Guerreiro

Um conto erótico de Jader Scrind
Categoria: Homossexual
Contém 7423 palavras
Data: 05/02/2016 21:38:27
Última revisão: 05/02/2016 21:51:53
Assuntos: Gay, Homossexual

PRIMEIRA PARTE - OS GAROTOS DA BEIRA DO ABISMO

Dois garotos sentados na beira do abismo. Arthur ria de alguma coisa que Paulo acabara de dizer, era uma piada das que mais faziam sucesso por ali, falando de o quanto o rei andava gordo e velho e desleixado. Paulo olhou discretamente pra maneira que seu amigo ria, Arthur parecia um menino rindo, era meio escandalosa sua risada e ele tinha vergonha dela, pelo menos na frente de outras pessoas, por isso Paulo gosta de vê-lo rindo daquela maneira, a cada riso um sinal de que Arthur confiava nele. E além daquele abismo a vastidão azul do céu, a vastidão azul do mar, e no canto, lá a oeste, o suntuoso castelo real, que mesmo sendo ali próximo, nunca foi visitado por nenhum dos garotos. Eles não eram da realeza, os meninos sentados na beira do abismo.

Paulo estava sem camisa, suavam, fazia calor, e além disso vieram correndo pela campina, depois por entre as árvores da floresta, para cá, o lugar onde gostavam de passar as tardes. Arthur era mais tímido e tinha manchas de suor na camisa, entre o peito e a barriga.

– Um dia ainda vou ter coragem de saltar daqui – Arthur falou, olhando lá para baixo, as ondas que batiam nas paredes do rochedo. Só de pensar em saltar lá embaixo sua barriga tremia, era assustador, era capaz de morrer, mas ao mesmo tempo parecia de uma liberdade, de uma adrenalina que era tentadora. Quantos homens já tiveram coragem na história do reino a saltar dali? Talvez ninguém, e se ele fizesse isso podia ser a pessoa mais corajosa que já existiu por ali, mesmo que não fosse contar pra ninguém, se não sua mãe mataria ele de tanta preocupação, mesmo assim ele saberia em segredo que era muito corajoso.

– No dia que você saltar daí eu me torno rei disso tudo!

– Você duvida? – Arthur provocou, um meio sorriso, ele era mais novo que Paulo, dois anos apenas, mas ainda assim as vezes parecia agir de um jeito tão maduro, tão adulto, que desconcertava o outro, porque Paulo se sentia infantil do lado dele, quer dizer, não infantil, mas... despreparado. Nunca sabia o que poderia vir de Arthur, que loucura aprontaria aquela peste do seu amigo, na maioria das vezes Arthur colocava os dois em problemas, mas em todas as vezes era divertido. – Está mesmo duvidando da minha coragem, senhor Paulo? – ele esticou os braços fazendo menção de pegar impulso, flexionou o corpo para frente, inclinou para baixo, a um passo de saltar...

Mas Paulo o puxou de volta pela camisa. O puxou para trás e o fez cair deitado na grama rente. Não, não duvidava dele, Arthur era louco, Arthur gostava de fazer essas coisas por impulso, Arthur tirava Paulo da sua zona de conforto, fosse com suas atitudes, fosse com o jeito que seus olhos ardiam em meio a grama verde, quando ele estava assim deitado, como se camuflavam no verde aqueles olhos, e como se escondiam bem aquelas sardinhas na sua pele clara, e como pegavam fogo aqueles cachos ruivos do seu cabelo, fogo, no corpo todo de Paulo pegava fogo estar assim com seu amigo mas ele não podia demonstrar, eram garotos, Arthur era seu amiguinho mais novo – embora caminhassem ambos para a maioridade do reino, Paulo no ano seguinte, e Arthur dois anos depois dele – e eram meninos e era proibido. Não por lei, mas proibido porque viviam numa terra arcaica em que as pessoas julgavam quem vivesse com outro alguém do mesmo sexo. Viviam numa terra retrograda em que era motivo de piada. Viviam numa terra de falsa ideologia em que todo mundo gostava de aplicar a lei dos bons costumes nos outros e não em si mesmos. E eram meninos na beira do abismo, e não podiam fazer essas coisas, Paulo nem sabia se Arthur sentia essa estranha chama lá dentro, essa eletricidade. Não podia falar nada porque se falasse e não fosse correspondido Arthur podia se afastar dele, contar para o vilarejo todo e seria o fim da amizade, seria o fim dessas tardes deles dois sentados na beira do abismo, ou brincando com suas espadas de madeira, ou treinando lutinha na mata, essas coisas de meninos.

– Agora que você duvidou de mim eu vou saltar sim! – Arthur falava ainda, entre risos e tentativas de se levantar outra vez, mas Paulo não deixou, se pondo deitado sobre o corpo dele, prendendo-o assim, imobilizando-o, e os dois juntos, um acima do outro, na beira do abismo, na beira do rosto um do outro, eu não duvido de você, eu sei que você tem coragem, mas não quero que pule, olhando nos olhos dele e dizendo isso Paulo pedia por favor que não fizesse aquilo, por ele, o ar difícil de ser respirado quando estavam assim tão perto, se olhando, se aproximando o peito de ambos se tocando quando, arfantes, deixavam o vento sair dos pulmões e bater no rosto do outro, suave.

– Pula comigo.

– É perigoso.

