-Você é muito burro, Rick. Fez a pior coisa que um gay pode fazer, se apaixonar por um hétero...
-Quem disse que me apaixonei por ele?
-Dá pra ver nos seus olhos que sim.
Minha amiga Lorena estava certa, mas nunca, sob hipótese alguma, eu iria admitir isso em voz alta. Já era doloroso demais que te aceitar pra mim mesmo que tinha caído na maior armadilha para um gay assumido, apaixonar-se por um encubado.
-Toda vez que vocês vão pra cama, e depois ele te dispensa, você fica assim murcho, apagado, parece que ele suga sua vida. Será que não é hora de você colocar um basta nessa situação? Você é lindo, aposto que se procurar direito encontrara o cara certo e que te dará o que você tanto busca. – Ela voltou a discursar e me parecia bastante preocupada.
-É eu sei, mas ás vezes eu fico pensando que ele pode mudar, sabe, ele sempre me procura, você não acha que tem um motivo pra isso?
-Que motivo? – Ela me perguntou arregalando os olhos. – Amor? Ah Henrique, me poupe! Aquele ali não ama ninguém, só a si mesmo.
Afundei mais minha cabeça no travesseiro e desejei que ele me engolisse por bastante tempo para que eu não pensasse mais nisso. Lorena era minha fiel confidente quando o assunto se tratava do Lipe, mas poderia falar que ela não era muito fã dele, grande parte disso pelas coisas que eu lhe contava. Sua voz melodiosa escondia a verdadeira raiva que ela sentia em ter que, pela milésima vez, me falar que ele não ligava pra ninguém a não ser si mesmo e que eu precisava parar de sofrer e me lamentar por alguém que não merecia.
Tínhamos acabado de acordar, depois de uma longa noite em que ela trouxe filmes e pipoca pra gente se distrair, e ainda não tínhamos tido a coragem de levantarmos. Olhei bem pra sua pele sedosa cor de chocolate e seu cabelo encaracolado armado e pensei o quanto era sortudo em tê-la na minha vida. Lorena era um tipo de pessoa centrada, focada, alegre, madura apesar da idade e que, ás vezes, colocava o problema dos outros na frente dos seus próprios problemas. No dia em que ela teve que se sentar comigo na lanchonete da universidade por falta de lugar, eu soube imediatamente que ela seria minha eterna amiga. Hoje, mais de três anos depois, nós dividíamos tudo, inclusive a cama pra dormir.
-Olha, eu preciso voltar pra casa. Meus pais estão se separando e você pode imaginar a bagunça que está por lá.
Ela voltou a falar se levantando e colocando a roupa, tinha ido dormir apenas de calcinha e sutiã.
-Que chato. Talvez eles ainda mudem de idéia.
-Que nada, eles se separarem foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, ninguém agüentava mais tanta briga. O problema é que agora eles estão brigando pra ver quem fica com o que, então é melhor voltar antes que meu pai quebre o jarro “importado” da minha mãe na cabeça dela. Obrigada por me deixar passar a noite aqui, foi bom dormir agarradinha contigo e falar bobagens. Aliviou um pouco do estresse.
-Só não se acostuma, e muito menos se apaixone. – Brinquei me vestindo também e a acompanhando até o portão pra que ela pudesse pegar sua moto e sair.
-Tá maluco. Você sabe que meu negocio é outro.
Abri o portão, dei passagem pra que ela passasse e saí também pra me despedir melhor. Por puro costume, meus olhos passaram vagamente pela frente da casa do Lipe, me arrependi desse ato imediatamente. Ele estava lá, sentado no muro, com uma bermuda folgada e sem a camisa. No meio das suas pernas e sugando sua boca estava a vagabunda da rua de baixo que nas ultimas semanas vinha dando em cima dele, era quase uma cena de sexo explicito no meio da rua, chegava a ser ridículo o que eles faziam. Pisquei mais algumas vezes pra ter certeza de que não estava imaginando aquilo, mas infelizmente não foi o suficiente pra tudo se apagar e percebi que era tudo verdade. Ele me viu parado ali, fingiu que não e continuou o que estava fazendo, minha presença simplesmente não ia impedi-lo de continuar, isso estava claro.
