CHUVA capítulo um
Levantei o rosto devagar sentindo a chuva gelada cair em meu rosto como milhões alfinetes sendo jogados em minha pele. Ela estava realmente gelada deixando além de um frio insuportável todo o meu corpo molhado. Apesar de ser tão cedo e eu estar todo encharcado á caminho do trabalho eu não podia negar que adorava esse clima. Era mais pela sensação de nostalgia que ela deixava em minha pele. Tenho boas lembranças de estar na chuva, como meu primeiro beijo ou de estar em um passeio com meus amigos do colegial. São infinitas as lembranças e mesmo que quase não chuva em San Diego, ás vezes em que a chuva caiu conseguiu deixar boas lembranças em minha mente. Não que o sol que brilha forte quase todo o ano não tenha seu charme.
Corri rapidamente passando a mão em meu rosto tentando deixa-lo o mais sexo o possível, mas era meio que impossível de se conseguir. Estava encharcado e com muito frio. Meus lábios triam e quanto mais eu pedia para a chuva parar mais forte e mais gelada ela caia.
Para minha sorte não havia nenhum lugar em que eu pudesse descansar ou esperar pelo fim dessa tempestade. Depois de mais alguns passos molhados senti que coração bater forte e decidi que era hora de parar, nem que fosse por alguns poucos segundos. Senti-a o bater forte em meu peito como um tambor. Tum, Tum, Tum. Olhando em volta percebi que eu era o único otário no meio da tempestade tentando não chegar atrasado. Bom, o único otário sem um guarda-chuva.
As pessoas passavam por mim em seus carros confortáveis e com seus gigantes guarda-chuvas e me olhavam com pena. Tentei não me importar com o que elas estivessem pensando de mim. A única opinião á qual importava era a do meu chefe.
- Puta merda – falei olhando para o relógio que marcava quase trinta minutos de atraso.
Olhei para os lados e atravessei a rua correndo. Ao chegar do outro lado olhei para trás e ao longe vi a praia de La Jolla. O oceano em toda sua imensidão se esticavam até onde a vista alcançava e um pouco mais.
O tempo que levei para atravessar a rua e parar para apreciar a vista foi tempo suficiente para que a tempestade se transformasse em uma leve garoa. Foi desconcertante pensar que eu estava tão molhado e quando chegasse talvez nem chovendo estivesse.
Deixei a bela paisagem de lado e segui meu caminho até o trabalho.
Já que não chovia decidi apenas andar. Estava atrasado de qualquer forma, maldito acidente que me fez descer do ônibus no meio do caminho e correr até o trabalho, nem assim consegui chegar a tempo. Depois de um longo tempo caminhando avistei de longe, tão grande quanto o céu e tão brilhante quanto um diamante. Caminhando decidi conferir minha mochila uma última vez. Os papéis e minha roupa reserva lá dentro estavam tão seco quanto eu estava molhado. Tinha valido a pena pagar um pouco a mais por um material impermeável.
Continuei caminhando e me aproximando cada vez mais do prédio da WCSK Advocacy/Law Firm, a advocacia em que eu trabalho á três anos. Depois de alguns passos, tudo o que me restou foi atravessar a rua para chegar á calçada do prédio. Quando coloquei o primeiro pé na rua um carro passou em alta velocidade jogando lama gosmenta e marrom em mim. Admito que até provei o gosto.
Por alguns instante não acreditei que aquilo tinha acontecido comigo. Era uma obra maldosa do destino. Meus braços estava sujos incluindo a roupa que eu usava. Estava envergonhado e totalmente fudido. Atraso e agora todo sujo. O carro mal educado deu ré e abriu o vidro pela metade. Steven King, o dono da letra K no logo da empresa era o motorista apressadinho que me encheu de lama.
- Me desculpe por isso, não imaginei que tivesse uma poça de lama tão suja – falou Steve tentando se desculpar.
- Não tem problema – falei balançando os braços tentando tirar um pouco da sujeira.
- Tem certeza? Estou me sentindo mal agora que percebo que além de atrasado você está sujo – ele conferiu a hora no relógio antes de olhar novamente para mim através dos óculos escuros que estava em seu rosto cobrindo seus olhos azuis. Por mais velho que ele fosse, Steve trazia um rosto de bebê com sua barba bem feita e seu sorriso carismático que garoto que sempre tem algo á dizer na ponta da língua.
Steve era um dos sócios mais novos. Tem vinte oito anos de idade e possui uma considerável fortuna. Mesmo vindo de uma família nobre ele conquistou sua própria fortuna. Como? Insider Trading. Um crime ao qual ele não foi condenado. Sempre pensei que talvez esse fosse o motivo dele ter sido convidado a ser sócio a pouco mais de dois anos.
- Te vejo no trabalho Michael – falou Steve malandro tentando esconder seu sorriso.
- Meu nome é Mickey.
- Quem liga? – foi a última coisa que ele disse antes de acelerar rapidamente me deixando todo sujo e por incrivelmente que parece, mais puto. Do jeito que eu estava não podia de nenhuma maneira entrar pela porta da frente. Se Adam White, o dono do W, me visse andando pelo saguão do seu prédio naquela situação ele me colocaria no olho da rua por justa causa.
Adam é o fundador da empresa que á onze anos atrás não passava de um pequeno escritório em sua própria sala de estar. Um advogado talentoso e promissor que decidiu tomar as rédeas de sua própria traçando seu destino entre os gigantes. Colocando a alma e o sangue na empresa ele conseguiu ficar no ano passado em décimo terceiro lugar no ranking das empresas que mais renderam no ano passado.
