No dia do casamento do Ícaro, eu vi que perderia ele para sempre. Não ia perdê-lo para a Nina, mas sim para o mundo. O Ícaro tinha se casado com ela, mas não a amava. Ele estava se casando com ela porque queria corrigir problemas do passado dele. Eu tiro a sua razão. O seu passado era insubstituível, ele não podia reconquistá-lo com nenhuma outra mulher. O perderia para mundo pelo simples fato dele ser apenas uma criança, uma criança que não tinha amadurecido ainda. Não entendia essa vontade que eu tinha de tê-lo pra mim. Sei que tô parecendo um papagaio repetindo as coisas, mas essa era a minha realidade. O que eu podia fazer pra reverter esse quadro?
Eu estraguei aquele almoço. Eu. Não tinha sido o Ícaro. Tinha sido eu. O Ícaro estava envolvido nisso? Estava. Onde? No meu pensamento. Estraguei tudo por causa dele, mas não tinha sido ele. Loai e eu tivemos um bom papo, mas tudo foi ficando chato.
– Loai, cara, quanto tempo!
– Um mês, Théo, um mês! Nossa... Você não mudou nada em um mês.
– Era pra eu ter mudado alguma coisa?
– Mesmo se mudasse, não ia estragar nada. Mil vezes mudando, mil vezes ficando lindo. Esse é o meu conceito sobre você.
– Eu não costumo criar conceitos sobre as pessoas, e com você não é diferente, mas vale a pena tentar.
– Então qual é o seu conceito sobre mim?
– Nunca vai precisar mudar pra agradar ninguém. Já agrada só em existir.
– Nossa. Se eu soubesse que seria assim, teria caprichado mais no seu, Théo.
– Já foi caprichado o suficiente.
– Obrigado, então.
– Mas e aí, cara, fala mais de você. O que rolou na sua vida depois que a gente se viu lá no casamento?
– Muita coisa. Quando voltei pra casa, eu pensei muito em você. Pra falar a verdade, nada mudou, mas aconteceu muita coisa. Conheci um cara, dei o pé nele, falei com você por telefone, pensei mais em você... Tá, vou falar a verdade verdadeira: não mudou nada, só pensei em você mesmo...
– E esse cara aí que você deu o pé?
– Conheci um cara bem legal, o nome dele era Leandro, pacato, simples, mas não era a minha.
– Vocês chegaram a...
– Não. Rolou um beijo, coisa passageira, sabe? Nada aprofundado. Ele bem que queria, mas eu tava com a cabeça em outra pessoa...
– Conheci um cara também. Rolou beijo também, mas eu não queria muito. – menti sobre o Dan.
Percebi, naquele momento, que eu e o Loai tínhamos algo em comum: nós tínhamos nos relacionado com alguém e não tinha dado certo. Tudo bem que o que eu “tive” com o Dan tinha sido bem mais sério, mas não deixava de ser – não sei se uma transa rápida num banhei-ro e um beijo era uma coisa séria, mas tudo bem.
– Acho que o destino quer nós dois juntos...
– Vai com calma, garoto, vai com calma. Eu acabei de te ver depois de um tempinho e você já tá pensando nisso? – falei bem sério.
– Não tô pensando nisso agora. Penso nisso desde aquele dia que você me convidou pra passar um tempo aqui.
– Mas eu te chamei aqui pra a gente curtir.
– Você não tem vontade de ter algo sério, Théo?
– Não. Não tenho a menor vontade de ter algo sério.
A partir daí, eu não estava mais falando por mim. Eu falava tudo o que me vinha na cabeça, eu tirei coisas de sei lá onde.
– Curto ser solteiro, cara. Compromisso, agora, não rola.
– Poxa, Théo... Eu criei muita expectativa, cara. Achei que quando eu viesse pra cá, a gente ia curtir, ia namorar, essas coisas mais...
– Isso pode até acontecer, Loai, mas não agora.
