2ª PARTE
CAPÍTULO 3
TEM DIAS QUE NÃO DÁa hora havia se passado desde que Débora se deparou com o quiproquó na casa de Jorge e agora os dois, Gabriel e Mike estavam na sala de espera hospital.
Mike e Gabriel estavam em silêncio no corredor, finalmente emudecidos, com olhares culposos, um sem olhar diretamente para o outro, não tendo absolutamente certeza de que se arrependiam de suas atitudes de tempos atrás. Mike tinha um pedaço gigante de algodão em sua narina, que usou para estancar o sangue, Gabriel, apesar de sentir dores não carregava nenhuma sequela em seu corpo.
Mike observava quão interessante eram as cadeiras do local, enquanto Gabriel vagava em seus pensamentos, quando de repente Débora saiu da sala onde Jorge se encontrava e apareceu no corredor, olhou para os dois que pareciam e se sentiam como dois moleques que tinham acabado de entrar em encrenca.
- Venham aqui – Disse Débora segurando os dois pelo braço, como quem carregava dois presos para solitária e os levando para um local isolado. Ela conferiu, não havia ninguém perto, então fechou as duas portas de vidros que o separava do interior do hospital. Débora, fechou os olhos e respirou como se fizesse muito esforço para não bater nos dois e soltou – Eu não sei direito o que está acontecendo aqui e eu não quero saber, mas pelo que Jorge me falou vocês quase o mataram hoje, sério, ele vai ficar numa cadeira de rodas por alguns dias – Débora era linda e tinha mudado bastante nos últimos anos, era baixinha e tinha os cabelos escuro e levemente encaracolados, não era muito feminina e possuía sardas nas bochechas que qualquer um acharia fofo se não fosse a arma que ela mantinha vinte e quatro horas com ela. – E eu quero ele bem cuidado, eu não poderia me importar menos com a diferença entre vocês dois, mas se vocês se importam com Jorge, vocês vão cuidar dele, ouviram bem? – Os dois acenaram que sim, olhando para o chão como se tivessem acabado de ouvir um sermão depois de aprontar alguma – Outra coisa... – Disse ela mudando a tonalidade da voz. – Mike – Virando e olhando ainda zangada para Mike – Jorge recebeu o convite?
- Recebeu... mas ainda não leu! – Disse Mike sem graça de olhar nos olhos de Débora.
Débora virou os olhos, colocou uma mão na barriga e sentiu o celular vibrar.
- Diga Aurélio! – Disse ela entediada – Só um pouco... – Voltou a olhar para os dois extremamente zangada e falou num nível mais alto que o normal – Fala para o Jorge ignorar aquela, eu mando outro amanhã de manhã. Estão avisados! – E saiu daquele recinto, falando no telefone.
Ali naquele espaço só restaram Mike, Gabriel e a culpa que era visivelmente maior que os dois juntos.
- Então... – Arriscou Mike, começando a falar sem saber exatamente onde queria chegar.
- Eu acho que a gente exagerou lá dentro... – Gabriel soltou a frase como se estivesse doendo nele segurar aquilo.
- É! – Essa foi a primeira vez que os dois concordaram em alguma coisa.
- Acho que a gente deveria fazer um acordo! – Estabeleceu Gabriel, olhando para Mike, fazendo gestos com as mãos.
- Continue – Mike agora estava dando atenção a Gabriel com uma das mãos no queixo.
- Enquanto nós estivermos, próximo ao Jorge... A gente... A gente deixa nossas diferenças de lado... O que acha!?
- Por mim ótimo! - Disse concordando com um aceno.
- Tudo bem então... Aperta! – Disse Gabriel estendendo a mão para Mike!
Mike olhou para a mão de Gabriel e olhou para os olhos dele, estendeu a mão e o dois fizeram um acordo.
Mike abriu a porta do vidro, olhou para Gabriel e disse:
- Vamos?
Os dois encontraram Jorge parado em frente a sala que Débora o tinha levado, numa cadeira de rodas com cara de irritado, coisa que Mike não via em anos. Os dois encolheram os passos para chegar até ele, que quando percebeu se moveu para a frente colocando as mãos na roda
- É melhor eu estar longe da minha arma se isso acontecer novamente! – Resmungou Jorge olhando para os dois.
Gabriel e Mike definitivamente não esperavam ouvir aquilo, mas se desculparam sinceramente.
- Jorge mil desculpas, sério!
- A gente não queria te machucar, em hipótese alguma!
Os dois disseram se ajoelhando para olhar Jorge nos olhos.
- Me levem para casa – Disse Jorge recuperando a cara carrancuda e rolando entre os dois. Mike e Gabriel trocaram olhares de desapontados e imediatamente o ajudaram e sair do hospital.
