Capítulo 10
.
O clima de verão parecia ter finalmente chegado, embora umas horas dentro do ônibus em direção ao sul deva ter contribuído. Ali naquela cidade eu me sentia quase no Brasil. O ônibus cruzou mais uma montanha e desceu a um vale onde se localizava o local do acampamento.
- Sabe, trinta minutos dentro de um banheiro químico pra salvar esse traseiro deveria me dar pelo menos acesso ao nome do cara que andou botando as mãos nele. – Dizia Tiff com ar de riso e dando um tapinha no meu bumbum enquanto eu me abaixava pra pegar as malas.
- Tiffany! – arregalei os olhos pra ela – Alguém pode ouvir.
- Ok... Mas depois que a gente entrar vão nos separar e eu não vou mais ficar sabendo.
- Eu prometo que vou contar tudo pra você, mas quando a gente estiver sozinhos, ok?
Estávamos andando tão distraídos que não vimos o caminho e esbarramos com Regina e as meninas da torcida.
- Olha por onde anda, Wilson! – disse ela com sua típica cara de nojo.
- Foi mal, a gente vinha distraído e... – comecei
- Querido, me poupe – Dizia ela levantando uma mão pra mim e olhando para o outro lado. Ela era tão clichê que parecia saída de um filme adolescente de TV – Não cansa a minha beleza. Pobre Tiffany Wilson, - suspirou – olha só a companhia que te restou... as pessoas desesperadas por companhia se juntam com qualquer um mesmo.
Tiff baixou os olhos.
- Escuta aqui, sua... – avancei apontando para ela que recuou como se o toque do meu dedo fosse passar algum tipo de doença mortal.
- Beeeeen! – chamou ela pro grupo que passava numa voz anasalada.
Foi então que percebi Ben com uma mochila às costas e uma bola na mão. Ele veio para perto dela, deu um selinho enquanto eu cruzava os braços e Tiff olhava agora realmente interessada no que aconteceria.
- Essas duas coisinhas, amor. Levantaram o dedo contra mim.
Ben engoliu em seco. Era óbvio que as meninas da torcida e o grupo parado a alguns metros de nós esperava uma reação dele. Regina olhou pra ele com um ar incisivo, ele olhou pra mim e eu abaixei os olhos. Sabia qual seria a sua atitude.
Ben deu um passo a frente e me agarrou pela gola da camiseta. – Escuta aqui, esquisito. – cuspiu as palavras na minha cara. – Se eu te vir encostando na minha namorada de novo. Eu quebro esse seu dedo abusado!
Ben me soltou. – Isso também vale pra você Wilson! - Disse apontando pra Tiff.
Regina estava feliz, o grupo estava feliz. Percebi que ele rasgou um pedaço da gola da minha camisa. Olhei pra ele que passava o braço pelo pescoço de Regina e ia liderando o grupo pro acampamento.
- Aguenta firme, Gui. O macho alfa do bando nem imagina o quão ferrado vai estar antes do final desse ano. Ele nem vai saber de onde veio o tiro. – disse Tiff ajeitando minha gola e fazendo sinal de que não tinha conserto.
- Pois é... – respondi já meio incerto.
Entramos no acampamento que tinha altos muros de madeira na entrada. As portas foram fechadas.
- Acheguem-se alunos – dizia o diretor no microfone sobre um pequeno palco improvisado. – Sejam bem vindos ao acampamento. Aqui suas habilidades serão testadas e não importa se vocês são veteranos ou novatos. Todos aqui terão as mesmas chances. Lembrando que o somatório de pontos e participação pontuam para a nota semestral e que o time vencedor recebe uma medalha. Além disso recebem 20 pontos para distribuir entre as matérias do próximo semestre.
“Do outro lado da margem do lago encontraremos nossas acomodações. Sete pares de cabanas geminadas. Cada uma já está com a respectiva bandeira de cor acima do telhado. Basta entrar e se acomodar. Vocês vão notar que as pulseiras de vocês têm um número na parte interior. Isso é importante, pois será feito o sorteio para eleger o capitão e o conselheiro de cada time. Como capitão você tem a responsabilidade de organizar e montar as estratégias para vencer cada desafio. Como conselheiro você tem a responsabilidade de observar e apontar onde melhor poderia ser empregada cada ação nas provas de grupo. Lembrando que embora o capitão tenha a palavra final nas provas individuais, nas de grupo qualquer decisão só pode ser dada como ordem se tiver anuência do conselheiro.”
