3.
Não estava nos planos de Christian ir ao colégio em pleno sábado à tarde. Mas o treinador Marques achava que a equipe precisava se aquecer, pois a temporada de competições estava muito próxima. E, segundo ele, a equipe estava fora de forma.
- Atenção, seus molengas, quero ver cada grama de gordura sendo queimada nesse treinamento!!! – berrava o carrasco treinador. – Vocês passaram as férias comendo como porcos para o abate, agora só vão me deixar satisfeitos quando essa pista de corrida estiver tomada por um dilúvio de suor. Vamos! Aquecimento!
- Acho que ele pirou – Christian alongava sua perna com ajuda de outro atleta. Usavam regata branca, e shorts de taquetel azul-marinho, com aberturas nos lados.
- Ego ferido por causa da nossa derrota na última competição. – explicou o colega.
- Ficamos em segundo e terceiro lugar. Não acho uma derrota, Lucas – afirmou Christian.
- É. Pensando dessa forma... – disse Lucas.
- Chega de papo, garotas, e mecham esses traseiros flácidos.
A equipe de quinze rapazes terminou o aquecimento, dando início a corrida no circuito de 200 metros rasos.
- Enquanto não baterem o nosso último tempo, não descansarão – o treinador estava ensandecido.
Christian se destacava de todos. Suas pernas longas eram um diferencial que lhe proporcionava uma grande vantagem. É claro que, quando o time de futebol estava em campo, era um pouco mais difícil ele se concentrar. O corpo de Pedro Miguel molhado de suor, no uniforme do time, era uma coisa de desconcentrar qualquer um, que curte músculos à flor da pele. E coincidentemente, as duas equipes estavam treinando nesse sábado. A pista de atletismo circundava o campo de futebol da escola.
Christian corria, com os olhos concentrados em cada movimento de Pedro Miguel. Mas ele logo voltou à realidade, com um galho de árvore que chicoteou o seu rosto.
- Concentração, leke – Lucas passou à sua frente, dando um tapinha na sua bunda.
Christian, envergonhado, voltou para sua corrida e se esforçou para não desviar mais sua atenção para Pedro Miguel.
O treinador Marques não teve pena da equipe de atletismo. Enquanto os atletas ainda sentissem os movimentos das pernas, não eram para parar. Quando o apito soou, encerrando a maratona de treinos, Christian desabou no chão, quase sem ar.
- Quando estiverem competindo, lembrem-se, o primeiro lugar é a única coisa que interessa. Mas caso queira mais doses do nosso treino de hoje, relaxem na maratona. Dispensados!
A equipe de atletismo saiu depois do time do futebol. Havia apenas alguns jogadores guardando suas coisas para ir embora.
- Vamos para ducha? – chamou Lucas, colega de Christian.
- Quando eu voltar a sentir minhas pernas, me jogo pra lá – respondeu Christian.
- Falou! – Lucas saiu.
Christian ainda demorou por volta de vinte minutos, largado no chão, à sombra de uma árvore. Só quando a adrenalina do seu sangue baixou, ele se levantou e caminhou para os vestiários, sentido os músculos da perna exaustos. Apenas um dos boxes do banheiro estava ocupado. Ele, atirou sua mochila no chão e entrou no primeiro box, arrancando a roupa de uma vez, e se jogando debaixo do chuveiro. A água fria enrijecia seus tendões.
Ao final do banho, Christian percebeu que não tinha trazido sua toalha para dentro do box, então resolveu sair pelado e pegar sua mochila. Saiu tão rápido, que nem percebeu a presença dele, quando se abaixou para pegar a bolsa.
- Oi – a voz de Pedro Miguel ecoou no banheiro.
- Ah! – Christian se assustou. – Oi... Pedro Miguel. Que...? – Christian puxou a toalha de uma vez, se enrolando com dificuldade. Com certeza Pedro Miguel o havia visto nu. E ele não costumava ficar assim nem na frente dos colegas de equipe, quem dirá na frente do seu desejado.
