Acordei disposto a fazer meu dia valer a pena. As aulas voltariam em 4 dias junto com as do Gabriel, meu irmão, e eu mal podia esperar para rever meus colegas e voltar à velha rotina de sempre. Enfim, ajeitamos algumas coisas em casa e o resto do dia foi a mesma coisa: almoço, banho, creche, ponto, estágio. Dessa vez eu esperei o elevador pacientemente e não vi Gabriel no hall de entrada. Também quem não notaria um homão daquele? Alto, encorpado, dourado, gostoso, olhar sedutor, cabelo curto, barbado... Não que eu quisesse vê-lo, é só que a cena do dia anterior ficou voltando à minha cabeça e eu me sentia meio bobinho ao revisita-la. De repente me lembrei que não havia mais treinamento e pensar que ficaria longe daquele estúpido, grosso, gostoso, cheiroso... ah, eu finalmente iniciaria o trabalho. Cheguei à sala e cumpri o ritual: cumprimentei a todos, deixei minhas coisas na minha própria mesa e fui falar com Gabriel:
- Hoje você já pode começar pra valer; chega de moleza, porque this is Sparta ahh - pela primeira vez eu o vi fazendo uma piada e sorrindo. Sorri de volta e pensei que ele parecia e muito com um spartano. Por outro lado, ele estava feliz o que era uma surpresa agradável e ao mesmo tempo me suscitava algumas dúvidas. "É, a noite foi boa", pensei.
- Obrigado, Gabriel. - ele fez um aceno com a cabeça e fui para o meu lugar.
O dia foi passando sem muitas dificuldades; afinal o treinamento tinha mesmo dado certo. Apesar de me sentir atraído pelo Gabriel, não podia fechar os olhos para dois fatos importantes: 1. Ele era hétero! 2. Eu (ainda) tinha um namorado e jamais me prestaria ao papel de traí-lo. Perdido em pensamentos fitei a enorme janela de vidro que dava para o mar, a bela visão da cidade, e Gabriel estava bem nesse meio. De repente volto dos meus devaneios e dou de cara com ele me olhando e, ao perceber isso, dei um sorrisinho leve fazendo-o corar e mudar a direção do olhar. Agora, imaginem um homem daquele tamanho corado?! Ahh eu ri abobado e continuei meu trabalho.
Precisei ir a cozinha beber água, aproveitei para uma pausa e então ele entrou com seus amigos fazendo algazarra. Me mantive no meu lugar enquanto os via rindo e brincando:
- Você comeu aquela mina mesmo? – perguntou Gabriel para um daqueles meninos que o acompanhava na cozinha. – ahh meu garoto! – típica conversa de hétero que se estendeu e foi variando.
Depois que todos saíram ele sentou-se junto comigo e começou a conversar.
- E aí, gostando do estágio? - me assustei com a súbita simpatia, mas eu não faria o mesmo que ele fez comigo.
- Bom, considerando que é a primeira semana, eu diria que nada mal.
- Certo! - Ele me encarou por um tempo como se procurando algo a dizer. Para ajuda-lo, emendei:
- Ah, mas você parece lidar muito bem com a rotina. E tem muito tempo de casa? - Senti alguma animação vinda dele depois que eu continuei a conversa.
- É, sabe como é a gente tem dar conta senão roda... tenho uns 4 meses só. - dei a conversa por encerrada, sorri, levantei, lavei o copo que usei, pedi licença e quando ia saindo da cozinha:
- Espera, eu vou com você. - Estranhei, afinal 5 passos separavam as portas da cozinha e da sala onde trabalhávamos.
Caminhamos em silêncio, sorri para ele e me sentei no meu lugar. E aí o dia transcorreu naturalmente.
Fim do expediente, hora de ir embora, ele ja havia saído, como de costume. Dessa vez uma moça foi quem se aproximou enquanto eu esperava pelo elevador.
- Oi, você é o cara novo, certo?! Prazer, meu nome é Bárbara e trabalho com o Dr. Otávio.
- Olá, Bárbara! Sim, eu sou o cara novo kkk prazer, Mark; trabalho com o Dr. Francisco.
Trocamos meia dúzias de amenidades na descida e nos depedimos no hall de entrada. Ela era uma moça incrivelmente carismática e aparentava ter su próprio carro. Não que o carisma das pessoas seja medido pelo carro que elas tem; pelo contrário. Gabriel tinha seu carro e vocês viram o que aconteceu em nosso ultimo encontro no estacionamento. Enfim, eu como era pobre, fui para o ponto de ônibus esperar mais uma vez pelo coletivo lotado.
Em casa meu bebê me esperava para brincarmos mais uma vez, mas diferente dos outros dias, fomos para o quarto porque eu não queria ter que passar por toda aquela situação de sempre. Brincamos, ele me contou do seu dia na creche e disse que ja estava com saudade da sua escolinha normal:
- Mas é que eu quero jogar futebol com meus amigos, Mark.