Os três chegaram do lado de fora e o carro estava no mesmo lugar que Débora havia estacionado, porém agora sem ela dentro. Os três pararam, Jorge deu um respiro notavelmente doído e falou ainda com a voz obviamente irritada.
- Eu não posso dirigir porque imagino que vocês dois saibam o motivo, Gabriel não tem habilitação, então Mike, você vai ter que dirigir. – Disse tirando do bolso a chave do carro e a entregando a Mike, que correu para o lado do motorista, enquanto Gabriel entrava do lado do passageiro e ouvia Mike ligar o carro, ajustar o espelho e pegar no volante, quando os dois ouviram alguém gritar do lado de fora:
- Caralho! Esquecemos o Jorge! – Disse Mike.
Os dois saíram apressadamente mais culpados do que estavam anteriormente para ajudar Jorge a entrar no carro. Mike nunca tinha o visto tão zangado antes.
- Ops! – Soltou Gabriel numa tentativa frustrada de ser engraçado que obviamente não tinha funcionado. Mike pegou Jorge no colo enquanto Gabriel tirava a cadeira de baixo, a dobrava e a colocou no carro, numa agilidade incrível.
- Não estamos esquecendo mais nada? – Perguntou Mike se arrependendo profundamente logo depois de ter perguntado.
- Depende! Você deixou mais alguém na cadeira de rodas lá fora? – Resmungou Jorge o encarando de olhos arregalados. Mike se sentiu mal pela pergunta, entrou no carro e viu Gabriel tentando segurar o riso olhando para o lado de fora.
- Só para você saber Jorge, enquanto você tá sofrendo aí atrás, o Gabriel está rindo! – Acusou Mike!
- Vamos! – Gritou Jorge!
- Ok! – Disse Mike, assustado, ligando o carro, fazendo com que Gabriel tivesse ainda mais dificuldade de esconder o riso.
Chegando em casa, a atmosfera dentro daquele carro parecia que iria escorrer numa forma absurda e líquida assim que um dos três abrissem a porta.
Mike saiu correndo do carro para abrir a porta, como se quisesse demonstrar prontamente que não o esqueceria agora, mas Gabriel foi mais rápido e abriu a porta do lado em que Jorge estava, o ajudando a se locomover e o pegando no colo. Jorge se sentiu extremamente desconfortável pelo jeito que Gabriel o segurava, mas ele percebeu que Gabriel se sentia culpado por não ter sido de grande ajuda até aquele momento já que não sabia dirigir.
Mike sentiu ciúmes quando viu Jorge segurando Gabriel pelo ombro, mas quando percebeu que ainda havia restos de seu arroz na escada, já era tarde demais. Gabriel escorregou em alguma espécie de verdura molhada, lançando Jorge por cima de sua cabeça, fazendo com que ele caíssem ao som de um terrível estralo.
Tudo o que se podia ouvir de Jorge agora era um gemido fraco de alguém que se escolhia nas pedras que compunham o chão gelado do quintal.
- Descuuuulpa Jorge – Gritava Gabriel se levantando rapidamente, mostrando que não sofreu dor alguma com a queda.
Jorge não falou absolutamente nada, tampouco falaria alguma coisa se tentasse, também não manifestara som de dor alguma, apenas olhava para cima como se estivesse zangado consigo mesmo pela atitude de Gabriel. Mike, estava de pé, olhando para aquela situação, como se aquilo tivesse acontecido apenas na sua cabeça, até que em um susto ele voltou a sí.
- Ele está querendo dizer alguma coisa? – Disse ele, largando a cadeira de rodas de lado.
- Ai meu Deus, será que a gente vai precisar leva-lo para o hospital de novo? – Disse Gabriel se ajoelhando e colocando a cabeça perto da boca de Jorge, fazendo esforço para ouvir o que ele tinha que dizer.
- Se sim, a culpa é inteiramente sua. – Disse Mike, apressadamente se ajoelhando para tentar ouvir o que Jorge tinha a dizer
- Cala a boca, ele está tentando falar comigo – disse Gabriel nervoso.
Jorge estava deitado com a cabeça encostada no chão úmido quando chegou à conclusão de que não conseguiria imaginar como isso tudo aconteceu nas última horas.
- Ele está dizendo alguma coisa? – Perguntou Mike!
- Está sim, - concordou Gabriel – Ele está tentando mexer a boca, olha só.
Jorge disse claramente com muito esforço:
- Minha arma!
Mike e Gabriel riram e se assustaram no momento
- Não, não, não... - Disse Gabriel.
- Você quer que eu atire nele para você Jorge? Por que eu sei onde está a arma! – Disse Mike brincando, mas com uma ponta de seriedade em sua voz.
- Para de falar bobagem! Me ajuda a colocar ele na cama!
Mike, obviamente não gostava de receber ordens de Gabriel, mas ele percebeu que naquele momento, era melhor coisa a se fazer, então antes que Débora aparecesse de repente – Não vai escorregar no legumes – Advertiu Gabriel.
