Capítulo 16
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Encontrei Tiff na praça exatamente como combinamos. Ela não estava tão exótica hoje. Tiff tinha um visual meio punk que combinava com sua personalidade ácida. Mas Ela era uma pessoa sem igual e eu já tinha aprendido a amar seu jeito de ser. Agora ela vestia uma calça jeans clara e uma camiseta rosa bebê. Seu cabelo estava em um rabo de cavalo e sua maquiagem leve dava a impressão de que ela havia sido convertida de repente por alguma seita evangélica... não... Ela parecia alguém que tinha dinheiro.
- Tiff? – olhei espantado – O que diabos aconteceu com o seu guarda-roupas?
- há há há Não seja bobo, Guilherme. – Ela me bateu no ombro e começamos a caminhar em direção ao centro. – Nós vamos tentar entrar num hospital pra ver uma pessoa com quem nós não temos parentesco. É óbvio que essa aparência vai me abrir as portas que a minha normal não conseguiria.
- Você não tá pensando em atuar de novo né? – perguntei apreensivo.
- Não exatamente. – Ela começou a andar mais rápido. – As pessoas são muito caretas, Gui. A nossa aparência e jeito de se expressar ainda contam muito. Eu tenho um plano pra entrar no hospital, mas se você tiver um melhor... Qual era o seu plano pra entrar no hospital, afinal?
- Bem... – não queria admitir que eu ainda não tinha pensado em nada – Eu ... estava pensando em... em procurar o pai do Ben e dizer que nós éramos amigos da escola e ver se ele nos contava o que aconteceu.
- ahã... E daí ele iria te contar os podres da família, te abraçar e chorar todas as mágoas. – Tiff me olhou incrédula e sarcástica – Ele é um militar osso duro, Gui. Ele sempre abafou todos os casos do grupinho deles. Os poderosos da cidade. Com certeza ele vai inventar alguma desculpa aceitável pro caso do filho.
- Ok. Então qual o seu plano? – Perguntei. Nós já estávamos em frente ao prédio do Hospital.
- Acompanhe as minhas deixas! E não estrague tudo! – Tiff piscou pra mim e entrou no hospital caminhando mais apressadamente em passos curtos. Como se ela fosse uma boneca e alguém tivesse dado corda demais.
Acompanhei Tiff o mais rápido que pude, passando pelo corredor que levava à sala de visitas e à recepção.
- Bom dia! – Falou a balconista. Uma mulher asiática de óculos de grau estilo gatinho.
- Bom... bom dia. – Tiff gaguejou e eu olhei pro seu rosto achando que tudo iria pelos ralos, mas vi seus olhos vermelhos e a cara de sofrimento. Voltei para o seu lado e apertei seu ombro em solidariedade. – Eu... Meu noivo... Ben. Ele...
- Desculpe, você está bem, minha filha? – Perguntou a outra recepcionista, uma senhora loira, frente à paralização da asiática que deveria ser nova. A mulher viu uma lágrima cair dos olhos de Tiff e lhe estendeu um lenço. – Tome!
- Obrigada! – Tiff representava brilhantemente – Preciso ficar calma. – ela respirou fundo - Meu noivo. Ele deu entrada aqui no Hospital na noite de ontem. Seu nome é benjamin Thompson e eu preciso vê-lo imediatamente.
- Desculpe filha – Disse a mulher consternada – Mas o senhor Benjamin não está recebendo visitas.
- Mas eu não sou visita, minha senhora... – Tiff levantou a voz – Eu preciso vê-lo! Pelo amor de deus! Eu não posso sair daqui sem vê-lo... e se ele não voltar pra casa? E se ele acordar e não me vir do lado dele? Por favor!
- Certo... – A asiática olhou pra Senhora loira que assentiu em um gesto. – Eu vou te levar até o quarto dele. Mas apenas por 10 minutos. O pai dele deu ordens específicas.
