(Narrado pelo autor)
Recife, Morro da Conceição, 17 de Julho de 2001;
— Vamos! – Gritou a mãe dos dois — Já para “dendicasa”.
— ARGH! – O mais velho bufou — A senhora é muito chata, mainha!
— É o quê? Você quer levar uma pisa? – Dona Zefinha ameaçou.
— Eu quero brincar mais... – Lamentou o caçula de Josefa e Alfredo.
— Amanhã você brinca! Agora vocês dois vão entrar, tomar banho, jantar e CAMA!
De repente gotas de chuvas começam a cair timidamente, até que o barulho das gotas caindo sob o telhado galvanizado do vizinho começa a fazer um barulho ensurdecedor.
— Olha aí, se vocês não tivessem entrado logo, há essa hora estavam ensopados e era capaz de amanhã estarem gripados – Exagerou.
— Tem o quê para jantar, mãe? – Luan foi olhar as panelas.
— Inhame com charque, e para de mexer nas panelas e vai logo tomar banho!
Então os dois seguiram até o banheiro, tiraram a roupa e se enfiaram de baixo do chuveiro, um jogando água no outro, fazendo aquela algazarra.
— PAREM COM ISSO! – Josefa gritou da cozinha — Parem de fazer “macacada” e tomem banho direito, se acabar a água vocês vão apanharem, hein? – Brigou.
...
Após terminarem de jantar, os irmãos seguiram até a sala e assistiram alguns desenhos que adoravam, mas foram interrompidos pelo seu progenitor que queria assistir um telejornal que passava naquele horário.
— Sumam daqui! ANDA! – Ordenou grosseiramente.
— Mas a gente tava assistindo Mickey, painho! – Choramingou Lucas.
— Como é? – Seu Alfredo tirou uma das sandálias do pé — Fala, FALA! – Gritou.
— O que é isso, Alfredo? Está ficando doido? – Dona Josefa apareceu.
— CALA A BOCA PARA NÃO SOBRAR PARA TU TAMBÉM – Gritou — E você – Disse encostando a sandália no lado esquerdo do rosto de Lucas — Da próxima vez que você me responder, eu vou te dar uma surra que é capaz até de te matar – Disse olhando no fundo dos olhos – TÁ ME OUVINDO?
— Si-Sim – Gaguejou.
— Vem, Lucas! Vamos dormir – Luan encarou o seu pai — É melhor para a gente!
...
Já era um pouco tarde da noite, após os irmãos ouvirem a briga dos seus pais, incluindo coisas quebrando, o silêncio fizeram os dois caírem no sono, mas não por muito tempo.
— Luan! – Chacoalhou o seu irmão — Acorda Luan!
— O que é Lucas? – Perguntou remexendo-se.
— Tro-Trovão – Disse nervosamente enquanto trovejava lá fora.
— Ah – Um relâmpago clareou o minúsculo quarto que cabiam duas camas.
— Me deixa dormir com você? – Perguntou.
— Ai Luquinhas, você não acha que já está um pouco grandinho para ficar com medo?
— Não, eu ainda sou “neném” – Falou na inocência fazendo seu irmão rir.
— Só você mesmo – Disse rindo — Vou juntar as nossas camas.
Luan foi até a pequena cama do seu irmão e a arrastou para ficar colado com a dele.
— Pronto! – Sorriu — Vem, deita!
Seu irmão deitou, cobriu-se com um lençol e escondeu o rosto no lado direito do pescoço do seu irmão mais velho, como se fosse a sua fortaleza.
— Luan? – Chamou.
— O que foi agora, Lucas? – Disse já sem paciência.
— Acho que papai está tentando comer a mamãe – Falou na inocência.
— É O QUÊ, MENINO? – Luan gritou ficando ajoelhado na cama.
— Foi, Lucas! EU VI – Falou batendo a mão em seu próprio peito.
— Quem foi que te ensinou essas coisas, Lucas? – Luan estava constrangido.
— Mas ninguém me ensinou... – Disse na maior — Eles estavam assim, vê.
Para o desespero do irmão mais velho, Lucas se aproximou do mesmo, abraçou e tocou nos lábios de Luan com os seus, como se fosse um “selinho”.
— O que é isso, Lucas? Você está doido? – Disse afastando-se nervosamente.
