Cheguei em casa naquela noite após o cinema e meus pensamentos iam das lembranças boas do que tinha acabado de acontecer ao tormento da conversa que eu teria em algumas horas. Fui dormir! Era só o que me restava mesmo.
Dia seguinte era sábado e meus pais estariam envolvidos com alguma atividade que os levava para outra cidade, querendo isso dizer que eu e meu irmão ficaríamos sozinhos em casa arrumando o que fazer. Acordei, tomei café, me sentei no sofá e me peguei pensando em como a vida é extraordinariamente surpreendente e que dia após dia as coisas acontecem diante dos nossos olhos e nem percebemos. Gabriel, meu irmão, acordou coçando os olhos e deitando no meu colo.
- Senti sua falta ontem, irmão! - disse enroscando seus braços em meu pescoço e se aconchegando ao meu peito.
- Ei garotão, o irmão saiu com uns amigos grandes. - e até beijo teve, pensei.
- Mas e eu, seu amigo pequeno? Você não se importa comigo? - olhei bem para seu rosto e disse:
- Ahh seu dramático! Não te prometi que hoje iríamos passear? - em meio a risos e cosquinhas convencio-o de que tinhamos que organizar a bagunça que estava aquela casa. Enquanto lavava o banheiro recebi uma mensagem no celular e vi que era do próprio João perguntando quando poderíamos nos ver, que ele estava com saudades, que eu não ligava para ele e essas coisas. Aquilo quase me convenceu. Quase. Eu estava decidido que era melhor para nós dois terminar o relacionamento e utilizava como principal argumento o fato de ele ser um completo à toa que cobrava minha atenção quando eu estava lutando pelo meu futuro. Claro que era mais fácil para ele sentir minha ausência, não se ocupava com nada e todo o tempo que tinha disponível passava tendo ideias absurdas a meu respeito. Enfim, disse a ele que me encontrasse no parque da cidade às 15h... levaria Gabriel para brincar e aproveitaria dessa distração para fazer aquilo que estava planejando ha certo tempo. Terminei minhas atividades domésticas e fiquei na sala assistindo desenhos com meu irmão. Almoçamos juntos e naquela tarde eu percebi Gabriel um pouco distante...
- E então, como foi a ultima aula na escolinha de férias?
- Ah, foi legal... mas eu quero mesmo é voltar para minha escola, jogar futebol com os moleques e ver a Ana. - ele disse corado
- Gabriel tem uma namorada... meu Deus! Menino você é muito novo.
- Não tenho nada! Hum. Seu feio! - e me deu língua.
- Óh! - em meio aos risos eu fingia alguma indignação - que coisa feia, Gabriel. E lá fomos nós brincar e tirar sarro com a cara um do outro. Eu procurava o que fazer para matar o tempo e até ajudei meu irmão a terminar umas pinturas de heróis e coisas do gênero. Mais ou menos 14h naquele dia, tomamos banho e estávamos preparados para ir ao parque, que não ficava muito longe de casa. Era uma área verde aberta com bancos, trilhas e muito verde, crianças correndo, adultos rindo e João me esperando na mesa proxima ao lago.
- Amor, coloque seu capacete e vai andar de bicicleta, mas não vai para longe da minha visão.
- Mas você vai pra onde?
- Vou estar sentado naquela mesa conversando com um amigo. - disse apontando o lugar onde eu estaria.
- Beleza, bro! - disse ele montando na bicicleta e sumindo na trilha.
Eu não estava sendo negligente com a segurança do meu irmão, afinal frequentávamos aquele parque tempo suficiente para eu saber que era seguro deixa-lo um tempo sozinho.
- Ei, João... - me aproximei da mesa e sorri sem graça.
- Fala ae, Mark. Tudo bem contigo?
- Levando João... levando.
- Hm saquei. Vai me falar quem ta te comendo agora ou vai ficar de enrolação?
- Nossa! Você não cansa de ser escroto né?! Vim aqui pra gente ter essa conversa e é assim que você me trata?!
- Mete essa não, vei. Você acha que eu não sei que veio aqui terminar? Caralho, vei. Eu te amo, porra!
- Ok, João Felipe, é isso mesmo. Poderia ficar aqui enrolando, mas acho que esperei de mais. Eu quero terminar sim, porque eu não consigo mais ir adiante com você me acusando de traição a cada momento que eu tento contar algo legal que aconteceu no trabalho, não consigo mais ir te ver e dar de cara com você chapado vindo me beijar como se nada tivesse acontecido; eu sei que eu experimentei e foi bom, ficou tudo mais leve e divertido, mas eu gosto de ter os pés no chão, João Felipe.
- E como você acha que eu me sinto, porra?! Eu sou viciado mesmo, sou vagabundo mesmo, mas você é meu. Entende isso. - nesse momento ele segurou forte em meu braço, faltando pouco cravar suas unhas em minha pele. Comecei a ficar assustado, procurava meu irmão com os olhos torcendo para que ele não estivesse presenciando aquilo. João suava frio e parecia muito aborrecido.
