Apesar da crise econômica no país, o ano de 2015 foi bem próspero para minha família. Meu pai é corretor de imóveis de altíssimo padrão, como coberturas de frente pra praia, mansões espetaculares, escritórios nos edifícios comerciais mais cobiçados da cidade.
Ele costumava trabalhar para uma imobiliária de renome anos atrás, mas decidiu se tornar independente e operar sozinho com os contatos e gordas comissões que tinha acumulado ao longo dos anos.
Os clientes de meu pai não são do tipo que precisam do Minha Casa Minha Vida, nem passam aperto com as mudanças no financiamento imobiliário da Caixa. Eles são gente com bala na agulha, de classe média alta ou ricos mesmo, que podem pagar à vista, ou que recebem empréstimos de milhões a baixos juros por conta de seus bens e suas empresas.
Certa noite de janeiro do ano passado, durante o jantar, minha mãe e eu escutávamos enquanto meu pai contava a respeito de uma suntuosa cobertura mobiliada que ele estava tentando vender a um empresário. Era um simples relato de um dia comum de trabalho, até certo ponto, em que a história deu uma reviravolta inesperada:
– Então nós voltamos pro meu escritório e ele falou “Arnaldo, eu estou pronto pra fechar o negócio, mas com uma condição”. Aí ele pegou o retrato da nossa família da minha escrivaninha e disse “Eu quero uma noite de amor com este rapaz da foto”!
Eu parei de mastigar no mesmo instante. Fiquei boquiaberto. Meu garfo caiu dos meus dedos. O retrato na escrivaninha do meu pai só tem ele, minha mãe e eu. O “rapaz da foto” só podia se referir a mim!
Minha mãe também não acreditava no que tinha ouvido. Para confirmar que tinha entendido certo, ela perguntou:
– Como assim, Arnaldo? O que você está querendo dizer?
O que fez meu pai retomar o relato:
– Eu também fiquei chocado na hora e pedi pra ele se explicar. Ele falou “Arnaldo, eu quero fazer amor com seu filho. Se você fizer isso acontecer, eu assino o contrato”!
Minha mãe e eu nos entreolhamos ainda mais incrédulos que antes. Eu ainda estava sem nem saber o que dizer. Ela teve a iniciativa de questionar:
– E aí, o que você respondeu?!
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, meu pai retrucou olhando para mim:
– Eu falei que não podia obrigar meu filho a ir pra cama com ele, e que eu ia ter que perguntar primeiro se você concordava.
Naquela hora, eu quebrei meu silêncio. Minha mãe e eu falamos quase que em uníssono:
– Pai, você tá louco?!
– Arnaldo, você tá louco?!
Ele terminou de mastigar e engolir sua última garfada de comida, deu um gole no vinho e tentou me convencer com toda a calma, como se seu tom de voz manso fosse transformar aquela proposta bizarra em algo racional:
– Não estou falando que você tem aceitar. Só estou pedindo que você pense com carinho na ideia. Ajudaria a fechar uma ótima venda e quem sabe até você possa achar uma experiência gratificante.
Minha mãe exclamou indignada:
– Arnaldo!
E eu a segui:
– Pai, você tá esclerosado? Em primeiro lugar: eu não sou gay! Eu não tenho a menor vontade de transar com homens! Em segundo lugar: eu tenho namorada! Eu não vou sair por aí traindo ela! E em terceiro lugar: se eu quisesse trair minha namorada transando com um cara, ia ser com alguém que eu tivesse interesse, não um estranho qualquer que meu próprio pai arranjou só pra conseguir vender um apartamentozinho. Só de pensar me dá nojo!
Meu pai tomou mais um gole de vinho e resmungou:
– Apartamentozinho… apartamentozinho… É só uma cobertura duplex com piscina num bairro nobre. Todo mobiliado, completo com móveis sob medida. Se você chama isso de apartamentozinho…
Minha mãe falou aquilo que estava passando na minha cabeça:
– E o que isso tem a ver? O que importa o tipo do apartamento? Como é que você pode pedir pro seu filho ir pra cama com um cliente seu?!
Meu pai tentou barganhar comigo:
– Eu sei que você não é gay, mas essa sua namoradinha, você já transou com ela?
– Não…
– E com qualquer outra menina, já?
– Não…
– Já experimentou alguma coisa com algum amigo?
– É claro que não!
– Então como você tem tanta certeza que gosta disso, não gosta daquilo e tal e coisa? Você já está com dezoito anos, vai começar a faculdade daqui a alguns meses. Daqui a pouco já está formado, cheio de obrigações e compromissos. A hora de curtir e experimentar é agora!
– Você está me dizendo que eu tenho que transar com um cara qualquer agora porque depois não vou ter tempo? É esse o seu argumento? É com essa lábia que você convence seus clientes?
– Olha, você não tem que me dar uma resposta agora. Eu sei que essa é uma decisão difícil. Pensa um pouco. Me diz o que você acha daqui a três dias.
Eu parei de jantar naquele momento. Larguei meu prato sem terminar a refeição. Levantei da mesa e falei:
– Essa não é uma decisão difícil. A resposta é “não”! – e fui me retirando da sala de jantar.