– E você quer ser guerreiro tendo medo do que é perigoso? – Arthur disse, e pareceu aquela frase como um dos golpes de espada que ele dava em Paulo quando treinavam sozinhos para se tornarem guerreiros. Paulo sonhava em se tornar guerreiro, em fazer parte da guarda real, que ficava para dentro dos portões do castelo, protegendo os casarões dos nobres e o próprio castelo. E iam para guerras, mas há muitos anos que não havia guerras. Arthur dizer aquilo era como por em cheque essa coragem que Paulo dizia ter para se tornar guerreiro, a profissão mais perigosa que existia, com certeza. Mas assim como nos golpes de espada, Paulo contra-atacou com uma frase igualmente afiada e cheia de significado:

– É perigoso pra você.

– Eu também não tenho medo, vou ser guerreiro igual você, Paulo.

Ele queria ser guerreiro mais pelo amigo do que por achar que tinha jeito. Gostava de treinar com Paulo, gostava de lutar com espadas e queria muito ir junto quando o seu amigo fosse para dentro dos muros reais, uma vez que se você se torna guerreiro, não pode mais deixar seu posto, nem para visitar a família, amigos, ou garotos-de-olhos-verdes-e-temperamento-impulsivo-que-você-sente-alguma-coisa-mas-não-sabe-bem-o-que-é. Paulo fez menção de sair de cima dele, porque não gostava do rumo que aquela conversa estava tomando, sempre, sempre dizia que não queria que seu amigo virasse guerreiro também, era perigoso, era muito bruto, era uma profissão em que ele não podia ficar por perto, como estava agora, onde não podia impedir Arthur toda vez que ele quisesse saltar de um abismo. Mas assim que seu corpo ameaçou sair de cima, Artur o pegou pelos braços e o manteve ali “Se você sair, eu juro que salto”. E sorriu, maliciosamente, como se já tivesse descoberto que aquele seu sorriso tinha poder sobre Paulo, tinha poder de derrete-lo, aquele sorriso verde da cor dos olhos, aquele sorriso vermelho da cor dos cabelos e dos lábios carnudos, o de baixo mais que o de cima, e Paulo olhando-o assim de tão perto, de centímetros apenas, já sentia que não teria forças, que cada vez ficava mais difícil guardar esse segredo e que Arthur não ajudava em nada fazendo essas brincadeiras, deixando os dois sempre agarradinhos, deixando seus corpos em contato. A menos que Arthur também quisesse? Quais eram as chances, no reino todo, a única pessoa que parecia ter medo disso que sentia por dentro e que os outros julgavam errado, era amigo justamente da outra única pessoa que sentia o mesmo? Se fosse noite, teria estrelas, astros, planetas alinhados, signos e ascendentes anunciando se aquele sentimento era real, mas era dia e o céu parecia um deserto azul. No meio de tantos pensamentos, um outro: “Vontade de beijar essa boca, chupar esse lábio”, Paulo se assustou porque estava se aproximando da boca dele sem pensar em como isso podia gerar conseqüências caso Arthur não sentisse o mesmo, e se dando conta disso, afastou-se e tentou outra vez sair de cima dele. E outra vez Arthur não deixou, agora o segurando pelas costas nuas e bronzeadas e suadas, com as duas mãos, como num abraço.

Arthur odiava ser tratado como criança, como alguém frágil. Era só Paulo que fazia isso, que as vezes pegava leve na hora de lutarem com espadas temendo machucá-lo, e Arthur sabia que era porque seu amigo queria protege-lo, achava que por ele ser mais novo talvez não fosse tão preparado, mas droga, as pessoas já engravidavam meninas na sua idade, ele não era assim tão novo. Já sabia lutar como homem, já sabia se esconder na mata e já sabia que quando pensava em Paulo tinha vontade de se tocar. Mas mesmo assim gostava de brincar com Paulo, tinha todos os motivos para querer se afastar dele, o que os outros iriam pensar, da forma que os julgariam e até a maneira que Paulo poderia reagir se não quisesse aquilo. Mas Arthur não tinha medo. Arthur, ao contrario do outro, não temia tanto assim nada disso. Ele era mais impulsivo e era por impulso que ele mantinha Paulo preso ali, seu amigo loiro e de olhos azuis cândidos, com tanta cara de garoto nobre, da realeza, cara de príncipe que as meninas do vilarejo sonhavam que viesse do castelo e que passando por elas se apaixonaria e as levaria na garupa do cavalo branco para um mundo de riquezas e glamour para dentro daqueles altos portões do castelo. Mas Paulo não era príncipe, ele visivelmente pegava mais sol que um príncipe deve pegar dentro daquelas altas torres, porque Paulo ajudava o pai a arar a terra e plantar repolhos, e tinha corpo de lavrador, musculoso e dourado de sol, e tinha porte de homem do campo, e que encantavam Arthur, mais magrinho que ele, mais magrinho que seu amigo mais velho que o ensinava tudo o que precisava saber sobre lutas de espadas, e que fazia Arthur ter sonhos febris. Porque Paulo mesmo com aquele cabelo loiro de príncipe e olhos de príncipe e jeito de príncipe, era plebeu, assim como Arthur, e a maioria das garotas não dava bola para meninos pobres, queriam subir de vida. E as poucas que não ligavam para isso, e se apaixonavam por ele, não sabia o que no fundo Arthur suspeitava, espertinho como ele era para esses assuntos mesmo sendo novo. Que Paulo também sentia isso por ele, essa coisa sem nome, esse amor que não se pode proferir o nome, Arthur desconfiava porque queria acreditar nisso, e também porque o pau de Paulo estava cutucando o seu corpo, duro como uma espada de madeira. Era hora de mostrar que ele não era nenhuma criancinha.

A partir daí não houve pensamento, não houve um planejando o que fazer e o outro tentando entender alguma coisa. A partir daí era só os corpos dos dois agindo sozinhos, buscando sozinhos a água que mataria aquela sede. A partir daí um roteiro do corpo:

A mão de Paulo tocando o cabelo de Arthur abaixo dele, os cachos ruivos que de fios finos, se desfaziam ao seu toque e depois se formavam outra vez.