- Eu sei, amor... faltam só 4 dias pra você rever seus amiguinhos e jogar futebol. Ei, mocinho, eu joguei futebol com você...
- Hahaha irmão, aquilo parecia tudo menos futebol. - disse rindo da minha cara. Tudo bem, eu não era nenhum craque mesmo e sabia disso.
- Poxa, não quero mais brincar também! - disse eu fingindo uma ofensa enquanto via o sorriso do meu irmão murchar.
- Ah não, irmão... brinca aqui comigo, por favorzinho; ninguém gosta de mim nessa casa. - Dramático! Não sei a quem saiu. Mas foi o suficiente para me derreter.
- Ohh meu amor! Você sabe que isso não é verdade, né?! - Tomei-o em meus braçoa e comecei a fazer cocegas. Ele nunca resistiu.
Por fim, dei banho no Gabriel, comemos alguma coisa e voltamos pro quarto rumo à cama. Como ele sempre dormia comigo, seu travesseiro ja estava junto do meu. Dormimos daquele jeito: Gabriel todo arreganhado e eu encolhido no canto dando espaço àquele folgado. Sem muitas emoções, na manhã seguinte tudo aconteceu como de rotina, exceto por uma pergunta do Gabrielzinho que me pegou muito de surpresa.
- Você tem uma namorada? O Caio, meu amigo, falou que a namorada do irmão dele é uma gostosa hehe. - Aquilo me deixou sem reação.
- E-ele disse o que?
- Que a cunhada dele é gostosa ué... acho que quem precisa lavar as orelhas é você, Mark. - Ele disse isso me fazendo esquecer que estava conversando com uma criança de 5 anos e deu aquela gargalhada gostosa de criança.
- Olha aqui, mocinho! Vou puxar sua lingua da próxima vez que for tão grosseiro assim comigo. E não tenho uma namorada. - É, mas um namorado... por enquanto... aiai.
- Credo, irmão... você puxaria minha língua?
- Se você merecer, sim. Agora me dá aqui um beijo e um abraço que já está na sua hora e na minha.
Meio a contra gosto, ele aproximou seu rosto do meu ombro, me deu um abraço murcho, beijou meu rosto e já ia saindo quando eu disse:
- Você quer que eu comece a fazer cosquinha aqui no meio do pátio? - ele sacudiu a cabeça em negação e me abraçou com mais força, dessa vez, e percebi um sorriso no seu rosto. Oh céus! Eu sou um monstro... tenho que comprar abraços do meu irmão com ameaças. Enfim, fui para o ponto e enquanto ouvia "Don't wait" e cantava junto com Mapei, o ônibus chegou. Sim, eu cantava dentro do ônibus. De repente parei para escutar a letra que dizia para não esperar para amar, parei de cantar e fiquei apenas meditando. Será que um dia eu amaria e seria correspondido? Afastei esses pensamentos à medida que a lembrança do meu irmão me perguntando se eu tinha uma namorada girava em torno de minha cabeça, afinal eu já esperava que um dia isso fosse acontecer, ele teria que saber que o irmão dele gostava de meninos e que não havia mal algum nisso. Por outro lado ficava pensando em como esse mundo é mal e cruel e nos tipos de comentário que ele ouviria quando as pessoas soubessem. Tive medo por ele.
Divagava em pensamentos e nem reparei no lindo cara de olhos castanhos que estava segurando o elevador para mim. Quando dei por mim, Gabrielzão (isso não me parece um apelido decente kkk) me olhava com cara de preocupação como se estivesse falando ha muito tempo e eu não estivesse dando sinal de vida.
- Mark, olha pra mim. Você está bem? - dizia enquanto me sacudia.
- Ahn?! Oi Gabriel, como tem passado? Estou ótimo...
- Caralho, você quase me matou do coração kkkk - fiz cara de desentendido e ele completou - fiquei mó tempão falando contigo e você parecia em outro planeta, só pra variar.
Sorri envergonhado... ele deve ter exagerado essa parte de falar e eu não responder, até porque não é possível uma pessoa viajar por tanto tempo né?! É só que tudo que diz respeito ao futuro do meu irmão me tira de órbita. Chegamos ao nosso andar e eu me desculpei com ele por qualquer falta de educação da minha parte.
- É que estou preocupado com meu irmãozinho na escola, daí fico assim meio demente.
- Nada, cara. De boas... agora vamos começar mais um dia de trabalho.
Cada um seguiu para seu canto e assim começávamos nosso tão amado trabalho. Novamente fitei a grande janela que dava vista à cidade e, mais uma vez, notei que Gabrielzão me olhava de esguelha e disfarçava quando percebia que eu o estava encarando. Continuei o que estava fazendo e fiquei intrigado quando ao olhar rapidamente em direção à sua mesa percebi que ele olhava em minha direção. "Que mania de perseguição essa tua, guri. Deve ser coisa da sua cabeça", pensava eu. Não dei muito importância a esses fatos e de repente precisei ir ao banheiro. La no escritório havia os mictórios e os reservados. Eu NUNCA gostei de mictórios, mas por alguma razão desconhecida resolvi utiliza-lo naquele dia. Quando estava quase acabando (na fase da sacudida, especificamente) alguém pára no mictório ao lado do meu e eu me surpreendo com Gabrielzão ao meu lado conversando como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ok, talvez fosse, mas não para mim.