- Te assustei? – perguntou Pedro Miguel. Ele estava sem camisa, usando uma bermuda de tecido fino, com a toalha pendurada no ombro.
- Um pouco... – Christian, deslizava o olhar pelos gominhos da barriga do outro, que estavam repletos de gotículas de água.
- Desculpa, então – Pedro Miguel se aproximou de Christian, e lhe deu um abraço. Um abraço que Christian não entendeu o porquê, mas que não achou nem um pouco ruim. E seu pau, nem se fala, enrijeceu instantaneamente.
- Opa! Parece que alguém acordou – disse Pedro Miguel, desfazendo o abraço lentamente.
Christian levou suas mãos para frente do dito cujo, tampando, sem êxito, sua ereção. Se ele pudesse, com certeza cavaria um buraco no piso do banheiro e enfiaria sua cabeça ali pelos próximos séculos.
- Eu queria marcar para a segunda-feira, nossa próxima aula de história, pode ser? – propôs Pedro Miguel.
- Cla... Claro – gaguejou Christian.
- Mas dessa vez é na minha casa. Meu pai não vai estar, então a gente pode ficar mais à vontade para estudar – ele disse, retirando um casaco de moletom branco de dentro da bolsa, e vestindo logo em seguida. Pedro Miguel pôs um boné na cabeça e levantou o capuz da camisa.
Christian ficou sem fala diante daquela imagem, enquanto Pedro Miguel apenas sorria para ele, de forma curiosa.
- Até segunda-feira – Pedro Miguel tocou no queixo de Christian e saiu.
- Eu sabia... – sussurrou para si mesmo, Christian.
Bom, não dava para deixar passar um cinco contra um depois daquela situação, pensou o rapaz. Christian se enfiou no banheiro novamente para dar evasão aos seus desejos.
Em casa, Christian fez um lanche rápido e foi descansar um pouco, pois sua mãe tinha dito que eles visitariam Laura, a tia de William e Érico. Como Christian queria muito contar tudo para o seu amigo, ele não fez nenhuma objeção em sair com Teresa. Estava sonolento, ouvindo uma música no celular com os fones de ouvido, quando o sinal de alerta de mensagem, interrompeu a música por uns dois segundos. Christian abriu os olhos, rápido, ocultou o media player do celular e abriu a mensagem. Era dele. O encapuzado.
“Correu muito bem hoje. Só precisa se concentrar mais, pois os galhos sempre surgem no caminho dos distraídos. E a propósito, você sem roupa... Uau!!!”.
Christian não sabia no que pensar. Eram tantos sentimentos ao mesmo tempo: vergonha, felicidade, constrangimento, excitação. Mais o melhor de tudo, era que, para ele, não restava mais nenhuma dúvida. Pedro Miguel era o encapuzado. Pedro Miguel o observava e cuidava dele. Mas então por que ele não se revelava, e assumia suas recentes ações? Seria tão mais fácil. Será que ele estava confuso, ou apenas se divertindo com esse jogo? Eram muitas perguntas e nenhuma resposta lógica. O fato é que, Christian talvez não aguentasse esperar tanto – ele já via esperado o Ensino Médio todo –, e tomasse uma inciativa colocando as coisas às claras. E essa iniciativa seria tomada imediatamente. Já havia um tempo que Christian cogitava essa ideia. O óbvio. Ligar para o número que lhe enviava as mensagens. Ele só havia adiado isso, por temer se tratar apenas de um trote de mau-gosto.
Decidido, Christian pôs o número a chamar, ensaiando mentalmente o que diria a Pedro Miguel, quando ele atendesse. Mas o mais esperado aconteceu:
“O número chamado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura. Por favor, tente mais tarde”.
- Christian, vamos sair em dez minutos – gritou sua mãe.
