2ª PARTE
CAPÍTULO 7
O DIA SEGUINTEPássaros lá fora anunciavam a chegada de um novo belo dia, e de fato era, embora o sol insistisse em aparecer, chovia vagarosamente, mas a pluviosidade não parecia ser cruel e violenta, pelo contrário, era uma chuva que lavava a cidade toda e caía com graça, mais vagarosa que o normal, convidando as pessoas a abandonarem seus guarda chuvas e apreciarem aquilo de forma única.
Gabriel já não sabia a quanto tempo estava acordado, mas tinha uma ereção toda vez que fechava os olhos e seus olhos se emaranhavam em lágrimas toda vez que os mantinham abertos. Ele procurava algum personagem na sua memória para se identificar e se auto auxiliar sobre qual seria decisão correta a ser tomada, mas mesmo assim, dentro de sua extensa biblioteca mental, não achou um personagem na literatura que o pudesse servir de guia ou exemplo do que não fazer. Dona Flor e Seus Dois Maridos lhe cruzou a mente, mas ele achou que havia muitos parênteses dentro de sua cabeça e não demorou muito para abandonar essa ideia.
Ele não sabia o queria pensar, seus pensamentos em sua cabeça o enlouqueceria se ele continuasse naquele ritmo, todas as coisas estavam começando a se desmoronar dentro dele, parte de seu corpo queria ir embora e sumir na Europa antes do almoço, porém outra parte queria acordar os outros dois corpos e começar tudo novamente. Ele queria o sexo e os gemidos de novo, estava totalmente confundido com seu corpo agora, já que chorava e mantinha uma ereção ao mesmo tempo, esperando que o travesseiro ainda úmido lhe sussurrasse a resposta para a pergunta que ele nem sabia qual era, até que no ápice da sua loucura um som estranho e horrivelmente familiar o afastava de sua linha de pensamento. Seu celular vibrava dentro de sua calça que estava jogada em algum canto daquele quarto.
Ele ainda não havia recebido nenhuma ligação desde que tinha jogado seu celular com força semanas atrás, mas lá estava ele, engatinhando rapidamente pelo chão se sentindo surpreso e irritado, pois quem quer que estivesse lhe ligando naquele momento, não poderia estar insistindo em momento pior.
Gabriel alcançou seu celular, olhou para a tela partida, virou os olhos e respondeu baixinho
- Oi mãe! – Saindo do quarto nu. – Oi... Oi.... Sim, eu sei que faz tempo que eu não ligo – disse ele tentando a interromper, aumentando um pouco mais a voz a medida que se afastava do quarto e se dirigia a cozinha. - Desc... Aham, desculpa eu não ter ligado... eu só.... Eu tô um pouco ocupado agora... Sim, você... Você deixa... Você deixa eu falar? Eu não sei mãe, eu... eu posso te ligar outra hora? Que aparta? Aparta o quê? Mãe... Mãe, eu não tô te ouvindo... Quem? Olha mãe – Disse Gabriel falando alto e vagarosamente na tentativa de se fazer entender em meio a todo aquele barulho e voz fina de sua mãe que falava sem respirar – Eu posso te ligar de volta? Isso... eu vou te ligar de volta depois, aí a gente conversa pode ser? Tá... Tchau mãe, tchau! – E desligou o telefone respirando aliviado, apoiando as mãos na mesa, reparando agora que Aaron olhava para a figura atrás dele abanando o pesado rabo.
- Garoto da mamãe? – Disse Mike, encostado no vão da porta com os braços cruzados o encarando totalmente nu.
Gabriel virou assustado para ele, admirado com naturalidade dele pelado ali na cozinha e só naquele momento percebeu que ele estava despido também.
- É.... eu... – Gabriel não soube colocar as palavras em ordem para formular uma frase, Mike andou na direção dele com aqueles imensos olhos azuis e o beijou ali mesmo, fazendo com que Gabriel encostasse na mesa. Mike, percebeu a reação do seu beijo sobre seu umbigo e com seus braços o ergueu e o colocou sobre a mesa, abrindo suas pernas com sua cintura enquanto o beijava. Gabriel se sentia numa paz inigualável com todos os seus pensamentos longe e seu pênis ereto. Mike beijava seu pescoço e apertava sua cintura contra a sua, enquanto Gabriel se entregava e pedia mais com sua linguagem corporal.