O diretor girou uma bola com números dentro, como aquelas de bingo e retirou várias. Para cada time. Eu não conhecia todos os alunos e apenas via quando eles levantavam os braços à menção de seus nomes. O capitão do time vermelho passou por mim... Nick, o braço direito do time de Ben. Em cada um era colocado uma segunda pulseira, agora dourada.
- O capitão do time azul é o número 17.
A minha pulseira marcava 09. Uma mão se ergueu passando por mim para pegar a pulseira dourada.
- Parabéns, senhor Benjamin. – bateu no ombro dele o diretor.
Será que os deuses conspiravam pra coisas assim? Por quê Ben tinha que sempre estar no comando. Revirei os olhos para Tiff e fiz cara de vômito. Ela riu e assentiu.
- Você acredita numa coisa dessas? – perguntei.
- Isso deve ser tudo armado. Os mais populares. Sempre os mais populares. – respondeu ela.
- ALGUÉM? – Gritava o diretor.
- oi? O quê tá acontecendo? – perguntei à Jenna.
- Número nove do azul... Ninguém levantou a mão ainda. Qual o seu Guilherme? – ela respondeu.
Levantei a mão. Não sabia o que era porque me distraí conversando. Pra piorar quando fui subis o degrau de madeira quase tropecei. “Tô bem” respirei fundo e continuei. O diretor fez uma cara meio enojada como se eu fosse algum tipo de retardado e colocou uma segunda pulseira de plástico, agora prateada.
- Conselheiro do grupo azul... – Ele me olhou, demorei a entender que ele não sabia meu nome. Falei em seu ouvido. – Guilherme do primeiro ano.
Voltei completamente sem jeito. Todos já me achavam esquisito e eu continuava a contribuir com essa ideia.
O diretor começou a separar os grupos. Me despedi de Tiff e ela balbuciou “Você me deve um nome” com os lábios. Ri alto e fiz sinal de depois. Não queria mentir pra ela, mas também não sabia o que Noel pensaria de eu contar pra mais alguém, mesmo que essa pessoa fosse minha melhor amiga.
Cada grupo tinha em média vinte e cinco pessoas. Alguns um a mais e outros um a menos.
Vi os garotos correndo desesperados pras cabanas. Cada dupla de cabanas ficava bem distante uma da outra. Será que tinha melhores lugares. Ou lugares marcados. Bem, eu não conseguiria competir com os outros na corrida então apreciei a vista. A nossa cabana com a bandeira azul era a mais afastada. YEI! Só que não. Cruzamos um lago realmente enorme. Parecia ser fundo e tinha um deque no fim da margem. Em volta uma pequena floresta e a subida da montanha ao pé da qual o acampamento fora construído.
- Bonito, né? – Ouvi uma vez às minhas costas. Era um dos garotos da minha sala com quem eu nunca tinha falado na vida. – estamos no mesmo grupo – ele apontou a pulseira.
- Ah... é... muito bonito! – apertamos as mãos. – Guilherme. – falei me apresentando.
Ele apertou com força. Usava óculos e tinha a pele bem branca como a minha. Era um pouco mais alto e aparentava ser mais velho também. Já tinha uma barba rala. – Eu sei, eu ouvi lá atrás. O conselheiro que quase caiu em cima do diretor.
Eu ri – Foi planejado. – cortei.
- Que pena que não deu certo. Seria engraçado. – Chegamos à cabana. – Aliás, meu nome é Luke.
- Deixa eu adivinhar. Skywalker? – falei em tom brincalhão.
Ele riu – Não, não! Cara, mas meu pai era fã da série Star Wars, é meio bobo, mas então... cá estou.
- Eu adoro Star Wars.
- Sério? – ele falou animado como se fosse algo surreal – Eu também adoro, cara. Só não gosto de admitir, porque é meio nerd demais.
- Luke, o nerd. Seu segredo está a salvo comigo.
Ele riu mais ainda como se tivesse sido uma grande piada.
- Você é estranho. – falei. – De um jeito legal. – ele riu.
- Bem... você parece ser um cara legal... de um jeito estranho, então acho que seremos bons amigos.
Fiquei me perguntando porque nunca puxei assunto com Luke na sala. Mas ele parecia sempre tão reservado com seus dois amigos e eu tinha meus próprios dramas particulares.
Me socializar era parte da pontuação então decidi conversar mais com as pessoas. Em cada casa um monitor acompanhava e marcava coisas em uma prancheta. Ao longo do dia arrumamos nossas coisas e lanchamos. Quando escurecia voltamos pra cabana onde minhas coisas tinham sido jogadas no chão.
