Cheguei em casa e meus pais já estavam por lá, numa figura clara da família patriacarlista moderna: mamãe no fogão e papai esparramado no sofá assistindo alguma coisa inútil. Gabriel, meu irmão, já estava em casa brincando com seus bonecos, sentadinho à mesa. Estava cansado, entrei cumprimentando a todos, meu irmão não percebera minha entrada, mas como eu fazia tradicionalmente, fui até ele peguei um dos bonecos que ele não estava usando e me sentei a seu lado.
- Super-bro ao resgate – falei imitando alguma vinheta de super herói daqueles que ele gostava. Vi seu sorriso enquanto pegava algum carrinho e fazia barulho de batida, simulando um acidente.
- Socorro! Me ajudem, eu não posso morrer agora. – ainda me impressionava toda aquela criatividade de meu irmãozinho. Brinquei com ele mais alguns minutos, sob os olhares curiosos de nossa mãe Sara que cuidava das panelas enquanto eu e Gabriel brincávamos concentrados no chão.
- Mark, como foi o primeiro dia?
- Tranquilo, mãe... só a boa e velha acolhida humana – falava aquilo mais pra mim que pra ela.
- Entendo. Acha que vai conseguir chegar até o fim do contrato? – Olhei incrédulo pra ela e pensava se aquela pergunta era a preocupação de uma mãe com o futuro profissional de seu filho ou se simplesmente estava preocupada com minha contribuição para as contas do fim do mês.
- Não se preocupe mãe – foi o melhor que eu pude dizer
- Não me venha com desculpas! Agora vá dar banho no seu irmão para jantar.
Peguei Gabriel no colo, torcendo para que ele não fizesse a cena que fez mais cedo. Nossos pais não eram os mais bem humorados do mundo e eu tinha medo de que fizessem algo que o machucasse. Fomos ao banho, os dois juntos. Eu gostaria sim de apreciar um bom banho de descarrego sozinho... lembrando do Gabriel que eu, carinhosamente, apelidara de “boy do estágio” (nunca disse que criatividade era o meu forte né), pera... tenho que brincar de pirata; sem tempo pra essas coisas agora.
Nos vestimos e esperamos pela hora do gongo... eu e Gabriel fazíamos tudo juntos, ele era meu melhor amigo e eu queria que ele se sentisse da mesma forma. Claro, nem tudo eu contava pra ele como, por ex, que eu estava a fim de um cara que tinha o mesmo nome que ele, mas que era hétero. Espera, eu disse que estava a fim dele? Droga! Tenho que sair dessa... héteros não são uma raça muito boa para se apaixonar. Enfim, fomos jantar. À mesa só o bom e velho tilintar dos talheres na louça, que já não ostentava a mesma cobertura de antes.
Sim, em minha casa tudo era um pouco mecânico, sem emoções, quase se como morassem ali robôs de teste. Gabriel e eu terminamos nossa refeição e nos dirigíamos ao nosso quarto quando escutamos a voz de nosso pai, Hélio, perguntando se havíamos sido dispensados para sair da mesa.
- não pai, é que...
- é que nada, moleque. Sente-se e espere até que o último termine sua refeição ou que eu permita a saída de vocês. - olhei aflito para meu irmãozinho esperando que ele não fizesse nada que meu pai encarasse como afronta. Sentei-o a meu lado e ficamos os 4 em silêncio após aquela turbulência. Mas estava bom de mais pra ser verdade... Gabriel começou a fazer estalos com a boca o que, certamente, acenderia a ira de nosso progenitor. Sabem como é criança... ele fez 1, 2... na quinta vez só deu tempo de respirar. PÁH!
- Já chega dessa palhaçada, moleque insolente – o tapa que meu pai dera na mesa foi suficiente para me fazer engasgar com a saliva e mais ainda para assustar meu irmão que estava quase chorando – vem já aqui que vou lhe mostrar uma coisa.
- Não, pai. Vou leva-lo pra cama... ele deve estar com sono – tomei Gabriel pela mão e o levei em direção ao quarto antes que qualquer outra coisa fosse dita naquele ambiente.
Fechei a porta, repreendi Gabriel pelo que tinha feito (apesar de saber que ele era só uma criança, mas eu estava tentando protege-lo), nos vestimos e fomos deitar. Coloquei-o em sua cama e caminhei para a minha própria. Foram tantas coisas em um dia só, que eu estava completamente esgotado. Peguei meu celular para ouvir algo que me relaxasse, então recebi uma mensagem no app do balão verde... era João, meu quase ex, pedindo que eu fosse ve-lo. Eu não tinha coragem de me assumir, mas não quer dizer que eu não dava meus pulos. Não respondi e quando estava quase dormindo, sinto um puxar da minha coberta. Nem abri os olhos e já sabia do que se tratava.
- Vem, meu amor. Deita aqui comigo que nada de ruim vai lhe acontecer – dizia eu tentando me convencer mais do que a ele.
Acordamos no dia seguinte e enquanto ajeitava a casa, coloquei uma música bem alta... queria que o mundo soubesse que eu estava vivo e que, pra felicidade geral das inimigas, eu tinha acordado pra mais um dia de luta. Gabriel me ajudava como podia, dentro das possibilidades para uma criança de 5 anos. Via muito de mim nele: ambos tínhamos cabelos pretos, sobrancelhas espessas e, exceto pelo nariz, éramos quase gêmeos... claro, com 15 anos de diferença. Ele me perguntava quando teria barba como eu, ao que eu respondia que o dia que ele tivesse barba eu estaria de cabelos brancos de tanto correr atrás dele.
Terminamos nossa faxina, nos jogamos no sofá e ele deitou a cabecinha no meu colo. Pediu que eu assistisse com ele seu desenho favorito o que eu, prontamente, atendi. Apreciava cada momento que podia passar com meu irmão, pois sabia que a qualquer momento aquilo poderia acabar. Ou não! O fato é que chegou a hora de leva-lo para a creche. Sim, eu disse que estava nas férias de julho, mas meu irmão tinha que ficar com alguém enquanto nossos pais e eu não estávamos em casa. Por isso escolhemos uma creche que ficava com as crianças durante as férias escolares. Era um gasto, sem dúvida, mas eu preferia meu pequeno em algum lugar que eu pudesse fiscalizar do que com uma doida qualquer.
Enfim, almoçamos levei-o à creche e ele me abraçando bem apertado disse:
- Irmão, eu te amo do tamanho daquele shopping que você gosta. – achei tão fofo ele fazendo essa comparação, porque naquela idade a maior coisa que ele já tinha visto e à qual podia fazer essa comparação era o shopping em que eu costumava leva-lo nas horas vagas.
- Ohh meu amor! Pois eu te amo o dobro disso. – eu disse vendo os olhinhos dele brilharem – agora vai pra sua salinha e seja um rapazinho comportado.
Coloquei-o no chão e caminhei em direção ao ponto de ônibus, afinal seria um dia daqueles.
Cheguei ao prédio onde ficava o escritório e fui em direção aos elevadores e com quem topo entrando em um deles?! Acertou quem disse Cher... mentira! Era Gabriel, lindo de viver com seus óculos de artista. Fiz o que qualquer pessoa faria...
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Gratidão a Martines, Nara M, Atheno e Fernando808 pelos comentários. Nara, querida, sabemos que quem entende mesmo de escrita e intensidade é você haha sobre o Gabriel 2 ser quente e grande... vamos ver. Atheno você tem toda razão... Mark é assustado e está passando por muita coisa ao mesmo tempo; espero que este capítulo consiga demonstrar o porquê de tanta insegurança. Fernando808 parça, obrigado por me prestigiar ♥