- Pera, pera... aqui não – Implorou Gabriel readquirindo sua racionalidade novamente
- No sofá? – Sugeriu Mike, rindo
Gabriel riu olhando para ele tentando não o encarar e falhando miseravelmente
- Quando eu disse aqui não, eu também quis dizer não agora... – Comentou, não desfazendo o riso
- Ah claro, claro... mas é você dizendo isso? Porque o.... Gabrielzinho discorda de você.... Ou eu deveria dizer... Gabrielzão? - Disse Mike olhando para baixo.
Gabriel abriu a boca impressionado com o que tinha acabado de ouvir
- Eu não dou ouvidos ao que ele quer...
- Ontem você deu... deu bastante... gostou? – Mike se aproximou dando pequenos beijos no queixo de Gabriel – quer repetir? – Descendo para o pescoço...
- Eu nem sempre dou ouvidos... ok? Só às vezes... – Gabriel claramente se esforçava para concretizar uma frase enquanto Mike estava em seu pescoço. - Essa tatuagem... eu só vi...
- Sim,
Gabriel passava os dedos numa palavra escrita em negrito e letra de mão, no peito de Mike que formavam a palavra Faith.
- Fé. – Se surpreendeu Gabriel - Eu não sabia que você era religioso... – Comentou Gabriel, com a ponta dos dedos no peito de Mike...
- Não sou.... Eu não tenho fé em Deus ou qualquer outra criatura soberana... Mas nas pessoas, humanidade ou na capacidade da gente sabe...
- Você venceu um câncer... – Tentou Gabriel começar um assunto
- Fé na ciência... – Completou Mike
- Você não parecer ser o tipo de cara que...
- Faz o tipo cientista? – Mike deu um sorrisinho de lado.
- Isso...
- Não sou....
Gabriel fez um silêncio e tentou selecionar algumas palavras na mente.
- Como é que é?
- O quê?
- Ter um câncer.... Desculpa se a pergunta é ofensiva... mas é que eu não conheço ninguém que.... Eu nunca falei com alguém
- Bom – Mike tentou parecer gentil ao cortar Gabriel - ...eu senti que eu fosse morrer, quero dizer, eu quis morrer por uma boa parte do tratamento... já o sentimento.... Sabe quando você bebe horrores e acorda numa ressaca horrível, se sentindo podre, fraco e feio, parecendo que todos os órgãos do seu corpo estão contra você?
- ...acho que sim
- É pior que isso.
- Nossa, eu.... Eu sinto muito pelas coisas que você passou...
- Tudo bem, eu... estou aqui não é....? Eu acho que... foi necessário.
- Como assim?
Mike se calou por um tempo tentando encontrar um exemplo para fazer Gabriel entender.
- Você quer dizer que valeu a pena ter o câncer? – Continuou Gabriel.
- Bom... Eu não tô dizendo que eu quis ter o câncer... Mas é que... Se eu não tivesse passado por aquilo tudo, eu imagino que eu seria uma pessoa diferente hoje... E eu não consigo me ver mais satisfeito do que eu tô agora... Eu não tô querendo ser um exemplo de filosofia a ser seguida... Mas é assim que eu penso. Jorge me ensinou a ver a vida por esse lado.
Gabriel olhou para Mike como se fosse se lembrar daquele momento para o resto da vida e finalmente compreendeu o significado da palavra Faith para Mike.
- Entendo... Ponto de vista interessante o teu... demorou muito para você ficar bem de volta?
- Bom, eu não sei se foi só comigo, mas... O tempo parecer passar diferente.... Demorava mais. Eu poderia dizer que foram meses, mas não... não é bem assim...
- Como é quase morrer? – Perguntou Gabriel sem pensar antes.
- Bom, eu pensava na morte como misericórdia, eu estava sofrendo tanto... E eu sabia que ia acontecer, pois minha vó teve e ela não durou muito.... Foi horrível.