- Vocês dormem na mesma cama? – Perguntou Gabriel olhando diretamente pra Mike, reparando que Jorge tinha uma cama de casal.
- Quase sempre – Mentiu Mike num tom de voz superior.
- Tem certeza? Até onde eu sei, ele quase sempre tem dormido fora... – Retrucou Gabriel se lembrando das vezes que tinham dormido juntos.
Os dois ouviram um barulho baixinho e quando olharam para Jorge repararam que ele estava com uma arma na mão, contando quantas balas haviam ali. Gabriel e Mike saíram daquele quarto correndo e fecharam a porta. Não acreditaram que Jorge iria de fato atirar em algum deles, mas sabiam que ele estava muito chateado agora e que era melhor não irritá-lo ainda mais.
Os dois sentaram no sofá de três lugares, um em cada canto, Aaron deitado no meio dos dois deitava sua cabeça no colo de Gabriel, pedindo um carinho. Gabriel retribuía passando a mão por toda a cabeça do cachorro. A mesa atrás deles ainda estava caída, com toda comida espalhada pela cozinha, as laranjas estavam em todos os cantos da casa, os pratos quebrados espalhavam muitos cacos de vidro no chão. A cena do crime ainda estava intacta. Mike olhou pra Gabriel sendo confortavelmente afagado por Gabriel e soltou baixinho:
- Cachorro falso. - Diss enraivecido.
- Oi? – Perguntou Gabriel, deixando de prestar atenção em Aaron.
- Nada eu só quero saber se... - Começou Mike.
- Limpar a cozinha? - Adivinho Gabriel errado.
- É! - Mentiu Mike.
- Eu estava pensando nisso agora.
- Idem,
- É justo. Eu cheguei aqui na sua casa, hoje... fiz essa bagunça toda – Gabriel respirou fundo e agiu como se não fosse por vontade própria que iria dizer o que estava prestes a dizer. – Eu quero... quero pedir desculpas pelo meu comportamento.
Mais surpreso do que Gabriel ao ouvir aquelas palavras da boca dele, ficou Mike ao ouvir aquilo e chegou à conclusão de que precisava se retratar também:
- Eu não estou muito orgulhoso de mim também – Disse juntando as coisas do chão.
De repente pareceu que aquela sala era maior, um minúsculo silêncio se estabeleceu entre eles, onde só se ouvia a respiração um do outro e o ronco de Jorge. Gabriel olhou para um canto da sala, próxima a tv e viu que um pedaço de brócolis estava despedaçado sobre o assoalho.
- A comida parecia boa! – Disse Gabriel, tentando ser legal com Mike, ainda se sentindo um pouco de culpa pelo que tinha acontecido.
- Valeu... – Mike olhou para trás reexaminando a bagunça feita com naturalidade no seu rosto -...tem um pouco ali no chão que acho o Aaron não encostou... se você quiser.
Gabriel virou pra Mike sério e abriu um imenso sorriso, exibindo todos os dentes brancos e perfeitos, como se mostrasse uma bandeira de paz, ele continuou sorrindo. Mike que havia censurado vários sentimentos durante aquela noite, não conseguiu esconder seu encantamento com Gabriel.
- Uau... - Disse ao som de um suspiro.
- Que foi... - Perguntou Gabriel dando pouca atenção.
- Seu sorriso... É.... Como o de Elaine.
- Quem?
- Nada – Mike, voltou a realidade em questões de segundos – Me ajuda? – Perguntou ele se levantando.
- Claro!
Os dois demoraram cerca de uma hora e meia para limpar todo aquele cômodo, que ainda possuía um cheiro de arroz no ar. Os roncos de Jorge eram cada vez mais audíveis da cozinha. Mike e Gabriel apesar de trocarem somente as palavras necessárias durante a faxina, começaram a perceber que era possível sim, conviver um com outro sem necessariamente se aniquilarem. Os dois trocaram pequenos favores e admiravam em silêncio os gestos, o porte físico e as escolhas das palavras um do outro. Não sabiam bem o que estava acontecendo com aquele cômodo, mas não se importariam muito se a cozinha estivesse um pouco mais suja.
- A gente não tem um quarto.... Quero dizer, eu espero que você não se incomode de dormir no sofá – Ofereceu Mike, colocando a mão na cabeça, demonstrando que queria dizer algo a mais.
- Obrigado, mas eu quero mesmo é voltar para casa. – Respondeu Gabriel, exibindo outro sorriso, tentando causar a mesma impressão que causou em Mike, um tempo atrás.
- Aah, você...
- Eu pego um táxi! – Disse, se dirigindo a porta.
- Não, que isso, depois de tudo que eu fiz você passar e da ajuda que você me deu, eu te dou uma carona... onde você mora?
