Vamos Nós Três - Parte 3

Um conto erótico de calango86
Categoria: Homossexual
Contém 1416 palavras
Data: 23/02/2016 17:49:10

PARTE 3

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Terminando a partida de boliche, acabamos esticando a noite em uma lanchonete 24 horas que funciona no posto de gasolina perto de casa. Na fila, prestes a fazermos os pedidos diretamente no caixa, a conversa em pauta era a vitória da Vanessa no jogo. Fernando colocava a culpa de sua derrota nas canaletas suspensas, dizendo “Elas me desconcentraram! Juro!”. O que ninguém pareceu reparar, enquanto eles argumentavam e gesticulavam, era numa segunda competição que se desenrolava ali mesmo, naquele momento, de modo silencioso: o jogo de gato e rato entre Leandro, Alexia e eu.

Ele tentava disfarçar o interesse que um engravatado bonito, sentado numa mesa próxima à fila, lhe despertava. Eu tentava disfarçar que estava observando os olhares furtivos de Leandro para o cara. Já Alexia, parecia tentar disfarçar para Leandro que havia contado o segredo dele pra mim. Acho que eles tinham uma intimidade grande, porque desde aquele sussurro em meu ouvido ela havia se portado de modo estranho com ele, desconcertada, como se sentisse culpa. Acho que ele notou que havia algo de errado, mas eu não o conhecia o bastante para saber se havia adivinhado a razão desse comportamento dela. “Deixa estar”, pensei, “eu não tenho nada a ver com isso”. Ou tinha? Afinal, ao reparar que ele engolia o cara com os olhos eu poderia dar bandeira, mostrando que já sabia. Por via das dúvidas, peguei o celular e fingi que digitava uma mensagem com a melhor poker face possível. E o pior é que também queria secar o gatinho de gravata. Droga de vida no armário.

Após fazermos os pedidos, para meu alívio, ocupamos uma mesa afastada do pivô de toda essa minha masturbação mental. A Vanessa alegou estar com calor e preferiu sentar-se próxima à porta de entrada, para pegar a corrente de ar que entrava sempre que alguém a abria. O assunto do boliche esfriou e, finalmente, foi deixado de lado assim que os sanduíches chegaram.

- Então, Leandro... A Alexia me contou que você esteve na Europa recentemente, né? – comentou Vanessa, enquanto desembrulhava seu lanche do papel que o envolvia.

- Aham – ele se limitou a responder, com a boca já cheia de comida da primeira mordida.

- E do que você mais gostou lá? De que lugar, essas coisas...

Enquanto ganhava tempo para pensar, Leandro apertava a bisnaga de maionese sobre seu sanduíche. Após um curto instante, seu rosto pareceu ser iluminado por alguma lembrança especial. Até sua voz ganhou um tom mais vívido quando ele falou:

- Ahh sim, claro! Foi em Roma, na Itália. Curiosamente, foi num dia em que eu já havia bebido tanto vinho que pensei que meu último destino possível seria a cama. – riu, pousando o lanche na mesa, já prevendo que demoraria pra contar sua história. – mas eu estava enganado. Às vezes, quando eu bebo, gosto da sensação de liberdade que andar sem rumo me traz. E, dessa vez, seguir o caminho contrário ao hostel me levou à praça onde fica a fonte Fontana di Trevi. Mas não pensem vocês que é uma simples fonte, não! É um monumento: estátuas enormes de Netuno, cavalos alados, seus súditos... Joguem no Google depois pra vocês verem. Sério! É linda. Continuando...

“Não sei se foi o álcool ou o fato de eu estar a milhares de quilômetros de casa, ou mesmo as duas coisas juntas, mas aquela visão da fonte me emocionou a ponto de deixar meus olhos marejados. E não parou por aí. Enquanto eu estava lá, olhando o pessoal atirar moedas na água e fazendo pedidos, uma figura bizarra se aproximou. A princípio, achei que era um mendigo que ia catar o dinheiro jogado. Mas não. Ela (era uma mulher) parou do meu lado, e pude perceber pelas roupas que era uma espécie de cigana. Sei lá, era estranha pra caramba. Tinha um ar de sabedoria e misticismo que não sei explicar. Ela deve ter reparado que eu não era dali e falou em inglês, já presumindo que eu entenderia uma língua tão universal. Mas minha impressão é a de que ela poderia ter falado em qualquer outro idioma que quisesse, te juro. Pelo que entendi, ela lamentou aquele povo jogando moedas para pedir carros do ano. E disse que, há muito tempo, as pessoas buscavam a fonte para conseguir algo muito mais nobre: o amor eterno. Casais de namorados bebiam juntos a água da fonte, em um copo, e depois o quebravam. De algum modo, ao partir o objeto em pedaços eles garantiriam que seu sentimento nunca seria despedaçado. É... Eu acho que foi esse o episódio que mais me marcou. E olha que eu não tinha nenhum copo e ninguém comigo, imagina se tivesse! Hahaha”