As mulheres passaram pelo balcão e a asiática pediu que a seguíssemos. Tiff apertou a mão da Senhora loira com força. – Obrigada, mesmo! – E então olhou pra mim. – Por favor, meu irmão, me segure eu não sei se vou aguentar o choque de vê-lo nesse estado. – Ela se reclinou no meu ombro e a Loira assentiu de novo à asiática, que permitiu também a minha passagem.
Cruzamos um corredor comprido e subimos quatro andares no elevador. Naquela ala, que parecia a melhor que vimos até ali. Os quartos eram individuais. Entramos no 408.
Tiff segurava a minha mão. Quando a enfermeira abriu a porta revelando um quart imaculadamente branco eu gelei por dentro. Uma janela ao canto deixava entrar finos raios de sol num canto. Uma cama grande estava no centro onde um rapaz adormecido repousava. Eu apertei forte a mão de Tiff. Até aquele momento eu tinha em mente que tinha ido ali para ver como ele estava. Pra brigar com ele por ser tão estúpido e por me fazer sentir culpado à toa. Por ser tão filhinho de papai. Mas ele estava ali. Deitado e tão branco. Com todos aqueles aparelhos conectados nele que apitavam constantemente e registravam algo num computador.
Meu coração apertou e pareceu bater tão forte e lento que pulsava em meus ouvidos. Ele parecia morto. Eu quase não via seu peito se mexer. Eu queria correr, arrancar todos aqueles fios e bater nele até ele acordar. Mas ele parecia tão frágil. E Tiff me segurou.
- 10 minutos. – Falou a enfermeira, saindo do quarto.
Tiff agradeceu de novo e, quando a mulher saiu, correu pro lado da cama e começou a ler os papéis que estavam sobre uma mesinha.
Eu caminhei até a cama. Meu corpo não respondia aos comandos do meu cérebro. A distância parecia tão grande que quando finalmente alcancei a cama me sentia esgotado. Toquei o braço dele, estava frio. Engoli em seco.
- nanana leucócitos nanana glóbulos vermelhos.... – Tiff ia lendo os exames em voz baixa.
Passei a mão nos cabelos dele. Seu rosto não mudou. Aqueles caninhos em seu nariz e o fino tubo que saía de sua boca me davam agonia. Percebi que ele ainda respirava fraco. E então, sem saber o porque lembrei do dia em que eu entrei no seu quarto e ele sorriu pra mim. Um sorriso tão aberto e honesto. Ele procurava o caderno com as partituras do piano e coçava a cabeça como um menino. Meus olhos estavam vermelhos. Ele era um menino.
- Guilherme. – Tiff não tirava os olhos do papel. – Aqui diz que ele tomou altas doses de algum tipo de remédio. O quadro indica tentativa de suicídio. Ele foi colocado em coma induzido e ainda não está fora de risco. Aquela enfermeira é tão displicente... deixar qualquer um entrar assim com um paciente nesse estado...
Eu não consegui aguentar e um soluço abriu as portas da represa das minhas lágrimas. Logo a dor estava correndo como rios dos meus olhos. – Por quê você... fez isso... seu idiota. Você tem tudo! Seu burro! – eu não aguentava. Queria bater nele bem ali.
Tiff se assustou e correu pra me segurar. – Calma Gui. Por favor. Os seguranças vão vir.
- Ele... é um idiota. Eu odeio esse garoto. Eu quero ir embora.
- Calma Guilherme. – ela me sacudiu me trazendo pra realidade. – Calma. – Ela me abraçou e eu realmente pude me acalmar. Ou pelo menos parar de chorar. – Ele vai ficar bem. Ele é o Ben. Ele é forte.
Tiff não sabia de tudo, ela não sabia quão emocionalmente frágil e atormentado o Ben poderia ser. Ninguém sabia. Só eu. A única pessoa pra quem ele se abriu, numa noite na piscina à meia noite. A única pessoa com quem ele pôde ser verdadeiro. E eu o abandonei.
