Depois que fiz aquela ligação olhei na direção da grande janela da reflexão (coincidência nada ser no caminho da mesa do Gabriel) e, diferente das outras vezes, um Gabriel sorridente me encarava como se querendo dizer alguma coisa. Sorri de volta e voltei meu olhar para a tela em minha frente, pensando em como as coisas tinham mudado em tão pouco tempo. Ao mesmo tempo pensava em como iniciaria aquela conversa com João, como ele reagiria e tive medo ao pensar que nos encontraríamos numa região meio abandonada, onde ele mesmo conhecia a todos enquanto eu era só mais um estranho que passava por ali. A ideia de que as coisas pudessem fugir do controle me fez imaginar que era melhor adiar mais um pouco aquela conversa.
- Não! - pensei - tem que ser logo, porque ele não merece estar preso a uma pessoa sem tempo pra ele e eu não posso me prender a uma pessoa que não compreende meu ritmo.
Esse era um dos argumentos que eu usei para me convencer de que era o certo a ser feito. Entendam, eu queria liberta-lo de mim, eu o estava aprisionando a um relacionamento que não tinha mais condições de ir a diante. Ele merecia alguém que pudesse dar-lhe a atenção que precisava e eu merecia, ao menos uma vez, me deixar levar por uma paixão insana como a que nutria pelo Gabriel. Quer dizer, se é que aquilo tinha algum futuro. Ah, que seja!
Era uma sexta-feira e estava na hora de ir embora, curtir o final de semana, sair com os amigos, ir ao cinema, beijar na boca... coisas que eu não fazia. Meu destino era minha casa, com meus pais e meu bebê que ja devia estar em casa deixando nossa mãe de cabelos em pé com suas peripécias. Vocês acreditam que esses dias ele chegou em casa dizendo que era um super herói, arrancou o lençol da cama e ficou pulando de um sofá para o outro?! Sorri ao lembrar dessa cena e de que quando eu abri a porta ele correu para o meu colo e disse:
- Irmão me salva! A Malévola (nossa mãe) quer me transformar em um corvo!
Quanta criatividade tinha aquela criança. Voltei ao mundo físico com o som da chegada do elevador e o toque de uma mão que ha pouco me segurou pela cintura.
- Hm alguém viu um passarinho verde. - disse ele com aquela sua voz firme e rouca.
- É, um passarinho verde gigantesco rs.
- Haha... aí, vamo dar um rolé agora. Ta livre? Tem um filme novo no Independente (cinema livre de filmes cult da minha cidade) e eu queria companhia. - achei fofo o convite.
- Gabriel, eu preciso cuidar do meu irmão, porque senão eu chego e ou a casa está de pernas pro ar ou ele está de pernas pro ar e não num bom sentido.
- Ahh qual é, cara novo! É so um filminho e seu irmão sabe se virar.
- Meu irmão de 5 anos deve mesmo saber se virar rs.
- 5 anos?! Ahh o moleque deve ser uma ferinha então, pelo que você está me dizendo...
- É sim. Meu bebê!
- Então, vamo lá no cinema po... vai ser bacana, prometo.
- Eu preciso avisar meus pais, não tenho dinheiro aqui e....
- E nada! - ele me interrompeu - nós vamos ao cinema e eu não te pedi nada. Não se preocupe.
Ponderei e concluí que era uma oportunidade muito boa e única. Liguei para minha mãe avisando que ia sair, ela não gostou nem um pouco da ideia, mas a essa altura eu já havia aprendido a lidar com isso. Pedi a ela que me deixasse falar com o Gabriel, fiz algumas recomendações a ele e me comprometi a leva-lo para passear no outro dia.
- E aí, seu bebê te deixou ir? - perguntou ele todo irônico.
- Ha ha ha... depois de um draminha envolvendo brincadeiras e noite da pipoca, ele se aquietou e me liberou. Satisfeito?
- Ainda não rs - disse ele soltando um risinho safado.
Fiz a famosa poker face enquanto íamos em direção ao seu carro. Eu não acreditava que aquilo estava mesmo acontecendo... quer dizer, ha pouco mais de 3 dias, naquele mesmo lugar, ele sequer agradeceu minha ajuda e agora ali estava eu: indo com Gabriel ao cinema.
- Não repara a bagunça... eu não planejava ter companhia hoje. - disse ele destravando o carro.
- Que nada... não sou de reparar.
Entrei, afivelei o cinto e ele deu partida. Neste momento tocava "Photograph" do Ed Sheeran e, olhando pela janela, me perdi em pensamentos lembrando que ainda tinha que conversar com o João. Mandei-lhe uma mensagem dizendo que aquele não seria o dia de nossa conversa, mas que no sábado - dia seguinte - conversaríamos e acertaríamos as coisas. Ele simplesmente visualizou e não respondeu. Eu não o culpava, pelo contrário. Apesar de ter todos os argumentos possíveis a meu favor, uma pontinha de culpa tomava conta da minha cabeça. Decidi que era hora de afastar aqueles pensamentos e curtir minha noite com aquele cara lindo ao meu lado.
