abraçaram coletivamente. Luciano permanecia em silêncio, refletindo cautelosamente sobre tudo isso.

- Não vai falar nada seu Luciano? – perguntou Conrado.

- Júlia e Miguel, vocês podem me deixar a sós com o Conrado? – ele pediu bem sério.

- Claro! – os dois assentiram deixando a sala.

- Sente-se Conrado – Luciano apontou a cadeira.

- O senhor sabe que nada vai mudar o que foi dito aqui, não sabe? – Conrado foi claro.

- Pode baixar à guarda por um momento?

Conrado baixou levemente a cabeça, sinalizando um sim tímido.

- Eu confesso que estou em choque. Nunca imaginei que você fosse gay. – declarou Luciano.

- Pai, eu me apaixonei pelo Miguel – Conrado devolveu. – Eu não sei como isso aconteceu, mas aconteceu.

Luciano fez uma longa pausa deixando seu filho aflito. Então quebrou o silêncio:

- Quando sua mãe me disse que estava grávida de você, eu lembro que entrei em êxtase. Era tanta felicidade que não sabia onde guardar. Eu estava apavorado por não saber como ser pai, mas ao mesmo tempo afirmava para mim mesmo que aprenderia e seria o melhor para você. Abraçado a barriga de Clarice, eu fiz uma promessa, de que protegeria meu filho de todo o perigo, que lhe daria proteção, que estaria ao seu lado o segurando nos primeiros passos, levantando-o nas quedas de bicicleta, velando seu sono quando doente, enfim, eu prometi te amar acima de qualquer coisa e lutar por sua felicidade custasse o que custasse. Quase morri de tanta felicidade quando você balbuciou “eu te amo papai” – Luciano falava com a voz embargada de emoção. – Quando o vi me deixar, assim que sua mãe morreu, eu fui destroçado violentamente por dento. Aceitar a ideia de ter meu filho contra mim, meu amado filho, era uma dor indescritível. Todas as noites, eu ia ao seu quarto olhá-lo enquanto dormia; fazer um carinho no seu rosto e beijá-lo. Conrado, você não tem ideia da alegria imensa que senti, ao vê-lo sendo resgatado aos poucos, por essa criatura fora do comum chamada Miguel. Você não pode imaginar o que eu senti quando vi o brilho pueril e doce retornar aos seus olhos, e quando estes já não mais miravam em direção a mim, cheios de acusação e revolta. Se o Miguel te faz feliz, o que eu posso dizer? Você sabe que eu sempre tive a mente muito aberta em relação a essas coisas, mas a experiência é sempre bem diferente do discurso. Por isso peço apenas, que me dê tempo para eu me acostumar. Quanto ao resto, só tenho algo a lhe dizer: agarre essa felicidade e não a deixe escapar. E saiba que o seu pai estará ao seu lado te apoiando diante de qualquer adversidade, por que “você é meu amado...”.

-“... Meu príncipe Conrado” – Conrado concluiu a frase junto com seu pai. Ele sempre lhe dizia isso, como um bordão, depois do beijo de boa noite que dava no filho quando ele era criança. Os dois se agarraram em um abraço apertado, cheio de saudades, de amor repreendido. As acusações, os medos e as culpas, eram coisas passadas.

- Como eu esperei por isso meu filho – Luciano botava todo o choro para fora.

- Eu te amo pai – Conrado soluçava no seu ombro.

- Eu também meu filho.

Nem mais uma palavra precisava ser dita. Pai e filho se reencontravam novamente, dispostos a recomeçarem de onde haviam parado. O tempo cura tudo? Não. O amor cura tudo. Se isso é clichê, bem, o que importa? Pois tudo o que vejo são apenas sombras. Só o amor é real.

***

- Não precisa ficar nervoso desse jeito, Miguel – disse Júlia tranquilizando o rapaz. Miguel sorriu timidamente, dizendo:

- Você acha que o doutor Luciano vai ficar contra a gente?

- Não – Júlia respondeu. – Sabe Miguel, eu e Luciano, diferente da maioria das pessoas, temos a mente muito aberta, e uma visão ampla do mundo, livre de qualquer interferência religiosa ou “moralista”.

- Eu tenho medo que ele pense que eu estou com seu filho por algum interesse financeiro – Miguel falava baixinho.

- De forma alguma! Jamais pensaríamos isso de você. – Júlia pousou sua mão sobre o ombro dele. – Eu sei que o que há entre vocês é um sentimento sublime.

- Engraçado – Miguel esboçou um sorriso bobo. – Eu não percebi quando comecei a gostar do Conrado. De repente me vi envolvido em um sentimento tão profundo e intenso, que eu não podia acreditar que não fosse de ordem divina. Mas até chegar a essa certeza, eu passei por um mar de medo e remorsos.

- Eu imagino. – declarou Júlia. – Lembra que conversámos sobre as traduções bíblicas?

- Lembro.

- Então, eu já tinha algumas suspeitas, por isso tentei clarear sua mente. – revelou Júlia.

- Obrigado minha querida. – Miguel a abraçou. – Você tem sido uma amiga incrível.

- Você é que é maravilhoso – Júlia retribuiu o abraço. – Já te falei que queria que fosse meu filho?

- Sim. – Miguel derramou uma lágrima. – Seria uma honra pra mim. Os dois se apertavam, no aconchego do abraço.

Conrado saiu da sala, abraçado com seu pai, para a feliz surpresa de Júlia e Miguel.

- Tudo resolvido – disse Luciano. – Agora quero conversar com todos vocês.

Os quatro se reuniram na sala do doutor.

- Miguel, por mais que eu tente, não vou conseguir agradecer você por tudo o que fez pelo meu Conrado – começou Luciano. – Eu prometo me esforçar, para ajudar meus dois filhos no que for preciso.

- Então, o senhor não ver nem um problema no nosso relacionamento?

- Claro que não! Só preciso me acostumar – Luciano sorriu. – No amor, a sexualidade é apenas um detalhe ínfimo, pois a essência do sentimento está no encontro de duas almas que se buscavam.

- É exatamente assim que eu penso. – disse Conrado, apertando a mão de Miguel. – Quando olho para o Miguel, para o nosso relacionamento, vejo mais do que dois homens juntos, vejo duas pessoas que se amam se entregando totalmente uma para outra. Tenho vontade de não sair do seu lado, de ser tudo o que ele precisar que eu seja

– Conrado o encarava no fundo dos olhos.

- Meu Deus, depois disso eu não sei nem o que dizer. – Miguel estava extremamente corado.

- Não precisa dizer nada. – declarou Conrado. – Isso é mais do que suficiente. – ele puxou Miguel pela nuca subitamente e beijou-lhe sem nenhum receio, engolindo a boca do outro com se fosse seu último beijo.