Os dois braços de Arthur que estavam nas costas de Paulo o enlaçaram mais firme, o puxaram mais para perto, os mamilos de Paulo tocando na camisa de Arthur, estavam arrepiados, podia sentir. As mãos de Paulo desenhando linhas imaginárias naquelas costas que de tão macias, pareciam deixar que os dedos deslizassem.

As pernas de Paulo pedindo espaço, afastando as pernas de Arthur uma da outra, e ele ficando no meio delas, no meio dele, gostou de estar ali, bem no lugar certo, seu pau avisava que aquele era o lugar certo, mesmo ainda vestidos os dois, aquele era o lugar certo. E seus dedos saíram dos cachinhos ruivos e deslizavam pela pele do rosto, as sardas, os lábios, o queixo, o sorriso.

As mãos de Arthur subiram para o seu queixo, o puxaram para perto.

Os lábios de Paulo sedentos, ardendo, buscando aqueles outros lábios que se entreabriam na sua frente.

Os olhos dos dois se fechando.

E o beijo, com seu choque, com sua irracionalidade e sua explosão sensitiva. Dois garotos na beira do abismo, e que sentiam a adrenalina e a liberdade a mil, como se tivessem saltado e agora, em queda livre, voassem. Voassem nos lábios um do outro, voassem na direção da morte ou de algo ainda melhor que aquele beijo, como o mar lá embaixo, ou como o corpo deles lá embaixo, latejando de tão necessitado. Mas eles eram novos e não sabiam de muita coisa, iam descobrindo. E o beijo era só o toque dos lábios, porque não sabiam tudo ainda, iam descobrindo, e Paulo pôs o lábio de Arthur por entre os seus e o sugou um pouco mais forte, gostoso, o gosto, a sensação, a maneira que a mão de Arthur apertou mais sua nuca, o puxando ainda para mais perto, gostando daquilo.

Mas aí o roteiro do corpo acabou. E a mente veio, os pensamentos voltaram, e com eles os outros, a sociedade, e o que iriam pensar, e isso estragou tudo. E Paulo afastou os lábios, arfando, respirando com dificuldade, sentindo o suor começar a brotar por causa daquele simples momento, simples mas eterno momento. E viu quando Arthur abriu os olhos e sentiu um carinho tão grande por ele e aquele jeito doce dele abrindo os olhos que se soubesse o que era amar alguém, diria que amava aquele menino, amava seu amigo. Mas não sabia e julgava que um homem só podia amar uma mulher, como nas histórias, como nas famílias do vilarejo, ele não sabia que isso podia ser assim, e temeu. Por ele e por Arthur, e saiu de cima dele e se sentou outra vez do lado, a cabeça entre as pernas. Arthur se levantou, o rosto vermelho, intenso demais aquele salto no abismo do beijo e mesmo assim ele queria de novo, ele não queria que parassem, Arthur era impulsivo e sabia que naquele momento era só aquilo que ele queria, não precisavam pensar no que daria, era só continuar e ir deixando.

– Que foi?

– Nada – Paulo respondeu, mas na sua voz e no seu jeito dava para ver que não era nada. Era tudo.

Artur se sentou também, os dois olhando para frente agora. Era isso? Ficariam sem tocar no assunto? Sem saber o porquê de estarem tão quentes que a grama ao redor já podia estar em chamas e eles em perigo de morrerem queimados naquela floresta na beira do abismo onde gostavam de se encontrar porque sabiam que ninguém do vilarejo tinha coragem de ir, era isso? Vontade de saber uma frase que soubesse explicar tudo, mas nenhum deles sabia, então o silêncio tinha que servir.

– A gente precisa voltar pro vilarejo – Paulo falou, segundos depois – Daqui a pouco vai anoitecer...

Arthur olhou para ele, um pouco tímido, porque sabia que Paulo não queria que ele olhasse para ele, Paulo não conseguia saber que aqueles olhos verdes estavam na sua direção e não olhar de volta, e não sorrir de volta, para ele. Olhou, mas não sorriu, apenas se levantou, pegou sua camisa amarrotada na grama, e a espada de madeira com a qual haviam brincado uma meia hora antes.

– Eu vou depois, quero ficar mais um pouco.

Arthur ainda olhava para ele quando Paulo estava dando passos para trás, na direção da mata a caminho do vilarejo e antes de sumir por entre os troncos das arvores, seus olhos azuis se voltaram para o amigo, e ele ainda não sorria, mas os seus olhos não estavam com raiva nem mágoa nem nada ruim, quer dizer, apenas uma coisa ruim, nos seus olhos, Arthur logo farejou, havia medo. E também carinho, mesmo com o medo, mesmo sabendo de tudo o mais, havia carinho porque Paulo não queria magoar Arthur, mas também não podia deixar que ele virasse uma escoria no vilarejo. Consigo não se preocupava, mas com ele sim. E quando Arthur perguntou, daquele seu jeito pivete e impulsivo se Paulo ia vir amanhã também Paulo sabia que devia dizer não, ou devia ficar em silencio e dar as costas e partir, mas não conseguia, não conseguia ir contra o que ele estava desejando, não conseguia ferir Arthur, ainda mais agora que sabia que Arthur tinha aquele sentimento ali dentro também, não conseguia e mesmo com medo, ele disse:

– Sim, venho sim – e viria sim, com certeza sim, com certeza contaria as horas, com certeza viria sedento, com certeza ia pedir mais um beijo, mas amanhã, amanhã, tinha tempo pra tomar coragem, pra deixar de temer os outros.