— Foi assim mesmo, Luinho! Acho que papai queria comer a mamãe – Falou com medo.
Foi ali que o Luan realmente entendeu o que seu irmão quis dizer. O “comer” que Lucas tanto falava não se referia a sexo, e sim, a comida mesmo. Luan a beira dos 14 anos já sabia o que era relação sexual, já seu irmão que estava perto dos oito anos sabia pouca coisa, não tinha muita noção do que era o beijo e muito menos sexo.
— Calma, Luquinhas! – Riu — Painho não estava devorando a nossa mãe – Riu mais ainda — Isso é uma forma de carinho entre papai e mamãe, por que eles são namorados, entendeu? Daí quando uma pessoa namora com a outra, dão esse beijinho na boca porque eles se gostam, que nem o papai e a mamãe. – Tentou explicar.
— Não foi isso, Luan! Ele disse que iria comer a mamãe – Falou com convicção.
Luan se espantou mais uma vez.
— Foi! – Disse reafirmando — Ele disse assim: Vai lá para o quarto que hoje eu vou te co...
Quando Lucas iria terminar de completar a frase, um relâmpago clareou o quarto inteiro e em seguida um trovão que estrondou no ar, fazendo o pequeno abraçar fortemente o seu irmão mais velho, fazendo os dois ficarem ajoelhados e abraçados.
— Ca-calma, só foi um trovão, Lucas! – Seu irmão tentou acalmar.
De repente a porta se abre grosseiramente, fazendo a mesma bater violentamente na parede.
— QUE FRANGAGEM É ESSA? – Alfredo gritou raivosamente.
...
Luan balançou a cabeça ao lembrar-se do que provocou o início de seus pesadelos que envolvia a sua própria família. Ao ver o seu próprio irmão, sentado a sua frente, nunca imaginou, nem se quer passou pela sua cabeça que iria entrevistar o seu irmão mais novo.
— Nem se eu morasse no da Alice que eu iria imaginar isso – Disse espantado.
— Co-como você veio parar aqui? – Luan indagou ignorando o que seu irmão disse.
— Como todo mundo. Eu vi na internet que estavam selecionando estagiários e vim participar do processo seletivo – Mentiu.
— Ou tem o dedo de um certo Maximiliano no meio?
Alfinetou olhando para uma folha de papel que vinha ser o currículo do filho mais novo de dona Josefa.
— Primeiro período de Administração... – Observou — Você já deve saber que a nossa preferência é de estudantes cursando a partir do terceiro período, não é?
— Como assim? – Indignou-se — Pelo que eu sei, a seleção é para estudantes a partir do primeiro período e não o terceiro – Estranhou.
Por mais que essa oportunidade de estágio seja um “arranjo” do diretor do grupo Maximus Albuquerque, o nosso protagonista pesquisou sobre a vaga para saber os requisitos.
— Se bem que isso não vai fazer diferença para você, não é? Aliás... – Se debruçou sobre a mesa para ficar mais próximo do seu irmão — O que você e o meu chefe tem?
Lucas bufou e levantou-se sendo seguido pelo seu irmão.
— É isso que você pensa de mim? E se fosse isso? Qual o seu problema? AH, JÁ SEI! – Se descontrolou — Claro, você DETESTA ver a minha felicidade, não é isso? Adora me ver pelas costas, não se contenta até me ver no fundo do poço.
— Claro que não, Lucas! – Disse pegando em suas mãos — Muito pelo contrário, eu quero te proteger – Falou.
— AFF – Bufou novamente — Lá vem você com essa historinha de “me proteger”. Proteger-me de quem? De você mesmo, é isso? – Lucas debochou — Quer saber? Eu vou embora! Eu é que não vou ficar aqui discutindo com você e muito menos me humilhando. – Disse se levantando.
— Não! – Segurou em seu braço — Fica, Lucas! Desculpa. Eu me exaltei!
Suspirou.
— Vamos fazer assim – Luan Combinou — Vamos esquecer isso, vamos voltar e fazer meu papel de entrevistador e o seu papel de entrevistado, por favor!
Então os dois sentaram e iniciaram a entrevista.
— Quem é Lucas Gabriel da Silva? – Perguntou olhando nos olhos do seu irmão.
...
