Eu estava na aula prestando atenção quando Pedro me deu uma cutucada e disse que precisava falar comigo. Achei estranho porque éramos amigos e já tínhamos vencido essa coisa de pedir para falar com o outro; quando queríamos falar era só chegar e dizer. Enfim, acenei positivamente com a cabeça e voltei minha atenção para a aula de contratos, fiz anotações e marquei partes importantes do texto, mas sempre pensando no que o Pedro poderia me dizer. Talvez ele estivesse passando por algum problema com a família, mas guardei minha ansiedade e achei melhor parar de criar teorias.
Quando finalmente tivemos intervalo ele (Pedro) convidou-me para tomar café.
- Que isso Pedro?! To te achando estranho... eu sempre vou tomar café contigo, independente de convite ow.
- Ihhh depois reclama que eu sou grosso!
- Sentimentalismo não combina contigo! Pode ir parando. - ele fingiu estar ofendido.
- Credo, Mark! Eu também tenho sentimentos... enfim, você e o troglodita (assim ele chamava Gabriel) estão se pegando desde quando? - eu estava bebericando meu suco e essa pergunta me fez cuspir tudo longe.
- C-como assim? - disse limpando o que havia sujado.
- Ahh você não achou mesmo que eu ia cair nessa história dele ser só um colega de trabalho?! Não nasci ontem. - me recompus antes de responder.
- Somos só colegas mesmo. Nada demais!
- E eu nem vi a intensidade do abraço dele no outro dia e muito menos a fungada que deu no seu pescoço né... - a essa altura eu ja estava furtacor. - Enfim, eu tenho algo para desabafar.
"Ufa", pensei, "ele mesmo mudou o assunto".
- E o que seria?
- Estou pensando em terminar com a Ana! - fiz um ":O" surpreso.
- OMG, Pedro! Vocês formam um casal tão lindo... o que houve?
- Ah cara, não ta rolando mais aquele sentimento de antes saca?! Ana é linda, gostosa, tem os peitinhos do jeito que eu gosto, aquela bucetinha rosinha apertadinha...- em meio a tossidas de minha parte ele parou -... ela é um sonho mesmo, mas eu to em outra vibe agora.
- Que outra vibe, Pedro? Tem a ver com a puta do outro dia?
- Caralho, Mark! Esquece essa história po. Não tem puta nenhuma! - ele disse exaltado.
- Okok... não está mais aqui quem falou! - respondi emburrado.
- Ihh desfaz essa cara! Quando eu digo outra vibe, quero dizer que eu e Ana estamos em direções opostas; 3 anos de relacionamento e acho que é hora de seguir em frente.
- Olha, Pedro, você tem que pensar muito bem nessa decisão, porque ela é mesmo linda e sozinha não vai ficar.
- Eu sei, porra! - ele respondeu agoniado - Mas da forma que está vamos acabar saindo machucados, por isso eu acho que é melhor terminar enquanto ta tudo tranquilo. – falou apoiando a cabeça nos braços em cima da mesa, visivelmente preocupado.
Eu estava no banco à frente dele e achei que devia fazer alguma coisa. Sentei-me ao seu lado e, sem pensar, o abracei. De primeiro ele se assustou, mas acabou cedendo ao abraço, no qual ficamos algum tempo em silêncio até que eu resolvi dizer algo que o acalmasse.
- Não fica assim, Pedro! - ele apertou o abraço e apoiou a testa no meu ombro. - pelo menos virgem você não morre... - ele desfez o abraço e olhou sério pra minha cara.
- Engraçadinho você né?! - e ficou todo emburradinho. Eu apenas sorria - Sabe Mark eu acho que a gente devia se abraçar mais vezes... - corei.
- Pedro olha a hora! Vamos pra sala. – disse desviando o assunto.
Corremos porque a segunda aula também era de contratos e o professor marcava em cima de quem se atrasasse. Durante a aula percebi Pedro meio aéreo, me questionei o que passava naquela cabeça e eu acabei viajando naqueles momentos.
Acabou a aula.
Almoçamos.
Fui de ônibus para o escritório, apesar da insistência de Pedro em me levar e da minha vontade de aceitar.
Havia um bombom na minha mesa, do qual eu ignorei a existência por ora, afinal tinha muitas pendências para lidar antes que meu chefe aparecesse berrando meu nome. Meu celular então vibrou anunciando uma mensagem: “esse bombom só não é mais gostoso que você”. Dei uma sonora gargalhada atraindo a atenção de todos e a dele, em particular. Era óbvio que aquilo era coisa de Gabriel. Olhei na direção dele que me fitava com cara de menino travesso e resolvi responder à mensagem: “quem é você e onde conseguiu meu número?”.