- Eu te odeio Ben. Você tá me ouvindo! – Falei me soltando de Tiff e apontando pra ele. – Você não vai me fazer sentir culpado! Você... – Eu não tinha mais palavras, precisava de ar. Abri a porta e fui embora voltando pelo caminho que tínhamos passado. Tiff veio rápido e assustada atrás de mim.
Passei rápido pela recepção e bati a porta. Tiff ficou se desculpando com a senhora loira que nos deixou passar. Ouvi um – Desculpe eles eram como irmãos. O meu irmão está muito chocado.
Andei de um lado pro outro na frente do hospital. Havia uma cafeteria do outro lado da rua. Um café viria a calhar. Atravessei, pedi um e sentei na mesinha próximo à janela. Vi quando Tiff saiu preocupada e olhando pros lados. Acenei pra ela e ela me viu. Atravessou a rua. Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos. Meu coração agora batia rápido e forte. Tiff sentou à minha frente com um copo de café. Bebeu um gole e me observava. Ela não falou nada. Eu não podia ouvir nada nesse momento. Sua mão apertou a minha que estava sobre a mesa.
- Ele... é um idiota. Como ele pôde tentar... – perdi a voz e engoli.
- Guilherme... – ela olhou nos meus olhos – Eu vou dizer uma coisa que eu acho que você talvez não saiba. E eu preciso que você escute.
- É o que, agora, Tiff?
- Eu acho que você é o burro dessa história. – ela abaixou os olhos, buscou forças e continuou – Eu acho que você ama esse garoto. De verdade.
- Não seja ridícula, Tiff. Eu odeio ele... e agora mais do que nunca!
- Não se engane Guilherme. Porque você não pode enganar ninguém, meu amigo. Eu tô vendo nos seus olhos. Eu vi naquela sala. E estou vendo agora.
- Eu amo o Noel, você sabe disso.
- É verdade... Isso é verdade. Mas você não pode negar que o Ben esteja aí... morando em um cantinho do seu coração. Que ver ele naquela cama e saber que... que se o pai dele não tivesse chegado a tempo... Ele teria conseguido o que tentou fazer... – Ela levantou deu a volta e sentou ao meu lado. – Saber que você ia perder ele pra sempre.
Olhei pra janela. Não queria que ela me visse chorar de novo. Ela tinha um dom de ver a verdade em mim. E eu não queria ser descoberto. Eu mesmo ainda não tinha forças pra admitir essa verdade.
- Vem cá. – Ela me abraçou. – Ele vai ficar bem. Não foi sua culpa.
- E se ele não ficar bem? – eu não pude conter as lágrimas mudas que caíam. – Não tem ninguém lá com ele, Tiff. Ele não tem ninguém com ele. – Ele não tem ninguém, mais uma verdade que me socava no estômago.
Ela se afastou. – Ele tem sim, Gui. Ele tem você. Agora limpa essa cara e volte pra lá.
- E se ele não acordar? Eu não sei se eu ia aguentar isso. – admiti finalmente.
- Por quê você não ia aguentar? – Ela riu condescendente.
- Você adora estar certa sobre tudo, não é? Você é desprezível! – Levantei fingindo indignação. Ela levantou comigo. – Eu não vou dizer!
- Tudo bem, Guilherme. Agora se recomponha e vamos lá.
Fui ao banheiro e lavei o rosto. Quando pareci apresentável, saí. Tiff conversava animada com o rapaz do balcão. Um moreno realmente bonito. Ela anotou algo num papel quando me viu e veio ao meu encontro.
- Você não perde tempo! – ri pra ela.
- Por favor, Guilherme você é tão egocêntrico! – ela me socou de leve no ombro e me pegou pela mão dando um tchauzinho pro rapaz que sorriu pra ela.