- Há há há. Que engraçado. – Falei. Outra pessoa ocupava minha cama. Eram beliches espalhados por dentro das duas cabanas. Tinha cama pra todos. Uma cabana era para as meninas e a outra para os meninos. – Você não vai crescer nunca, cara? – Falei pra um garoto alto com aparência asiática que podia jurar nunca ter visto na vida.
- Desculpa, senhor... Guilherme. – leu em um papel. – Eu sou o monitor da sua cabana e trabalho pra escola. Todos os alunos dormem em beliches. Essa cama é dos monitores. Está vendo a placa.
Agora tinha reparado uma plaquinha na parede que marcava exatamente o que ele tinha dito.
Peguei minhas coisas e fui procurar outra cama. Todos pegavam as partes de cima e só restava uma cama vazia. Olhei para quem estava sentado na cama levantando um halter ao meu lado. Ben.
- Essa cama tá ocupada? Ou seria muito “esquisito”.
Ele assentiu sem dizer nada e continuou seu exercício de bíceps. Deitei na cama e joguei minha mala de lado. Virei pra parede e queria dormir o quanto antes.
- Hey conselheiro! – acenou de cima da beliche uma voz, Luke.
- Hey luke! – suspirei e senti os olhos de Ben correrem de mim para Luke e de Luke para mim enquanto ele mudava de braço no exercício.
- Luke, - falei puxando assunto – Você cursa espanhol?
- Não, por quê?
- Eu ganhei um livro em espanhol e não sei exatamente do que se trata. – tirei o livro vermelho da bolsa e fiquei tentando ler.
- Mas você não é latino? – perguntou ele realmente sem entender. Revirei os olhos. Será que todo mundo por aqui acha que a capital do brasil é Buenos aires?
- Deixa eu ver isso... – Senti uma mão arrancar o livro das minhas. Era Bem. Sentei imediatamente quase batendo a cabeça na cama de cima.
Ben, por favor! – pensei que ele fosse rasgar ou fazer algo ridículo como sempre.
- É Miguel de Cervantes. Vê? Tá escrito bem aqui, ele mostrou em uma frase bem pequena ao topo da sétima página. É uma edição muito estranha, parece ter sido feita sob encomenda. Vê? Não tem nada na capa e as páginas foram costuradas artesanalmente. Pelo texto creio que seja Dom Quixote. – e jogou o livro de volta na minha cama.
Fiquei olhando para ele. Quantas coisas aquele garoto escondia de todo mundo? Quem era Ben afinal de contas? Não esse que andava se pegando com a líder de torcida e batendo em garotos pra se afirmar, mas o de verdade que ele escondia a sete chaves do mundo.
- De nada. – Disse ele, revirando os olhos enquanto se afastava.
Sua bunda era marcada pelo shorts preto em dois volumes destacados. Virei os olhos. Me recusava a me excitar com ele. Não vi ele voltar pra cama e acabei dormindo.
No dia seguinte fomos acordados às 6 horas. Tudo começou com um café da manhã seguido de uma rodada de perguntas e respostas entre grupos. Como conselheiro tive que aprovar o grupo escolhido por Ben para nos representar. Não conhecia bem os alunos e tive que confiar no julgamento dele. Afinal eu também queria ganhar.
Fiquei surpreso ao ver Tiff no time amarelo. As perguntas incluíam conhecimentos gerais. E ela detestava pressão. Mas não gaguejou e acertou três das quatro propostas. No fim o grupo azul ficou em segundo e o vermelho em primeiro. O grupo em que Nick era o capitão.
Senti um fogo queimar nos olhos de Ben e ele saiu muito irritado.
Ao fim da tarde, depois que saímos para explorar um pouco a região, tivemos provas físicas individuais. Ben fez questão de ir à frente representando nosso grupo. Eu não precisava dizer nada. Aliás ele era mesmo nossa melhor chance de ganhar. Eram provas que incluíam corrida, tiro ao alvo, escalada na corda e desatar nós. Nick tomou a dianteira do grupo vermelho. Eu percebi então que aquilo tudo era mais que um simples campeonato de escola. Ben precisava se provar como líder. Havia uma disputa pela liderança do grupo escolar.
Bem tirou a camisa ficando de bermuda e tênis. A visão do seu corpo era como sempre de tirar o fôlego. Mas respirei. Eu era um cara comprometido. Mas vê-lo naquela situação me deixava muito tenso. No grupo vermelho estavam outros do time e se Nick vencesse Ben num confronto direto, quanto tempo demoraria para ele ser derrotado no time?
Fui até ele. – Capitão. – Ele me olhou surpreso – Começe pelos nós.