- E aí, cara, beleza? - sorri, acenei com a cabeça e terminei o que tinha que fazer, já me encaminhando para a pia. Eu não sei se vocês fazem isso, mas eu confesso que faço... é um hábito curioso, eu diria. Agucei minha audição para ouvir o barulho da mijada do Gabriel e que mijada! Se o barulho que aquela coisa fazia era tão audível queria nem imaginar o tamanho daquilo. Mentira! Não só queria, como já imaginava. Fechei os olhos por uma fração se segundos - bem cabaço, eu sei - e de repente sinto suas mãos em meus ombros. Dou um ressalto assustado e abro os olhos bem devagar. Aquilo não poderia estar acontecendo.
- Shh... calma, relaxa. - falava ele como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ele me puxou para o reservado, me colou na parede e ficou me encarando por um tempo.
- Você é tão lindo! - what??? Eu, lindo?? Cabelos pretos, olhos castanhos, usuário de óculos, dono de uma pancinha saliente, apesar de achar meu bumbum e coxas atraentes, não via porque ser chamado de lindo. Não por ele.
- Gabriel, o que você está fazendo? - ele colocou o indicador nos meus lábios, como se pedindo silêncio.
- Não fala nada... deixa rolar.
Dizendo isso ele se aproximou de mim e colou seus lábios nos meus. Eu continuava sem acreditar que aquilo estava acontecendo, mas cheguei à conclusão de que se não aproveitasse aquilo não voltaria nunca a acontecer. Não me fiz de rogado e aproveitei aquele beijo. E que beijo! Era um beijo urgente, com desejo, volúpia. Ele parou por um curto espaço de tempo para recuperar o fôlego e ainda de olhos fechados, disse:
- Ahh como eu esperei por isso... - ok, isso estava ficando bizarro. Eu não conseguia acreditar que de uma hora pra outra ele tinha se interessado por mim, mas depois me preocupava com isso.
Gabriel me puxou para si como se temendo uma fuga que não aconteceria naquelas circunstâncias. Eu queria aquilo. Queria mesmo! Mas de repente uma luz acendeu na minha cabeça.
- Gabriel... espera! - ele parou subitamente, me olhou preocupado e por fim perguntou:
- Quê foi? Não está curtindo o beijo? É que eu ach...- não o deixei terminar, tasquei-lhe logo outro beijo e foi o suficiente para provar que eu curti aquele beijo.
- Não é isso, muitíssimo pelo contrário. É que ja fazem uns 20 minutos que nós saímos e alguém pode notar nossa ausência conjunta e vir procurar.
- Porra! É verdade... que mancada. - ele baixou a cabeça preocupado.
- Pois é... acho que podemos voltar para nossa sala. - eu disse sorrindo.
- Não antes disso. - e lá íamos nós para mais uma sessão de amassos calientes. É... eu poderia me acostumar facilmente com aquilo. Finalmente nos soltamos e caminhamos em direção à sala. Quando me sentei outra luz acendeu na minha cabeça... eram tantas luzes em um espaço tão curto de tempo que eu poderia facilmente ser confundido com um pisca-pisca. Dessa vez eu lembrei do João; lembrei que, apesar do notável desgaste do relacionamento e dos dias sem nos vermos, ainda tinhamos compromisso um com o outro. Meu sorriso se esmoreceu naquele momento ao pensar que eu havia traído meu então namorado. Me desesperei porque eu disse que seria algo que eu jamais faria e foi o que tinha acabado de acontecer! Foi sim, muito bom, mas eu me sentia sujo, um mentiroso. Prometi que quando saísse dali procuraria o João e acabaria com as coisas de uma vez por todas. Não que eu esperasse ter algo com o Gabrielzão, é só que já estava na hora de terminar esse relacionamento que já não estava bom para nenhum dos dois. João sentia minha falta, queria sexo sempre que nos víamos, e isso não era uma coisa ruim; é só que, por outro lado, eu me sentia frustrado em prende-lo a mim, de modo que eu não podia satisfazer essas vontades devido à nossa incompatibilidade de atividades. Ele não estudava, estava sem em casa fumando seus becks e sabe-se la mais o que. Eu saía de casa às 6h e voltava às 23h em dias normais. Definitivamente era a coisa certa a se fazer. Não perdi tempo e liguei para ele dizendo que precisávamos conversar e ele, como se adivinhando o que vinha pela frente, apenas respondeu serenamente:
- Tudo bem, Mark! Vou esperar.
É, aquela seria uma conversa interessante.
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Gratidão a Martines, Carl Grimes, Revengeevil, ❌Hello❌, Ryuho, FlaMorena e Nara M pelos comentários e aos demais leitores por sua participação ainda que indireta.