Enviei a mensagem junto de uma carinha vermelha de raiva e ele já foi logo respondendo: “quer saber quem eu sou? Me encontre na sala da zeladora em 20 min”. Eu nem respondi... isso contava como uma aceitação tácita, né?! Enfim, percebi que ele estava ansioso e toda hora olhava para minha mesa roendo as unhas. Eu, por minha vez, estava tranquilo o que era bem estranho. Faltando 5 minutos para o prazo combinado ele passou pela porta que eu nem percebi. Eu levantei como que não quer nada e fui em direção ao ponto de encontro. Assim que eu abri a porta fui envolvido por braços fortes e acolhedores.
- Sério que você não sabe mesmo quem sou eu?
- Moço, eu não tenho seu número salvo então considere verdade o que eu disse. Quem é você?
- Ouch! Essa doeu... então quer dizer que eu sou só uma aventura pra ti? – meu Deus! Os homens ao meu redor estavam bem sensíveis aquele dia. Primeiro Pedro, agora ele.
Virei ficando frente a ele, abracei-o de volta, e olhei em seus olhos antes de dizer.
- Ei, o que foi agora? – percebia que ele também estava distante.
- Não é nada, só me abraça... – e me apertou forte. Aquele abraço estava dizendo mais do que parecia e era uma situação bem incomum, porque não envolvia tesão, diferente de todas as vezes em que nos encontrávamos por ali.
Fiquei curtindo aquele abraço por um tempo e nenhum de nós dois ousava dizer qualquer coisa, até que eu resolvi quebrar o silêncio. Fui me soltando aos poucos, com alguma dificuldade já que ele não queria me soltar.
- N-não! Fica aqui. – e me apertava novamente.
- Ei, calma... eu estou aqui! – coloquei minhas mãos ao redor de seu rosto e olhei bem dentro de seus olhos antes de beijá-lo. Foi um beijo calmo, com carinho. – você quer me contar alguma coisa? – ele desviou o olho e disse que não era nada.
- Então, acho que ta na hora de você conhecer meu quarto...
- Gabriel, eu não sei... com essa rotina da faculdade tenho passado muito tempo na rua e não passo um tempo de qualidade com meu irmão há bastante tempo. Apesar da oferta ser tent...
- Tudo bem! – ele me interrompeu – eu entendo você não querer ir. – e ficou visivelmente chateado. Pensei um pouco, concluí que meu bebê sempre seria prioridade na minha vida, mas eu precisava me dar um espaço também.
- Ok, você venceu! Quando?
- SÉRIO? AHHH CARALQuer dizer cofcof – disse se recompondo – eu não sei se quero mais. – e fez uma cara de blasé.
- É mesmo?! Bom, eu vou ligar aqui pro Pedro, a mãe dele viajou e ele quer companhia pra ver seriado.
- O caralho que você vai ligar pro manézão! – e tomou o celular da minha mão – de sexta pra sábado, saímos daqui, vamos ao cinema e depois você dorme lá em casa.
- Ok. Agora vamos voltar ao trabalho, grandão... não podemos dar esses moles.
- Tem nada mole aqui, pelo contrário... tem uma coisa bem dura pra ti. – e sorriu safado.
- Ahh seu moleque. Só pensa nisso!
- A vantagem de ter duas cabeças é que uma não precisa, necessariamente, ser racional. – eu ri com aquele comentário.
Ficamos no amasso mais algum tempo e voltamos para o trabalho. Naquele dia eu não teria aula a noite então dei um jeito de ir para casa mais cedo matar a saudade do meu pequeno.
Cheguei e ele estava amuadinho sentado no sofá assistindo TV com nossos pais.
- Boa noite! – eu disse despretensioso. Quando ele me viu deu um pulo do sofá e veio correndo ao meu encontro.
- IRMÃAAAAAO! – gritou pulando no meu colo, enlaçando as perninhas na minha cintura e apoiando a cabeça no meu ombro e me abraçando bem forte. Aquele estava sendo um dia cheio de abraços e eu estava, literalmente, dando meu ombro ao próximo com muita frequência. Eu gostava!