(Narrado por Lucas)
Depois de um longo e cansativo dia, aliás, bote cansativo nisso, eu estava a caminho da faculdade, porque apesar de eu estar exausto, tanto fisicamente, como mentalmente, hoje era uma aula importante e eu não poderia me dar ao luxo de faltar.
— O MUNDO ESTÁ PERDIDO! – Gritou um homem vestido socialmente dentro do ônibus — COLOCAMOS OS NOSSOS PÉS PARA FORA DE CASA E NOSSOS OLHOS CHORAM AO VER TANTA ABERRAÇÃO NO MUNDO – Gritou mais ainda — MULHER VENDENDO SEU CORPO, O SEU PRECIOSO CORPO, DESTRUINDO CASAMENTOS, FAMÍLIAS, PESSOAS E A NOSSA ALMA...
— Era só o que me faltava – Uma mulher resmungou do meu lado.
Eu estava inseguro em relação ao estágio, agora que descobri que meu irmão era gerente de recursos humanos do Grupo Emmiah, será que ele irá fazer alguma coisa para impedir que eu seja selecionado? Será que inventará alguma coisa ao meu respeito? Não! Não, ele não seria tão monstro assim. Ou seria? Eu deveria ter desistido quando me deparei com ele.
— HOMEM VESTIDO DE MULHER, MULHER VESTIDO DE HOMEM, HOMEM BEIJANDO A BOCA DE HOMEM, MULHER BEIJANDO NA BOCA DE MULHER. QUE MUNDO É ESSE? – Vociferou.
Se bem que na entrevista correu tudo bem. No começo fiquei bem tenso, mas depois fui relaxando e quis mostrar para ele que não estava ali de brincadeira, notei que ele me olhava surpreso algumas vezes pelas respostas que eu dava, até eu mesmo me surpreendi. Enfim, concluindo, eu acho que fui bem, mas confiante? Ah, isso eu não estou.
— DEUS CRIOU O SEXO PARA SER FEITO APENAS ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER, E APENAS SE FOREM CASADOS. DIZIA
— Ei queridinho!
A mulher que está sentada ao meu lado se manifestou, me fazendo congelar.
— Você sabia que a mesma bíblia que você tanto se espelha, condena a homofobia ou o ódio aos homossexuais? Siga o ensinamento de João, meu senhor! O discípulo de Jesus que disse o seguinte:
“Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e tudo o que é amor é nascido de Deus e conhece a Deus".
— Velho maluco! – Disse para si mesma.
Dito isso, a mulher levantou-se sendo criticada pelo religioso, e puxou a cordinha pedindo parada.
— VOCÊ TEM QUE ACEITAR A JESUS, TEM QUE ENCONTRAR O CAMINHO DO SER PARA PODER SER LIBERTADA, MINHA JOVEM! – Gritou.
— E o senhor tem que procurar um psiquiatra e também procurar realmente seguir os ensinamentos de Jesus que disse para Amar o teu próximo como a ti mesmo.
A loira com um lado da cabeça raspada e várias tatuagens em seu braço esquerdo desceu do ônibus, sendo seguido pelo crente fervoroso.
...
(Narrado pelo autor)
Um pouco mais tarde...
— Ele não foi bem na entrevista? – Uma das psicólogas estranhou — O achei um dos melhores da seleção, além de estarmos procurando um jovem aprendiz para o estágio, onde ele era o único, e essa Juliana Alves já está no quinto período de Administração e com uma vasta experiência, além de trabalhar à tarde também, como você mesmo me informou.
— O que é isso, Monalisa? Quer questionar a minha decisão? – Perguntou.
— Não é isso, Luan! Como você mesmo me disse, temos que trabalhar em conjunto na seleção. Acho que deveríamos dar oportunidades a outras pessoas que estão atrás de adquirir experiência, viver numa rotina administrativa. Essa é a intenção da nossa parceria com aquela instituição filantrópica que trabalha em prol da juventude estudantil brasileira. Acho que estamos fugindo disso, mas já que você tomou a sua decisão, tudo bem, acho que tenho que acatar, não é? Mas acho que você deveria pensar um pouco mais.
— Obrigado pela ajuda, Môn! Mas a minha decisão está tomada – Disse.