- Conrado! – Miguel o empurrou de leve. – Seu pai e a Júlia estão nos vendo.

- Se eles não quiserem olhar é só fechar os olhos. – Conrado procurou a boca de Miguel novamente, mas ele virou o rosto.

- Se o problema somos nós, podemos resolver imediatamente. – Júlia sentou no colo de Luciano e o beijou, calmamente.

- Viu? – Conrado forçou Miguel sentar no seu colo. – Se os coroas podem a gente também pode. – e dá-lhe mais beijo.

Os quatro ainda conversaram bastante. Conrado contou a seu pai sobre Miguel e sua mãe, dando ênfase aos pingentes recebidos por ambos. Luciano ficou impressionado com a coincidência, e muito comovido por Miguel ter estado ao lado de Clarice num momento tão difícil, além de lutar para que seu filho se reconciliasse com ele.

Depois do momento família, Júlia e Luciano foram atender seus pacientes, enquanto Miguel e Conrado seguiram para oncologia infantil. As crianças absorveram o excelente estado de humor dos dois. Conrado as divertia com suas palhaçadas, Miguel as comovia com suas músicas e suas histórias, sempre com uma lição a aprender. O dia estava lindo. Tudo estava dando certo. E o amor dos dois era reafirmado solidificado a cada segundo.

- Vamos passar à tarde comigo? – pediu Conrado, dirigindo a caminho da casa de Miguel.

- Eu tenho estudo da Bíblia hoje – disse Miguel. – Seria uma atitude suicida faltar. O pastor estar marcando pesado comigo.

- Então vou ficar abandonado, feito um cão sem dono? – Conrado fez um biquinho.

- Não minha “fofura”. – Miguel apertou suas bochechas. – Eu vou estar aqui. – ele tocou no peito de Conrado. – E você aqui. – Miguel tocou no seu próprio peito. – Não tem mais como a gente ficar longe um do outro. É um caminho sem volta.

- É um caminho que quero seguir sem olhar para trás. – Conrado estacionou no ponto, beijando seu cordeirinho delicadamente. – Já ia me esquecendo, tenho uma coisa pra você.

- O quê? – perguntou Miguel cheio de curiosidade.

Conrado retirou de sua bolsa uma caixinha em forma de cubo, embrulhada em um papel verde.

- Um presentinho para poder ouvir sua voz sempre que tiver saudade, o que é a todo o momento. – Conrado entregou o presente para Miguel.

O presenteado desembrulhou mais do que depressa a caixa. Conrado havia comprado um celular bem tecnológico para o namorado.

- Nossa, Conrado, isso deve ter custado uma fortuna! – Miguel explorava o aparelho.

- Imagina! – disse Conrado. – Já registrei o meu número na agenda dele.

- Você é um maluquinho, sabia? – Miguel o encheu de beijinhos.

- Sabia. – Conrado lhe deu um beijo demorado, finalizando com selinhos.

- Preciso ir – Miguel guardou o presente na bolsa.

- Janta lá em casa hoje à noite?

- Eu não sei...

- Por favor, por favor, por favor...

- Tá garoto! Eu vou ver o que posso fazer. – Miguel lhe deu um último beijo e saltou do carro, levando um tapa firme na bunda.

- Delícia! – Conrado mordeu o lábio inferior, dando um sorrisinho malicioso.

- Tchau seu tarado – Miguel sorriu pra ele.

- Tchau minha vida. – Conrado deu a volta e fez o caminho inverso.

Na casa de Miguel, o pastor e Fernanda terminavam de almoçar. O clima parecia estar relativamente pacífico.

- Olá pessoal – Miguel seguiu para o seu quarto.

- Paula veio hoje aqui – o pastor Oliveira interrompeu a ida de Miguel. – O jantar está marcado pra essa noite

- Jantar? Que jantar? – disse Miguel sem entender.

- Ora, que pergunta! O jantar em que você irá pedir a mão da Paula para os pais. E assim oficializar o compromisso.

- É. Ela é a namorada que eu escolhi pra mim, ou melhor, que o senhor escolheu. – Miguel foi ácido.

- Eu não estou entendo você, Miguel – o pastor se levantou. – Os dois não firmaram namoro diante de nós?

- Eu estou cansado e vou deitar um pouco.

- Espere. Eu ainda não terminei. – disse o pastor.

- Mas eu já. – Miguel subiu para o quarto, tendo o pastor logo atrás.

- Você não está pensando em desistir do compromisso, está? – o pastor seguiu o filho até o quarto.

- E seu desistisse? E se estivesse gostando de outra pessoa, o senhor me apoiaria? – Miguel buscava Luciano Jadão em seu pai.

- Obviamente que não! – o pastor foi mordaz. – Paula é a pessoa certa para você. Não consigo imaginar uma pessoa melhor. Ela é uma moça virtuosa e que segue as leis de Deus.

- E como segue – Miguel foi irônico.

- O fato é que não vou permitir que você aja movido por algum impulso sujo, por isso esteja pronto ás 19:00 horas. – o pastor deixou o quarto.

Miguel se atirou na cama com a cabeça a ponto de explodir. A dor se espalhava em fisgadas. Pegou o celular novo e ligou para Conrado.

- Oi meu amor eu já ia te ligar, mas já que você se adiantou... – disse Conrado.

- Eu aceito jantar na sua casa – falou Miguel.

- Serio? – Conrado comemorou. – Mas e o pastor?

- Ele é problema meu – respondeu Miguel. – Esteja apenas à minha espera, ás 19h30min, no endereço que vou te passar – Miguel indicou o endereço da casa de Paula.

- Mas por que nesse endereço? – perguntou Conrado.

- Depois eu explico, só faz o que eu estou te pedindo – disse Miguel.

- Tudo bem meu lindo, eu vou estar à sua espera.

Ás 19:00 horas, Miguel estava pronto assim como seu pai ordenara. Ele estava muito bem vestido, alinhado como um lorde inglês. Até exagerado para a ocasião.

O pastor lhe olhou com satisfação, ao ver seu capricho na aparência.

- Vamos? – Miguel disse.

- Muito bem – o pastor ensaiou um sorriso, dando seu braço para Fernanda. O casal também estava muito bem vestido.

Paula era filha única e morava somente com seus pais. A casa da família estava elegantemente decorada com arranjos de freesias. Os pais e a filha esperavam a família do pastor no mais alto de sua elegância.

- Boa noite! – o pai de Paula os recebeu calorosamente.

- Boa noite Armando, Cecília – o pastor e sua família cumprimentava a família da moça.

- Miguelzinho! – Paula o abraçou.

- Vamos nos sentar – Armando apontou para o sofá.

Uma conversa chata começou a circular. Miguel revirava os olhos cheios de impaciência, contando os minutos para aquilo acabar.

- O jantar vai ser servido – Cecília, mãe de Paula, anunciou, convidando todos a se sentarem á mesa.