Chegamos ao Independente, ele comprou as entradas e fomos assistir qualquer filme de publico um pouco mais específico. Não, não era um cinema pornô! Como eu disse, nas salas daquele cinema eram exibidos filmes de cunho culturais e temáticos pouco discutidos. Olhei incrédulo e perguntei:
- Sério?! - ele me olhou com cara de quem não entendeu e eu emendei - nunca que eu imaginaria que um tipo desse seu curtisse o gênero do filme.
- Pow, fala sério, Mark... você não pode julgar um cara pelo tamanho e beleza.
Rimos juntos e fomos ver o filme que desde a estreia eu estava louco para assistir. Eu estava atonito às cenas e até descolava minhas costas do assento, parecendo uma criança, enquanto ele ostentava uma pose austera de quem simplesmente estava assistindo a um filme. Não lembro qual o nome do filme, mas sei que retratava a realidade de algum país extremamente devastado pela imponente natureza humana. Aquelas cenas me causavam um misto de adrenalina, ansiedade e compaixão. Quando a luzes foram acesas ele perguntou o que eu tinha achado do filme e iniciamos um pequeno debate de cunho sociológico cujo teor não precisa ser aqui descrito. Lembrei imediatamente do João, de como eles eram tão diferentes e de como eu jamais poderia ter alguma conversa daquele nível com ele. Enfim, eu disse que curtiria a noite, certo?!
Tratei de afastar quaisquer pensamentos que pudessem perturbar o passeio e enquanto caminhávamos em direção a uma cafeteria próxima, indaguei a ele o motivo do convite.
- Percebi que fui rude contigo nesses nossos primeiros contatos; é sua primeira semana e não quero que fique com uma má impressão a meu respeito.
- E você quer mesmo que eu acredite nisso? Posso ser retraído, mas não sou idiota, garoto.
- E eu não disse que você é. Além do mais... eu queria repetir a dose de mais cedo. - sorri lisonjeado e respondi que aquele não era o momento para essa conversa. Ele não entendeu o que eu quis dizer, claro.
- Gabriel, sequer nos conhecemos, o que rolou foi ótimo, mas eu não sou do tipo em quem se dá uns amassos e depois some.
- Se conhecer é o problema otimo! Temos a noite toda. Prazer, meu nome é Gabriel, tenho 24 anos, amante de esportes e filmes independentes. - ele estava mesmo tentando... sorri e resolvi entrar naquele jogo.
- Olá, eu sou o Mark, tenho 21 anos, meu físico me denuncia, mas já fiz alguns esportes, amante de musicas e livros.
- Viu só?! Agora já nos conhecemos... não o suficiente, mas é um processo por etapas.
- Tens razão kkkk...
De um modo geral foi uma noite muito agradável. Descobri que toda aquela frieza da qual ele se vestia era fruto de problemas que vinha passando com alguém próximo nos estágios finais de uma doença no sangue. Não quis me aprofundar nisso, afinal era notável como aquele assunto era desconfortável para ele. Depois falamos de como ele me achou meio pateta de início e eu tive que perguntar:
- Gabriel, por que você me beijou mais cedo?
- Porque eu tive vontade.
- E como você sabia que eu não iria recusar?
- Eu poderia ser um troglodita e dizer que a minha beleza fez o trabalho sozinha, mas não. Apesar daquelas caras e bocas que você fazia ao me olhar, eu precisava tentar. É como dizem o não eu já tinha, precisava tentar o sim.
Fiquei pensativo, mas aquilo me passou confiança.
- Minha nossa! Gabriel eu preciso ir embora... moro longe e ainda tenho que tomar o ônibus.
- Ah não, passa lá em casa a noite... temos um quarto de hóspedes.
Por mais que aquela ideia fosse tentadora eu tinha que manter os pés no chão.
- Quem sabe numa outra oportunidade?! Você pode me deixar na parada do ônibus?
- Se você insiste...
Fomos para o estacionamento e ele deu partida. Enquanto passávamos pelas ruas iluminadas vi muitas pessoas alegres em bares, na companhia de amigos ou simplesmente a dois passeando pelo calçadão. Desejei um dia poder fazer aquilo, mas eram planos a longo prazo.
- Para neste aqui, por favor. Está ótimo!
Ele encostou o carro e um silencio constrangedor se fez presente.
- Então é-ér... obrigado pela noite e pela carona.
- Que nada. Eu que agradeço a companhia e paciência. - já ia desafivelando o cinto quando ele disse:
- Mark... espera! Antes de você ir eu só queria me desculpar por ter sido meio bruto contigo no começo.
- Eu vou pensar se te perdoo.
- E você pensa como viaja? Porque se for, tô vendo que vai demorar então...
- Ha ha ha muito engraçadinho. Deixa eu ir que lá vem meu ônibus.
Ele de súbito me puxou e me roubou outro beijo daqueles de desentupidor. Nos separamos e ele disse:
- Ganhei minha noite. Mal posso esperar por mais. - sorri e desejei bom final de semana. Caminhando em direção ao ponto foi inevitável que as lembranças de todos aqueles acontecimentos voltassem e que o remorso viesse junto com elas. Eu ainda tinha que conversar com o João.
_
Gratidão a todos os que comentaram e aos que apenas leram. Às meninas, 🌷🌷 FELIZ DIA DA MULHER... em especial Nara M e ❌Hello❌ que sempre estão comigo 🌷🌷 . Desculpem a demora e até o próximo.