Fiquei na recepção do hospital toda a tarde. Tiff pediu informações e me explicou que ele tinha sido colocado em coma para não resistir ao tratamento, tendo em vista a tentativa de morte. O pai dele precisava viajar de novo e deixou tudo nas mãos do médico de confiança da família. Eles só explicaram tudo isso porque Tiff já sabia o básico e como havia uma ordem de sigilo os enfermeiros sabiam que se Tiff sabia o básico é porque o pai de Ben teria contado para ela. E ela era a noiva. Nada mais natural.
Nenhum dos amigos de Ben apareceu. Regina não apareceu. Será que eles sabiam? Desconfiei que não. Pelo que Tiff falou o Sr. Thompson jamais admitiria para a sociedade que havia problemas no paraíso. Uma tentativa de suicídio abalaria fortemente a imagem da família Thompson.
A noite chegou demorada. Liguei pro vovô e expliquei que um dos meus amigos tinha sofrido um acidente e que eu estaria no hospital até ele melhorar.
Disse à Tiff que ela não precisava ficar, mas ela insistiu. – O que eu tenho de melhor pra fazer em casa, afinal? Novela por novela... eu prefiro a da sua vida.
- Senhorita... – Falou uma voz masculina. Um enfermeiro. – O seu noivo. O sr. Thompson. – meu coração quase parou. Olhamos assustados para ele. – Ele está fora de perigo. O efeito do coma induzido deve passar pela manhã.
Deixei o ar fugir percebendo que estava prendendo ele até agora. Um alívio me invadiu. Ele estava fora de risco. Ele ia viver. Eu não tinha perdido ele pra sempre. Eu queria subir agora mesmo e olhar seu rosto, ficar olhando e esperar que seus olhos se abrissem pra ter certeza de que era verdade.
- Você é tão dramático, Guilherme. – disse Tiff rindo e colocando a mão no meu ombro. – Olha você aí todo preocupado ainda. Eu sabia que ele não ia morrer. Afinal você xingou ele de todos os nomes na minha frente. Ele não deixaria você escapar sem uma vingança.
- Não deixaria mesmo... – sorri finalmente. Não depois de ser humilhado na frente da Wilson.
Rimos aliviados. Mas eu ainda trazia um peso comigo.
- Em que posição isso coloca a minha vida agora, Tiff? Você que é tão boa de analisar as coisas? – falei baixo.
- Como assim?
- Quanto ao Noel. Eu o amo de verdade. Ele é tão perfeito, ele é tudo o que qualquer pessoa poderia querer. Mas eu não posso realmente me enganar. O Ben está mexendo muito comigo. Eu não posso pensar em não ver mais ele. Eu estou tão confuso.
- Vamos nos concentrar em um problema de cada vez, Gui. Você é jovem. É normal estar confuso. O amor não funciona como nos filmes. A gente olha uma pessoa e puff, ela te quer e você quer ela e pronto e acabou. Na vida real as pessoas são confusas e não sabem o que querem da vida. Às vezes você pode se apaixonar por características diferentes de duas pessoas.
- Mas o que eu faço?
- Por enquanto... nada. Vamos pensar nisso com o tempo. Seu coração vai dizer.
- Senhorita – O enfermeiro veio rápido – Desculpe, mas...
- O que houve?? – Levantei apressado.
- O sr. Thompson. Ele está se mexendo. Saindo d efeito do coma antes do previsto. Achamos que seria mais reconfortante pra ele se ao abrir os olhos visse alguém de quem gosta. Assim ele pararia de resistir à nossa ajuda. A senhorita pode me acompanhar?
- Claro... – Tiff me olhou com olhos arregalados -... mas... Eu preciso que o meu irmão vá comigo.
O enfermeiro considerou... – Seria apenas para a família. Estamos já abrindo uma exceção.
- Meu irmão e meu noivo eram praticamente família. Depois do casamento eles serão da mesma família. Por favor?
- Ok... ok... Se não tem jeito.
- Vamos Gui! – Ela me pegou pela mão. Seguimos o mesmo caminho pro quarto dele, que agora era iluminado por luzes artificiais.