- Agora é com você Miguel – o pastor Oliveira olhou pra o seu filho. Paula estava entrando erupção.

- Bem, eu vou ser bem direto – Miguel sorriu para Paula. – Eu queria dizer para você Paula e para os seus pais, que eu nunca conheci uma pessoa tão...

Paula estava explodindo. Todos acompanhavam a fala de Miguel com um sorriso no rosto.

- Mentirosa, chantagista, falsa e cretina como você – Miguel fechou o sorriso.

- Você ficou maluco, Miguel! – o pastor vociferou.

- Fiquei sim! Quando concordei com essa palhaçada.

- Você sabe quais são as consequências dessa atitude não sabe Miguelzinho? – Paula desferiu um olhar cheio de ódio, enquanto seus pais emboçavam indignação.

- Por acaso você vai contar que eu não assisti o congresso? Que saí com Conrado Lima Jadão?

- O que você disse? – o pastor bateu com força na mesa.

- Não é o que eu disse pai, é o que eu vou dizer. – Miguel se levantou. – Essa moça que o senhor deseja ver ao meu lado, me chantageou, forçando esse namoro. Se recusasse, ela contaria o que eu fiz, mas agora acabou não é Paula?

- Eu fiz isso por amor, Miguel! – Paula começou a chorar.

- Chega Paula! – o pai dela gritou. – Nunca pensei que passaria por uma humilhação dessas na minha casa.

- Por mim a tortura termina aqui – Miguel deixou a casa.

- Volte aqui Miguel! – o pastor se esgoelava.

Miguel correu ao encontro de Conrado que o esperava do lado de fora, como combinado. No caminho para a mansão, Miguel contou tudo para o namorado, que quase soltou fogos de alegria pelo ocorrido.

- Cordeirinho corajoso, colocou a vadia no lugar dela – sorria Conrado.

- Estou de alma lavada – Miguel sentiu-se aliviado, sem nem pensar nas consequências que viriam.

Luciano e Júlia o receberam com muita alegria na mansão. Os quatro ainda conversaram por algum tempo até o jantar ser servido.

- Toda essa produção, é para jantar conosco Miguelzinho? – Luciano observou os trajes do rapaz.

- O cordeirinho extravasou – gargalhou Conrado.

- Como assim? Cordeirinho? – Luciano sorriu.

- É um apelido carinhoso – disse Conrado sorrindo.

Miguel relatou tudo, desde a chantagem até o desfecho final no jantar, que não aconteceu.

- Que a garota mais sacana! – exclamou Júlia revoltada, ao ouvir Miguel.

- E seu pai ainda apoiava essa loucura? – indagou Luciano.

- Sim! – Miguel respondeu constrangido. – É por isso que tenho que resolver minha vida o quanto antes, a reação dele, quando souber sobre nós, vai ser devastadora.

- Você não está sozinho nessa empreitada Miguel – Luciano falou com firmeza.

- Não mesmo!– Conrado apertou a mão do namorado.

Miguel falou sobre a possibilidade do emprego. Luciano aceitou imediatamente.

O jantar correu bem descontraído. Conrado e Miguel subiram para o quarto, para ficarem mais a vontade. Fizeram amor com muita intensidade e desejo, comemorando cada passo conquistado.

- Ainda não esqueci aquela história da mulher da foto – disse Miguel. Ele estava de bruços, com Conrado deitado sobre seu corpo, ambos pelados, apenas usando a correntinha que ganharam de Clarice.

- Eu vou te ajudar nisso – prometeu Conrado. – Aqui em casa tem um quarto, onde estão todas as coisas da minha mãe, talvez tenha algo que possa nos esclarecer sobre essa mulher.

- Eu amo você, já disse isso hoje? – Miguel sorriu.

- Disse, enquanto gemia no meu ouvidinho, sentindo todo o meu amor e a potência do Júnior – Conrado mordeu a orelha de Miguel.

- Safado! – Miguel girou sua mão para trás dando um tapa na bunda nua de Conrado.

Os dois transaram novamente, depois foram para um banho cheio de carícias e brincadeirinhas.

Conrado levou Miguel de volta para casa, e quando ia parar no ponto, Miguel disse:

- Quero ser levado até a porta da minha casa.

- Tem certeza?

- Absoluta.

Conrado, contente, aproximou o carro da casa de Miguel e parou. Os dois se beijaram durante alguns minutos e se despediram.

- Qualquer coisa me liga, não hesite – disse Conrado, assim que Miguel saiu do carro.

- Pode deixar. – garantiu o filho do pastor.

O pai de Miguel observava tudo pela janela da sala. Não vira o beijo, mas vira quem era o motorista do carro.

Miguel entrou em casa muito feliz, murmurando uma música. A sala estava pouco iluminada.

- A noite foi boa Miguel? – o pastor Oliveira surgiu da escuridão.

- Pai eu...

O pastor calou a boca do filho dando-lhe um tapa violento, fazendo o mesmo ir direto ao chão, com o canto da boca sangrando.

- Olha o que você me obriga a fazer?! – o pastor gritou.

Miguel soluçava baixinho, assustado com a brutalidade do pai.

- O que você quer da vida garoto? – o pastor Oliveira continuou. – Como você pôde fugir do congresso, para ir sabe se lá Deus aonde, com aquele delinquente? Eu não reconheço mais você Miguel. Esse condenado estar arrastando você para um abismo sem volta, está apagando cada virtude e princípio gravado no seu coração.

- O senhor não sabe o que diz. – Miguel parecia um animalzinho assustado.

- Então me esclareça! Por que ele? O que você viu nesse rapaz? Que tipo de ganho essa associação pode trazer para você? Será que não percebe que ele é um enviado do diabo com o objetivo de desviar você da retidão? Veja o que você está fazendo: deixando de lado as coisas de Deus, agindo com um delinquente, sem contar a humilhação e constrangimento que nos fez passar na casa dos pais de Paula. Isso é inconcebível! É um escândalo!

- O senhor não levou nem em conta o que aquela falsa cristã e chantagista fez?

- Ela queria o seu bem!

- Ela não passa de uma porca! – Miguel gritou.

O pastor ergueu a mão novamente se aproximando do filho como uma pantera faminta.

- Não faça isso Antônio! – Fernanda interveio, descendo pelas escadas rapidamente, e se pondo entre o pastor e Miguel. – Eu não vou permitir que você o machuque mais do que já fez.

- Disse para você não se meter nessa história Fernanda! – O pastor estava irado.

- E eu não prometi a você que faria – ela protegia Miguel.

- Obrigado Fernanda – Miguel segurava com firmeza em sua mão, olhando para o pastor com muito medo.

- Vamos querido. – Fernando o levou o para o quarto, tendo o pastor logo atrás.