Ele ainda tentou algumas vez, mas só ouvia a mesma mensagem gravada. Ainda pensou em ligar para o número de Pedro Miguel, mas desistiu antes de amadurecer a ideia. O que diria a ele? E além do mais, se Pedro Miguel estava usando um número desconhecido, é por que não queria ser identificado, pelo menos não no primeiro momento. Esperar, era a única coisa que lhe restava. Se ele quer jogar, eu aceito as suas regras, decidiu Christian, indo se vestir para saírem.
Seus pais e sua irmã o aguardavam na sala, quando ele desceu. Estava de bermuda branca, camisa gola alta cinza e calçava um mocassim azul.
- Vamos? – ele chamou a família.
- Sim. Vamos – Arnaldo seguiu na frente, pegando a chave do carro.
Uns dez minutos de viagem, e eles já estavam parados em frente à casa de William. Uma mulher rechonchuda veio os receber na porta. Era a Laura, a tia do amigo de Christian.
- Teresa e Arnaldo, que bom que vieram – Laura os cumprimentou com um abraço e um beijinho em cada lado do rosto.
- Ah, minha amiga, você sabe que eu adoro vir à sua casa.
- Sem falar, que você promove a melhor roda de carteado – completou Arnaldo.
Os três riram.
- E esses jovens lindos? – Laura fez um carinho no rosto de Christian e Suzana.
- Oi tia Laura – os dois falaram quase ao mesmo tempo, recebendo um sorriso dela.
- Bem, gente, vamos entrar – Laura os conduziu para o interior da casa. – O Francisco chegou há pouco tempo.
Francisco era o namorado de tia Laura. Eles sempre se reuniam com frequência para jogarem um carteado, entre casais.
- Crianças, fiquem a vontade, que os adultos vão se divertir – Laura tomou pela mão, um homem de meia-idade, Francisco, e seguiu em direção a cozinha, ao lado de Teresa e Arnaldo. Lá, a comida e as bebidas já aguardavam os jogadores.
- Oi, Christian – William cumprimentou o amigo rapidamente, colocando toda sua atenção em Suzana. – Suzana...
- Will – ela sorriu para ele. William quase se derreteu.
- Eu não sabia que você vinha – William olhou furioso para Christian, por ele não ter avisado sobre a vinda da irmã.
Christian apenas deu de ombros.
- Pois é – ela continuou a rir. – E você lembra que disse que ia me mostrar sua coleção da edição comemorativa do Tolkien?
- É verdade – William parecia um idiota.
- Tá. Mas antes do Tolkien, eu posso falar com você um instante, William? – pediu Christian.
- Depois, Christian – William apenas meneou a mão em sinal de: “não me atrapalhe”.
Ele e Suzana subiram para o seu quarto, deixando um Christian furioso, no vácuo.
- Filho da mãe – Christian reclamou baixinho, se jogando no sofá mais próximo.
- Falando sozinho – Érico entrou na sala.
- Oi, Érico – Christian levantou e estendeu a mão para o outro, mas foi puxado para um abraço.
- Então, te abandonaram?
- Pois é. Parece que ninguém que não quer minha companhia.
- Se quiser, pode ir comigo até a garagem – convidou Érico.
- Eu não vou te atrapalhar? – perguntou Christian, já pronto para aceitar o convite.
- Claro que não, cabeção – Érico balançou a cabeça de Christian.
Os dois seguiram para a garagem, onde Érico se trancava durante as suas folgas. Lá, havia muitos papéis, lápis, tintas, telas e desenhos inacabados.
- E como estão as revendas de computadores? – perguntou Christian, sentando-se em uma mesa vazia na garagem.
- Não é o trabalho dos sonhos, mas paga as minhas contas – respondeu Érico. – O ruim são as metas de vendas absurdas, que eles nos impõe. De qualquer forma, é mais tranquilo do que o de descarregador de caminhões.
- Mas você tem que reconhecer que esse trabalho te proporcionou alguns benefícios – Christian cruzou as pernas em posição de lótus.
- É sério? Que benefícios? – Érico riu, não conseguindo imaginar a que Christian se referia.
- Você ficou com o corpo bem esculpido.
