Sim, a minha vida tava mudando mesmo. A minha mãe sempre me dizia que quando eu crescesse, eu ia ver novas coisas, saber de novas coisas, conhecer mais pessoas e conhecer mais da liberdade. Meu pai me dizia que eu devia tomar cuidado com algumas pessoas e nunca confiar nelas, pois eu só teria decepções e ele não estaria comigo pra me ajudar. Eu nunca precisei muito da ajuda dos meus pais pra nada. Sempre fui solto, independente e apenas curtia depender de mim mesmo. E ah, nem contei o que eles são... Sim, preconceituosos. Óbvio que estão errados em ser assim, mas eles já são velhos, e antigamente ensinavam a ser machista em casa. Só pensava na decepção que seria quando eu contasse isso pra eles.
Um mês depois do casamento, o Loai e eu estávamos conversando seriamente dele vir pro Rio de Janeiro – como já falei – e ele veio, mas o que rolou antes da chegada dele, foi uma coisa terrível. Vamos lá.
Nina sempre me ligava, me pedindo pra ter uma conversa com o Ícaro, pois ele tinha muitas atitudes grosseiras com ela e chegava até a agredi-la. Tentei fazer isso pelo telefone, mas todas vezes Ícaro desligava na minha cara e me chamava de viado, intrometido, manda eu ir pastar, e me pedia pra não me meter no casamento dele. Certo dia, ele passou dos limites com ela: levou mulheres para casa e a traiu lá mesmo. O que mais me deixava indignado era o fato da Nina pedir a minha ajuda, e não se separar dele, o que era o certo. Nesse dia, Nina me ligou e falou várias coisas. Percebi que era sério pelo tom da sua voz e pela sua respiração ofegante. Ela me pediu para ir lá conversar com o Ícaro e eu não pude dizer um não à ela. Depois de me trocar, me dirigi a porta e quando ia saindo, o telefone tocou. Achei que era ela, mas me enganei.
– Nina, eu já tô indo praí\
– Alô, quem fala?
– Quer falar com quem?
– É você, Théo? Quem tá falando é o Dan...
Esperei uns minutos antes de falar algo. Lembrei-me do Dan e daquela transa maravilhosa que tivemos no banheiro, mas não entendi o por que dele ter me ligado. Não, na verdade entendi, sim. Se eu tinha dado o meu número a ele, eu já tinha que esperar por isso.
– Ah, oi, Dan. Sou eu sim, mano. Nossa, quanto tempo!
– Será que eu posso te ver?
– Agora? Se for, não\
– (cortou-me) Quando você quiser...
– Pode ser mais tarde? Tenho que ajudar um amigo agora.
– Claro, mas, por favor, vá. Quero muito ver você.
A única aproximação nossa foi aquela no banheiro, e depois eu tinha me esquecido totalmente dele. Mas bom, trocamos o endereço de tal lugar e eu mudei rapidamente de pensamento: minha sub-visão era toda voltada pro Ícaro.
Quando cheguei na casa da Nina e do Ícaro, vi que a coisa era mais séria do que eu tinha imaginado. A porta principal estava aberta e, na sala, havia roupas e mais roupas espalhadas. A Nina logo veio correndo, chorando e me deu um abraço. Claro que eu não recusei e devolvi o abraço. A Nina se acalmou rapidamente e sentamos para conversar.
Longa conversa, aquela. Nina me contou os problemas. Todos os problemas. Ela me disse que o Ícaro tinha mudado completamente, que ele tinha se transformado em quem ele não era. Me contou que ele a traía todo dia, que batia nela e já chegou até a ameaçar caso ela contasse isso pra alguém. Ela só estava me contando porque eu era amigo dele. No começo, fiquei chocado com tudo o que ela me dizia, mas depois fui ficando com raiva do Ícaro. Sou contra todo tipo de violência com mulher e ele estava fazendo isso com a Nina, que era legal pra cacete. Não. Eu não podia ficar de braços cruzados, mas fiquei. O Ícaro não estava em casa, ela disse que ele tinha saído e não tinha dito pra onde ia. Eu a acalmei e pedi para que ela me ligasse se ele voltasse pra casa.
Me despedi dela. Fiquei mais tranquilo quando ela disse que me ligaria. Estava planejando ter uma conversa séria com o Ícaro e nada me tirava da cabeça essa minha idéia. Podia até ser loucura, pois, como ele mesmo me dizia, eu era intrometido demais no casamento dele, mas e se fosse eu, será que ele não iria interferir?
No carro, fui pensando em tais coisas. As lembranças que me veio à tona naquele momento foram, exatamente, as que incluíam o Ícaro. Lembrei dos tempos da escola, das nossas palhaçadas, das nossas conversas, do preconceito dele, do sorriso dele... Tudo era um misto de emoções. Eu não me conhecia mais. Será que eu tava gostando dele? Isso já era esperado por mim, mas eu me sentia envergonhado por estar assim por um homem feito ele. E também eu não podia tirar conclusões precipitadas. Eram apenas pensamentos. Acho que fiquei assim depois da olhada dele pra mim na hora do “sim” em seu casamento. Mas não podia ser isso. Passei um mês sem sentir a falta dele. O que era tudo aquilo?