Miguel foi conduzido até sua cama carinhosamente, pela madrasta. O pastor ficou encarando da soleira da porta, o filho e a esposa. Fernanda limpou o pequeno ferimento no canto de sua boca, retirou seus sapatos e o cobriu com a dedicação de uma mãe.

No momento mais inoportuno, o celular de Miguel começou a tocar dentro do seu bolso. Ele ficou petrificado, pois só poderia ser uma pessoa.

- Vamos dormir, é o melhor que podemos fazer. – Fernanda tentou tirar o marido do quarto, mas foi empurrada de lado.

O pastor Oliveira veio na direção de Miguel, à procura do aparelho.

- O que você está fazendo? – Miguel tentou se esquivar, em vão.

O pastor enfiou a mão no bolso do filho e arrancou o celular de dentro. O visor mostrava o último nome que o pai de Miguel queria ver: Conrado.

- Que celular é esse? Por acaso foi de algum assalto?

- Você não tem esse direito – Miguel protestou. – Isso foi um presente, me devolva, por favor.

- Antônio. – Fernanda temia o que poderia vir. O pastor Oliveira arremessou o celular com força na parede deixando-o em pedaços.

- Você não podia ter feito isso! – Miguel chorava, tentando juntar as partes, mas o pastor colheu a bateria, que estava próxima dos seus pés, e guardou no bolso.

- Acabou hospital, acabou Conrado, acabou maldita família Jadão! – o pastor cuspia fogo. – Eu estou pondo um fim nessa sua vida improfícua, você vai me obedecer nem que seja a ferro e fogo! Você não sai mais daqui sem minha autorização!

- Vai me fazer seu prisioneiro? Eu não sou mais uma criancinha! Eu vou...

- Você não vai nada Miguel! – o pastor o calou.

Miguel se odiava por perceber que ainda não possuía força o suficiente para combater o seu pai. Ao lado de Conrado as coisas pareciam tão mais fáceis, ele se sentia tão mais decidido, mas ali, sozinho, percebia que era fraco. Como se odiava por isso.

- Se você tem interesse em saber alguma coisa sobre sua mãe, então eu sugiro que pense muito bem no que vai fazer daqui pra frente. – o pastor deu seu golpe final, atando Miguel completamente.

O pai de Miguel e Fernanda saíram do quarto.

- Você é cruel Antônio – Fernanda declarou para o marido, já os dois do lado de fora do quarto.

- Eu sei o que estou fazendo – o pastor deu as costas para a esposa.

Miguel começou a chutar as coisas do quarto, se jogando por fim no chão. O choro vinha sufocante. Sua cabeça latejava com dores lancinantes, ele estava tonto e com os olhos ardendo. As lágrimas despencavam em tempestade. Em meio à bagunça, seus olhos encontraram a foto da mulher grávida, seu sorriso acalmava Miguel. Ele pegou a foto e apertou contra seu peito, encolhendo os joelhos até a barriga, ficando na posição de feto. A noite foi lenta, e cheia de fantasmas. Miguel estava mais confuso do que nunca. Por um momento, tanta adversidade o fazia pensar que talvez o caminho que estava seguindo não era mesmo o correto.

No outro dia, Miguel acordou com o despertador alarmando 07 horas. O corpo dele estava todo dolorido, pois dormira no chão. O lado do rosto que recebera a bofetada estava bem vermelho e inchado. Sua mente turva, não lhe permitia pensar em nada com clareza. Sua cabeça estava um caos.

No despertador, havia um papel fixado com o seguinte escrito: “Desça em 15 minutos”. Miguel tomou um banho, vestiu-se e desceu. Na sala, seu pai conversava alguma coisa com Fernanda em voz baixa. Os dois interromperam a conversa, assim que avistaram Miguel se aproximando. O pastor acompanhou cada passo do rapaz.

- Você pode disfarçar o machucado no meu rosto, Fernanda? – pediu Miguel, sentando- se a mesa.

- Claro querido – Fernanda abriu a bolsa e retirou um kit de maquiagem, escolhendo um corretivo.

A madrasta, habilmente, disfarçou o inchado e a marca da mão pesada do pastor Oliveira.

- Tudo o que eu fiz, foi para o seu bem. – disse o pastor.

Miguel ficou em silêncio. Quando Fernanda terminou, ele tomou seu café de cabeça baixa. Ele estava com o espírito esmagado, desnorteado, parado diante de uma encruzilhada.

O pastor o levou para a evangelização. Durante todo o dia estiveram no serviço teocrático. Miguel era sempre vazio e monossilábico nas palavras.

Conrado quase enlouqueceu durante todo o dia. Estava desesperado porque o celular de Miguel nem chamava. Fora até a casa do pastor várias vezes, mas a mesma sempre se encontrava sem ninguém. Na última ida, uma vizinha informou que a família havia saído bem cedo pela manhã. Sua preocupação aumentou, pois não fazia sentido Miguel não ter lhe avisado de nada. Voltou para casa muito triste. Luciano e Júlia tentaram lhe acalmar, mas ele não ia ficar em paz até ver Miguel, e certificar-se de que ele estava bem. “E se o pastor tivesse descoberto tudo, e mandado seu amor para longe dele?”, pensava Conrado. Não. Ele tinha que ver Miguel logo, não podia esperar mais.

Já era noite quando Conrado decidiu que iria novamente à casa do pastor. Vestiu-se rapidamente, pegou o carro e saiu em disparada. A residência permanecia fechada e com as luzes apagadas, mas a igreja estava aberta e com alguns veículos estacionados. Um hino de louvor ecoava de lá de dentro. Conrado se apressou em entrar no templo. Correu os olhos pela assistência, até que avistou uns cabelos dourados com cachos a crescerem. Miguel estava acomodado na metade das fileiras. O cântico terminou e a oração inicial começou a ser proferida. Todos estavam de olhos fechados, quando Conrado se aproximou de Miguel e apertou sua mão com firmeza. Miguel reconheceu aquele toque e aquele calor.

- Conrado? – ele sussurrou.

Conrado o puxou sutilmente para fora da igreja.

- Cordeirinho fujão. – Conrado falou para Miguel, assim que saíram.

- Desculpe-me, por ter sumido assim.

- Aconteceu alguma coisa?

- Muitas, mas esse não é local para conversamos.

- Eu não aguento ficar mais nem um segundo longe de você – Conrado ainda se atreveu a lhe dar um beijo.

- Nem eu, mas é melhor que você vá para casa – disse Miguel. – Amanhã nos falamos.

- Você está bem?

- Ao seu lado, eu sempre estou bem – respondeu Miguel com um sorriso. – Mas eu peço que vá. Amanhã te explico tudo, por favor.

- Tudo bem. Eu confio em você – Conrado apertou mais a mão do outro. – Não esquece que eu te amo, e que nós estamos juntos nessa.

