Capítulo 19
A hora menos aguardada
Era o dia da festa de 60 anos do Hospital Jadão.
- Não pisem na grama! – Júlia gritava com o pessoal da empresa responsável pela ornamentação do jardim, para a festa do hospital.
Mesmo a ornamentação ainda estando em andamento, já se podia notar que tudo iria ficar perfeito. Muitas luzes já estavam sendo instaladas, por todas as plantas e árvores. O equipamento de som já estava sendo montado, enfim, muita gente transitava de um lado para outro cuidando dos detalhes, e sob a severa supervisão de Júlia, que já estava rouca de tanto dá ordens.
- Não sei por que meu pai insiste em montar esse circo – Conrado observava pela janela do quarto, o vai-e-vem de pessoas no jardim. – Uma festa...
- É uma data muito especial, e eu fiz questão de dar o meu apoio para realização da mesma – disse Miguel, que estava deitado na cama. – Você deveria fazer o mesmo.
Conrado apenas balançou a cabeça em negativa.
- Que vontade de andar um pouco – suspirou Miguel. Ele havia piorado há uns três dias.
Conrado deitou-se perto dele, e ficou fazendo um carinho no seu cabelo. Miguel estava no fim da linha. Ele sabia, Conrado sabia, Silvia estava sofrendo por saber, e quase nada era possível para melhorar o estado dele. Estava sustentado pelo amor por Conrado, aliás, parecia que era a única coisa que o separava da morte.
- Não seria melhor antecipar a cirur... – Miguel pôs a mão na boca de Conrado. – Estou tão feliz por tudo que me aconteceu nestes últimos dias. Nosso casamento.
- Miguel... – Conrado não controlou o choro.
- Xiiiii... – Miguel o afagou – Não chora meu amor, eu estou aqui com você.
- Me ensina a orar – pediu Conrado.
Miguel o olhou com uma cara de quem não tinha entendido o pedido.
- Como faço para falar com Ele?
- Seja sincero, e converse com Ele como se estivesse falando com seu melhor amigo.
Conrado limpou uma lágrima, encostou sua cabeça na barriga de Miguel, e pôs as mãos entrelaçadas, próximas de sua testa.
- Meu Deus, eu sei que eu não sou o tipo de pessoas que merece pedir algo ao Senhor. – Conrado começou. – Mas mesmo assim queria suplicar para que não o tire de mim, que não me deixe sozinho, que não me faça voltar para aquele poço escuro, onde eu estive um dia. Peça-me o que quiser, e eu farei, mas não vou viver sem o meu cordeirinho...
***
À noite, os jardins da mansão estavam cheios. Muita gente bem vestida circulava com taças na mão, conversando trivialidades, admirando a casa, cumprimentando o anfitrião.
No quarto de Miguel, Silvia o fazia companhia ao lado de Conrado.
- Insisto mais uma vez que você deve ir para o jardim Conrado – pedia Miguel pela terceira vez.
- E eu repito que não vou te abandonar aqui e ir me divertir.
- Pode ir tranquilo meu filho – disse Silvia. – Eu fico com Miguel.
- Ficamos os três então – Conrado se manteve firme em sua decisão.
- Esse momento é muito importante para o seu pai, ele precisa de você ao lado dele, mesmo que volte pra ficar comigo, mas pelo menos vai até lá e o cumprimente por todo o mérito que é dele.
Conrado pensou um pouco, e por fim disse:
- Apenas por alguns instantes – disse Conrado. – Depois eu volto.
- Certo – concordou Miguel.
Conrado pôs um smoking que lhe dava um ar principesco.
“Ainda me lembro, do pequeno consultório que o meu pai, Oscar Jadão, montara em uma saleta. Ele trabalhou e cumpriu com honra seus votos e juramentos, como médico. Hoje, o sobrenome Jadão é sinônimo de excelência no meio médico, e me sinto muito orgulhoso de ser um dos responsáveis por dar grandes asas ao sonho de meu pai. Que esse seja os primeiros 60 anos de muitos que virão, e que as gerações seguintes da família Jadão, possam dar continuidade a esse legado. Muito obrigado.”, Luciano finalizara seu discurso, ao lado do filho, que o apoiava com sua presença.
Todos aplaudiram.
- Quero fazer algo e preciso de sua ajuda – pediu Miguel para sua mãe.
- Do que se trata filho?
Miguel apenas riu.
Vinte minutos depois, Silvia surgiu no jardim, se dirigindo para o DJ da festa. Ela lhe pedia que tocasse uma música em especial. Conrado, que estava jogado em uma cadeira, cabisbaixo, nem percebeu a presença da sogra.
De repente a música que estava sendo tocada parou, e “Linger” dos The Cranberries começou a tocar. (http://www.youtube.com/watch?v=G6Kspj3OO0s).
Alguém caminhava lentamente em direção a Conrado, parando a alguns centímetros dele. Conrado que estava de cabeça baixa levantou seu rosto, acompanhando com os olhos desde o pé até a mão estendida da tal pessoa.
- Me da à honra dessa dança? – Miguel estava parado a sua frente.
Conrado o encarou por um momento, e nesse momento percebeu que o rosto de Miguel ganhara a mesma vivacidade de antes, como se ele nunca tivesse estado doente.
- Miguel... – Conrado levantou-se com lágrimas nos olhos, e o puxou para si.
Os dois começaram a dançar lentamente, com os corpos bem juntos. Todos pararam para ver. A sincronia dos dois estava perfeitamente encaixada na cadência de Linger. Os olhos estavam fixos um no outro.
- Obrigado por fazer da minha vida um sonho – disse Miguel. – Por ter me dado à chance de descobrir aonde se esconde a felicidade. Eu te amo, e isso nem mesmo a morte pode mudar.
As mãos de Miguel começaram a enrijecer, seu corpo começou a estremecer e ser tomado por uma convulsão. Sua a boca estava entortando para o lado, e os olhos piscando involuntariamente. A música estava no seu fim, quando ele despencou sobre Conrado.
- MIGUEL!!! – Conrado o segurou sua cabeça, enquanto seu corpo estava estirado no chão.
- Que lindo... – Miguel balbuciou com a língua enrolada. – Que céu mais lindo para se admirar ao lado de quem se ama. Estou tão feliz... – os olhos de Miguel vidraram, e uma lágrima escorreu por fim.
- NÃO!!! – Conrado urrou de dor. – Pai?! – ele olhou para Luciano. – Me ajuda...
Aquela era a noite mais linda do ano. As estrelas pareciam estar vivas, derramando um brilho liquido sobre a escuridão.