E partiu feliz porque antes de dar as costas viu seu amigo sorrir. O ruivo era lindo sorrindo, Paulo gostava dele rindo e foi embora lembrando da imagem dele rindo e seu pai falou que na manhã seguinte Paulo teria que arar o terreno deles todo outra vez, porque na noite anterior uma tempestade voraz destruiu tudo o que eles haviam plantado, e já eram pobres, e já eram plebeus, e já quase passavam fome no vilarejo perto do castelo mais rico e suntuoso do reino, mas Paulo não queria pensar em nada disso, só disse ao pai que faria sem problema, porque assim a manhã passava mais rápido e chegava mais rápido a hora de ver Arthur de novo na tarde seguinte.

Arthur lá na beira do abismo pensava o mesmo, o quanto ainda faltava para o dia vir, a tarde seguinte enfim chegar e estar ali outra vez com ele. E o sol se escondia ao longe, e as estrelas ameaçavam surgir para iluminar o rosto do garoto que ainda sorria com as pontas dos dedos sobre os lábios, como se ainda houvesse ali vestígio do beijo, vestígio do cheiro de Paulo, do gosto, e sorria, e não via a hora de chegar amanha. Levantou-se, mas antes de ir embora, olhou para baixo, o abismo lá embaixo. Um dia saltaria, jurou a si mesmo, porque não tinha medo. Mas não hoje, hoje já foi um abismo que ele havia saltado e seus pelos ainda não tiveram nem tempo de baixar, seu coração ainda não voltou ao bater normal, seu corpo ainda não se recuperou do abismo. Mas um dia saltaria, porque também era corajoso, porque também seria guerreiro, porque sabia que se não fosse guerreiro ficaria longe de Paulo. Para sempre. Proibido visitas aos guerreiros. E isso, isso ele não podia deixar acontecer. Pegou sua espada de madeira e voltou para casa também.

E sonharam em febre, e tiveram quase que carregar a madrugada nas costas que sozinha ela não queria andar, ficavam acordando de hora em hora, para ver se a luz do sol já havia chegado, mas demorava, as horas custavam dobrões de ouro para passar. E quando por fim passaram saltaram da cama porque não agüentavam ficar deitados esperando. Paulo ia para a pequena plantação nos fundos da casa fazer o que seu pai pedira, mas antes vira ele e a mãe conversando, e ela chorava porque não havia pão. Sua mãe, sua mãe não merecia chorar, sua mãe não merecia essa pobreza em que viviam. Porque era injusto mas viviam numa época em que parecia normal o governante ser muito rico e o povo mal assistido, numa terra de absurdos em que ninguém via para onde ia o alto valor dos impostos cobrados. E Paulo odiou a sua miséria, odiou o que passavam, e foi para a plantação sem falar com pais para que não soubessem que ele os vira, e outra vez jurou a si mesmo que quando virasse guerreiro, tudo o que receberia iria para os pais, para que melhorassem de vida.

E aí é que o destino entra, como num conto de fadas, naquela tarde que ele terminou apressadamente de comer o almoço e nem precisou dizer aos pais para onde ia, porque eles mesmos já sabiam o quanto o filho gostava de brincar com aquele outro menino e nem ligavam porque era bom para ele ter amigos e não passar o dia todo trancado em casa então assim que ele pegava aquela sua espada de madeira para onde estava indo. É aí que o destino entra para embaralhar tudo, porque Arthur já lá na beira do abismo não sabia que as coisas não aconteceriam como ele imaginava, que Paulo nunca chegaria ao seu encontro naquela beira de abismo, que eles não se beijariam naquele dia outra vez como ele supunha, sorrindo, esperando, olhando o infinito além, porque no caminho para lá, Paulo também pensava nele, também ia de encontro a ele querendo brincar aquela brincadeira nova com seu amiguinho, como podia ter demorado tanto para descobrir aquela brincadeira afinal de contas? Sempre quis aquilo, e nem tinha o que pensar sobre isso, não era nada além de uma brincadeira entre dois garotos num esconderijo deles, não havia problema enquanto ninguém soubesse de nada, e no fundo, pela primeira vez, ele gostou da idéia de Arthur ser um guerreiro também porque assim eles poderiam continuar juntos, ele não queria, ele não podia ficar longe de Arthur e correndo pela mata, quase no lugar onde o encontraria, ouve alguém chorando, e era voz de menina, e ele para de correr e encontra ali, jogada na relva uma menina de roupas elegantes, machucada na altura do joelho, chorando, e vai até ela e pergunta o que houve.

– Meu cavalo, ele estava muito rápido... eu caí, não consigo me levantar – ela dizia entre as lagrimas que jorravam dos seus olhos azuis, tão azuis quanto os olhos de Paulo, e não era só nesse aspecto que eles eram parecidos, mas ela também era loira, e parecia muito com alguém da realeza, enquanto ele, ele era justamente o que ela esperava encontrar quando fugiu do pai que ameaçava promete-la em casamento a um príncipe patético qualquer, ele era o que ela procurava, com seu corpo bruto e olhos cândidos, mas feições de nobre, e ela parou de chorar quando percebeu isso, e quando ele ofereceu para ajuda-la ela sorriu e agradeceu.