- Pode deixar. – Miguel sorriu sem forças.

Conrado foi embora, e Miguel voltou para dentro antes do Amém.

O discurso do pastor foi direcionado a Miguel. Ele falava nos perigos das más- companhias. Seus olhos estavam fixos no filho.

Ao término do culto, quando a família do pastor caminhava para a casa, Miguel viu algo que o impactou: “Não existe pecado no amor, pois Deus é amor”, estava grafitado em um muro, sob o desenho de um coração. Ele sentiu uma luz ascender dentro de si, como se o próprio Deus apontasse uma direção na encruzilhada.

Miguel pensou muito durante a noite. Admirou as fotos que tirara com Conrado, lembrando-se com carinho de cada momento incrível ao lado do amor da sua vida. Mas sonhou sento afagado por ela, a mulher da foto, deitados os dois em um jardim, em uma manhã de primavera.

Pela manhã, Miguel estava sereno, resolvendo ter uma conversa franca com o pai.

- Eu sei que o senhor quer o meu bem, apesar de seus métodos dizerem o contrário. – começou Miguel, assim que se sentou à mesa para tomar café.

- Eu não quero discutir durante o desjejum. – o pastor falou seriamente.

- Muito menos eu – disse Miguel. – Mas, o senhor vai ter que me ouvir, pois é isso que eu tenho feito sempre.

O pastor e Fernanda ficaram a olhá-lo.

- Tudo o que o senhor disse sobre o Conrado é verdade.

- Finalmente você acordou, e percebeu que essa amizade é um erro catastrófico – interrompeu o pastor.

- Espere! Eu ainda não terminei – Miguel falou com firmeza. – Conrado já foi tudo aquilo, mas não é mais. Ele mudou de uma forma tão espetacular, que é impossível não associar sua mudança a um milagre divino.

- Milagre? Isso é demais para mim. – o pastor bateu o punho na mesa.

- Milagre sim. Também, esperança, fé, crença no amor. – Miguel era firme. – Se o senhor o conhecesse agora, perceberia que estou falando a verdade.

- Não tenho a menor pretensão de conhecê-lo. E se ele mudou que Deus fique ao seu lado, mas você não é Deus, Miguel, e por isso não vai mais ver esse rapaz.

- Eu mudei também.

- Isso é nítido – o pastor rebateu.

- Não vejo mais as coisas apenas por um ponto de vista. Meus horizontes estão mais amplos do que nunca. Eu aprendi uma importantíssima lição: não existe religião, lei, doutrina, filosofia, saber, enfim, nada que seja maior do que o amor. Não há falha nem pecado no amor, porque Deus é amor.

- Eu acho que não fui claro ontem à noite Miguel. – o pastor tentou se impor.

- Eu é que não fui meu pai – Miguel se posicionou. – Uma coisa que não quero é romper com nossa família, mas não vou fazer o que me ordenou. Conrado é... – Miguel ainda hesitou. – Muito importante para mim. Meu trabalho com as crianças é essencial na minha vida, e a minha relação em si com a família Jadão foi muito importante para o meu amadurecimento. Eu sinto muito papai, mas o senhor não criou um robô. Quanto, a saber, sobre a minha mãe, eu confio em Deus, pois sei que ele não é injusto, não é verdade?

O pastor não acreditava no que ouvira. Estava paralisado diante de tanta convicção e mudança. Miguel permanecia sereno, falando com a placidez de um pombo.

- Bom trabalho para vocês, pois tenho certeza que para mim será. – Miguel pegou sua bolsa e saiu calmamente pela porta.

- Aonde você pensa que vai Miguel? Volte aqui! Eu estou mandando! Você está proibido de ir para junto daquela gente! MIGUEL!!! – o pastor gritava inutilmente.

Miguel sentia um alívio maravilhoso, não dando ouvido aos protestos de sue pai. Caminhando em direção ao ponto onde estava Conrado a lhe esperar, ele admirava a foto da grávida, e retribuía o sorriso.

Chegando ao ponto, ele abraçou Conrado calorosamente lhe beijando com vontade no meio da rua. Pouco importava se alguém os visse. Ele queria se acostumar a expor o seu amor. Péssima decisão.

De longe, Michele os observava. Ela estava paralisada com a cena. Maria, que estava ao seu lado, não perdeu tempo e fotografou tudo com o celular, com os olhos arregalados ante aquele beijo. Elas não podiam acreditar no que viam. Conrado era gay? Impossível! Os dois sempre estiveram juntos. Seus olhos não criam no que viam. Michele não ia aceitar, e precisava fazer algo urgente a respeito.

- O que significa aquilo? – Michele perguntou indignada.

- Um beijo, né amiga? – Maria respondeu. – Aliás, um beijão. Olha o Conrado, tá quase engolindo o “crentinho”. Quem diria que no final das contas ele era viado. Ah, que desperdício.

- Ah, eu vou acabar com essa palhaçada agora mesmo – Michele tentou ir até onde os dois estavam, mas Maria a segurou.

- Pirou foi?

- Me larga Maria! – Michele puxou o braço de supetão, mas era tarde demais, os dois já haviam entrado no carro e ido embora. – Viu o que você fez? Agora eles escaparam.

- Deixa de ser burra garota – Maria deu-lhe um tapa no ombro. – A gente tem ouro 24 quilates – Maria balançou o celular com as fotos. – E você dando chilique de traída.

- Sabia que foi por causa daquele viado safado que o Pezão e o Azeitona foram presos? Pior. Se não fosse por ele o Azeitona ainda estava vivo – disse Michele com muito ódio.

- Ah, que se dane o Azeitona – disse Maria com indiferença.

- Você não sente nada pela morte dele? Pelo fim da nossa turma?

- Ah, Michele, você é muito sentimental – Maria deu de ombros. – Acabou como tudo na vida. Que o diabo receba o Azeitona, e que a gente se dê muito bem com essas fotos.

- Você pode até ter se conformado, mas não eu – disse Michele decidida. – O Conrado deve tá comendo ele, por curiosidade, nada, além disso. Eu vou provar que ele é ainda o mesmo, o meu Demolidor.

Maria revirou os olhos com impaciência e disse:

- Quando você cair na real, me avisa tá? Aí a gente decide como vai tirar vantagem dessas belezuras – ela repassava as fotos. – Ele pode até estar só comendo, mas tá comendo com muito romance, olha o jeito que ele abraça o crentinho? – Maria mostrou a foto para Michele.

- Argh! – ela quase vomitou, virando o rosto para o lado.

As duas foram embora dali. Elas estavam no Gol preto de Maria. Antes de irem para o Hospital Jadão, Conrado levou Miguel para os Pilares de Deus, de onde podia se ver a alvorada e o pôr-do-sol mais lindo da região. O lugar estava repleto de lembranças maravilhosas. Fora ali que o amor dos dois começara a se firmar.