- Não, imagina, eu não quero dar problema.
- Problema algum, eu estou sem sono, preciso fazer alguma coisa mesmo.
- Bom, já que você insiste. – Gabriel parou de andar e se encostou no braço do sofá.
- Só espera um pouco que eu vou trocar de camisa.
- Claro – Gabriel, olhou pra Aaron dormindo e riu pensando que iria chorar se despedindo dele em alguns meses, imaginou também se deveria contar a Mike que iria embora, refletiu brevemente, pois antes de concluir seus pensamentos, Mike saiu do quarto vestindo uma regata branca que fazia seus músculos darem a impressão que saltavam na camisa.
Mike olhou a cara de surpreso de Gabriel com o seu corpo, e reconheceu nela a expressão que teve momentos atrás com seu sorriso.
- Vamos? - Convidou.
Gabriel não fazia ideia do que estava pensando antes de ouvir assa frase.
- Claro! - E se dirigiu a porta da frente, a abrindo, deixando Mike passar primeiro, conferindo sua bagagem.
- É longe? - Perguntou entrando no carro.
- 10 minutos. - Respondeu Gabriel o encarando ainda surpreso.
- Tranquilo.
Assim que os dois já estavam no carro, perceberam que a conversa não fluiu naturalmente como havia surgido na cozinha, minutos atrás, os dois estavam lado a lado e não haviam trocado uma palavra sequer. Mike havia encontrado uns bons tópicos de conversa, mas logo depois decidiu que o gato morto na rua ou mendigos não eram interessantes de se discutir, de repente ele se lembrou como seres humanos normais se comportam e soltou:
- Então, faz tempo que você mora aqui?
Gabriel se lembrou do que estava pensando antes do “Vamos?” e se lembrou também que não havia chegado a conclusão alguma depois daquilo. “Maldita regata! Será que seria possível, ver os mamilos de Mike se ele virasse o pescoço um pouquinho... enfim. ”
- Não – Gabriel lembrou de mentir pra Jorge e decidiu não mentir novamente.
- Você trabalha? – Perguntou, mudando o rumo que a conversa poderia chegar.
- Aham – Riu Mike, percebendo a falta de discrição na mudança de assunto – Sou instrutor de academia, pertinho de casa também, se tivéssemos pego outra rua, passaríamos em frente.
- Ah, por isso toda aquela coisa saudável na sua casa...
- Sim... – Riu Mike – Me ajuda muito.... Você? Faz academia?
- Fiz por alguns anos... questão de saúde, mas parei.... Tenho preguiça.
- Entendo... – Disse alternando os olhos entre a estrada e o corpo de Gabriel - Pretende voltar?
- Talvez.... É aqui! – Disse Gabriel apontando para o apartamento.
- Aqui? - Perguntou triste sabendo que havia chegado.
- Isso! - Confirmou Gabriel.
- Beleza, então...
- Então, eu vou adorar conhecer mais você em outro momento... Prometo não te atirar laranjas ou frango.
- Eu não prometo nada.
Mike riu, Gabriel riu também.
- Eu posso preparar algo que não seja só legumes... Mas não digo nada sobre te acertar com a panela... Eu tenho uma mira muito boa... - Continuou Mike, que tentava prolongar a conversa.
- Hahahah, Jorge sabe disso... Mas você não precisa fazer isso por mim, Mickey!
Um silêncio surgiu ali entre os dois, Mike olhou para Gabriel sério:
Você pode me chamar de Mike.
Tem certeza? - Perguntou Gabriel feliz.
Aham!
Ok, Mike!Haha...
- Hmm, tchau então Mike!
- Tchau…
Gabriel se inclinou para Mike como se fosse dar beijar seu rosto, mas Mike se afastou assustado, pensando que Gabriel fosse o beijar na boca, houve um silêncio entre os dois com três centímetros de distância. Gabriel não saberia dizer quando era a última vez que sua cabeça fazia sossego, mas era tudo silêncio agora, Mike olhava para ele e para sua enorme boca marrom, automaticamente sua língua se afundou em saliva e Gabriel o ouviu engolir. A ideia que se passava na cabeça dos dois era tão absurda que de repente se tornaram fãs do absurdo.
Gabriel e Mike se beijaram no carro.
Todas as coisas estavam se passando na cabeça de Gabriel naquele momento, mas ele sabia que não queria parar. Os lábios de Gabriel eram tão macios que ele poderia levar para casa, ele sabia que tinha uma ereção na sua calça, então decidiu parar.
Abrindo a porta do carro sem olhar para Mike, ele atropelou as palavras e disse algo parecido com “IStcxau” e correu para o apartamento.
Mike olhava aquele moreno sair desesperado do seu carro, sem jeito e ainda sem recuperar o fôlego, disse para si mesmo:
Meu Deus, como ele é lindo.