- O quê? – ele me perguntou como se eu não devesse falar. Mas estava e ouvindo.
- É uma maratona de atividades diversas, mas não há ordem correta pré estabelecida. As pessoas vão seguir a ordem em que as provas se apresentam. Comece pelos nós. Sua mente estará clara e seu corpo descansado. Depois passe pro tiro ao alvo. Se vc fizer isso depois da corda, suas mãos estarão trêmulas. Depois a corda. Passe por baixo do arame e corra até o fim a distância estabelecida.
Ele parou considerando o que eu tinha dito. Assentiu com um único gesto.
- Você vai conseguir. Você é bom em tudo e sabe disso. Me dá até vontade de vomitar. – falei. Ele riu discretamente.
A estratégia pareceu não colaborar no começo. Enquanto Ben estava cumprindo a prova dos nós, os outros já tinham corrido e passado por baixo do arame, Mas quando ele terminou e passou para o tiro ao alvo e os outros se perdiam na corda, menos Nick que passou com pouca dificuldade. Para ele faltavam duas apenas.
Ben acertou os alvos de primeira, enquanto Nick errava a pontaria pelo problema de ter esforçado demais os músculos do braço nas provas anteriores.
Ben pulou escalando a corda sem dificuldades. Passou por baixo do obstáculo enquanto Nick corria a desatar os nós. Os demais nem tinham chance agora. Nick precisava de dois nós e se tivesse trinta segundos a mais, ou se tivesse seguido a mesma ordem de Ben eu sabia que ele teria vencido. Mas Ben chegou ao fim da linha de chegada e todos explodimos em aplausos. Até eu, porque sua vitória era a minha vitória. Ele me olhou nos olhos assentindo um “obrigado” mudo. Ele sabia que se tivesse seguido o plano original teria perdido.
No fim do dia estávamos exaustos e dormimos direto.
No terceiro dia a prova seria de matemática. Fizemos pequenos desafios internos nas barracas e elegemos os cinco melhores. Por incrível que pareça eu era um deles. Ben concordou com um aperto no meu ombro. Mas o time rosa tinha as garotas do clube de matemática, o que seria um massacre.
No entanto terminamos empatados com o vermelho em segundo lugar.
Agora seria tudo ou nada. A última prova seria na manhã do dia seguinte. A prova da caça à bandeira. Ben não dormiu na cama dele essa noite.
Eu não sei se isso acontece com todo mundo, mas isso aconteceu comigo. Será que aconteceu com você?
Depois da minha primeira vez eu fiquei meio ardido e tal, mas no dia seguinte eu comecei a sentir uma ansiedade tremenda. Um desejo que surgia como uma fome. Eu absolutamente precisava transar de novo. Como precisava de ar e comida. Meu corpo gritava isso pra mim.
Acho que por isso me distraí muito e ficamos em segundo com o vermelho. Sei que poderíamos ter ficado em segundo sozinhos.
O toque de Ben nos meus ombros tinha me deixado arrepiado. O desejo era terrível. Eu queria me esconder em algum lugar e me masturbar, mas não podia. Para todos os lados tinha alunos e professores. Os banheiros eram coletivos. Tomávamos banho em um grande banheiro sem divisórias. O que se provou um martírio no terceiro dia. Eu preferia esperar até de noite, o último turno quando só o zelador e Troy bunda seca resolviam tomar banho. Bem... Até a bunda seca com tufinhos de cabelo ruivo de Troy estavam mexendo comigo.
Só mais um dia... ficava repetindo pra mim mesmo. Depois eu compraria um vibrador no caminho pra casa e passaria três dias sentado nele batendo punheta. Ri com a ideia disso.
Meu telefone tocou. Atendi. O sinal era péssimo.
- Alô? Vovô?
- S.e. Gui.herme.
- Noel? É você? – fui pra fora onde pareceu melhorar, fora um pequeno chiado.
- Oi - respondi “oi” seguido de um silêncio.
- Eu sinto a sua falta. – admiti mas não houve resposta - Tá tudo bem, Noel?
- Meu pai, Seu Guilherme. Ele teve um piripaque e os médico diz que ele tá num tal de coma.
Fiquei mudo. Não sabia o que dizer. – Ele vai melhorar? – Ele tinha que melhorar, era a única forma de Noel voltar.
- Isso foi quando eu ainda tava aí. Na noite que nóis... que eu dormi cocê. Ele tá assim desde que eu voltei pra cá e os médico diz que ele pode ficar assim muitos dia. Até mês. Não tem precisão.
Engoli em seco. – Quer dizer que você não pode voltar.