Gabriel olhava nos fundos dos olhos de Mike como se ele fosse a única coisa que existisse no mundo e gostava do que ouvia, como ouvia.
- Quando você ficou...
- Jorge! – Cortou Mike.
- Jorge? Como assim?
- Ele me pediu em casamento enquanto eu ainda estava de cama. – Mike disse como se já tivesse dito essa frase muitas outras vezes.
- De cama?
- Sim! Eu estava horrível.... Mas acho que... Ele estava com medo sabe? Ele estava com mais medo de morrer do que eu... devido à....
- Elaine. – Completou Gabriel
- Isso. Acho muito azar... uma ironia até! – Mike sorriu virando os olhos – Você gostar de duas pessoas e as duas com câncer... diferentes tipos de câncer, mas mesmo assim...
- Uma ironia cruel – Gabriel disse baixinho tirando os olhos de Mike e reparando nas fotos pela estante.
- É, enfim, eu fiquei bom... Ele saiu do armário.... Ficou surpreso com o apoio que recebeu dos amigos, a gente se casou na praia... E enfim...
- O que que deu errado? – Gabriel parecia ter uma pergunta para qualquer coisa que Mike viesse a dizer, mas Mike não demonstrava em momento algum desinteresse em falar com Gabriel.
- Como assim? – Perguntou Mike estranhando a pergunta.
- É, o casamento... por que vocês...
- Eu não vejo assim – Disse Mike num tom de voz mais sério – Eu não acho que o nosso casamento deu errado, é diferente, só isso... eu estou feliz, ele está feliz... e você?
Gabriel se surpreendeu em como o jogo de perguntas tinha se tornado contra ele mesmo, se soubesse responder essa pergunta, não responderia sem se atrapalhar.
- Eu? Bem... eu vou bem.... Sim, claro, feliz! – Afirmou Gabriel tentando ser convincente.
- Mas agora fale um pouco de você... Tipo, suas tatuagens... namorados, religião ...
Gabriel se sentiu um pouco desconfortável em ver os holofotes virados para ele.
- Bom, essa tatuagem aqui... - Gabriel olhava e apontava para a âncora no peito dele – Eu fiz a dois anos atrás...
- E por que Invictus? – Perguntou Mike passando os dedos na superfície da pele de Gabriel.
- Invictus é o nome de um poema de Willian Ernest Henley, um poeta inglês, que eu gosto muito...
- Ah, por um minuto eu pensei que era algo relacionado a time ou religião...
- Haha não.... Meus pais são adeptos a Umbanda... mas eu e minha irmã não.
- E eles não ficaram... confusos ou.... Chocados com a – agora era Mike que se perdera nas palavras - ...com esse negócio de homossexualidade...
Gabriel riu com a próprio choque ao perceber que achava Mike muito lindo quando ficava sem graça
- Já teve namorado? – Questionou Mike.
- Sim – respondeu Gabriel – o nome dele é Rodrigo...
- Por que terminaram?
Gabriel não gostava de mentir, mas cada vez que se deixava transparecer, mais difícil era se esconder e não sabia direito o porquê, mas era mais difícil esconder as coisas de Mike do que Jorge.
- A gente... às vezes não dá!
- Você ainda gosta dele?
- Claro... – Nunca deixarei de gostar dele... mas não da mesma forma
- Sente saudades?
Gabriel abriu um sorriso pequeno ao fechar os olhos, como se estivesse lembrando de alguma coisa.
- De certa forma... quero dizer... as coisas eram mais simples... um dia Rodrigo foi exatamente o que eu precisava, mas não é mais.
- Uau! – Se espantou Mike.
- O quê? - Perguntou Gabriel.
- Isso parece frio vindo e você...
- Eu sei... Desculpa...
- O Rodrigo ainda gosta de você?
- Espero que não, mas acho que sim! – Disse ficando extremamente sério.
- Seus pais aceitaram numa boa? – Continuou Mike
Gabriel respirou fundo se encostando na nova mesa atrás dele
- Que foi? – Perguntou Mike, achando que tinha dito alguma besteira
- Nada... – respondeu Gabriel ficando sério de repente – No começo não, mas com o tempo foi até tranquilo, quando eu contei, eles me disseram que já sabiam... pediram um tempo para se acostumar, mas em casa... eu nunca tive dificuldade...