– Vai pensando, tenho certeza que você vai topar… – insistiu meu pai.
– Eu já disse que a resposta é “não”! – eu reiterei enquanto seguia meu caminho, já quase nas escadas.
– Daqui a três dias a gente se fala – ele falou por último.
Já no meu quarto, de porta fechada, eu conseguia ouvir os sons das vozes dos meus pais pela casa, mas sem conseguir entender o que eles diziam. Eles estavam discutindo aquele assunto do jantar com toda certeza, porque dava pra perceber que minha mãe estava exaltada, falando alto, enquanto meu pai respondia com a voz tranquila.
As horas foram passando, as vozes se acalmando, até que, no silêncio da noite, eu fui dormir.
Na manhã seguinte, quando estávamos só nós em casa, minha mãe veio me perguntar:
– E então, filho, pensou na proposta do seu pai? Já decidiu se você quer passar uma noite com o cliente dele?
Aquilo me pegou completamente de surpresa! Até onde eu podia perceber naquele fatídico jantar, minha mãe tinha ficado tão indignada quanto eu com o desplante de meu pai em sugerir tal transação. Mas agora ela estava querendo uma resposta minha, como se fosse algo pra eu levar a sério.
– É claro que não vou aceitar! Deixei isso claro ontem à noite, a resposta é não! – afirmei com convicção.
Minha mãe suspirou, olhou para cima, voltou a olhar nos meus olhos e começou a falar algo que eu nunca imaginei que fosse ouvir dela:
– Não sei, acho que você deveria pensar um pouco melhor. Acho que vai ser uma oportunidade legal pra você…
Eu não podia crer! Minha mãe agora também estava apoiando aquele absurdo! Eu estava boquiaberto, de olhos arregalados e sem saber o que dizer.
Ela prosseguiu:
– Seu pai ligou pra esse cliente ontem à noite e eu pude falar com ele. O nome dele é César, ele tem 50 anos, é um empresário bem-sucedido e parece ser um homem muito simpático. Ele não quer só te usar. Ele te viu na foto e te achou lindo. Ele disse que quer passar uma noite romântica com você, fazer amor de verdade. Quem sabe, se tudo correr bem, isso pode até se desenvolver num relacionamento…
– Mãe, quantas vezes vou ter que repetir? Eu! Não! Gosto! De! Homem! – protestei.
– Eu sei, filho, você já falou. Mas às vezes nós temos que transar com quem a gente não quer para conseguir certas coisas. Nós mulheres somos usadas para sexo o tempo todo, por que vocês homens acham que estão livres disso?
– Agora você vai transformar isso em feminismo?
– Não, filho. Eu só acho que isso pode ser muito bom pro seu futuro. Imagina só, você tendo um relacionamento íntimo com um homem mais velho, rico e influente? Você já sai da faculdade com emprego garantido! Não precisa nem de entrevista, você já é amante do chefe!
– Ontem meu pai queria que eu transasse com esse cara. Agora eu tenho que casar com ele?!
– É claro que não, filho! Mesmo que vocês só passem uma noite juntos. Daqui a cinco anos você e outro candidato vão procurar emprego com ele, quem você acha que ele vai favorecer: um estranho, ou o caso de amor que ele teve no passado?
Eu só balancei minha cabeça com incredulidade. Estava na cara que não dava pra argumentar com minha mãe, ela já estava de cabeça feita. Foi nessa hora que eu percebi o quão bom vendedor meu pai era. Ele tinha vendido essa ideia pra minha mãe e ela tinha comprado.
Ela continuou:
– E a economia está passando por uma fase difícil. O dólar está alto, as empresas estão em apuros. Com isso as pessoas estão vendendo seus imóveis a preços mais baixos e seu pai está faturando menos nas comissões.
– E o que que eu tenho a ver com a alta do dólar? É minha culpa? A economia está ruim, então você manda seu filho meter com um empresário que quer comprar um apartamento?
– A comissão dessa venda vai ser bem gorda. A gente vai poder fazer a reforma na casa que a gente está querendo. Você sabe que o orçamento deu quase dez mil. A gente está só esperando uma venda como essa pra seguir em frente.
– Ah! Agora está explicado! Vocês só querem dinheiro! Vocês vão me prostituir pra encher os bolsos!
– Não seja ingrato! A gente te dá boa vida aqui. Não te pedimos pra contribuir com nada. Você só estuda. Pagamos suas roupas, seus tênis caros, seus eletrônicos, videogames, computadores… A cada seis meses você quer placa de vídeo de mais de mil reais!
Ela fez uma pausa. Me olhou com um olhar determinado e falou:
– Quer saber de uma coisa? Eu não vou ficar mais discutindo com você. Você vai pra cama com o César e ponto final. Vai ser bom pra você, vai ser bom pra gente, vai ser bom pra todo mundo!
Minha mãe encerrou o assunto usando sua autoridade de abelha rainha, que ela sempre usou pra mandar no meu pai, em mim e dar a última palavra em qualquer decisão lá em casa.
– Esta noite você vai falar pro seu pai que aceita a proposta. E não quero ouvir mais reclamação! – ela concluiu.
Agora eu sabia que não me restava mais nada a não ser obedecer.