Como num conto de fadas. Ela disse que era princesa, ele disse que o rei então devia estar preocupado com ela. Ela disse que então já era hora de voltar, mas não conseguiria ir sozinha e sem o cavalo que a essa altura já devia estar a milhas de distancia. Ele sabia o que ela queria, e tentou negar, e tentou explicar que tinha um compromisso naquela hora, que havia alguém esperando por ele. Mas ela, ela era princesa, ela era criada para nunca ouvir um não e disse que o rei podia pagar muito ouro para ele se ela assim pedisse, e que ele não iria se arrepender de levá-la. E Paulo não podia negar dinheiro, Paulo não podia esquecer da imagem dos seus pais pobres tendo que sobreviver da plantação de repolhos e mesmo que sofresse por deixar Arthur sozinho, ele teria o dia seguinte para explicar isso ao amigo, e pedir todas as desculpas, e fazer tudo o que ele quisesse, porque Paulo gostava de fazer o que Arthur pedisse e se dissesse não à princesa podia atrair a ira do rei mais tarde, talvez até Arthur concordaria com ele quando explicasse tudo no dia seguinte e ele, ainda um pouco hesitante, disse que então estava bem, ele levava ela. E ela não conseguia andar e ele a pos nas costas e voltou na direção oposta, pelo caminho mais curto para o castelo que era ali pela floresta mesmo e ela ia conversando com ela pelas horas da jornada e ela gostava cada vez mais dele e ele percebia que ela estava gostando dele e ele imaginava que aquilo, aquela simpatia que ele também criou por ela fosse amor. Ou essa coisa que chamam de amor, e que só existe entre um homem e uma mulher. Era diferente do que sentia por Arthur, e que era mil vezes mais intenso e entorpecedor e avassalador e ao mesmo tempo suave e tranqüilo. Como se o que sentisse pela princesa fosse amor, mas por Arthur fosse mais que amor, muito mais.

Como num conto de fadas, a princesa se apaixonou pelo plebeu, mas nos contos de fadas não havia o outro lado da história, não havia o menino ruivo sozinho na beira do abismo que, horas depois, percebeu que Paulo não viria, e que talvez aquele beijo da tarde anterior, aquilo não devia ter acontecido, e agora possivelmente Paulo estava com vergonha dele, ou nojo, e Arthur se levantou quando o sol abaixou assim como a esperança de que ele ainda pudesse aparecer, e Arthur foi embora e no caminho de volta para casa encontrou, jogada no chão, a espada de madeira de Paulo e ele soube que Paulo foi até ali, que Paulo chegou a metade do caminho, mas então voltou, foi embora, talvez com algum motivo que não tivesse a ver com Arthur, mas ainda assim esperaria para ouvir do próprio Paulo alguma resposta. Que nunca veio.

Nunca veio.

Porque Paulo ao passar pelos muros que separavam o vilarejo pobre das casas ricas dos nobres e o castelo do rei, não tinha como saber que lá dentro a princesa ao estar de volta com o rei, um velho gordo e desleixado exatamente como Paulo imaginou que fosse, esse disse que aquele sim era um rapaz nobre, não um sangue azul mais covarde que um rato, mas um nobre no sentido viril da palavra por te-la trazido nas costas por todo esse trajeto e continuado sem parar para descansar nem quando a noite já havia caído, e a princesa que era com um nobre assim que ela queria casar. E Paulo pensou que fosse uma espécie estranha de brincadeira, não sabia dessa ridícula falta de bom senso dos governantes e que idéias mal planejadas na mão de quem tem poder podem se tornar realidade. Mas não naquele momento. O rei não respondeu ao comentário da filha, mas no seu olhar era visível que ele considerara a idéia quando sua filha se juntou a ele e o abraçou no trono e Paulo ainda estava parado diante dele, com todo o respeito prostrado na frente do alto trono, e o rei disse que já era tarde para que voltasse para casa, e que naquela noite ele dormiria ali no castelo, para que na manhã seguinte desfrutasse do desjejum real como recompensa por ter salvo a vida da filha do rei. E que um dos copeiros trataria de acompanha-lo a um dos muitos quartos do castelo, e lhe daria roupas novas e tudo mais que precisasse. E Paulo disse murmurando baixinho que não podia passar a noite fora sem avisar aos pais.

– EU SOU O REI E FARÁ O QUE EU DIGO! – o rei, que até então parecia tão cordial e simpático, bradou em resposta e ficou vermelho e furioso e Paulo temeu que o mandassem para forca pela sua indiscrição em responder ao rei. – Agora vá para o quarto, seus pais não lhe punirão por obedecer ao rei.

E Paulo foi então, em silencio, seguindo o copeiro, um rapaz um pouco mais velho que ele, que assim que saiu da presença do rei entrando num dos corredores, disse para Paulo:

– Não se preocupe, as vezes ele dá essas explosões, mas ele é um bom rei e um bom homem. E você será famoso no vilarejo depois que souberem que dormiu uma noite no castelo real...

– Ele me pareceu um tirano, isso sim – Paulo respondeu, e só depois percebeu que aquele copeiro podia contar isso ao rei e aí seria seu fim, mas quando viu que o copeiro nem se espantou com a sua frase, apenas sorriu, Paulo percebeu que aquele rapaz ali poderia ser seu amigo porque podia confiar nele, e perguntou seu nome.

– Gabriel. E o seu?

– Paulo. Prazer em conhecê-lo, Gabriel. E aí, como você chegou a trabalhar no castelo do rei?