- Que bom, eu nunca ouvi falar de uma família assim – disse Gabriel olhando para os lados - você comentou que tem uma irmã...
- Aham, ela é adotada, Isabel o nome dela... Ele é legal - Mas e você? Tem irmã? Irmão? – Gabriel não saberia que tinha deixando Mike cada vez pior ao lembra-lo desses laços familiares
- Tenho sim – Disse Mike se afastando – Um irmão e uma irmã.
- E como eles... é fácil?
- Aham – Mike completou a frase dando a entender que sua resposta era algo final e que não haveria conversa com ele sobre isso a partir dali.
Gabriel notou em Mike a mesma afeição de rejeição de que quando questionando para onde Mike tinha ido quando se viram pela primeira vez. O momento entre os dois estava se tornando pessoal demais e Gabriel sabia o risco que tomava de ser chamado de oportunista, mas sua curiosidade gritava dentro de si.
- Mike... Para onde você foi?
Mike o encarou sem piscar por um instante e a ardência em seu olhar fez seus olhos marejarem.
- Tem algo a ver com sua família, né?
Mike virou de costas para Gabriel.
- Tudo bem, eu não pergunto mais, desculpa. - Desistiu Gabriel.
Mike colocou as mãos sobre as cinturas, Gabriel notou que ele tinha covinhas sobre as nádegas, achou bonito e aquilo desviava a atenção sobre o sentimento de culpa que começava a se espalhar dentro dele e antes que Gabriel pudesse vir a se retratar, Mike o beijou de novo, fraquinho, começando com um selinho, logo que soube que seu beijo surtira efeito, o beijou de novo, segurando sua cintura, e depois novamente passando a mão na sua nuca, e pela segunda vez naquela manhã Gabriel notou que estava nu.
Mike parou de chupar seu lábio, guardou sua língua, quando se afastou 2 centímetros e disse:
- Fica! – Olhando para Gabriel nos olhos que os encarava novamente assustado.
- Oi? – Perguntou Gabriel na esperança de ter ouvido errado e querendo ter ouvido certo.
- Fica – repetiu Mike, piscando lentamente e sorrindo. Os dois estavam a três centímetros de distância, não havia escapatória para Gabriel dali.
- Vo... você sabe? – Gabriel começou a lacrimejar
- Você desbloqueou seu celular na minha frente duas vezes... Antes de você levantar eu o peguei e vi suas mensagens... Reservas? Passagens? Sério? Vi você tentando acalmar sua irmã, dizendo que lá tem Torre Eiffel, Torre de Pizza e que você vai ajudar ela a se adaptar... Vi dizendo que tá ansioso... – Gabriel se esforçava para não tirar os olhos dos olhos de Gabriel, que agora iluminado pelo feixe de luz que entrava pela janela através das cortinas brancas, tinha cor de âmbar .
- E... Eu... não posso ficar Mike... – Gabriel respondeu sem nem ao menos pensar na possibilidade.
- Por que não? – Perguntou Mike sorrindo esperando que o convencesse apenas com os dentes.
- Por que sim? – Respondeu Gabriel com outra pergunta anunciando a falha do plano de Mike.
Os dois se encaravam enquanto a chuva e os pássaros lá fora pareciam não se importarem com o que estava acontecendo naquela cozinha. Gabriel não tocava mais o umbigo de Mike e o silêncio se alimentava deles sem piedade alguma.
- Você deveria contar a ele... – Disse Mike se afastando.
- Me contar o quê?
Jorge estava com uma cara carrancuda, aparentemente velha, parecendo muito cansado, com fome, sede e com os olhos semiabertos, entretanto era o único com roupa naquela casa.
- Seja lá o que for... – Continuou – Só me conte se for envolver comida. - Murmurou Jorge.
Gabriel respirou aliviado por saber da falta de curiosidade de Jorge olhou para ele sem saber ao certo o que estava sentindo, Mike virou as costas para Gabriel e foi em direção a Jorge
- É, conta outra hora! – Disse Mike numa voz, parecendo irritado, e entrou pelo corredor se dirigindo ao seu quarto, sem olhar para Jorge.
