Eu estava com preguiça, mas ainda era quarta-feira e eu precisava terminar aquela semana. Acordei Gabriel e como já tínhamos o costume de deixar a mochila pronto para o outro dia, fomos direto para o banho. Tomar banho juntos, por incrível que pareça, era mais rápido e eu podia ficar no pé dele para andar logo.
Nos vestimos.
Tomamos café.
Fomos para o carro.
Papai nos levou tanto à escolinha quanto à faculdade.
Sentei no meu lugar de costume e Pedro entrou logo parecendo à minha procura, porque assim que me viu veio sorrindo em minha direção.
- Aconteceu, Mark! Aconteceu. – eu ficava buscando na minha memória o que poderia ser, mas nada me vinha à lembrança.
- Eee... – eu disse visivelmente sem graça. – mas o que mesmo aconteceu? Não me lembro de nada que poderia gerar tamanha comoção ao senhorito.
- Babacão! Lembra que eu lhe disse que estava pensando em terminar com a Ana? Pois então, ontem nós conversamos e decidimos que era melhor parar por ali, sem brigas, sem mágoas e nem ressentimentos. Estou livre, cara! Livre.
Eu não sabia o que dizer, porque eu não imaginava que ele fosse mesmo levar aquela ideia a diante. Ele simplesmente jogou 3 anos de relacionamento para o alto, porque não estava satisfeito e agora ali estava eu que deveria dizer alguma coisa legal na qualidade de amigo dele.
- É-er... então... e-eu... – respirei fundo – ok! Olha Pedro eu não sei mesmo o que dizer. Fico feliz que as coisas não tenham fugido ao controle, que vocês conversaram de forma racional, mas é muita coisa para eu processar. Sabe?!
- Que nada, Markim! Relaxa que eu não quero e nem espero que você diga alguma coisa sobre isso. O fato é que agora nós temos que comemorar e a data escolhida foi sexta agora. Nós vamos sair e comemorar meu novo status. – Uh-oh. Como eu iria dizer que naquela sexta já estava certo de dormir com o Gabriel sem que ele se ofendesse? Ah que se foda. Melhor falar logo.
- Então, Pedro, amigão... – eu já sorria nervoso – é que nesta sexta eu já tenho um compromisso...
- Como assim, você nunca tem compromisso e sempre foi doido pra sair comigo numa sexta... para vai. Nós vamos.
- Não vamos, Pedro! Eu falo sério. Tenho compromisso e não posso sair contigo sexta.
- Tem a ver com o troglodita né?! Você está deixando de sair comigo para ir dar pra ele... – ele dizia com raiva nos olhos.
Só ouvi o estalo, senti minha mão arder, todos olhavam. Eu havia dado um tapa em sua cara.
- Nunca mais se refira a mim desta forma, Pedro Henrique! Divirta-se com seu novo status de relacionamento, mas bem longe de mim.
Ele ficou imóvel, provavelmente não estava acreditando no que aconteceu. Ele estragou minha manhã. Eu queria sair para pensar e olha que a aula nem tinha começado ainda. Achei melhor dar uma volta e ir espairecer. Tudo bem, tudo bem. Pode parecer exagero de minha parte, mas eu não aguentaria ficar no mesmo ambiente que ele por muito tempo.
O João sempre dizia que eu o devia estar traindo, o Pedro sabia como eu me ofendia em ser comparado a uma puta e mesmo assim se referiu a mim daquela forma suja. Como se eu fosse dar para o Gabriel como um qualquer. Está certo, eu iria mesmo dar para ele. Mas não justificava o Pedro dizer daquela forma. Eu já tinha sido afim dele, mas foram em outras épocas em que ele nem mesmo me respeitava e sai agarrando qualquer vagabunda por onde passava.
Me magoava bastante, mas eu superei e fiquei feliz quando ele encontrou a Ana, que foi a primeira menina e lhe colocar no rumo. Eu segui em frente. Será que eu estava com ciúmes com o novo status de relacionamento dele? Não, isso é impossível, porque eu nem queria mais ele. Talvez só estivesse preocupado em como essa história toda poderia acabar.
Enfim, eu não conseguiria mesmo voltar pra aula, então fui para o escritório mais cedo, assim eu poderia sair antes e ir em casa tomar um banho para ir à aula da noite.
Como era estranho chegar e ver tudo tão quieto... tão silencioso. Abri meu e-mail, coloquei uma música para tocar e aproveitei que estava sozinho para cantar e extravasar toda aquela raiva repentina.