Cheguei ao tal lugar. Magnífico! Essa era a palavra adequada. Tudo lindo, espetacular, e o Dan em uma mesa... Isso tinha me deixado mais maravilhado ainda. Eu tinha esquecido como o cara era bonito. Ele se levantou e me abraçou. Era um barzinho bem legal, aconchegante e luxuoso. Não tinha ninguém. Éramos apenas nós. Sentei-me e nós nos aprofundamos numa conversa suave, doce e significativa. Ele tava muito tenso. Aguardei notícias boas.
– Quanto tempo, mano. Fiquei curioso com a sua ligação.
– É um prazer te reencontrar, Théo. Tô curtindo em te ver de novo.
– Eu também tô.
– Te liguei por que... Por que... Desde aquele dia no banheiro, eu não paro de pensar em você.
– Sério?
– Sério! Eu não tenho medo de nada, sabe? Não sei o que vai ser dessa conversa, mas eu vou te dizer umas coisas... Eu sou casado, tenho 1 filho homem, que também já é casado, mas eu não curto a minha vida, e você já deve saber o por quê disso... Depois que a gente transou naquele dia do banheiro, eu fiquei louco pra fazer aquele dia de novo com você.
– Então foi a sua primeira vez com um homem?
– Foi. Eu já tinha visto pornô gay, já tinham me chupado, mas aquilo com você foi uma coisa totalmente diferente da minha vida.
– Pô, cara. Que bacana isso! Curti saber disso...
– Eu não parei de pensar em você depois daquilo.
Minha mão estava na mesa e ele começou a alisá-la. Aquilo que ele fez foi como se eu tivesse sendo chupado, ou tivesse comendo alguém... Nunca senti algo daquele jeito. Me excitei logo.
– Você topa ir pra minha casa? – o convidei.
– Sério?
– Sério. Você topa ir pra minha casa agora comigo?
– Nossa... Eu... Topo, claro.
– Vamos.
– Eu vou passar na minha casa antes. Vou dizer para minha mulher que eu vou trabalhar agora de noite, aproveito e pego a minha farda pra ela não desconfiar de nada.
– Esse é o meu endereço. Me encontra lá. – falei escrevendo num guardanapo, e dei pra ele. – Me vê lá.
Saí dali e fui pra casa. Caralho... o que é que tinha acontecido? Eu só curtia sexo assim quando ia para esses banheiros públicos procurar caras bonitos e com um pau gostoso. Quem era eu?
Já em casa, fui rápido e arrumei toda aquela bagunça. Minha casa estava pronta pra receber um homem lindo. Escutei batidas na porta e fui abrir, mas não tive uma surpresa. Era o Ícaro, bêbado demais. Ele entrou. Sua aparência não era uma das melhores.
– Ícaro? Você tá bem, mano?
– Théoooooo – e ele abriu uma gargalhada – você tá parecendo... Mano, que coxinha você é!
– Caralho, o que houve com você, em?
– Eu quero fazer xixi. Quero fazer xixi agora.
– Pode ir.
Falei isso e fui ao meu quarto. Andei pra um lado e pro outro sem saber o que fazer. O Dan ia chegar e o Ícaro estava ali... Resolvi ligar pro Dan e desmarcar tudo para cuidar do meu amigo. Saí do quarto e tive uma visão horrível. O Ícaro estava ao telefone com cara de decepção. Ele desligou a chamada e...
– Que porra é essa aqui, mermão? Ôh Théo, que caralho é esse?
– O que foi, mano?
– Você é viado, caralho? Você é viado, Théo?
– Do que você tá falando, Ícaro? Sai fora.
– Aquela bicha do Loai ligou e te chamou de gostoso, caralho. Porra... Você é viado, mermão. Você é louco?
E quando ele terminou de falar o “louco”, partiu pra cima de mim. Ele me deu um murro que acertou bem no meu nariz e outro no meu estomago. Me socou bastante, mas mesmo assim deu pra eu ficar acordado. Eu comecei a chorar e pedir para ele parar, que parou depois de muitos golpes. Pelo pouco que eu vi, ele ficou parado me olhando. Ele, depois de um tempo, se ajoelhou e me colocou em seus braços. Ele chorou bastante e me abraçou muito. Pensou que eu estivesse desacordado, mas eu pude ver tudo e sentir também. O choro dele se devastou e ele saiu dos eixos.
– Me perdoa, Théo... Me perdoa, irmão.
E essas palavras foram se repetindo...
Eu acordei e já era de manhã. Eu estava numa cama de hospital. Não entendi nada, mas me lembrava de pouca coisa da noite passada. O que seria do Ícaro depois que eu me levantasse daquela cama?