- Tem as terra dele, e os animal. A minha tia que mora aqui precisa de um homem na casa pra tomar conta de tudo.
- Você me ligou – uma lágrima se formava nos meus olhos – eu ... eu não sei o que dizer, Noel.
- Eu precisava falar isso procê. Por causa que... quando a gente se dispidiu eu te pedi uma coisa. Eu te pedi pra me espera.
- Foi. – Uma lágrima caiu muda, eu sabia o que ele ia dizer.
- Mas agora, num é justo cocê esperar uma pessoa que nem se sabe quanto tempo vai fica longe.
- Eu... – tentava pegar ar – Eu gosto de você noel. De verdade.
Dessa vez ele ficou mudo. Eu queria que ele me chamasse e eu iria até ele. Eu ficaria lá com ele. Mas ele não me assumiria na frente da família. Não havia explicação pra ter em casa um garoto desconhecido.
Continuei. – Se você acha que isso é o melhor...
- Acho que é. – Ele disse por fim. – Se eu resolver as coisa ou arrumar outro jeito. Mas eu não quero atrasá a sua vida.
Ele estava me dando um fora. Ele podia ter chegado lá e encontrado uma boa desculpa pra se livrar desse problema chamado Guilherme. Um romance gay. Que cara teria coragem de realmente me assumir?
- Eu acho que isso é um adeus então? – falei.
- Por agora, seu Guilherme. Não fica chateado.
- Não.. Não tô... eu só... – Agora eu estava chorando de verdade e não queria que ele percebesse. – só... achei que as coisas iam se acertar pra mim. Mas tudo bem... eu tô acostumado. Então... um até logo.
- Até logo, Seu Guilherme. – ele considerou antes de continuar – Se você precisar de alguma coisa... eu tô aqui.
- Ok... você também. Você sabe... qualquer coisa. – Era um adeus, foda-se. – Sabe, você foi a melhor pessoa que eu já conheci.
O telefone ficou mudo. A ligação caiu por falta de sinal. Ele não voltou a ligar.
***************
Na manhã seguinte estávamos todos prontos. Vesti uma camiseta branca, uma calça preta e um par de sapatos cano alto. Teríamos que ir até a orla da floresta onde cinco de cada grupo ia entrar na mata e, mesmo que eu mesmo não fosse entrar, não queria nenhuma surpresa na minha roupa, como aranhas ou afins. Ainda estava desgastado de uma noite mal dormida.
Ben apareceu. Será que ele tinha dormido em algum lugar com Regina? Era provável. Pelo menos alguém parecia estar animado.
Ele passou por mim e balançou a cabeça de novo. Me irritava o modo como ele não falava comigo além de códigos. O que se passava na cabeça dele?
- Sete caminhos, uma bandeira escondida. Sigam as trilhas e nunca se dividam muito. Apenas cinco de cada grupo, vamos lá! – Disse o diretor.
Os grupos foram se formando e fazendo fila na entrada.
Ben chegou pra perto de nós.
- Luke! Você sabe usar uma bússola. Jade, você sabe fazer fogo, caso precisemos emitir sinal ou queimar algo. – como ele sabia essas coisas das pessoas? - Eu mesmo irei também. Margot, você é pequena e magra, se for preciso entrar em algum lugar pra pegar a bandeira você é nossa melhor chance. Guilherme... E você também.
Ouvi meu nome e fiquei quieto meio paralisado. Eu não estava no clima pra isso.
- Vamos! – gritou ele em liderança.
Todos juntaram as mãos e gritaram “hú”.
Já estávamos na floresta praticamente não pensei que avançaria de fato pra dentro da mata em busca da bandeira.
- Espera! Eu não sou a melhor escolha, ben. E você sabe disso! Eu preciso concordar, sou o conselheiro. O Josh é bem mais forte e resistente.
- Se você não fosse a melhor escolha eu não teria te escolhido. Agora deixe de frescura. – respondeu ele.
- O que você tá querendo aprontar comigo agora, Bem? Vai me jogar de algum precipício ou só me largar no meio do mato? – cruzei os braços. Ele era bem capaz disso e todos ali sabiam.
Ele umedeceu os lábios e colocou as mãos na cintura. – Você é a melhor escolha Guilherme...
- Por que? Eu não vejo o por quê?
- Eu preciso ganhar. Essa prova é decisiva. O Nick vai entrar com o Todd e o Lenny, eles são bons, mas burros. Do nosso grupo eu sou forte e resistente. Precisamos de diferentes atributos. Você não vê isso, e é difícil de admitir, mas você usa o cérebro. E isso pode fazer a diferença.