Aquilo tudo continuava e eu me via paralisado observando, os dois me pareciam bem animados com aquelas caricias em publico e pra mim foi o bastante, quando o vi colocar sua mão na bunda da garota e apertar com uma força que eu podia sentir mesmo estando do outro lado da rua.
Sem nem pensar duas vezes, e deixando a Lorena ali parada no portão me observando, eu entrei novamente pra dentro de casa e fui direto pro meu quarto, onde eu teria abrigo e deixaria de presenciar aquela cena ridícula. Deitei-me na cama, me cobri até a cabeça e desejei ficar lá pra sempre, senão pra sempre, até receber a noticia de que a casa da frente tinha pegado fogo.
-Rick, não fica assim! – Lorena, como que adivinhando meu estado, já chegou no meu quarto falando.
-Sabe o que me dói mais? Saber que ele não tem um padrão, um estilo, uma preferência. Ele pega todas, dói muito mais saber que ele só tá atrás de números, se pelo menos ele tentasse ser feliz com alguma delas eu até iria engolir. Você acha o que... que não é doloroso ver o cara que você ama ficando com todas. Eu sei que não deveria ficar assim e que eu sou um idiota por isso, mas no coração a gente não manda, né.
Ela nada disse, apenas ficou ali comigo me dando um apoio moral em silencio enquanto eu me segurava pra algo não cair dos meus olhos. Porque eu fui inventar de amar logo um babaca? A raiva que eu tinha de mim mesmo só não era maior do que a que sentia por ele ter o poder de me deixar daquele jeito. Ao longo do tempo, e por diversas vezes, eu já tinha tentado sair, ficar com outros caras, mas nada me fazia tirá-lo definitivamente da cabeça. A nova distração nunca demorava muito tempo e depois disso lá estava eu de novo cometendo os mesmo erros que me faziam ficar mal. Talvez o idiota fosse eu!
Olhei pra Lorena quieta durante todo esse tempo e vi que precisava superar, ou pelo menos fingir que superei tudo aquilo, pois sabia que ela ficava verdadeiramente preocupada comigo.
-Você não disse que precisava ir embora? – Perguntei a ela depois de um tempo.
-Posso ficar contigo. – Ela disse se deitando novamente do meu lado.
-Pode ir, é serio, eu vou ficar bem. Aliás, eu já estou bem... – Parei quando recebi o olhar de reprovação dela. – Alem do mais, eu tenho que dar uma passadinha na universidade mais tarde, preciso me encontrar com o orientador do meu TCC.
Fui firme e deixei que ela fosse pra casa, depois disso eu me permitir chorar um pouco, chorei até que as lagrimas cessassem por completo.
Tentando parecer determinado, eu levantei da cama, vesti algo que não deixasse muito a mostra minha magreza e peguei o carro em direção a universidade. Se quisesse me formar com êxito não poderia mais adiar aquilo, faltava tão pouco agora que eu nem acreditava que finalmente tinha conseguido. Por cansativos quatro anos da minha vida, cursei e me especializei em informática e ciência da computação. Sempre gostei muito da área tecnológica e quando ainda adolescente descobri que poderia ganhar dinheiro com isso, não pensei duas vezes. Hoje trabalhava fazendo meu próprio horário desenvolvendo aplicativos, software e ás vezes, quando me faltava inspiração ou precisava de grana rápida, formatava os computadores da galera.
Estacionei na frente do meu campus e procurei pela sala do meu novo orientador, já tinha ouvido comentários de que ele era muito exigente e que gostava de pegar no pé dos alunos, sendo assim, tentei melhorar minha cara e colocar um sorriso no rosto para não criar uma antipatia logo de cara.
-Henrique Campos, certo?
Ele disse assim que bati na porta e entrei. Confirmei para o senhor que estava sentando do outro lado da mesa, deveria ter mais ou menos uns cinqüenta anos e a cara de ranzinza dele era perceptível, teria problemas, pensei. Calmamente, e sem vontade alguma, ele começou sua aula de como eu deveria proceder quanto ao meu trabalho para a conclusão do curso. Ouvi-lo falar me dava tédio e meus olhos piscavam mais lentamente pelo sono. Anotei tudo que precisava e me esforcei dobrado pra entender tudo e não precisar visitá-lo tão novamente por causa das duvidas.