– Minha mulher trabalha aqui, minha mãe trabalhou aqui, foi só uma questão de aparecer uma função para mim também, como tenho certeza que os dois filhos pequenos, quando crescerem também terão um oficio nesse castelo, é a vida, sabe?... bom, este é o seu quarto, Paulo, no armário há tudo o que você puder precisar, e ah antes que eu me esqueça – Gabriel ainda dizia, enquanto Paulo estava deslumbrado olhando tudo o que havia naquele quarto, que devia ser maior que a sua casa inteira lá no vilarejo. – Nunca vi a princesa Luiza dizer uma coisa daquelas ao rei, eu sei que pareceu ridículo, e corro o risco de ser indiscreto, mas como você parece um rapaz que sabe guardar segredo, eu vou dizer mesmo assim: a princesa é uma pessoa inteira ridícula. Ela foi muito mimada, por todos depois que a rainha morreu, e o rei não costuma dizer não a nenhum dos pedidos dela, por mais estapafúrdios que seja, então não duvide se amanhã alguém aparecer aqui e te disser que ela quer se casar com você de verdade.

Paulo olhou para seu mais novo amigo que ainda estava na soleira da porta, uma sobrancelha erguida, meio que esperando que Gabriel dissesse que aquilo era alguma brincadeira. Mas não era.

– O quê? Mas eu não posso me casar com ela! Eu não posso me casar com ninguém, eu vou ser um guerreiro, guerreiros não se casam.

Gabriel abriu um pequeno sorriso – Se tem uma coisa que eu aprendi vivendo nesse castelo, é que a gente só é quem o rei quer que a gente seja, e se o rei quiser que você seja um príncipe, você será um príncipe...

Depois disso, trocaram uma meia dúzia de frases sem importância, sobre a hora do desjejum e a posição do banheiro no longo corredor do castelo, e Gabriel disse que qualquer coisa que Paulo precisasse, era só chamar.

Agora, sozinho no quarto, com as lamparinas todas acesas, Paulo olhava pela janela e via todo o mar ali à frente, e lá no outro lado do penhasco, o abismo, aquele em que ele e Arthur estavam sentados na tarde do dia anterior, e Arthur deve ter ido lá essa tarde também, e esperado por ele, e isso o deixou com um aperto enorme no peito, porque Arthur deve ter ficado preocupado, chateado, magoado por ele não ter aparecido. Arthur esperou por ele, e Paulo não apareceu. E agora daria tudo para poder conversar com ele sobre tudo isso que estava acontecendo, Arthur, impulsivo do jeito que era, com certeza diria para Paulo aceitar tudo o que aparecesse. Arthur não pensava nas conseqüências e Paulo sabia que se ele não fosse desse jeito, se ele pensasse nas conseqüências, não teria beijado Paulo daquele jeito. Porque a conseqüência era se apaixonar. Foi dormir pensando nele e sonhou com ele, aqui nesse castelo também, os dois meninos juntos.

Na manhã seguinte Gabriel entrou no seu quarto quando o jovem loiro ainda estava mergulhado no sono. Nunca dormira numa cama tão macia, e como queria sentir bem os lençóis, dormira nu, o que não espantou seu amigo copeiro, que via coisas muito mais espantosas entre os hábitos dos nobres, e avisou que Paulo precisava se levantar, tomar um banho e se vestir da melhor maneira possível, porque um dos conselheiros do rei teria uma conversa com ele, e isso só podia ser algo muito importante. E meia hora depois, dois guardas vieram e pediram que Paulo os seguisse. Com roupas de nobre, com o cabelo penteado de maneira a destacar o rosto dourado e os olhos azuis, Paulo podia muito se passar por um deles, dos condes e barões que viviam freqüentando aquele castelo, e talvez essa tenha sido também a impressão do senhor muito magro e muito velho que recebeu Paulo numa sala discreta e cheia de livros, que não seria assim tão difícil cumprir o pedido do rei.

– Olá, rapaz.

– Bom dia, senhor – Paulo disse, querendo ser o mais educado possível, com medo de cometer outra indiscrição como a da noite anterior diante do rei.

– Sente-se. Bom, vejo que a princesa não mentiu, que você é um rapaz muito valoroso e sem aquela fisionomia sofrida do povo do vilarejo...

Paulo não respondeu, e não fazia idéia de onde aquele senhor queria chegar com isso tudo.

– Escute, eu não sei as razões que levam o rei fazer tudo o que sua filha desejar, como se fosse uma menina de dezessete anos a governar esse reino todo. Não entendo, mas não desacato. E também não sei o que você fez com a princesa enquanto a trazia para cá, mas ela está absolutamente encantada com o “herói que a livrou da morte na mata” e já disse ao rei que só se casará com alguém se for contigo. Deve imaginar como o príncipe do reino vizinho irá se sentir quando souber disso, uma princesa casada com alguém que não oferecerá nada ao reino, tolice, tolice. Mas bem, vivemos num reino de tolos, então, meu jovem, você será o homem que desposará a princesa, e trará ao mundo o nosso novo rei...

Paulo levantou os olhos azuis assim que ouviu aquela frase. Não, não, não, ele não podia casar. E sua família? E o oficio de guerreiro? E Arthur que esperava por ele na beira do abismo? Iria protestar mas na primeira silaba o ancião o fez calar-se – Ainda não terminei, meu jovem.

Era como se todo mundo naquele castelo quisesse tomar as decisões por ele, ninguém quisesse saber o que ele pensava a respeito de nada, nem deixavam que falasse uma palavra, o rei, a princesa, o sábio...

– Como você pode imaginar, essa idéia teimosa da princesa é uma idiotice. E poderia nos levar a guerra, sabia? Seria uma desonra aos príncipes que foram oferecidos a ela, saberem que a princesa do nosso reino os rejeitou para ficar com... bem, com você. Então a minha função é tornar essa idiotice um pouco menos idiota, diminuir os danos, se você me entende. E para isso, faremos de você um nobre, assim, quando se casarem, teremos pelo menos um motivo para justificar essa união. Quantos anos faltam para a sua maioridade, rapaz?