Um sorrisinho brincou no canto da boca de Érico, como se algo doce lhe tivesse tocado o paladar.
- Você acha? – Érico levantou um pouquinho da sua camiseta, descobrindo a barriga perfeita.
- Sim – respondeu Christian. – E olha que você não teve que pagar nada por isso, além é claro, de não ficar com a aparência inflada como muitos que frequentam academia.
- Com todos esses elogios, vai me deixar mal-acostumado. – Érico riu para Christian.
- Isso é o de menos – disse Christian um pouco mais sério. – Você tem muitas qualidades, Érico. E qualidades que a maioria das pessoas, eu acho, ignoram.
- Qualidades? Eu? Não sei do que você está falando – Érico sentou-se em outra mesa, de frente para Christian. – Sou grosseiro, falo palavrão, como muito, me irrito fácil, sou ciumento e possessivo com o que é meu.
- É corajoso, destemido, enfrentou toda a barra da perda da sua mãe cuidando do William, não tem frescura quanto a emprego. Muitas pessoas da nossa idade sentem vergonha de trabalhar, ainda mais no pesado. Eu sou grande admirador seu, Érico. E chamarei de sortuda, a mulher que conquistar o seu coração.
Érico não disse nada. Mas seu semblante revelava que ele estava naquele estado maravilhoso, que todos nós esperamos: o reconhecimento do nosso esforço. Não que as ações nobres pretendem elogios, mas quando uma voz externa, enxerga algo de bom no que fazemos, um sinal verde é ascendido, alertando que estamos no caminho certo.
- E qual seria o seu trabalho dos sonhos? – quis saber Christian.
- Desenhar! – exclamou Érico. – Mas é uma coisa muito difícil de virar profissão, principalmente no Brasil.
- Você já mostrou seus desenhos para alguém do meio?
- Não. Eu nunca acho que eles estão bons os suficiente – respondeu Érico.
- No mínimo deveria fazer isso – sugeriu Christian.
- Talvez – Érico coçou o queixo.
Olhando por toda coragem, Christian localizou a bendita pasta de couro de que William tinha falado. A curiosidade começou a corroê-lo ferozmente. Christian teve uma ideia.
- Deixa eu dar uma olhada no que já tem pronto – Christian pulou da mesa e pegou a pasta, que estava em cima de uma pilha de papéis.
- Esses não! – Érico tomou a pasta rapidamente, sendo até bruto.
- Por que não? – Christian indagou, fingindo inocência.
- Não... Não estão prontos – Érico estava visivelmente nervoso. – Tenho outros já acabados – o irmão de William pegou uma caderno de desenhos, e entregou para Christian.
Basicamente, todos os desenhos eram de pessoas, salvo alguns personagens de animação. Érico era muito bom no que fazia. Sem dúvida era um desperdício de talento. Christian estava encantado com o traço do amigo, mas fingia estar totalmente concentrado naqueles desenhos, sua mente almejava vislumbrar aquilo que era secreto. O desejo original de conhecer o proibido.
- Muito bons! Muito bons mesmo! – elogiava Christian.
- Érico? – a tia Laura o chamava. – O liquidificador outra vez, meu bem!
- Eu já vou tia! – Érico gritou em resposta. – O liquidificador daqui de casa está sempre precisando de uns tabefes – ele explicou para Christian.
- Pode ir, eu espero você – disse Christian.
- Eu não demoro – prometeu Érico, pegando uma caixa de ferramentas. – É rapidinho – ele saiu.
- Sem pressa – disse por fim Christian, ficando sozinho logo em seguida.