- Cara, não vem com esse papinho pra cima de mim. Eu cansei! Vamos terminar numa boa mesmo, você segue sua vida e agora fica livre para achar alguém que faça por você o que eu não fiz.- ele respirou pesado e era como se eu fosse o grande vilão daquela trama.
- Beleza, se é assim que você quer... mas tem uma coisa eu não volto contigo nunca mais, ta entendendo?! Acabou tudo e para sempre. - como se aquilo fosse me convencer do contrário.
- Eu só não quero, João, que você fique chateado comigo; eu quis que desse certo, mas as coisas foram acontecendo e... - lágrimas rolavam no meu rosto e não era teatro; poxa, apesar de estar desgastado, eu curti tudo o que vivi ao lado do João e não queria que as coisas ruins fossem colocadas em primeiro plano.
- E você quer que eu fique de boas sabendo que você tá dando pra outro cara? - ele estava com raiva, eu entendia, mas me ofender não era o caminho ideal; aliás acredito que até foi uma valvula de escape. Olhei estarrecido para ele e disse:
- Olha, João Felipe, não vou mentir pra você, um cara me beijou, realmente e eu gostei! Chega de ficar arrumando desculpas. Nós dois sabemos que isso não iria mais a frente mesmo.
- PORRA! VOCÊ ME TRAIU? SEU FILHO DE UMA PUTA. NÃO SEI COMO EU NÃO QUEBRO A SUA CARA AQUI MESMO, PRA TODO MUNDO SABER O VIADO SUJO QUE VOCÊ É!
Foi aí que a minha ficha caiu. Eu não precisava me sujeitar àquilo!
- Eu não tenho mais nada a te dizer, João! Seja feliz.
Ignorando o ranger de dentes dele, me levantei da mesa e fui atrás do meu irmão.
Encontrei Gabriel brincando com uns vizinhos nossos e, por um momento, fiquei tranquilo de ele não ter presenciado toda aquela situação. Até que ele me fez uma pergunta que mudou tudo...
- Irmão, quem era aquele moço apertando seu braço? Olha... tá vermelho. - pronto! Entrei em panico porque eu não sabia o que ele poderia ter visto e ouvido.
- Nada, amor! Aquele rapaz e-era... hmm... ele era um colega. Apertou meu braço porque queria mostrar uma brincadeira nova...
- Ahh é?! Faz comigo também... eu quero brincar, Mark.
- Nada disso haha essa brincadeira é de gente grande, tampinha. Agora vai dar mais uma volta pra gente ir pra casa.
Ele saiu em disparada em sua bike e, mais uma vez, eu ficava pasmo com a maturidade daquela criança de quase 6 anos. Meu rapazinho estava crescendo e eu crescia junto com ele.
Mais para o fim da tarde, Gabriel e eu íamos para casa, quando ele parou e perguntou:
- Você disse que ia me levar para passear hoje...
- E já não te levei ao parque, amor?!
- Levou, mas eu quero ir no cinema... o Caio falou que o irmão dele levou ele no cinema e que eles viram um filme muito massa. - eu estava esgotado naquele dia, depois de toda aquela história com o João queria mais era descansar. Refleti e concluí que mal não faria ir ao cinema para distrair um pouco.
- Irmão?! Mark, você ta bem? Irmão fala comigo. - dizia Gabriel me sacudindo. Claramente eu havia ingressado em uma das minhas viagens.
- HA! Te peguei... tudo bem sim! Nós vamos ao cinema.
- Aaeeee sério, irmão?! Brigado. - e me abraçou. Tinha como resistir a tamanha doçura?!
- Agora vai tomar banho, seu porquinho fedorento.
- Mas eu tomei banho antes do parque, pra quê outro?! - como era porquinho, meu Deus!
- É mesmo?! Aposto que o Caio tomou banho pra ir no cinema... - zoei com ele.
- Mark leva minha toalha! - e saiu arrancando a roupa pela casa enquanto ia em direção ao banheiro. Ri muito daquilo tudo e cuidei de separar uma roupa para ele e outra para mim.
Depois de tudo pronto fomos para o ponto onde pegamos o ônibus com direção ao shopping. Chegamos e o filme escolhido para aquela noite seria "os pinguins de Madagascar", porque era o mais adequado para a idade do Gabriel... e porque eu estava doido para assistir, confesso.
Gastei uma pequena fortuna com a sessão 3D, mas ve-lo tão concentrado e divertido fez cada centavo valer a pena. Não que eu fosse mão de vaca, gente, é só que eu ainda estava na primeira semana do estágio novo e precisava poupar o que ainda tinha para a volta às aulas. Enfim, o que importa é que ele ria e estava feliz; isso me bastava!
Assistimos ao filme e depois fomos comer alguma coisa, até que na praça de alimentação vi algo que me deixou chocado. Em minha direção caminhava o grande Gabriel e eu não sabia o que fazer.