Sai daquela sala com uma enxurrada de informações e disposto a começar o mais rápido possível. Sempre fui muito de impulso e gostava de aproveitar quando minha cabeça fervilhava com as novas idéias. Caminhei pelo corredor que ia em direção a biblioteca da universidade já pensando nos livros que precisaria, mas parei em frente ao mural de recados para olhar os anúncios que eles colocavam diariamente para os alunos. Num desses papéis anunciava que a universidade estava disponibilizando ônibus para os alunos que estivessem interessados na grande feira das profissões que aconteceria em outra cidade, e que seria em breve, tudo que precisávamos era pagar estadia.
-Oi... Tá pensando em ir?
Falou uma voz calma parada ao meu lado. Quando me virei pra ver de onde vinha, dei de cara com um rapaz totalmente desconhecido por mim, nunca tinha o visto por aquelas bandas. Ele fitava o panfleto na parede muito concentrado e parecendo já ter desistido de uma conversa comigo, mesmo assim achei melhor responder.
-Não sei. Parece ser bastante interessante.
-Ah, é sim. Eu não perco por nada.
Ele me falou abrindo um sorriso enorme de dentes muito brancos, o sorriso me chamou a atenção, comecei então a reparar no resto. Tinha mais ou menos a minha altura e minha idade, mas quase o dobro do meu peso, era malhado e na sua orelha tinha um pequeno alargador. Não seria considerado bonito pelos padrões de beleza, mas seus grandes olhos pretos o deixavam bem charmoso e seu jeito jovem combinava com o resto.
-Rafael. – Ele disse estendendo a mão.
-Rick... Na verdade, Henrique. – Disse me atrapalhando todo.
-Então “Rick na verdade Henrique” como eu estava falando, vai ser demais essa feira. Todas as novidades da área em que você pretende atuar vão estar expostas lá, sem falar as inúmeras palestras com profissionais renomados, deveria ir.
Algo na sua voz tranqüila e seu jeito pausado de falar tentava me convencer de todo jeito a ir. Pelo seu entusiasmo e pela forma que falava, fiquei tentado a aceitar e dizer que iria, mas me lembrei que ele era apenas um desconhecido ainda.
-Então, Rafael, você estuda aqui? O que faz?
-Arquitetura... Comecei ano passado e logo de cara vi que acertei na escolha. Você é um dos nerds da informática, né?
Fiquei espantado por ele já saber o que eu fazia, sempre tive a leve impressão de que, alem da Lorena, ninguém mais sabia quem eu era ou prestava atenção em mim.
-Sou sim.
Respondi não achando muito legal ser reconhecido como o nerd, mas ainda era melhor que nada, tentei pensar. Depois disso o silencio se instaurou, eu não tinha mais nada pra falar e me parecia que ele também não. Fixei meu olhar no papel a minha frente refletindo se iria ou não, enquanto o sentia parado e extremamente quieto no mesmo lugar. Se não fosse pelo som da sua respiração, poderia até falar que já tinha ido embora dali.
-Rafa? O que você tá fazendo aqui? A galera tá te procurando.
Uma garota de voz estridente apareceu quebrando o silencio e fazendo perguntas, dei espaço para que eles pudessem ter uma conversa com mais privacidade. Presumi que fossem bem íntimos pela forma com que ela o tocava enquanto falava com ele. Antes de ser puxado pelos braços, ele se virou pra mim, deu um sorriso de quem pedia desculpas pelo jeito da menina e se despediu:
-Bom, tenho que ir. A gente se vê na feira, beleza?
-Tá.
Respondi num impulso pra não prendê-lo por mais tempo ali. Depois que eles se foram, eu ainda fiquei um tempinho ali parado dando risada daquela tentativa de conversa. Definitivamente eu era um idiota, tanta coisa eu poderia ter dito, tantos assuntos poderiam ser iniciados, teria sido muito melhor que aquele silêncio ridículo. Com certeza ele deveria estar me achando um retardado. Mas decidi que a opinião de um estranho, e que provavelmente eu não iria ver mais, não iria me causar nenhum efeito.