Jorge olhou para Gabriel que de repente se sentiu envergonhado de estar sem roupa, mas não mexeu um músculo desde que percebeu a presença de Jorge na sala. Gabriel ouviu a porta do quarto bater e reparou Jorge vindo em sua direção.
- Desculpa pela atitude de Mike. – Disse Jorge se sentindo incapaz de falar num tom de voz normal.
- Você não tem que desculpar pelas atitudes dele - Disse Gabriel quase abrindo as pernas novamente conforme Jorge ia chegando perto.
- Eu sei que não..., mas eu sinto como se devesse...
- Sobre a noite de ontem – Começou Gabriel esperando ser interrompido por Jorge que permaneceu em silêncio enquanto se aproximava – é.... – Deixando claro o espaço de tempo para Jorge dizer qualquer coisa – então... – Tentou Gabriel pela última vez sem sucesso e vendo a situação que havia chegado, resolveu nem tentar mais, Jorge estava ali e ele o queria. Jorge então o beijou e o ergueu, levando para o sofá ainda no colo. Assim que os dois sentaram, Gabriel rapidamente se levantou como se tivesse acabado de perceber que estava nu e pegou uma toalha que estava em outro sofá, se enrolando com ela disse:
- Eu não quero que você pense que o que aconteceu ontem vai acontecer sempre, entendeu? - Disse Gabriel decidido.
Gabriel havia levantado a voz a uma altura que dava a impressão que ele estava dando um sermão em Jorge. Aaron entrou na sala com a afeição muito parecida com a de Jorge, abanando o longo rabo devagar e se deitando no sofá próximo a Jorge que olhava para Gabriel como se o analisasse:
- Você está dizendo isso para mim ou para você? – Perguntou Jorge numa voz rouca e calma.
Gabriel ficou ali parado, tentando interpretar a pergunta de várias outras formas sem ser a única a qual ele tinha entendido.
- Para nós dois! – Disse tentando não perder a pose – Três! – Gritou erguendo o dedo.
- Você quer sexo comigo?
- Lógico – Disse Gabriel sem nem pensar
- Você quer sexo com o Mike?
- ...também – Disse Gabriel com medo de suas certezas.
O silêncio de Jorge pareceu ser sua mais fiel arma contra qualquer argumento que Gabriel pudesse vir a ter.
- Sabe o que eu acho?
- Hã? - Perguntou Gabriel incerto.
- Eu acho que Mike te fez umas perguntas que te deixaram confuso... – Disse Jorge estendendo a mão para Gabriel que pensou antes de aceitar.
- Aham... – Concordou Gabriel sentando no colo de Jorge abaixando a voz.
- E sabe o que mais? – Jorge falava tão baixo que Gabriel só conseguia ouvir porque estava com a cabeça bem próxima ao ouvido de Jorge.
- Oi? – Perguntou Gabriel falando mais baixo que Jorge.
- Acho que você não precisa pensar nisso agora...
- É...
- Vamos mudar de assunto então? – Propôs Jorge colocando as mãos sobre o rosto e deslizando os dedos sobre os cabelos, tentando parecer mais acordado.
- Claro – Concordou Gabriel um pouco mais animado
- Me diga, do que você e o Mike estavam falando?
- Ah, algumas coisas só.... Nada importante... é.... Falamos de Religião, tatuagens, família, humanidade, do câncer um pouco é isso...
Algo nos tópicos que Gabriel acabara de falar chamou a atenção de Jorge, que fazia uma cara séria
- O que que vocês falaram sobre a família – Perguntou Jorge sério, calmo com a voz grossa de sempre.
- Na verdade não chegamos a falar da família dele, falamos mais da minha... por quê?
Jorge respirou fundo, desviou o olhar de Gabriel que agora parecia curioso, sabia que seria inútil trocar de assunto, pois Gabriel o perturbaria o dia todo.
- Mike nunca teve uma boa relação com a família. Ficou sem falar com eles por anos.
- Como assim, o que aconteceu? - Gabriel agora exalava preocupação.