Christian, ainda sentando na mesa, corria os olhos por toda a garagem, processando o máximo de informações possíveis, quanto ao caos de objetos que estavam ali. Tirando a moto de Érico, tudo parecia ser do início do século do passado, inclusive o carro de tia Laura. Mas a sua surpresa não estava na imensa quantidade de objetos empilhados na garagem, e sim no fato de Érico ter esquecido a pasta de couro ali. Seus olhos brilharam diante da possibilidade de saciar sua curiosidade, mas sua mente começava o acusar por ele desejar invadir a privacidade do outro. Era uma dualidade de sentimentos. Todavia, a raça a humana sempre tende a escolher o errado, e Christian se deixou levar pela ideia de que só uma “olhadinha”, não faria mal ninguém. Muito menos se Érico não soubesse.
Decidido, o amigo de William não perdeu tempo e agarrou a pasta como uma ave de rapina. Suas mãos tremiam, tentando desatar o nó da correia que fechava a pasta. Quando seus olhos miraram o conteúdo, ele quase desmaiou. Christian estava pálido, sem ar, sem conseguir ordenar um pensamento. Seus olhos se arregalavam até o limite da pálpebra, a cada desenho que ele via. Havia uns dez no mínimo, todos retratando a mesma temática.
- Christian, o que você queria falar com... – William entrou na garagem, interrompendo sua fala quando viu o amigo segurando a pasta de couro na mão, aberta.
- Oi, William – Christian fechou a pasta rapidamente, amarrando as pontas da correia em um laço.
- Você viu os desenhos secretos do Érico? – os olhos de William brilhavam, em um misto de surpresa, curiosidade e medo.
- Bom... É...
- Desculpa a demora, Christian – a voz de Érico se aproximava da porta da garagem.
Christian colocou a pasta no mesmo lugar e se escorou na mesa em que estivera sentando, tudo isso em um milésimo de segundo.
- William? – Érico entrou no ambiente, olhando desconfiado para seu irmão e Christian.
William e Christian ficaram em silêncio, prendendo o fôlego, como se estivessem a ponto de dar um profundo e demorado mergulho.
- Algum problema? – Érico continuava cismado, tentando ler no semblantes dos dois amigos, o que tinha de errado no ambiente.
- Não! É... eu só tinha vindo chamar o Christian, pra ele...
- Ir ver umas coisas no quarto – Christian estava tão enrolado quanto William.
- Que coisas? – quis saber Érico.
- Coisas de nerd – gaguejou William.
- É. Coisas de nerd – confirmou Christian.
- Tudo bem – aceitou Érico.
- Vamos então, Christian? – chamou William, que não se aguentava mais de curiosidade.
Ele precisava saber urgentemente o que tinha na pasta. Esperou muito tempo por isso, e felizmente Christian iria por fim nessa espera.
- Vamos sim – concordou Christian. – Então, tchau Érico.
- Tchau – Érico se despediu com um pouco de tristeza.
William praticamente arrastou Christian até a sala.
- E então? – William sussurrou a pergunta.
- Então, o quê – Christian se fez de desentendido.
- Como assim, o quê. Eu quero saber o que tem na pasta do Érico – William falava, olhando sempre para trás, cuidando para que seu irmão não aparecesse de surpresa.
- Desenhos – respondeu Christian.
- Tá me tirando, velho? – irritou-se William. – É óbvio que eu sei que são desenhos. Eu quero saber o que ele desenha e esconde ali.
- Você não acha que é melhor a gente preservar a privacidade do seu irmão – Christian estava sendo evasivo.
- Ah! Depois que você viu o que tinha lá, é que quer preservar a privacidade do meu irmão? Sem chance. Eu é que te falei sobre a pasta. Eu que estou há muito tempo esperando um descuido do Érico. Não é justo. Anda! Desembucha, Christian! – exigiu William.
- Bem... são desenhos de pessoas – Christian mordia o lábio nervosamente.
- Que pessoas? Seja mais claro!
- São desenhos de pessoas desenhadas. Na verdade, eu nem vi direito. Foi tudo muito rápido.
William passou a mão na nuca, sinalizando a sua impaciência diante da enrolação injustificada de seu melhor amigo.
- Christian, ou você me fala de uma vez o que o Érico esconde naquela pasta, ou nem precisa falar mais nada comigo. NA-DA!
Christian engoliu a seco.