- Pensei que não ia nunca mais me trazer aqui – disse Miguel, assim que os dois subiram para o topo.

Sem perder tempo Conrado arrancou toda a sua roupa em questão de segundos. Miguel olhando para o horizonte nem percebeu que seu namorado expunha toda a sua luxúria. Conrado o agarrou por trás firme.

- Conrado, você está pelado?! – Miguel se assustou sentindo o pau do outro roçar sua bunda por cima da calça.

- Agora só falta você – Conrado começou a desabotoar a camisa de Miguel.

- Você quer fazer amor aqui? – Miguel se soltou dele.

- Consegue imaginar cenário mais bonito para isso? – Conrado abria os braços.

- Mas, e se aparecer alguém?

- Vai testemunhar a cena mais linda desse mundo.

Miguel ficou pensativo, encarando o corpo atlético e nu de Conrado. Seus olhos estacionaram na píton branco-rosada, que estava erguida no máximo da sua potência.

- Acho que não dar pra dizer não, né? – o corpo de Conrado era bem convincente.

- Não, não dar – Conrado foi incisivo.

Miguel depressa se despiu também, atirando toda a sua roupa em direção a do outro. Estavam os dois, completamente nus, no alto da muralha de pedra, com suas correntinhas pendendo em seus pescoços, reluzindo com o toque dos raios solares matinais. O vento brincava com os seus cabelos, provocando-lhes arrepios pela espinha. Os olhos de ambos estudavam os detalhes do corpo um do outro, na tentativa de gravar cada traço, cada curva.

- Você é meu cordeirinho – Conrado o enlaçou pela cintura, saboreando de sua boca, pescoço, peito, barriga, até chegar ao membro de Miguel, onde engoliu habilmente, fazendo o filho do pastor delirar.

Depois de ser chupado, Miguel tomou o controle e o pau de Conrado, sugando com muita intensidade e retribuindo o prazer recebido. Logo Conrado estava penetrando à entradinha apertada de seu namorado, arrancando-lhe gritos de prazer, enquanto urrava no compasso do vai-e-vem acelerado.

- Eu piro nessa sua bundinha, Cordeirinho – Conrado enfiava cada vez mais fundo. – Ahhhhhhhhhhhhhhhhh! – ele inundou Miguel com seu leite, continuando os movimentos até o mesmo também atingir o gozo.

Os dois, ainda pelados, se recostaram em uma árvore, e ficaram curtindo o pós-sexo. Ainda era cedo, então podiam ficar mais um pouco, inebriados com aquele panorama paradisíaco.

- Agora você pode falar sobre o que aconteceu ontem, e principalmente sobre essa marca no seu rosto. – Conrado exigiu.

Miguel não hesitou, e relatou tudo, inclusive o momento de dúvida e a certeza que veio ao seu coração, de que ele devia se entregar para esse amor.

Conrado ficou indignado com a violência do pastor. Sua vontade era ir lá e pagar na mesma moeda, mas Miguel o tranquilizou, dizendo que tudo estava sob controle.

- Por mim você nem voltava mais pra lá – Conrado estava enfurecido.

- Nada de precipitações – Miguel o beijou. – Vamos resolver as coisas da minha maneira.

- Eu tenho planos de morar com você, de termos nosso cantinho, nossa vida, nossos filhos.

- Filhos? Nossa! – Miguel até ofegou.

- Filhos sim. – Conrado tinha certeza. – Eu vou encher essa sua barriguinha até a gente formar um time de futebol. – Conrado alisou o abdômen do outro.

- Idiota! – Miguel deu um tapa nele. Os dois riram com gosto.

Quando voltaram para o Hospital Jadão, havia um recado de Luciano para que fossem até a sua sala conversar com ele. Eles seguiram a intrução.

- Bem, eu chamei vocês aqui para falar a respeito do emprego de Miguel. – começou Luciano, depois que os dois se sentaram nos lugares indicados.

- O senhor não imagina o quanto isso é importante para mim – Miguel abriu um sorriso ensolarado.

- Eu sei – Luciano retribuiu o sorriso. – Você irá trabalhar com a Júlia, realizando o mesmo trabalho que Conrado tem feito comigo.

- Ótimo! – Miguel adorou.

- Com a Júlia? – Conrado franziu o cenho.

- Sim. Algum problema? – perguntou Luciano.

- Eu pensei que eu e o cordeirinho íamos ficar juntos – Conrado fez cara de desconsolo.

- E por acaso eu estou pondo fim no namoro de vocês? – Luciano não entendia a reação do filho.

- Conrado, a gente já passa a manhã juntos, acho que é muito saudável termos um espaço só nosso. – Miguel se posicionou.

- Concordo plenamente com o Miguel. – Luciano positivou com a cabeça.

- Ah, mas eu quero estar cada vez mais junto dele – Conrado se comportava com um menino mimado. – Achei que o senhor nos colocaria juntos.

- Conrado, aqui a gente tem que ser profissional. Mesmo que estivéssemos juntos na mesma função, não seríamos namorados, e sim colegas de trabalho. – Miguel era nitidamente mais maduro do que o outro.

- Eu compartilho da opinião de Miguel. – Luciano apoiou o namorado do filho.

- Amor, a gente vai ter todo o tempo do mundo para se curtir – Miguel tentou beijar sua testa, mas Conrado foi mais rápido e o agarrou com força, dando-lhe um beijo bem picante.

- Se controla garoto! – Miguel descolou suas bocas, profundamente constrangido, porém com vontade de cair na gargalhada.

- Vai ter que cortar um dobrado para domar essa fera aí, Miguel – Luciano sorriu. – Mas o que tenho a dizer vai ajudar a acalmá-lo.

- O quê? – os olhos de Conrado reluziam de curiosidade.

Luciano retirou uma chave da gaveta de sua mesa e entregou para ele.

- Estou devolvendo o seu apartamento e todos os seus bens. – Luciano falava com satisfação. – Todo o seu dinheiro está a sua disposição novamente.

- É sério?! – Conrado estava em êxtase.

- Sim – respondeu o seu pai. – Você se mostrou responsável, trabalhador, enfim, voltou a ser uma pessoa de bem.

- Isso tudo graças ao meu cordeirinho – Conrado encheu Miguel de beijos.

- É. Agradeça bastante a esse cordeirinho – disse Luciano.

- Que é isso gente, eu...

- Não se atreva a tirar seu mérito. – Conrado pôs o dedo na boca de Miguel. – Nenhum adjetivo que for dito em relação a você será suficiente. – Os dois deram um beijo calmo. A conversa estava muito boa, mas todos foram cuidar de seus afazeres.