Voltei pra casa praticamente no automático, as novas informações que tinha na mente me deixavam alheio a tudo a minha volta, seria muito aliviador chegar em casa, pegar meu computador e colocar todas as idéias pra fora. Virei a esquina e de longe já pude ver o Lipe sentado naquele mesmo lugar, mas dessa vez sozinho e de cabeça baixa. Não queria ter que olhar pra cara dele tão cedo, era certo que alguma hora eu cairia em tentação outra vez, mas naquele momento eu precisava de um pouco de amor próprio. Quando ouviu o barulho do carro, percebendo que era eu, ele ergueu a cabeça e se levantou dali vindo em minha direção. Que inferno! E pior que nem daria pra dar ré e voltar, teria que enfrentar.
-Eai Rick...
Ele me abordou pela janela aberta do meu carro quando estacionei em frente de casa. A presença dele ali falando comigo era tão improvável que eu me atrapalhei em pegar minhas coisas no banco de trás e na retirada do cinto, respirei fundo e ainda consegui sair com um pouco de dignidade.
-Beleza? – Ele perguntou com um sorriso de quem sabe que pode conseguir tudo o que quiser. Senti raiva porque, na verdade, eu tinha grande parte de culpa nisso.
-Tudo tranqüilo. – Respondi indiferente.
-Quer ajuda?
Ele perguntou embora eu só tivesse com uma bolsa e alguns cadernos na mão.
-Não. - Respondi com um pouco de pressa e ávido em entrar logo.
-Espera... o que você vai fazer agora? Tá livre?
-Não. – Pela segunda vez no dia eu disse não a ele, me surpreendi com aquilo. - Tô cheio de coisas pra fazer agora. – Acrescentei com firmeza na voz.
-Poxa, mas não tem nenhum tempinho pra mim?
Ele me acompanhava ao mesmo tempo em que tentava fazer uma voz dengosa e sedutora. Tentei não dar risada do seu desespero.
-Não sei se você sabe, mas estou terminando meu curso, e como ele vem o TCC. Ficarei muito ocupado com isso e não poderei perder meu tempo e meu foco, fica para uma próxima vez.
Minhas negativas cada vez mais faziam sua cara se fechar, também pudera, ele estava sempre acostumado comigo dizendo sim pra tudo. Vi que estava no caminho certo, eu precisava fazer isso por mim mesmo.
-Tá, mas quando?? – Ele perguntou deixando evidente seu desconforto.
-Quando eu estiver com vontade, quando eu quiser.
Antes de fechar o portão na sua cara, ainda deu tempo de ver seu rosto confuso e sem entender nada. Pra mim aquele era o fim. Foi difícil recusar, mas quando fiz valeu a pena só em vê-lo daquele jeito. Estava cansado de ser feito de trouxa. Agora quem ditaria as regras daquele jogo seria eu.
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Bom dia \o/ ME SIGAM NO WATTPAD: allanacprado
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Marc01CL: Obrigada, mas vale deixar claro que nada disso reflete minha opinião o sobre o assunto, eu apenas escrevo de acordo com que acho que vai ficar interessante. Eu também não compartilho da idéia que gays devem aceitar ser inferior e agradecer por alguém querer, deixando a auto-estima de lado, mas iremos ser sinceros, isso infelizmente ainda acontece e era isso que eu queria retratar um pouquinho. O Henrique representa todos aqueles que um dia se deixaram envolver e caíram numa situação dessas, mas a mudança será em breve. Abraços!
Lobo azul: Não acho que ele se faça de coitado ou tão pouco se vitimize, o Henrique é apenas sozinho, carente, não tem família e isso acarretou nesse lado mais sentimental/melancólico dele. O personagem vai passar por um processo de mudança, o título refere-se e, definitivamente, ele vai ser o mocinho kkk. No mais espero que goste. Beijos.
P!ATD: Obrigada! Beijos.
Atheno: hahaha não acho que ele se corte, vamos ver haha e ele já começou seu processo de mudança, foi mais rápido que vc imaginava né? Kkk PS: o nome dele é Henrique haha
HHAB: Obrigada :)
Allex Silva: hahahaha não é pra tanto kkkk obrigada monamur, beijos!