Ele olhou pra mim, balançou a cabeça positivamente e saiu do bar. Eu fiquei meio que sem reação. Vejam comigo: se eu chamasse um cara pra vir pro Rio pra ficar comigo e quando ele chegasse, eu o dispensasse? Era isso o que tinha acontecido. Tinha motivos para isso? Sim! O Ícaro? Não. Não era o Ícaro, na verdade. Aquele mês tinha rolado tanta coisa comigo, coisas com o Dan – que tinha sumido mesmo depois daquela nossa conversa – que eram fortes pra mim... Eu sentia que o Dan significava algo pra mim, pois naquele momento em que eu tinha visto o Loai novamente, não tinha sentido nada por ele. Tá, tudo bem que isso poderia ser o Ícaro, mas ele tinha aparecido na minha mente. Tinha me perdido no que era real e no que eu tinha inventado. Mas o que era real? O que eu tinha inventado?
Retornei pra casa pensando muito na minha vida. Lembrei-me de um fato bem interessante na minha infância. Eu tinha uns 16 anos e eu estava na escola. O banheiro de lá era bem sujo, muito sujo. Apesar de ser uma escola particular, o banheiro deixava a desejar. Os garotos levavam as meninas pra lá e eles transavam, fazia sexo oral... Uns garotos iam pra fazer isso com outros garotos... Mas esse banheiro era o último da escola, não o tradicional. Esse ficava depois do ginásio de esportes. A escola alugava o ginásio para homens adultos jogarem futebol quando quisessem, e eles deixavam esse banheiro todo sujo. Vários desses homens mijavam no chão, tomavam banho juntos, e isso era maravilhoso aos meus olhos. Todo dia que tinha jogo, eu corria pra lá e ficava espiando pelo buraco que tinha atrás do muro, e ninguém nunca tinha me pegado. Certo dia, um garoto me viu lá e disse que ia dizer a todos da escola que eu fazia aquilo, e nossa... Eu me tremi de medo! Ele me pediu pra fazer um boquete nele e eu fiz. Aquela tinha sido a minha primeira experiência sexual. O menino tinha a minha idade, mas eu ficava prestando a atenção em como ele era, no tamanho do pau dele, em tudo... Gostava de me comparar com ele. Aquele não tinha sido apenas um boquete, mas sim o primeiro de vários que eu ia fazer nele. Passavam os dias e eu e ele continuávamos brincando, todo dia. Após o boquete, ele me dava beijo no pescoço, e aquilo sempre me excitava. Eu me perguntava o porquê de ele fazer aquilo comigo, e certo dia ele me revelou que se amarrava em mim, e, nesse mesmo dia, ele se posicionou contra mim, me empurrando contra a parede, e me deu um beijo. Tinha sido o meu primeiro beijo. Mano, nunca me esqueci do Lucas – nome dele – porque tinha sido com ele a minha primeira vez de sexo oral, de beijo... Ele era bem bonito e eu nunca me esqueci nenhum detalhe dele. Mas por quê eu tô falando essa história? Porque tem tudo a ver com o que eu tinha vivido naquele dia com o Loai. Quando eu fazia aquelas coisas com o Lucas, eu já gostava do Ícaro. E quando o Lucas me pediu pra namorar com ele, eu não aceitei porque eu não me sentia bem. Sentia que eu tava fazendo alguma coisa errado. E com o Loai tinha sido a mesma coisa, só que eu já não sabia mais se era por causa do Dan ou se era por causa do Ícaro – pessoa que eu queria riscar da minha vida.
Alguns dias se passaram e eu me sentia mais sozinho do que nunca. Não tinha o Dan pra conversar, o Ícaro não tinha dado mais notícias, o Loai não ligava mais pra mim, nem pra dizer um oi, e eu só ficava em casa, sem fazer nada, só vendo o meu e-mail, vendo TV, pensando na vida...
Uma coisa que eu não expliquei direito é em questão se eu trabalhava ou não... Não, eu não trabalhava. Meu pai me bancava. É, é sério, “Ah, mas por quê?” Por que eu tentei trabalhar, mas nunca conseguia emprego, e quando o meu pai me disse que ia me sustentar, eu aceitei. Mas tudo isso tava prestes a mudar e eu nem sabia.