— Então tá certo! Qualquer coisa pode contar comigo – Saiu um pouco contrariada.
— Me perdoe Luquinhas! Mas não é a sua hora dessa vez – Falou.
— Boa noite, Luan!
Aquele tipão de homem, com terno e gravata, entrou sem cerimônia na minúscula sala do gerente de recursos humanos.
— Boa noite, Max! Algum problema?
— Na verdade, não! Fiquei de passar aqui mais cedo, mas uma coisa ou outra, acabei vindo agora. Bom, hoje foi o dia da seleção dos estagiários, não foi?
— Si-sim! – Gaguejou.
— Ótimo! O que achou dos candidatos? – Perguntou.
— Todos foram muito bem, mas um em especial me chamou atenção.
— Já sei! Foi o Lucas, não foi? É justamente sobre isso que eu vim falar.
— Não, na verdade... – Tentou completar.
— Quero que amanhã, logo quando você chegar aqui na empresa, ligue para ele passar aqui e resolver a questão do seu contrato – Interrompeu.
— Mas Max, na verdade não o acho propício para a vaga – Retrucou.
— Como não? O rapaz estuda administração e a vaga é para aprendiz, não precisa de experiência. Essa é a nossa intenção, preparar o jovem para o mercado de trabalho no futuro – Falou.
— O que aquele cara – Se referia ao seu irmão — fez para você gostar tanto dele?
Max se sentiu incomodado com a pergunta.
— Eu só estou tentando ajudar o garoto, só estou dando uma oportunidade – Explicou.
— Max, Max! Você fica dando oportunidades a esses “pé rapado”, cuidado para não...
— Cuidado você! – Apontou — Você está muito intrometido para o meu gosto, só gostaria de te lembrar de que eu sou o seu patrão e você o meu empregado, apesar te considerar um amigo e também de cada um saber a intimidade do outro. Então não se intrometa nas minhas decisões, tudo bem? – O encarou
— Sim, Max! – Disse contragosto.
— Eu sei o que estou fazendo! – Disse tocando em um dos seus ombros – Agora eu preciso ir. Tchau!
Após Max fechar a porta, Luan enfureceu-se jogando um furador de papel na parede.
— Merda, merda, MERDA! – Luan colocou as duas mãos na cabeça.
...
Na Faculdade...
(Narrado por Lucas)
— Meu Deus! Essa mulher não cansa? Já vão dar dez horas da noite e ela não encerra a aula – Bel reclamou.
— Já estou quase dormindo aqui – Falei a verdade.
— Nem ao menos fazer a chamada ela fez! – Carol também estava inquieta.
— Por hoje é só, crianças! – A professora encerrou a aula — Na próxima aula falaremos sobre Eficiência, Eficácia e Efetividade, então não faltem porque é importantíssimo para sabermos a diferencia de cada uma.
— Vamos, mulher! – Carol puxou o braço da amiga — Vamos que já deve tá passando o ônibus e se perdermos, só passa amanhã – Exagerou.
— Essa quenga! – Bel falou mal da professora — Por ela acho que ficaríamos aqui até amanhã – Bufou — Tchau, Luquinhas, seu lindo!
— Tchau meninas! – Me despedi rindo.
— Lucas? – Hugo me abordou na entrada do prédio me fazendo tomar um susto.
— Hugo? Que surpresa, cara! O que você tá fazendo aqui? – Perguntei sem acreditar.
— Eu vim te buscar, Lucas! – Ele abriu um sorriso lindo.
Por falar lindo, Hugo estava vestido com uma camisa jeans escura, um pouco aberto no peitoral, a gola da vestimenta estava bem dobrada, exibindo uma tatuagem em seu pescoço.
— Não precisava se incomodar, o ônibus passa logo ali, num instante eu pego.
— Deixa de besteira, você não me causa incomodo algum, muito pelo contrário, se eu pudesse eu vinha te buscar todos os dias. Anda, vamos! – Disse me puxando.
Nós iríamos saindo, quando de repente, Max materializa em nossa frente.
— Lucas? Quem é esse cara?
Max perguntou olhando para o braço do meu amigo de infância que estava pegando no meu. Quando seus olhos pararam nos olhos do meu amigo, os dois ficaram se encarando, como se a qualquer momento fossem se atracar ali mesmo.
...
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