Paulo estava chateado e não queria responder, estava de cabeça baixa, apenas ouvindo ao velho que queria definir seu destino todo, mas então, ele percebeu que aquele senhor não diria nada enquanto ele não respondesse, como se tivesse todo o tempo do mundo, e Paulo pensou ser melhor responder logo para que aquilo não se estendesse mais que o necessário, disse apenas – Um ano.

– Bom, vamos fingir que são dois, como também faltam dois para princesa, ninguém saberá. Hoje mesmo mandaremos guerreiros ao vilarejo, você irá junto e mostrara onde é sua casa, eles pegarão seus pais e o trarão para cá. O mais breve possível vocês três serão levados para algum ponto distante do reino, onde seus pais serão nomeados condes, e, isso é o mais importante, fingirão que sempre foram da realeza. Ninguém jamais poderá saber que um dia você já foi plebeu, entendeu, rapaz? Terão aulas de comportamento e de conhecimentos diversos, se transformarão em pessoas de berço rico, e daqui a dois anos você voltará para esse castelo e tornará publico que como conde, gostaria de desposar a princesa, e seu pedido será aceito. Compreende aonde quero chegar com toda essa articulação? Ninguém desconfiara que sangue plebeu corre nas veias dos futuros filhos da princesa, e é preciso que continue assim, para a paz do reino. Alguma coisa que ainda não entendeu?

– Eu... eu... eu serei guerreiro, não nobre...

– Faria do rei seu inimigo e da princesa uma provável algoz somente pelo seu sonho de se tornar guerreiro? Deixaria tua família na miséria e todo o futuro do reino em perigo apenas para se tornar guerreiro? Eu não estou te oferecendo duas escolhas, porque você logo perceberá que só sendo um nobre é que você terá algum futuro.

Aquilo foi uma ameaça? O sábio com aqueles olhos quase cegos de tão esbranquiçados estava insinuando que caso, Paulo negasse fazer parte do plano estaria sendo mandado para a execução?

– Pode sair da minha sala, rapaz, Paulo, seu nome, não é? Bom, daqui para frente se chamará Rômulo, é um nome mais sugestivo para um futuro príncipe, não acha? Agora saia, Rômulo.

Era real aquilo tudo, apesar de parecer louco, agora ele era Rômulo, agora ele precisava mudar para Rômulo. Parecia ao mesmo tempo um pesadelo e um sonho bom, sua vida agora era outra, literalmente outra, até seu nome era outro e Rômulo queria esbravejar, fugir, trazer as coisas outra vez para como sempre foram, ele e Arthur brincando com espadas, sonhando em ser guerreiros. Mas ao mesmo tempo, estava se contendo de tanta felicidade, porque seus pais seriam ricos, sua vida seria muito melhor, e a vida deles também. Talvez pudesse levar Arthur junto para essa casa distante, daria um jeito nisso, só não podia perder a chance de tirar seus pais daquela vida em que eles sofriam tanto. E por isso, quando Gabriel chegou no seu quarto e perguntou como foi tudo, o que o sábio queria com ele, ele respondeu explicando toda a conversa que tivera, e depois, com um olhar meio feliz e meio assustado, acrescentou – A partir de agora, seria bom que você me chamasse de Rômulo.

Como um conto de fadas. Gata borralheira. As posições invertidas, a princesa vindo para resgatar o plebeu do seu mundo de pobreza. A princesa que ele só veria outra vez dois anos depois, quando já se tornasse realmente um nobre, uma farsa, mas ainda assim um nobre. E casariam-se então. E viveriam na riqueza e na meia felicidade. E ele não se tornaria mesmo um guerreiro, mas nem tudo estava perdido, podia ter seu amigo de volta, quando entrou numa das carruagens que o levaria para o vilarejo e traria com ele seus pais, Rômulo pensava que poderia encontrar Arthur, e levar Arthur junto, talvez até mentir e dizer que Arthur era seu irmão, para que a família toda pudesse vir, e explicaria a ele, e a sua felicidade finalmente estaria completa, com ele. Mas Rômulo não imaginava que seria daquele jeito, com aquela truculência toda dos guardas, um deles só deixava que Rômulo olhasse da janela, mas nunca saísse da carruagem fechada. E o outro saiu da carruagem quando o rapaz mostrou onde ficava a sua casa, e na outra carruagem que os acompanhava, mais dois guerreiros do rei saíram e entraram na sua casa, minutos depois trouxeram o casal, seus pais, com violência, não tratavam bem os plebeus e nem imaginavam que dali a dois anos aquele casal não seria mais um casal de plebeus, ninguém podia ficar sabendo de nada. O reino dependia disso. Ninguém no vilarejo nunca mais os veria outra vez, como nunca viam mesmo os nobres e nunca viram sequer o rei, pensariam que a família estava morta, o plano tinha tudo para funcionar, não fosse ele chegar lá na hora, o outro garoto da beira do abismo, que ia na casa de Paulo sem nem imaginar que Paulo agora não existia mais, o loiro se chamava Rômulo, seria um nobre, e estariam em mundos opostos, talvez nunca mais se vissem alem daquela ultima vez, no momento em que os pais de Rômulo foram postos na outra carruagem e as duas seguiram viagem e Arthur do lado de fora o viu, mesmo com a cortina separando os dois, ele viu seu amigo naquela carruagem, e Paulo também, o viu, a última coisa que Paulo viria antes de ser tornar Rômulo de vez, a única pessoa que ainda o segurava a sua antiga vida. Seu amigo. Seu querido amigo. Talvez mais que um amigo, gritando Paulo! Paulo e indo atrás da carruagem, correndo, e Paulo vendo ele ali, Paulo querendo chamar por ele também, pedir que parassem o trote dos cavalos e permitissem que ele entrasse, leva-lo consigo, mas o guerreiro do seu lado disse que aquele moleque do lado de fora só podia ser um louco, não havia nenhum Paulo naquela carruagem, e Rômulo não podia lhe contar a verdade, não podia dizer que o conhecia, que ele fazia parte da sua vida, não podia, para o bem da sua família, talvez até para o bem do próprio Arthur, que não podia estragar o plano do rei, então Rômulo apenas o olhava, chorando, olhava correr atrás da carruagem, confuso querendo saber porque seu amigo estava ali dentro daquele carro de luxo, querendo saber porque também não chamava por ele, não descia da carruagem e vinha falar com ele. Por que não foi na beira do abismo encontrar com ele? E Arthur não agüentava mais, não podia correr mais e foi ficando, e foi sendo deixado, pelo amigo, deixado para trás.