Depois que o Leandro terminou seu relato, todo mundo na mesa precisou de um tempo para processar as informações. Acabei ficando, de certo modo, comovido. Achava que se tratava de uma pessoa fria afetivamente, pelas coisas que a Alexia me contava. Mas agora eu via que, por ser gay e não assumido, como eu, ele se escondia numa concha de desprendimento emocional. A minha diferença pra ele era o fato de minha concha ser a fachada de um namoro heterossexual com alguém que eu adorava como pessoa, mas não amava como amante.

Poucos segundos depois, o Fernando descontraiu o clima ao falar, rindo:

- Certo, muito bacana tudo isso. Mas a história começava com você bêbado, se não me engano, né? Essa cigana falando inglês, aí... Tem certeza que você tomou só vinho?

Rimos bastante. Empolgados com a experiência do Leandro, todos começaram a querer dar seus próprios relatos de viagens marcantes. Enquanto devorávamos os hambúrgueres, a Vanessa contou sua experiência como mochileira pelos países da America Latina, sem um tostão no bolso (“Gente, era só a pobreza! Carona o dia inteiro e uma vez tive que cagar no mato. Nunca dei tanto valor a um papel higiênico na vida!”), enquanto a Alexia exaltava a beleza das praias nordestinas que já tinha conhecido.

Quando terminamos de comer, já no início da madrugada, despedimo-nos na saída da lanchonete. Como tínhamos ido ao boliche no carro do Fernando, eu e Alexia pensamos que voltaríamos com ele e Vanessa, até porque ficaríamos no caminho pra casa deles, mas o Leandro insistiu em nos levar:

- Gente, deixa eu fazer esse favor, é pertinho e eu to motorizado! Peguei o carro do velho emprestado. Alê, você já me abandonou na escola, não faça isso de novo em tão pouco tempo...

- Apelão! – disse ela de forma brincalhona – Você sabe que não precisa desse drama todo. Além disso, Deus sabe quantos favores você me deve. Então, vamos!

No carro, eles foram na frente e eu atrás, naturalmente. Quando o Leandro ligou o rádio, ele estava sintonizado num canal de notícias. Após mudar de estação até que aparecesse alguma música, escutamos o início de Iris, do Goo Goo Dolls. Foi nesse momento que, enquanto já movia a mão em direção ao som do carro para trocar de canal, Alexia falou “Ahhh não, essa música, não!”. Na hora, eu gritei “NÃO TIRA!” ao mesmo tempo em que o Leandro deu um tapinha afastando a mão dela. Percebendo que ele também queria ouvir, aproveitei pra falar “Dois contra um, Alex! Pode deixar aí!”. Na hora do refrão, eu e ele sabíamos a letra e cantamos juntos com o vocalista:

“And I don`t want the world to see me

'Cause I don`t think that they`d understand

When everything is made to be broken

I just want you to know who I am”

O resto do trajeto foi regado a muitas risadas. Repassamos a noite na cabeça, relembrando todas as bobagens que a Vanessa tinha falado e o jeito como o Fernando sempre engrossava a voz quando queria algo, apenas para obedecer a namorada em seguida. Por fim, ele me deixou na rua em frente ao meu bloco e seguiu para deixar a Alexia na casa dela. Despedi-me de ambos, dizendo que ligaria para ela e agradecendo a ele pela carona e por me ajudar a deixar a música rolar.

Subindo no apartamento, tomei um banho e bebi meia jarra de água gelada antes de me deitar. Fiz tudo com o máximo de silêncio, para não acordar a mamãe. Na cama, rolei, sentei, mexi no celular, fixei o olhar no teto, mudei de posição mil vezes. Não conseguia dormir de jeito nenhum. Foi somente com o dia amanhecendo que me dei conta do porquê. Estava a fim do amigo da minha namorada.

(FIM DA PARTE 3)

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