Fiz um jantar bem gostoso e caí num tédio horroroso. Não sabia se eu falava comigo mesmo, se eu ligava pra alguém, se eu comia mais, se eu ia ler... De repente, uma idéia ótima tinha surgido: ir à balada.
Meus prós para ir à balada: “ah, Théo, cê é muito certinho, tá aí sofrendo por quem nem gosta de você” “vai, Théo, vai se divertir”...
Meus contras para ir à balada: “mas e o Ícaro, Théo? Você vai na balada e vai querer ficar com alguém” “fica em casa, balada não é seu lugar”...
E aquilo tudo ia se confundindo na minha cabeça e eu não sabia se eu ia ou se ficava em casa. Resultado da equação: Resolvi ir.
Tomei um banho que demorou uma hora – mas pelo menos eu fiz tudo o que tinha de fazer: me depilei, me limpei todo, cortei as unhas, pintei-as de base neutra... – e vesti a melhor roupa que eu tinha.
Minha expressão facial era de felicidade. Eu estava seguindo o meu instinto.
Fui à balada mais badalada de todo o Rio de Janeiro. Tinha gente de todo tipo: hétero, bi, homo, lésbicas... O mais legal era que todo mundo se respeitava, e os héteros eram bem legais, super sem preconceitos, tudo bem resolvido na vida, porque cá entre nós: hétero homofóbico é muito mal resolvido na vida.
Na balada, muita gente dançando, se beijando, feliz. Entrei e fui logo me enturmando. Olhei em volta e só tinha caras bonitos, mas eu não tinha me interessado por ninguém ali. Sentei-me ao open bar e bebi algumas enquanto curtia o som e olhava o pessoal dançar. Vi que ali na pista vários homens me olhavam, mas eu não queria nenhum. Tava fazendo muito barulho, mas senti um homem sentando do meu lado. Demorei um pouquinho e vi quem era. Não conhecia, mas era bonito pra cacete. Alto, pele branca, cabelo loiro, usava óculos, musculoso...
Confesso que tenho um tesão em homens que usam camisa sociais e os músculos do braço ficam marcando. Sou louco por isso. Acho bem atraente, e ele era bem assim.
Percebi que o cara não parava de desviar o olhar pra mim, e eu curtia isso, mas fazia charme, fingindo que nem o via.
Quando me virei para pegar outra bebida, o encarei por uns segundos e ele riu pra mim. Esse tinha sido o ponta-pé inicial. Eu tinha me desmontado inteiro com o sorriso daquele rapaz. Ele se aproximou de mim e ficamos conversando de ouvido a ouvido.
– O que um homem tão bonito faz aqui numa balada? – ele falou.
– Nem eu sei o que você faz aqui...
Nós rimos. Nos apresentamos e ele me disse que se chamava Jorge, e que era um empreendedor famoso. Percebi por suas roupas que ele era rico. O papo foi ficando quente, divertido... Ele me chamou para a pista e eu fui. Não tinha certeza se era isso mesmo o que eu queria, mas eu fui. À pista, nós dançamos muito, muito mesmo. Todo tipo de dança que vocês imaginarem. Em um momento de música mais calma, ele me abraçou e conversamos de ouvido a ouvido de novo. Era uma delicia ter o corpo musculoso daquele cara grudado ao meu, e percebi que seu pau tinha começado a ficar ereto enquanto conversávamos coisas quentes. Eu me pressionava mais contra ele porque era um prazer sentir aquilo, e era bem grande, grande mesmo.
Encurtando: Nós trocamos telefones. Apenas. Sim, eu preferi que não rolasse nada naquela noite, apenas um beijo. Tinha curtido o cara.
Dirigi com cuidado até em casa e consegui chegar sem nenhum acidente. Entrei em casa, deitei no sofá e pensei no Jorge. Ele era bem legal, engraçado, bonito demais... Mas e os outros?
Será que tava na hora de eu pensar mais em mim e não no Ícaro, no Dan e no Loai? Eu achei que tava, mas quando achei, me supreendi.
Escutei batidas na porta, e quando abri, vi o Dan.
– Dan?
– Fiquei com saudades de você.