Na oncologia, várias crianças estavam reagindo bem aos tratamentos, principalmente Liara. As suas chances de cura estavam aumentando cada vez mais. Miguel e Conrado haviam organizado várias rodas de desenhos, que as crianças adoravam fazer.

- Tio Miguel, você sabe fazer uma trança? – perguntou Liara, acariciando os tímidos cachos de Miguel.

- Sim meu amor – respondeu Miguel.

- Quando o meu cabelo estiver bem grande, o senhor faz uma trança bem bonita? – pediu Liara.

- Vou fazer a trança mais bonita do mundo, melhor, do universo. – Miguel a beijou.

- Que pena que a Luiza não ficou, para o cabelo dela crescer e você fazer também uma trança – Liara falou com tristeza.

- Mas, eu ouvi dizer que no céu o cabelo também cresce – Miguel fez uma cócega leve nela.

- Então os anjinhos poderão fazer uma trança bem bonita nela – Liara gesticulava com os braços.

- Isso mesmo! – Miguel exclamou.

- Eu também posso até trança tio Miguel? – Joãozinho se aproximou.

- Tenho uma ideia melhor ferinha – Conrado agarrou o garoto. – Eu vou te ensinar a fazer um moicano muito legal.

- Mas vou ter que raspar as laterais da cabeça? Porque depois que meu cabelo crescer, não quero perder nem um fio.

- Não, lindão, não precisa raspar. Tio Conrado só vai fazer um penteado da hora, pra tu ficar bem gatinho. – os dois riram.

- Oba! – Joãozinho comemorou.

- Quem quer contar a história de hoje? – perguntou Miguel.

- Eu, tio Miguel – Conrado levantou a mão. – Eu posso né tio?

- Pode “coisinha fofa” – Miguel revirou os olhos.

- Era uma vez um lobo solitário, que uivava todas as madrugadas, á procura de algo que nem ele mesmo sabia ao certo o que era. – começou Conrado.

Miguel o olhava, segurando com dificuldade o riso.

- Um dia, enquanto o lobo andava perdido por uma estrada deserta, ele encontrou um cordeirinho, branquinho como a neve. O lobo, por extinto, quis atacar o cordeirinho, mas este, em vez de fugir com medo, se aproximou da fera e ganhou sua amizade.

Miguel o mirava morrendo de vontade de beijá-lo.

- O lobo convidou o cordeirinho para ser o seu companheiro para o resto da vida. Confiava nele e queria estar sempre com ele. O cordeirinho prontamente aceitou, mesmo sabendo que a relação dos dois seria estranhada por outros bichos da natureza. – Conrado sorriu discretamente para Miguel. – Todos os dias, o lobo saía á procura de carne para ele, e de frutos para o seu cordeirinho. Gostava de alimentá-lo, de cuidar dele. O lobo adorava quando chegava à noite, porque aí ele podia comer o cordeirinho.

- Mas o lobo não gostava do cordeirinho? – indagou Joãozinho.

- Sim, ele gostava muito dele – respondeu Conrado.

- Então por que ele comeu o cordeirinho?

- Ah, mas ele não comia com a boca – esclareceu Conrado.

- E comia com o quê?

- Com...

- Conrado! – Miguel o repreendeu com dureza.

- Com os olhos – Conrado adorava ver Miguel desconcertado, vermelho com um tomate.

- Que história mais sem sentindo, lobo que come cordeiro com os olhos. – Joãozinho balançou a cabeça em negativa.

- Esse lobo tá é precisando de uma boa lição – Miguel se levantou e deu um tapa de leve na cabeça de Conrado.

- Só que o lobo é mais rápido – Conrado puxou Miguel fazendo-o cair no seu colo, massacrando a sua barriga com muitas cócegas.

As crianças riram muito da cena inusitada: o tio Miguel dominado pelo tio Conrado, era algo impagável de se ver.

Ao fim da manhã, o filho do pastor deu uma passada rápida em casa, apenas para tomar um banho e pegar seus documentos, para a concretização do contrato. Ia almoçar com Conrado, e depois seguiriam direto para o hospital. Primeiro dia de trabalho.

Chegando a sua casa, Miguel não encontrou ninguém. Menos mal. Subiu para o seu quarto e tomou um banho rápido. Quando se vestia se deu conta de que não tinha os seus documentos guardados consigo, seu pai é que cuidava de tudo. Quanta dependência, ele pensou, o pastor tinha controle até sobre sua documentação pessoal.

- Agora essa – Miguel suspirou impaciente. – Como eu vou achar esses documentos?

Ele foi até o quarto de seu pai e sua madrasta, e começou a procurar pelo guarda- roupa, tendo o cuidado de deixar tudo do mesmo jeito. Vasculhou cada gaveta, cada compartimento, mas parecia que o pastor havia escondido de propósito. Miguel nunca mexera nas coisas do pai, pois ele não gostava, então não fazia a menor ideia de onde podia estar esses documentos.

Na repartição dos cobertores de inverno, ele retirou cada um, ajeitando em pilha sobre a cama. Chegou ao fundo, e enfiou a mão tateando sobre a madeira, até que tocou algo duro. Arrastou um livro enorme e volumoso, porém muito leve para o seu tamanho. Sobre ele estava uma pasta amarela com os documentos.

- Estranho – Miguel sentou na cama repousando o objeto sobre seu colo.

Ele abriu o livro e teve uma grande surpresa ao descobrir que era oco. Dentro havia duas alianças amassadas, um convite de casamento e duas fotos. A primeira era o pastor Oliveira casando com uma mulher linda. A segunda, a mulher estava grávida, abraçada com o pastor. Em sua barriga exposta, tinha o nome Miguel, escrito de vermelho. Era a mesma grávida da foto álbum de Clarice. Era sua mãe.

Miguel começou a chorar e a sorrir ao mesmo tempo, beijando a foto.

- Minha mãe! Eu sabia! Eu sabia!

No mesmo instante ouviu o carro do pastor chegando. Pegou seus documentos e tudo que tinha no livro oco, arrumando as cobertas novamente dentro do guarda-roupa. Ele saiu pelos fundos para não ter que cruzar com seu pai, pois sabia que não aguentaria ficar calado. Encontrou Conrado no ponto e lhe deu um rápido beijo ficando em silêncio todo o trajeto para o restaurante. Ele analisava sua carteira de identidade, vendo os nomes dos falecidos avós paterno, registrados como seus pais. “Como pôde ser tão passivo durante tanto tempo?”, Miguel não entendia. Talvez se tivesse lutado antes contra a tirania de seu pai, e o forçado a falar sobre sua mãe, ele já teria a encontrado.

- O que foi meu amor? – perguntou Conrado notando a preocupação de Miguel.

- Aquela mulher grávida, da foto do álbum de sua mãe... – Miguel hesitou por alguns segundos.

- O que tem?

- Eu encontrei duas fotos dela nas coisas do meu pai.