Mas.

Essa história bem podia ser um conto de fadas. De meninos. E contos de fadas não terminam assim. E contos de fadas geralmente não prosseguem assim como essa história prosseguiu, com os pais de Rômulo sendo incluídos no plano do rei, e dois dias depois sendo mandados junto com ele para uma província que de tão distante, demorou três semanas de viagem, tempo esse que Rômulo pensava em Arthur. E depois, nos meses que se seguiram, pensava em Arthur. A cada aula que tinha, a cada lição que aprendia para se tornar um deles, para matar ainda mais o já extinto Paulo, e deixar apenas Rômulo, o nobre educado e que nunca conheceu a pobreza. Nunca conheceu a pobreza nem os lábios do menino ruivo na beira do abismo.

Mas Arthur sim, Arthur se esforçou para esquecê-lo. Arthur todas as tardes continuou treinando com a espada, com raiva, com dor. O menino impulsivo ficou para trás naquele dia da carruagem, e não voltava mais. Ele cresceu, ele caiu e agora tomava cuidado para nunca mais pisar em falso, se tornou adulto depressa naqueles meses seguintes, e um jovem viril e solitário, que treinava nas matas e não gostava de companhia de qualquer um, que depois podia abandoná-lo. Mesmo havendo boatos de que a família de Paulo havia sido executada no castelo por algum motivo, por isso foram levados daquela maneira e nunca mais voltaram, ele não acreditava nisso, ele sentia que Paulo o deixara para trás e continuava vivo e bem, só escolhera a opção de não estar com ele. E Arthur jurava a si mesmo que nunca mais entregaria o coração a uma amizade assim, nunca mais se dividiria com alguém de tal maneira para depois se ver partido ao meio. Esqueceria Paulo, e se todas as tardes no ano seguinte ele ia para aquela beira de abismo, não era para lembrar do amigo que o deixou, era para lembrar da falta que ele sentia, era para nunca esquecer que fora traído pelo amigo, que fora deixado para trás pelo amigo mais velho, e que sempre parecia querer protegê-lo. E o amor que ele sentia se transformou em outra coisa, um ódio, um trauma, uma amargura. E quando chegou aquele dia tão esperado em que os jovens que queriam se tornar guerreiros iam até os muros do reino e passavam pelos testes dos guerreiros mais experientes esses sentimentos de Arthur fizeram com que fosse o melhor dos candidatos, a maneira que lutava com fúria, a maneira que enfrentava sem medo, da morte ou do inimigo, e depois, não se importava em saber que venceu, não comemorava, apenas se afastava dando as costas como um verdadeiro guerreiro, os mais experientes até ele e o cumprimentaram, por baixo daqueles cachos ruivos os olhos dessa vez perigosamente verdes, sedutoramente sombrios, do moço que passou pela grande mágoa dessa vida, e disseram que ele podia ficar, que se tornaria um grande guerreiro, Arthur deixou cair sua espada de madeira, que seria trocada por uma nova, de metal, e nem imaginava que por ser o mais promissor dos novos candidatos, seria responsável por proteger o castelo do rei, que dali a algumas semanas receberia visitas, receberia uma família de nobres de uma província muito distante, e que alguns especulavam, tinha um jovem na idade de casar, que viria e pediria a mão da princesa.

Arthur, só ajeitou o cabelo cacheado, que tapava os olhos, e foi para o posto que o seu superior quisesse que ele fosse.

***

FIM DA PRIMEIRA PARTE PESSOAL! NÃO SEI DIZER SE ESSA HISTÓRIA TERÁ DUAS OU TRES PARTES, MAS SERÁ ALGO POR AÍ, NADA MUITO LONGO, AINDA ESTOU TERMINANDO DE DESENVOLVER O FUTURO DOS PERSONAGENS, E PROVAVELMENTE VAI DEMORAR UM POUQUINHO PARA SAIR A CONTINUAÇÃO, MAS AINDA ASSIM ESPERO QUE GOSTEM E AGUARDEM, ATÉ MAIS TODO MUNDO

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Comentários

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Nossa, como um dos meus escritores preferidos já está terminando mais um conto e agora que eu vi!!???? Amei a história. Vou continuar na leitura. Abraços. Amo seus contos.

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Nossa! dessa vez vc acertou! Adoro histórias de contos de fada! Estou amando essa história! Parabéns pelo enredo!

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Eu só digo uma coisa: kero mais. Gente que historia foi essa? Ameeeeeei, muito bom. Ansioso pelo proximo

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Cara, tu escreve muito bem que pré de muito nossa atenção e nos leva a imaginar cada cena, muito bom o conto tá de parabéns esperando o próximo :3

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Nao tenho palavras para descrever seu conto! Eu nao mudaria uma virgula se quer.. bjs ♥

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