- William? – Susana o chamava, no quarto. – Vem aqui um instante.
- Estou indo! – respondeu William. – Eu vou ver o que Suzana quer, e quando eu voltar você vai me contar tudo. Pensa bem, no que vai me dizer.
William correu para o seu quarto rapidamente, olhando Christian com um semblante de ameaça. Christian, por sua vez, estava sendo triturado por dentro. Estava fora de cogitação contar para William o que ele vira na pasta. Mas mentir não era um opção, e o seu silêncio poderia resultar na perda da amizade do outro. O que fazer? Que dilema!
Teresa, Arnaldo, Laura e Francisco, vinham da cozinha as gargalhadas. Para o alívio imediato de Christian, seus pais estavam de saída.
- Christian, tudo bem com você? – perguntou Arnaldo.
- Tudo ótimo, pai. Por quê?
- Você está pálido – respondeu seu pai.
- Está se sentindo mal, filho? – Teresa notou a palidez do filho.
- Estou com sede. Preciso... de algo para beber – disse Christian.
- Pode ir até a cozinha, querido – falou Laura. – Tem suco na geladeira, senão quiser água. Sinta-se em casa.
Christian agradeceu com um sorriso, e saiu para a cozinha. Ele abriu a geladeira e pegou um jarra com suco de abacaxi, enchendo um copo. Suas mãos estavam um pouco trêmulas. No momento em que ele fechou a porta da geladeira e virou-se, chocou o seu copo contra o peito de alguém, que ia entrando na cozinha.
- Opa! – Érico teve sua camiseta molhada pelo suco.
- Érico, desculpa – Christian tentava enxugar a camiseta, passando a mão no peito rijo e largo do outro.
- Sem problema – Érico sorriu timidamente, indo se servir de suco também.
- Bem... Boa noite – Christian colocou o copo de suco em cima da mesa, sem ter dado nenhum gole.
- Está fugindo de mim? – Érico metralhou a pergunta. Pois era isso mesmo que Christian estava fazendo.
- Fugindo? Não... – Christian falava com muitas pausas, o que enfatizava a inconsistência de suas respostas. – Por que eu estaria fugindo de você?
- Me responde você – disse Érico, se recostando na bancada sob o armário, enquanto bebia o suco.
Os dois ficaram se encarando por um longo período. Christian estava muito desconfortável, enquanto o semblante de Érico era um mistério.
- Vamos, Christian! – sua mãe o chamou.
- Minha mãe está me chamando – disse Christian, saindo da cozinha com pressa.
Para a sorte do rapaz, William ainda não havia descido, então ele resolveu ir na frente, para o carro. Ele precisava despistar William. Enquanto esperava seus pais, sua mente não focava em outra coisa que não fosse os desenhos. Mas ele logo foi trazido do seu transe, pela alerta de mensagem do seu celular.
“Pensando em você”.
Era uma mensagem do número dele, o encapuzado. Que aliás, estava com esse nome nos contatos de Christian. O rapaz respondeu à mensagem assim:
“Quem é você? Por que não se mostra?”.
A resposta veio sem demora:
“Quem você quer que eu seja?”.
Christian achou a mensagem inusitada, mas respondeu da seguinte forma:
“Se você for quem eu penso que é, será quem eu quero que seja”.
Dessa vez a resposta demorou, mas veio:
“Depois de amanhã, tudo que você quiser...”
Os pais de Christian e sua irmã, entraram no carro, dando um último adeus para Laura e Francisco. William, que estava ao lado da tia, correu até o carro e parou na janela do lado de Christian. Ele disse:
- Vou aguardar o seu telefonema, meu amigo – William não estava com a melhor das caras. – Nem preciso repetir o que eu disse.
Christian, nada falou. Apenas observou William entrar dentro de casa.
- O William é muito legal – disse Suzana. – E eu pensava que ele era um retardado. Gostei muito dele.
Christian não ouviu uma palavra de sua irmã. Ele estava muito atordoado.