Ele não me olhava, olhava pro chão. Abaixei os braços em rendição. Engoli em seco e fui. – Tá... vamos... mas se eu não aparecer até o por do sol – falei alto – todos estão de testemunha que o capitão aqui me largou em algum buraco lá no meio desse mato!
Ben riu balançando a cabeça em negativa. Ficamos nas posições.
- Alguma ideia? – Perguntou Ben.
- Entraremos por sete caminhos diferentes, - respondi falando baixo precisava me concentrar nisso pra esquecer tudo mais - a bandeira não está perto da orla, porque dessa forma eles teriam favorecido um dos grupos. Vamos correr direto pro meio o mais rápido que pudermos. Ela tem que estar lá ou mais adiante.
- ok...
3, 2, 1. BANG (um revólver disparou)
Entramos pela trilha correndo direto. Não sabia se os outros estavam longe, mas três minutos depois chegamos no meio.
- A bandeira tem que estar em um local visível. Deve ter algo a ver com algo. – falei raciocinando rápido. – Tem alguma velha construção por aqui?
- Tem uma espécie de casa de guarda mais pra cima, eu vi ontem. – Disse Ben – mas é um local arriscado e alto, não sei se colocariam lá.
- Vamos pra lá, se não tem nada mais construído por homens. Atirando no escuro é nossa melhor opção. – ordenei. Ele assentiu. Corremos pela trilha que levava ao pé da montanha embora existissem várias outras.
- Nenhum dos grupos passou por aqui ainda. – falei. – não há pegadas.
Nesse momento ouvimos uma gritaria atrás de nós. Olhei pra cima. Sabia que a construção ficava poucos metros acima da pedra íngreme.
- Tem uma escada à frente – falou Luke. – Ela sobe a montanha depois do rio.
- Quem está atrás de nós está vindo rápido e pode ter tido a mesma ideia que eu. Vamos nos esconder fora da trilha. Agora! – ordenei e surpreendentemente todos me obedeceram.
Vimos o grupo vermelho correr trilha a cima. Saímos do esconderijo.
- Temos que correr na frente deles! – disse ben.
- Não seríamos páreo pra eles. Eles são gigantes e você não escolheu o Josh, lembra? – falei sarcástico.
- E então o quê? – ele disse.
- Vamos escalar – me surpreendi com minha própria ideia. Apontei pra pedra. – Se a gente subir por aqui. Vê. Dá pra apoiar pés e mãos. A gente chega lá uns 20 minutos antes deles. Eu e você vamos, os outros – olhei eles não pareciam tão empolgados com a ideia. – Fiquem aqui. Nós pegamos a bandeira. Jogamos pra vocês e vocês voltam pela trilha se escondendo para não serem roubados pelo caminho!
Ben sorriu abertamente e começou a subir sem questionar. Todos os outros ficaram pra trás. Eu estava escalando bem. Desde pequeno gostava muito de escalar coisas e não tinha medo de altura. Em algum ponto isso se perdeu.
– Não sabia que você escalava, novato. – disse bem sorrindo pra mim.
- Eu sempre trepei muito bem. – sorri pra ele vendo sua reação de rubor – é um talento natural. Fora isso... – fiz força já alcançando metade da pedra. – As pessoas têm muitos lados que não mostram pra ninguém.
Ele assentiu novamente. – O Nick vai ficar maluco quando descobriu que perdeu pra mim.
- Hã hãn... pra nós, né capitão.
- Pra nós – ele riu mostrando os dentes seu sorriso torto.
Chegamos ao topo da trilha, ele subiu primeiro e me deu a mão pra me içar.
Corremos trilha a cima e encontramos a construção. Vi a bandeira dourada dentro dela. Ao lado uma corda descia.
- Vou deixar a corda pra você. – falei. Ele riu. Ele tirou a camisa. Por quê fazia aquilo? Eu fiquei tonto ao ver seu corpo suado e desviei os olhos.
- Que foi, Guilherme? – brincou ele andando de costas e mordendo o lábio inferior – Tá passando mal? – gargalhou e correu subindo a corda. Desceu com a pequena bandeira nos dentes pela mesma corda, corremos de volta pela trilha.
- Coloque a camisa! – falei - Você não tem jeito!
- Eu tô te desestabilizando? – perguntou ele.
Apenas olhei pro seu peito grande e largo e senti um arrepio cruzar meu corpo. Abri a boca pra falar, mas seu cheiro de macho veio às minhas narinas, ouvi vozes. Era o pessoal lá embaixo.