Enquanto fazia minhas coisas nem percebi a porta abrindo e só me dei conta que era observado quando alguém atrás de mim me cutucou.
- O-oi... desculpa! – eu disse sem graça e desligando o som.
- Bom dia... eita que o dia começou animado ein?! Haha . – era a Bárbara, estagiária do outro advogado.
- Pois é. Bárbara seu nome, né?! Eu estava aproveitando o silêncio...
- As vezes gosto de fazer isso também, porque me ajuda a concentrar no trabalho. Estou indo na padaria tomar café. Quer me fazer companhia? – estranhei o convite, mas achei que mal não fosse fazer.
Como eu disse antes, Bárbara era uma pessoa carismática e atenciosa. Uma moça morena, cabelos ondulados e muito bonitos, trajava uma cardigã e calça de alfaiataria, muito elegante. Estava me contando suas peripécias enquanto aluna de uma renomada instituição de nosso estado.
- [...] aí ele queria saber se eu ia mesmo publicar o artigo eu respondi que o professor era ele e também quem poderia dar essa resposta...
- Wow! Você é muito inteligente... – ela estava me contando de como conseguiu publicar seu primeiro artigo numa revista renomada no meio jurídico.
- Nada! Só esforçada. Mas e você?
- Eu não tenho como publicar um artigo kkkk não sou um aluno tão bom ao ponto de um professor se interessar pelo meu trabalho.
- Bobagem! – ela disse – Mas eu me refiro à você no geral. Estou há horas falando de mim e você ainda não me contou nada sobre você...
- Ahhh... bem, eu tenho um irmão mais novo, muito esperto, estudo e curto mais ficar em casa vendo filmes ou brincando com meu irmão.
- Meu Deus, menino! Tão bonito e prefere ficar em casa?! Ahh não, temos que sair qualquer dia. Você namora?
- Não, não namoro... acabei de sair de um relacionamento meio conturbado e não acho que eu queira namorar por enquanto.
- Hmm pelo menos virgem você não é! – eu estava bebendo café e esse comentário me fez engasgar. Ela sorria marota enquanto eu a olhava curioso. – O quê? Ahh fala sério... pelo que você me disse, achei que nunca tivesse dado umazinha. – e sorriu. Levei na esportiva e ri também.
- Você está certa! – eu ria junto com ela. – Mas e você, namora há quanto tempo?
- Bem, digamos que eu esteja apenas curtindo o momento... assim como você, não quero um relacionamento por agora. Mas tenho um peguete aqui e ali.
Continuamos conversando pelo caminho de volta ao escritório e descobri que Bárbara era uma pessoa divertida, festeira, mas que também curtia filmes e séries. Combinação perfeita, uh?! Ela era uma pessoa extremamente centrada e sabia o que queria da vida, mas não deixava que isso a atrapalhasse a curtir e viver o momento.
- Carpe Diem, mon amour! – dizia ela. – Carpe Diem.
Chegamos ao corredor e nos despedimos com promessa de sairmos mais vezes. Eu não entendo porque a via pouco pelos corredores em dias normais. Talvez eu estivesse passando muito tempo com Gabriel no banheiro ou na salinha da zeladora. Sorri ao lembrar esses detalhes.
Terminei meu trabalho, almocei por ali e fui buscar Gabriel na escola. Naquele dia ele não ficaria na casa da babá. Quando eu cheguei na porta da escola ele ficou feliz e surpreso ao me ver.
- Uai irmão, aconteceu alguma coisa?
- Não, rapazinho. Está tudo normal! Agora vamos pra casa ver uns filmes?
- Ebaaa.
E lá fomos nós em direção à nossa casa. Passamos a tarde inteira estirados no sofá assistindo desenhos e conversando amenidades, até que chegou a hora de eu me arrumar para voltar à faculdade. Subi ao quarto e deixei Gabriel na sala cochilando. Me arrumei e neste meio tempo minha mãe chegou.
- Uai, o que faz em casa tão cedo? Vai me dizer que foi demitido, mas que coisa menino.
- Mãe, se acalma ow. Só vim em casa tomar um banho, mas já estou voltando para a faculdade. Um dia ainda descubro o motivo de toda essa aversão à minha presença! – ela fez menção de dizer alguma coisa, mas ficou pensativa estudando meus movimentos. Era hora de voltar.
Beijei Gabriel no sofá que acordou neste momento.
- Irmão, onde você vai?
- Ei campeão, estou voltando pra escola daqui a pouco eu volto de novo. Obedece à mamãe e faz sua lição. – dei outro beijo na sua testa, me despedi de minha mãe e saí.