- Ele me contou a anos atrás, eu percebi que isso o fazia mal e não fiz mais perguntas... eu lembro que ele disse que eles eram de uma religião muito severa, não o aceitaram, bateram, enfim, ele veio para a cidade... nos conhecemos uns meses depois...
- Meu Deus.... Eu... eu... não sabia...
- Ele evita falar disso... Mas eu acho que sei para onde ele foi... se é que você me entende...
- Eu também acho que existe alguma coisa relacionada...
- Sabe, qualquer informação que precisa chegar até mim, vai chegar, eu evito ficar atrás sabe, sempre chega...
Gabriel decidiu não tomar isso como uma indireta, “será que Jorge sabia? ”
- E como é que você acha que foi lá? Ou por que agora? – Gabriel parecia cada vez mais interessado no que Jorge dizia.
- Eu não sei.... Não sei se você reparou, mas a mão dele estava machucada no dia do incidente com a mesa.
- Você acha que... que Mike brigou com alguém? – Disse Gabriel num tom mais baixo, tentando olhar para a porta onde estava.
- Bom, não seria a primeira vez...- Gabriel ficou boquiaberto com o que acabara de ouvir – Mike é uma pessoa brilhante sabe? Meigo, carinhoso, inteligente, mas... ele tende a ficar um pouco...
- Você disse “Me desculpa pelo comportamento de Mike” ...quantas vezes você já repetiu essa frase Jorge? – Gabriel parecia um pouco sério e assustado.
- Você não está pensando que Mike é perigoso, está?
- Bom, com essa nova descoberta, eu me julgaria estúpido se não...
- Ele não é.
- Quantas vezes?
- Bom, eu lembro de uma só, anos atrás, ele já estava se sentindo bem melhor depois do câncer e eu o convenci a voltar aos estudos, para depois tentar uma faculdade, esse tipo de coisa, ele foi e logo na primeira semana arranjou briga com uns caras da sala de aula, pelo fato dele ser casado com um cara.
- Ele bateu neles? – Perguntou Gabriel apressadamente, mais afirmando que realmente fazendo uma pergunta.
- Não, nessa época Mike ainda era pequeno, mais magro... Mike apanhou.
- Eu não entendi... O que teria de perigoso nisso?
- Acho que a palavra não é “perigoso”, Mike se dedicou, entrou na academia, tomou tudo quanto é suplemento, começou umas artes marciais, mas nunca de fato concluiu, saiu de todas ainda no primeiro semestre... Aí sim, ele foi atrás dos caras que tinham batido nele... E bom...
- Entendi... – Disse Gabriel, não tão assustado quanto estava quando fez as perguntas.
Gabriel ficou em silêncio enquanto voltava a encarar as fotos das paredes onde Mike e Jorge estavam juntos.
- No que você está pensando? – Perguntou Jorge.
- Na vida! – Respondeu Gabriel sem tirar os olhos da fotografia em preto e branco onde os dois estão correndo na praia.
Mike apareceu de repente no corredor enrolado numa toalha azul.
- Tô indo pro banho – e virou as costas para os dois. Gabriel e Jorge se entreolharam e esperaram entender o motivo do anúncio de Mike, quando ouviram ele dizer ao abrir a porta do banheiro – Isso foi um convite.
Gabriel e Jorge ainda se olhavam quando ouviram o agora convite de Mike, ficaram sem reagir por um tempo, sentados do sofá da sala, imóveis. Nenhum dos dois estava exatamente rindo, tampouco estavam sérios, Gabriel esboçava um sentimento parecido com medo e curiosidade, enquanto Jorge apenas contava mentalmente quantos segundos Gabriel resistiria. Aquele silêncio continuou até ouvirem o barulho do chuveiro ser ligado, Jorge retirou a roupa que estava vestindo e foi jogando pela casa até chegar ao banheiro, deixando um rastro de peças de roupas dali no corredor. Gabriel observou Jorge andar com o canto dos olhos e continuou ali no meio da sala. Agora ele imaginava os dois dentro daquele chuveiro, molhados e nus.
Cinco segundos depois Gabriel estava abrindo o box do banheiro para se juntar a Mike e Jorge.