- o Dr. Anderson está a caminho. – falou o enfermeiro. Ele pegou duas cadeiras e colocou ao lado da cama. Tiff pediu um copo d’água.
Nos sentamos. Notava que vez ou outra o Ben se mexia na cama. Lutava contra os aparelhos. Levantei e, com a ajuda de uma enfermeira que estava ali, íamos afastando suas mãos incertas.
Ele tossiu e seus olhos começaram a abrir. Eu toquei seu rosto e olhei pra ele. Ele parecia confuso.
- G.. Guilherme? Eu... eu... tô aqui ainda?
Ele tornou a fechar os olhos. Eu engoli em seco. A enfermeira não pareceu perceber nada de estranho. Para ela éramos apenas bons amigos.
- Ben. Eu tô aqui. – Ajeitei seu cabelo. Tiff ficou de braços cruzados fingindo preocupação. Ou ela estava de fato preocupada. Não sabia.
Ele olhou pra mim de novo e sorriu um sorriso de canto.
- Por um momento eu pensei que tinha conseguido. Pensei...
- Não fala isso, Ben! – segurei seu rosto pra que ele olhasse nos meus olhos. – Por favor. Nunca mais!
Ele parecia melhor. A enfermeira ajeitou ele na cama que agora parou mesmo de resistir. O Enfermeiro chegou com a água. Tiff pegou e pediu pra ficar a sós com ele, ela colocou um tom de comando na voz. Eu fiquei, mas os enfermeiros saíram.
Sentei na cama ao seu lado - Por que você fez isso?
Ele olhava pra parede agora, mas sua mão subiu pela minha perna e segurou a minha.
- Obrigado... sabe... por estar aqui.
- Não seja besta, Ben! É lógico que eu viria. – Toquei seu rosto e ele finalmente encontrou meus olhos nos dele. – Eu... eu estou do seu lado. Lembra?
- Eu... – Ele viu Tiff atrás de mim – Wilson? O que ela tá fazendo... – Ele engoliu em seco sem forças de brigar.
- Calminha, capitão. Esse é o último lugar onde eu queria estar. Mas o Guilherme precisava de mim pra entrar aqui.
- Tudo bem, Ben. Eu confio a minha vida na Tiffanny. Ela não vai falar nada.
- Onde está o meu pai?
- Ele... ele precisou viajar. Mas ele deve voltar amanhã e é por isso que eu vou ter que ir embora ao amanhecer.
- Que horas são agora?
- Deve ser quase 2 da madrugada.
Ele fez um silêncio. – A quanto tempo vocês estão aqui?
- Desde que eu soube... mas... não se preocupe... ninguém mais sabe.
Eu respirei fundo.
- Desculpa bem... eu... eu não deveria ter ido embora daquele jeito...
Ele apertou minha mão. – Isso não é sua culpa, Guilherme. Eu... eu já estava num quadro depressivo há muito tempo.
- Mas foi justo nesse dia... tem que ter alguma relação... eu não consigo parar de pensar nisso.
- Eu... É muito difícil pra mim continuar todos os dias a desempenhar o papel que eu desempenho na minha vida, pra ser o que eu preciso ser. – ele não olhava pra mim – Quando você foi pra minha casa eu só senti como era poder ser livre. E... pensar em voltar pra gaiola depois disso não foi fácil.
- Você não precisa ser assim. Você pode ser o que quiser Ben. As pessoas vão te aceitar com o tempo, Ben.
- Mas eu não aceito, Guilherme. Você não vê? Eu não aceito! – Seus olhos ficaram marejados. – Quem escolheria essa vida? Eu queria ser diferente. Eu queria casar e ter filhos. Eu queria amar a Regina como ela me ama e sentir com ela o que eu sinto com... com você. Eu não aceito que eu não possa comandar o meu corpo. Eu... eu só queria deitar e dormir. É a única hora em que eu tenho paz. Eu queria dormir e não acordar mais. Desligar. Eu nem quero ir pro céu onde alguém possa me explicar que isso que eu sinto é errado ou que é normal. Eu quero sumir. Eu quero apagar esse Benjamin da existência.