Estava no ponto de ônibus quando um carro escuro parou. Eu conhecia aquele carro. O vidro abaixou e o motorista apareceu, me dando certeza de quem era.
- Entra!
- Pedro, eu não quero carona.
- Você está surdo? Entra nessa porra agora.
- Acho melhor não entrar.
- Se você não entrar agora eu juro que te arrasto a força. – ele estava bastante transtornado, irreconhecível. Vi que não teria mesmo jeito e sabia que ele não me faria mal. Entrei.
Ele travou as portas e acelerou.
- Pedro, pelo amor de Deus, para de correr. Seu imbecil! – eu estava nervoso, não sabia o que dizer.
- Imbecil né?! Vou te mostrar o imbecil. – e acelerou mais. Foi como jogar gasolina no fogo. Ele colocou uma música muito alta e, apesar de estar escurecendo, percebi que ele estava saindo dos limites da cidade.
- Aonde estamos indo? – perguntei receoso.
- Cala a porra da sua boca! Aqui quem manda sou eu. – me calei. Alguns minutos depois ele parou no que parecia uma praia deserta.
Ele desligou o carro, apoiou a cabeça no volante e começou a chorar.
- Eu não sei mais o que fazer contigo, Mark, não sei! – eu nada dizia. – Eu terminei a porra do meu namoro por sua causa, mas você não me dá moral. – eu abaixei a cabeça e então ele explodiu – OLHA PRA MIM, PORRA! OLHA PRA MIM QUANDO EU ESTIVER FALANDO. – arregalei os olhos e senti sua mão em meu rosto direcionando meu olhar para ele.
- Pe-pedro, eu não sei do que você está falando!
- Ah não sabe! ELE NÃO SABE. NÃO SABE! EU NÃO SEI MAIS O QUE FAZER PRA DEIXAR MAIS ÓBVIO QUE EU TE QUERO. ENTENDE, PORRA. VOCÊ TEM QUE SER MEU. NINGUÉM MAIS PODE TE FAZER FELIZ, SÓ EU. – aquilo me pegou desprevenido.
- Meu Deus, Pedro Henrique! Se enxerga. Quantas vezes eu me declarei pra ti e você me dizia que sua praia era buceta? Quantas vezes eu fui dormir pensando em você e você nem aí pra mim?
- Mas eu estava confuso...
- E DAÍ, CARALHO! SUA VEZ PASSOU. – ele deu um soco no volante e destravou as portas.
- SAI! – ele bradou. Eu nem me movi. – Eu disse pra você sair da PORRA DESSE CARRO.
Eu saí e era mesmo uma praia deserta. Ele correu para longe com as mãos na cabeça, chorando e berrando alguma coisa que eu não entendia. Eu poderia ter corrido, gritado, feito qualquer coisa, mas não adiantaria. Eu não via uma viva alma sequer. De repente ele veio em minha direção e se aproximou.
- Mark, amor, se você quiser a gente foge agora. Começamos uma nova vida em outro lugar onde ninguém nos conheça e aí você pode ser só meu. – ele dizia segurando minhas mãos.
- Pedro, para com isso. Não tem “nós”. Acabou! Aliás, nunca começou para acabar. Você só está confuso.
- Não, não, não. Eu sei o que eu quero. Eu sei que você me quer também. Olha tudo que nós já passamos juntos. Você está solteiro e eu também. Nada nos impede. – nessa hora muita coisa passava pela minha cabeça, mas maior delas se chamava Gabriel.
Eu precisava achar uma saída para aquilo tudo. Ele estava irritado, transtornado e magoado. Eu não sabia que ele era afim de mim. Não tinha como saber.
- Pedro, vem aqui! – eu o abracei. Suas lágrimas molharam minha camisa e eu afaguei seus cabelos. – Você só está confuso – ele fez menção de responder, mas eu não deixei – e não estamos num bom momento para conversar sobre esse tipo de coisa. – ele afastou a cabeça e olhou nos meus olhos.
- Eu só quero te fazer feliz... – e passou os dedos pelo meu rosto – deixa eu ser seu homem?!
- Pedro, não faz assim... por favor! Nós somos ami – fui interrompido por um beijo inesperado e caloroso, banhado por nossas lágrimas. Ele me apertava contra o seu corpo e eu não sabia como reagir. Apenas correspondi ao beijo dele, torcendo para que aquele momento terminasse de uma vez.
[...] CONTINUA