- Me dá isso! – peguei a bandeira e coloquei na minha mochila. Joguei pra eles e vi quando Jade pegou e deu pra Luke que saiu correndo de volta pela trilha.
Cinco minutos depois, enquanto Bem vestia a camisa ouvimos uma gritaria tremenda vinda da Orla da floresta. Olhei pra Ben. – Parece Vencemos, capitão!
Ele sorria muito satisfeito.
- Obrigado, Guilherme. – falou pela primeira vez meu nome em tanto tempo que achei até estranho – Eu não estava com cabeça pra isso hoje.
Ri. – Problemas no paraíso?
Começamos a caminhar descendo a trilha. Vimos os rapazes de vermelho voltar. O segundo tiro avisava que alguém tinha vencido e todos deveriam retornar.
- Você... – ele ia dizer algo e o cortei.
- não vai dizer que eu não entenderia só pra guardar isso pra você, ben. Sabe! Qualquer dia você vai acabar explodindo com tantos segredos. – Ele começou a caminhar mais devagar.
Nós estávamos sozinhos ali no alto daquela subida. Todos deviam ter voltado.
- Eu acabei de terminar com o meu namorado – Contei sem saber o por quê.
- Você? – ele parou surpreso. – Você tem um namorado?
- Tinha. Até ontem à noite. – respondi e lágrimas voltaram aos meus olhos, continuei caminhando pra que Ben não visse. – Ou você acha que eu fico dormindo abraçado à sua foto todas as noites?
Ele riu. – Regina está me pressionando – Ele acabou falando quando fiquei quieto – Meu pai quer que eu siga com a bolsa de atletismo. Mas quer que eu me dedique ao esporte. Ele diz que tenho uma boa chance.
- E tem? Você me parece alguém que teria um bom futuro nesse campo. – Falei e achava mesmo.
- Mas eu não sei. É uma grande decisão.
- Pois é... é seu último ano. Mas onde a barbie entra nisso?
Bem riu. – Ela vai pra Yale em dois anos. Ela quer que eu me vire para ir junto.
- Yale! Nossa... Ela não me parece do tipo que tem capacidade cerebral sequer pra abrir uma lata de amendoim. Desculpe... afinal é do amor da sua vida eu eu estou falando.
ben riu. – Você sabe que eu não amo a regina... Embora eu tente me convencer disso todo dia.
- Por que você faz isso, Bem? – parei à sua frente na curva da descida – por que se dar todo esse trabalho?
- Como assim? – Ele pareceu desconversar. Cruzei os braços, não deixaria ele passar.
- Você é muito mais do que esses caras. Você toca piano, e fala outras línguas e conhece coisas como Miguel de Cervantes e sabe deus mais o que. Por que você se esforça tanto pra parecer um boçal?
- As coisas não são simples como são pra você, Guilherme.
- Ah eu tinha esquecido quão perfeita é a minha vida de conto de fadas.
- Não precisa se aborrecer... é que eu precisei mudar muito pra me adaptar na escola. Meu pai é muito exigente e ele exige o melhor de mim. Eu... preciso mesmo continuar vencendo e sendo essa pessoa que eu estou sendo.
- Sabe de uma coisa. Você pode estar agradando o seu pai. Mas você não está agradando a você mesmo e nem a ninguém a sua volta. Todo mundo tem medo de você.
- Você não tem – ele respondeu colocando a mão no meu ombro esquerdo. Seu toque firme me deixou mexido. – Posso te fazer uma pergunta?
- Claro. – me esquivei do toque e continuei descendo.
- Quando você me ... – ele sussurrou como se as pessoas na orla da floresta pudessem nos ouvir – quando você me beijou, você já estava com esse namorado?
Considerei. – mais ou menos. Nós oficializamos a pouco tempo.
- interessante. E já terminaram?
- Você não entenderia. – dei de ombros e ele gargalhou. – Posso dizer uma coisa.
- Eu posso te impedir? – ele perguntou.
- Você sabe que não. Você parece duas pessoas. E essa agora é alguém de quem eu gosto bastante. Mas o outro... eu gostaria que você me evitasse quando não fosse esse Ben.
- É o que eu tô tentando fazer, Guilherme. Você não percebe? – Ele parou ao pé da trilha. Tocou meu rosto e olhou fundo nos meus olhos. Olhou pra minha boca e umedeceu os seus lábios com a língua. Senti a corrente de energia que havia entre nós mais forte que nunca. – Você não percebeu que eu tô afim de você.
Eu ri. – Você tem uma forma muito estranha de demonstrar isso. - Respondi.