Eu dei um tapa forte com as costas da mão na cara dele que logo ficou marcada de vermelho vivo. O estalo do impacto silenciou tudo a nossa volta. Minha expressão era de pura fúria. Tiff estava chocada e Ben, paralisado olhando para a parede e engoliu em seco. Senti minha mão molhada das lágrimas dele.
- Você é tão crianção! Você é ridículo, sabia? – disparei sem pensar – Você não pode ser tão egoísta. Você não pode entrar na minha vida, mexer comigo e me fazer descobrir que eu te amo e preciso de você... e você não pode me tirar isso tudo assim.
Ele olhou chocado pra mim sem saber o que falar. Eu olhei pra ele.
- Eu não estou aqui por pena, Ben. Nem por culpa. Eu estou aqui porque eu te amo. E eu só não podia admitir isso pra mim mesmo. Porque você é tão maluco e complicado. E eu tenho um namorado e uma vida. E tô completamente confuso com isso tudo. Porque isso tudo que eu sinto por você não se encaixa em lugar nenhum das nossas vidas. E pode ser errado ou impossível, mas quando eu pensei no que você fez... no que você tentou fazer... Eu senti que uma parte de mim estava morrendo junto com você e eu não aguentaria isso.
- Desculpa... – foi só o que ele disse.
Eu deitei do lado dele e abracei seu peito. Ele respirou fundo o cheiro do meu cabelo e repetiu as suas desculpas.
- Por favor... não faz mais isso. Não pensa mais nisso! – eu implorei – nós vamos achar um jeito. Eu prometo. Você vai ficar bem.
- Desde que minha mãe morreu... Eu não pensei que alguém se importasse de verdade. – ele falou finalmente fungando o nariz e escondendo seu choro.
Tiff deu a volta na cama e sentou do outro lado. Eu sabia o quanto isso era duro pra ela, depois de tantas ofensas do Ben. Mas de alguma forma eu vi compreensão em seus olhos. Ela apertou a outra mão dele. – Você pode ser um cabeça dura, tirano, obsessivo e drogado. Mas eu acho que até você merece encontrar a felicidade. – Essas foram suas palavras pontuadas com uma lágrima.
- Cala a boca, Wilson. – foi o que Ben disse de volta em um olhar condescendente pra ela.
Ficamos ali os três sentados. Acariciei os cabelos dele depois. Tiff foi buscar café. Ajeitei ele sentado. – Essa roupinha de hospital tá uma graça em você – brinquei.
- Você tá doido pra eu levantar pra vc ver minha bunda né. Sossega aí senão eu chamo a enfermeira.
Eu ri. Ele estava disposto de novo. O que era um bom sinal. Ele adormeceu logo o sol nasceu. Tiff dormia no sofá. Eu ouvi um barulho e desci da cama. Um homem alto, branco e de cabelos curtos pretos entrou no quarto. Devia ter uns 30 anos. Ele estava de jaleco e trazia nas mãos uma prancheta.
- Bom dia. – falei.
- Bom dia. – Seus olhos tinham um ar longe oriental, ou talvez ele os apertasse assim. Tinha quase dois metros. – Eu sou o Dr. Anderson. Estou à frente do caso do seu...
Engoli em secocunhado... ele... é o noivo da minha irmã. Mas é como se fosse meu irmão também.
- Certo. Você é...
- Guilherme. – Estendi a mão e ele apertou num toque suave e firme. Tinha alguma coisa diferente com aquele médico. Eu podia sentir no ar. Mas queria focar no caso do Ben. – Ele vai ficar bem, doutor?
- Você quer descer à cafeteria do hospital pra conversarmos melhor? – me perguntou levando a mão ao meu ombro.
- Não. Não aguento mais café por hoje!