- Eae Mark... Resolveu passear foi?
- E-er, oi... Pois é, vim trazer meu irmão pra ver um filminho.
- Então esse é o famoso irmãozinho do Mark?! Fala aí, campeão. Beleza?
- Você conhece meu irmão, moço? Irmãozinho nada, hum! Sou quase um rapaz de 6 anos. - nós rimos com aquele comentário.
- Tá certo - disse Gabriel(zão) - então você já é quase um homem. Sim, eu conheço seu irmão... nós trabalhamos juntos. E como é seu nome?
- É Gabriel! E o seu?
- Mentira! O meu é Gabriel também. - e soltou um sorriso muito lindo.
- Ohh que massa! Você é muito grande, aposto que o Caio não conhece uma pessoa tão grande. - Gabriel(zão) olhou em minha direção com cara de duvida e eu logo expliquei:
- Caio é o amigo dele na escola... Aparentemente eles disputam as coisas; coisa de criança. - ele sorriu pra mim.
- Ae, campeão, que tal tirar uma foto pra mostrar ao Caio?
- Sério? Irmão tira aqui uma foto minha e do seu amigo. Você não vai apertar o braço do Mark também, né? - ops! Aquilo saiu e Gabriel(zão) de novo fez cara de quem não entendeu nada.
- Longa história, vamos tirar a foto? - perguntei tentando desviar a conversa.
Eles sorriram e aquele momento inesperado ficou registrado no meu celular. Gabriel(zão) brincou com meu irmão por mais algum tempo até que, após uma ligação, despediu-se de nós e se retirou. Meu irmão ficou particularmente feliz por conhecer alguém "tão grande" (palavras dele) e com o mesmo nome; dizia ele querer ficar tão grande quanto meu "amigo". Crianças! Falam como se nem todos acima de suas idades não fossem maiores. Enfim ele terminou de comer e fomos ao ponto de ônibus... Ele já estava com soninho e me pediu colo e depois de comer, parece que aquele guri tinha assumido o peso de um bujãozinho. Para tirar uma com a cara dele eu disse:
- Será que o irmão do Caio pega ele no colo? Achei que rapazinhos não gostassem desse tipo de coisas... - ele refletiu e muito sonolento me respondeu:
- Se ele pede eu não sei, mas que o meu irmão é o melhor do mundo, isso eu nem discuto! - fiquei embascado com essas palavras. Foi bom ouvi-las, mas a forma como ele disse... Nossa! Quem espera ouvir isso de uma criança de quase 6 anos?!
Ele encostou sua cabeça em meu ombro e simplesmente dormiu. Ainda bem que já estávamos no ônibus e, por ser noite e não ter tráfego intenso de veículos, logo estaríamos em casa.
Chegamos e nossos pais se preparavam para dormir quando avistaram nossos pesados corpos depois de algumas besteiras.
- Onde você estava moleque? - perguntou agoniado meu pai - quer nos matar do coração?
Fiz sinal para que ele falasse baixo e apontei para Gabriel que dormia tranquilo no meu colo. Nos deixaram passar e naquele momento de fuga do que poderia sair daquela discussão, fizeram valer a pena a dor que eu sentia nos braços. Fui em direção ao nosso quarto, coloquei-o em sua cama, tirei a bermuda, deixando-o apenas de cuequinha e, cuidadosamente, vesti uma regata mais leve. Deitei sua cabeça no travesseiro, cobri-o, beijei sua testa, admirei sua carinha de anjo dormindo e, finalmente, fui me deitar. Uma musica ecoava em minha cabeça "there is a light in you, I have falling into you..." um sorriso se formava ao me lembrar de Gabriel(zão). Ao mesmo tempo em que a sequencia da musica "put all your weapons away and your mask is falling anyway, falling away" me fez lembrar o João e de como nosso término nada amigável mostrou que ele era, de fato, um cretino. Eu era um cretino! E isso me doeu. Fechei os olhos e "live all your lives", parte final da música, me fez perceber que aquilo uma hora passaria. Eu iria superar! Não diferente de outras noites, Gabriel deitou-se ao meu lado e eu o abracei. Dormimos!
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Gratidão a esperança, ❌Hello❌ , Ryuho, 🐶LuterLook🐶 , Rafa_B e Nara M pelos comentários. Bem vinda, esperança... espero que goste ainda mais da história; ❌Hello❌ nada mais justo do que lembrar de vocês rsrs; Ryuho não me bate, eu sei que demorei, mas garanto que vem coisa boa por aí; 🐶LuterLook🐶 só por ter cachorrinhos no nick já pode se considerar dentro haha; Rafa_B os pais do Mark são um poço de simpatia, ainda bem que os meninos salvam a família haha; Nara M bipolar eui não sei se ele é, mas que ele está tentando... ninguém pode negar. Aos demais que apenas leem o conto, espero que esteja de seu agrado. Novamente, desculpem a demora! Garanto que o próximo capítulo vem cheio de surpresas. Beijos do Mark.