- Desde aquele dia eu não consegui, por mais que tentasse, parar de pensar no beijo na sala de teatro. Mas isso é errado. E eu não posso dar mais um passo porque isso ferraria minha vida se alguém descobrisse.
Ele esperava que eu tomasse a iniciativa, mas tudo aquilo era muito pra mim no momento. Segurei seu rosto e beijei sua bochecha.
- Então dá um passo pra trás, Ben. – falei. - Se você tem medo não se arrisque. – me afastei – Não viva. Seja o bonequinho do papai e case com a Regina. Você cresceu, não vê? Se você não lutar por si mesmo ninguém vai.
Me afastei dele a tempo de ver pessoas chegando pela trilha. Jenna vinha correndo com Tiffany. – Guilherme! Tá todo mundo procurando você!
Nós descemos separados. Tiff observou suspeita Ben fazendo cara de quem tinha descoberto um grande mistério. Saímos da floresta. Esse era nosso último dia. Depois da entrega das medalhas, teve uma festa. Vi quando Ben discutiu com Regina ao canto e ela jogou uma taça de bebida nele.
- Tô sacando tudo, sr. Guilherme. – Falou Tiff sentando do meu lado. Uma música alta tocava e a lua cheia estava no céu.
- O que você está sacando, Sherlock!?
- O cara da televisão! O que falou hoje. Você dormiu com o nosso capitão. – Ela sorriu vitoriosa.
- Não era ele, Tiff. – me afastei com ela pra perto do lago – Era outra pessoa. Eu vou te contar, mas eu tô confiando que nunca, pra ninguém você vai contar. – ela confirmou beijando os dedos cruzados. - Eu estava namorando o Noel, sabe, o que trabalha nas fazendas.
- Mentira! O Noel? – Ela me olhou incrédula – O Noel não é gay.
- Eu também não acho que seja. Acho que foi por isso que ele me ligou terminando comigo ontem.
Ela notou meu semblante depressivo finalmente. Passou um braço pelo meu pescoço. - Ei... quê isso? Não fica assim. – falou.
- Sei lá. Às vezes eu acho que essa vida é muito complicada sabe, Tiff. Eu não admiti isso pra ninguém, mas eu estava mesmo apaixonado por ele.
- Olha. Em primeiro lugar você não sabe exatamente o que aconteceu com o Noel. Ele pode estar só confuso. Eu nunca diria que aquele cowboy fazia isso. Em segundo lugar... O mundo tem muitas possibilidades, Guilherme. Você é esperto e lindo e fofo e tudo de bom. Você sabe. Eu queria ser um menino só pra te agarrar aqui agora. Ou talvez pra roubar o Noel de você, - eu ri e empurrei o ombro dela – Noel... e ben.... gente eu quero nascer muito viado na próxima vida... ouviu deus!
- Para, Tiff! – mas eu estava rindo e já me sentia melhor. Depois de um tempo eu procuraria mesmo Noel pra saber. Talvez ele precise de um tempo. Eu sempre tive claro na minha mente minha atração por garotos. Para Noel aquilo era um choque. E podia ser só comigo. Era mesmo algo difícil de lidar.
Mais tarde sentei no deque da lagoa. Era distante das cabanas e todos estavam dormindo. Levantei as calças e coloquei os pés na água. Tudo estava deserto. Era um lugar muito bonito.
- HUHUUUL – gritou uma voz pulando por cima da minha cabeça e espalhando água pra todo lado, me molhando.
- Hey!!
Abri os olhos e uma cabeça emergiu no lago. Ben. Ele jogou água em mim. Eu ri.
- Vai ficar sentado aí a noite inteira, vai entrar ou vai esperar eu sair pra te pegar? Acho que você não vai gostar que eu saia.
- há há há e por que? – perguntei cruzando os braços.
- Você ficou todo fresco porque eu tava sem camisa. Agora eu to pelado.
Ele pulou tão rápido e eu fechei os olhos não vi nada. A água era escura ao reflexo azul da lua não podia ver muito. Olhei pra trás. Uma cueca branca caída pouco longe de mim.
Meu coração gelou na hora. Toda aquela fome e desejo do dia anterior estavam de volta e meu corpo implorava por pica.
Continua ....
*************
Mais uma vez gostaria de agradecer pelos bons comentários. ;) Obrigado.
Esse capítulo não foi tão hot. Peço desculpas, mas é que eu precisava contar exatamente tudo o que aconteceu para que o próximo fizesse sentido. Foi difícil saber onde colocar o ponto final e que partes poderiam sair. Não quero fazer algo gigantesco pra cansar vocês. Então espero que vocês não se chateiem com essa parte da história. Não desistam.
Bjs