- Sério?! – Conrado arregalou os olhos, encostando o carro.

Miguel retirou do bolso do casaco as fotografias e entregou para o namorado.

Conrado ficou embasbacado com o que via.

- Ela é sua...

- Mãe. – completou Miguel.

- Minha mãe era amiga da sua? Que loucura meu Deus! Isso... É inacreditável, cordeirinho – Conrado atropelava as palavras.

- Exatamente!

- Você precisa dar uma prensa no seu pai, ele tem que te contar a verdade.

- Não, Conrado – declarou Miguel. – Se ele souber do que já sei, ele vai dar um jeito de apagar qualquer pista, e então as minhas chances de saber o que aconteceu com ela serão nulas. Preciso reunir mais informações.

- Mais por que ele quer te esconder a verdade? Será que sua mãe fez algo tão terrível?

- Eu não sei – Miguel baixou a cabeça. – Mas eu vou descobrir.

- Conta comigo meu amor – Conrado o beijou.

A tarde passou lentamente. Apesar de Miguel está muito feliz em está trabalhando, principalmente ao lado de sua amiga, ele não conseguia se concentrar direito, não tinha como não pensar nisso tudo. O pior é que ele não fazia a menor ideia de por onde começar.

Com o fim do expediente, os dois namorados combinaram de jantarem e passarem a noite juntos, para a reinauguração do apartamento de Conrado.

- A gente pede comida italiana, japonesa, espanhola, você escolhe.

- Eu escolho preparar o nosso jantar, meu amor – Miguel beijou Conrado.

- Hum... Quer dizer que além de lindo, gostoso, cativante, você é um “Grand Chef de Cuisine”?

- Também não exagera né? Digamos que eu tenho meus dotes culinários.

- Então a gente precisa passar no supermercado para comprar tudo, até as panelas, porque lá no meu apê não tem nada no que se refere à cozinha.

- É bom providenciar mesmo, pois eu pretendo cozinhar lá muitas vezes.

- E eu vou adorar – Conrado o beijou.

Conrado comprou um mundo de coisas. Muitas até por exagero, agora que tinha seu dinheiro de volta, podia esbanjar.

- Você quer passar na sua casa para pegar alguma coisa? – perguntou Conrado.

- Eu tenho tudo que preciso na minha bolsa – respondeu Miguel. – Sou prevenido.

- Tenho que aprender ser também – Conrado o beijou, ainda sentindo que ele estava um pouco distante. – Te deixo no apê, e vou dar uma passada lá em casa para pegar umas coisas e resolver uns assuntos, talvez eu demore.

- Tudo bem.

- Ah, antes que eu esqueça – Conrado o entregou um novo celular igual ao que dera antes.

- Conrado, não precisava. – Miguel recebeu o aparelho.

- Claro que sim meu lindo – Conrado o beijou. – Esconde do pastor.

- Pode deixar.

Miguel foi preparar o jantar, enquanto Conrado foi até a mansão. Luciano e Júlia já estavam quase de saída, quando ele chegou.

- Vamos sair para jantar – disse seu pai.

- Ótimo – assentiu Conrado. – Vou passar a noite com Miguel no meu apartamento.

- Juízo, hein? – disse Luciano.

- Pode deixar. – Conrado sorriu. – Pai, o senhor ainda guarda a correspondência da mamãe?

- Sim, mas por quê?

- Eu queria dar uma olhada, nada demais.

- Tudo bem – concordou Luciano. – Está numa pequena caixa de madeira com o nome dela gravado na tampa, lá no sótão.

- Valeu! – Conrado foi procurar. – Bom jantar.

- Obrigado – Luciano saiu com sua esposa.

Do lado de fora da mansão, Michele e Maria observava as movimentações da residência da Jadão.

- Michele eu ainda acho que a gente devia seguir o meu plano. – disse Maria.

- Ele vai ser nossa estratégia “B” – declarou Michele, vendo o carro de Luciano deixar a mansão. – Olha, tudo está conspirado ao meu favor. Ele está sozinho.

- Mas como você vai entrar aí dentro?

- Relaxa Maria, essa não vai ser a primeira vez que faço isso.

Michele saltou do carro e deu a volta pelo muro da mansão, se enfiando em uma passagem secreta feita por Conrado em seus tempos de rebeldia.

Conrado desceu ao sótão, e voltou para o seu quarto com muita pressa, trazendo a caixa com a correspondência de sua mãe. Tomou um banho muito rápido, e foi procurar uma roupa enrolado numa toalha, levou um grande susto.

- Oi Demolidor – disse Michele completamente nua. Ela estava dentro do closet dele

- Que diabos você está fazendo aqui?! – Conrado recuou.

- Vim te provar que você continua o mesmo. – Michele arrancou a toalha de Conrado e o empurrou até sua cama, subindo rapidamente em cima dele.

No decorrer de mais ou menos duas horas, Miguel havia preparado um banquete, além de dar um trato doméstico no apartamento. Estava pondo os pratos na mesa, quando Conrado entra subitamente, com uma cara fúnebre.

- Oi meu amor, chegou na hora exata. – Miguel foi recebê-lo. – Aconteceu alguma coisa?

Conrado deixou cair uma lágrima, mas não disse nada.

- Conrado, o que houve? – Miguel começou a ficar nervoso.

- Meu amor eu não sei como vou te dizer isso – Conrado estava desolado.

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Comentários

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Agora a verdade vem a tona.O Miguel e o Conrado vão ter que ser fortes.Continua Logo.S2S2S2S2S2

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Eu ja tinha lido esse historia,mas ela sumiu da cdc. Ela e linda obg por repostala ela... nao demora pro proximo capitulo ta.

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Será que Conrado ficou com a mocreia da Michele? kkk eu sei o que aconteceu mais tou segurando para não contar!!! Eita Miguel, se segura porque as coisas vão ... até mais love!!!

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sabe aquele conto que te da medo do autor abandonar?

To apaixonado por esta estoria.

Muito obrigado por estar postando ela!

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Ainda lembro o que acontece, mas não vou soltar spoiler.

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Sobre os contos," Mário e Eu" e "Irresistível Atração", podem ficar tranquilos que ambos terão suas continuidades. Serão contos pequenos, pois acho que hoje não teria mais paciência para um conto do tamanho de Asfalto. O próprio Egeu foi bem menor. Acho mais gostoso quando a nossa imaginação tenta continuar uma história que foi uma delícia.

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Que ótimo que postaste novamente este conto. Ele é MARAVILHOSO. Da primeira vez, costumava comentar cada capítulo (inclusive, chegamos a nos comunicar por email). Estou escrevendo referente ao outro conto iniciado: Mário e eu. Por favor, continue com ele, pois o começo foi maravilhoso. Aguardo, ansioso, a continuação dele. Um abraço carinhoso,

Plutão

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