- Isso tudo é saudade, amor? – perguntei para o pequeno Gabriel. Ele nada disse e então eu fui subindo as escadas com ele no meu colo. Meus pais disseram alguma coisa, mas eu preferi ignorar. Aquele momento estava reservado para uma noite dos meninos. Eu e ele apenas.
Entrei no quarto, coloquei Gabriel sentado na cama enquanto eu guardava minhas coisas e tirava minha roupa.
- Irmão, você me dá banho? – ele pediu. Àquela hora ele já devia ter tomado banho, mas não questionei, afinal era uma ótima ideia para iniciarmos nossa sessão fraternidade.
- Claro, amor! Vem, pega sua toalha que eu estou escolhendo aqui uma roupa. – ele ficou bastante animado e lá fomos nós para o banho.
Enquanto eu passava shampoo na cabeça dele e fazia aquela espuma espessa ele me fez uma pergunta que cortou meu coração.
- Mark?!
- Sim...
- Você vai embora e me abandonar aqui? – eu estava sem palavras e ele parecia estar com a voz embargada.
- Masoq... de onde saiu essa ideia, Gabriel?
- É-é que você não tem mais tempo pra mim, e a mamãe falou que você vai embora e eu tenho que me acostumar com a ideia de que um dia você não vai mais brincar comigo. – aquela vaca.
Nesse momento eu o peguei em meu colo, cheio de espuma e molhado mesmo, fixei meu olhar em seus olhinhos e falei:
- Gabriel, meu príncipe, eu não vou te abandonar nunca! Quem é que vai me mandar pintar desenho de super-herói se eu for embora? Quem vai me fazer brincar no chão quando eu chego do trabalho? E, mais importante, quem vai me abraçar quando eu quiser carinho? – eram palavras talvez muito complicadas para alguém da idade dele, mas me pareceu o certo a se dizer.
Ele me abraçou, novamente, terminamos o banho e enquanto eu o secava outra pergunta:
- Irmão, quando é que eu vou ver aquele seu amigo grandão de novo?
- Qual amigo grandão?
- Aquele que tem o mesmo nome que eu...
- Ahh o Gabriel... não sei. Você quer vê-lo?
- Ahan! O Caio disse que eu estava mentindo quando contei pra ele que eu conhecia um cara grandão com o mesmo nome que eu e falou que só acreditava vendo...
- Hm... continua – eu disse enquanto vestia o pijama nele.
- [...] aí eu queria pedir pro seu amigo me levar na escola qualquer dia desses, pros moleques verem que eu não sou mentiroso! – achei fofo, ria por dentro, mas não sabia o que dizer.
- Pode deixar comigo que eu vou perguntar a ele se pode te levar na escola qualquer dia.
- Vai mesmo?! Ahhh tomara que seja semana que vem. – eu ria com tanta empolgação.
- Ta bom, baixinho! Agora vamos ler um livrinho? Tem muito tempo que eu não lhe tomo a leitura... preciso acompanhar de perto seu desenvolvimento na escola.
- Ah não, Mark! Eu não quero ler. – e fez um bico enorme.
- Ei ei, que isso rapazinho? Se você não ler eu não falo com o Gabriel!
- Mas você prometeu!
- Eu sei, mas só vou cumprir se você ler pra mim. Vamos, Gabriel... tenho certeza que o Caio lê antes de dormir. – ele pulou na cama e falou apressado:
- Mark, cadê meu livro? Tenho que ler... anda menino. – eu assistia àquilo com muita vontade de rir, mas não podia. Peguei o livro do pequeno príncipe e ele começou...
“Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, ‘Histórias Vividas’, uma importante gravura. Representava ela uma jiboia que engolia uma fera. Eis a cópia do desenho...” (1)
Eu estava sentado enquanto fazia cafuné na cabeça dele que lia concentrado. Naquele momento eu refleti sobre o meu dia e em como todos aqueles “homens” ao meu redor pareciam especialmente carentes. Se por um lado eu estava feliz por poder ajuda-los, por outro eu não entendia o que estava acontecendo e porque tudo aquilo tinha que acontecer num único dia. Enquanto ele continuava sua leitura, eu voltei a mim e continuei prestando atenção em cada palavra que ele dizia.
“As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferencia à geografia, à história, ao cálculo, à gramática.” (1)
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(1) – Extraído da obra “ O Pequeno Príncipe”, autoria de Antoine de Saint-Exupéry.
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Gratidão a todos os leitores, comentaristas e apreciadores. Me desculpem pela demora, estou me esforçando para evitá-la e torço para que a espera valha a penas. Beijos e abraços.