- Vamos ao corredor então.
- ok. – acompanhei ele para fora.
- Ele está estável agora. Vamos aguardar o pai dele chegar pela manhã para assinar os papéis da Alta. Os medicamentos já saíram do sistema dele. Mas encontramos também nos exames altas doses de álcool no sangue e resquícios do que parece ser cocaína. Em baixa quantidade.
Cocaína? Essa me pegou de surpresa. O que Ben estava fazendo consigo mesmo?
- Vejo que você está surpreso, Sr. Guilherme.
- Sim... eu não sabia desse último elemento – olhei pra Ben dormindo. Ele era tão grande e forte, mas ao mesmo tempo, cada vez que eu descobria suas falhas ele se parecia mais jovem e frágil.
- Tome. – Ele me estendeu um lenço. Eu estava chorando de novo. Que droga... eu não tinha percebido. – Vai ficar tudo bem. Estamos condicionando a alta a um acompanhamento psicológico. O quadro depressivo do Sr. Thompson já me preocupava, mas deve ter havido uma piora.
- Pois é... eu vou tentar ajudar no que for possível.
- Você me parece ser um bom amigo. Eu nunca te vi por aqui antes.
- Eu sou relativamente novo na cidade. – Abri a porta e olhei Ben dormindo. – E ainda não sofri nenhum acidente, então acho que a gente não ia se ver muito mesmo por aqui...
- É uma pena... Digo – ele sorriu um sorriso largo e seus olhos negros brilharam – Bom que você esteja inteiro. Mas o seu amigo vai ficar bem. Ele só precisa se cuidar e largar essas porcarias.
Assenti. Sorri pra ele que continuou andando e olhou pra mim antes de virar a esquina do corredor, dando um ultimo sorriso e tamborilando com a caneta a prancheta.
Nossa... será que isso era o que eu tinha achado que era? Enfim... deixa pra lá.
Fiquei sentado próximo à janela. Acordei Tiff quando vi que tinha dado 7 horas. Acordei Ben.
- Eu tenho que ir. Seu pai vai chegar a qualquer momento. – falei sentando na cama e olhando pra ele.
- huhum – ele assentiu segurando minha mão e olhando pra Tiff.
- Tá legal... tá legal... – Tiff virou de costas – Você sabe que eu ainda vou saber o que vocês fizeram né.
Ben me puxou e me olhou profundamente – Eu não vou mais me machucar se isso machuca você. – foi o que ele disse e eu não pude resistir a ele. Me aproximei e o beijei. Seus lábios estavam um pouco ressecados. Mas os meus o umedeceram. Bem respirou profundamente sentindo meu cheiro pela última vez.
- Eu vou te visitar, Ben. – falei.
- Me liga. – Ele pediu.
- Vamos Gui. – Tiff virou de volta. Ela caminhou até mais perto e bateu com um tapinha na perna de Ben. – Fique bem logo, Thompson! A escola não seria o mesmo inferno sem você.
Ele riu e ela também.
- E não me faça dormir num hospital de novo! Eu to toda quebrada!
Eu saí com Tiff bem a tempo. Quando atravessamos a rua ela me mostrou o carro do pai de Ben. Ele desceu. Vestia uma roupa preta. Tinha um porte realmente de soldado. Deveria ter por volta de 45 anos. Cabeça raspada. Ele entrou autoritário pela recepção. Corremos rápido.
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Eu não sabia o que faria daqui pra frente. Estava muito confuso com tudo aquilo. Eu não queria de fato amar Ben, eu estava me envolvendo num problema de grandes proporções ao lado dele. Eu queria ajuda-lo, mas achava que ia me prejudicar com tudo aquilo.
Quando cheguei em casa vi duas malas ao lado do sofá.
- boa tarde, Guilherme. – a voz veio da cozinha
- Mãe. – olhei pra ela eu estava de braços cruzados no batente.
- nós precisamos conversar.
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Continua...