Dei a volta no prédio e desci a rampa do estacionamento subterrâneo e atravessei o estacionamento praticamente vazio. Subi pela escadaria e fui direto para o quinto andar. Lá que é aonde fica um local de descanso para os funcionários. Um local para a confraternização de todos. Lá também havia armários para guardar nossos pertences e chuveiros.
Ao chegar, fui até meu armário e peguei os itens de banho e fui direto para o chuveiro tomar o meu precioso banho. Lavei todas as partes possíveis do meu corpo antes de sair e vestir minha roupa reserva. Uma camisa de botões e uma gravata vermelhas. Graças a Deus não era obrigatório usar o terno.
Depois que vesti toda a roupa percebi que estava quase cinquenta minutos atrasado – que droga – exclamei colocando a gravata rapidamente. Peguei minha mochila e corri para o elevador apertado o botão que me levaria até o vigésimo andar.
Comecei nessa empresa há quase três anos. Na época eu era um assistente de arquivo, trabalhando por pouco mais de um salário mínimo. Não era muito, mas o suficiente para deixar meu pai orgulhoso. A mais ou menos três ano e meio atrás surgiu a oportunidade de subir de cargo. Uma vaga para ser assistente pessoal de Adam surgiu e afinal, quem não quer ser assistente do dono? Muitos se candidataram, mas fui eu quem conseguiu a vaga. Na época eu ainda cursava a faculdade de administração de empresas. Me graduei ano passado depois de três anos de curso.
Por mais que eu merecesse a vaga, eu não sou graduado em Direito e existem dezenas de estagiários na empresa que na época cursavam direito e tentaram a vaga, mas aparentemente nenhum deles era bom o suficiente. É claro que ter ganhado essa vaga me rendeu alguns inimigos e uma má fama. Muitos dos concorrentes, incluindo estagiários e estagiárias com vários diplomas que perderam a vaga para um “zé ninguém”. Esses “inimigos” me olham com inveja desde então e sempre que você sobe, ficam pelo menos uns dez em baixo tentando te derrubar. Boatos recentes diziam que eu era a “vadia” de Adam. Apesar de ser malvado e uma tremenda mentira e nunca me importei com essa fama, afinal faço meu trabalho bem e mereço cada centavo do salário que ganho.
Vivo com meu pai, Larry Fabray, desde que tinha oito meses de vida. Fui adotado por ele e por minha mãe quando tinha essa idade. Meu pai agora é viúvo, infelizmente minha mãe faleceu devido a complicações de uma simples cirurgia de hérnia, mas é como os médicos disseram na época – “toda a cirurgia tem um certo risco que deve ser considerado pelo paciente” – meu pai e eu só não imaginamos que minha mãe seria a infeliz a ser ‘premiada’ com essa estatística verdadeira, mas cruel. Desde esse tempo, papai e eu estamos sozinhos. Tenho vinte anos de idade, prestes a fazer vinte e um. Meu pai tem quarenta e seis anos e nós vivemos em uma parte mais pobre de San Diego, bem longe do meu trabalho..
Não sou nem um pouco parecido com meu pai esteticamente falando, quem não nos conhece acha que somos amigos. Tenho pele clara, cabelos negros ondulados bem penteados pelo lado, olhos castanhos escuros, pouco mais de um metro e setenta e oito de altura e por volta de oitenta e cinco quilos. Meu pai tem cabelos e barba loira e é dez centímetros mais alto do que eu. Seus olhos são azuis e enquanto eu trago um corpo forte natural mais para o lado do magro, ele tem um corpo naturalmente forte para o lado ‘rato de academia’. Minha mãe, Ramona, era morena e tinha olhos castanhos e seus cabelos iam um pouco abaixo do ombro. Eram longos cabelos negros e brilhantes como a noite.
Por esse motivo as pessoas gostavam de fazer suposições. Pai branco e mãe negra. As pessoas esperam um filho mulato como se fosse uma ordem natural quando duas coisas se misturam sair algo com um pouco de cada. A maioria dos vizinhos sempre pensou que eu fosse fruto de traição e não escondiam isso dos meus pais. As pessoas conseguem ser más quando querem.
O elevador chegou finalmente ao vigésimo andar abrindo suas portas e revelando um enorme saguão com chão acinzentado com uma grande porta marrom ao lado de uma recepção, que é onde eu trabalho.
Deixei minhas coisas embaixo da recepção, escondido de todos e peguei a minha agenda eletrônica verificando horários de reuniões e possíveis viagens. Fiz isso a caminho da porta marrom que escondia a sala de meu chefe. Adam White. Estava nervoso porque pior do que atrasar é inventar desculpas que mesmo reais não convencem ninguém. Bati na porta duas vezes e abri em seguida.
- Bom dia Mike – falou Adam olhando para mim com seus olhos castanhos claros. Ele trazia uma cabeleira ligeiramente grisalha bem penteada para o lado com um tímido topete. A barba que preenchia seus rosto estava bem aparada e ele mal me olhou por dois segundos antes de voltar a encarar alguns papéis que ele lia.
- Bom dia Dr. White – fechei a porta e caminhei rapidamente até a cadeira em frente á sua mesa.
- Sente-se – falou ele prestando atenção em mim.
Sentei-me sentindo borboletas no estômago.
- Peço perdão pelo atraso Senhor. Mil perdões. Devido à chuva forte houve um acidente na avenida principal e um engarrafamento gigantesco.
- Porque eu deveria acreditar em você?
- Senhor? – perguntei confuso.
- Você tem provas desse acidente?
- Não, mas tenho provas de que vim correndo de lá até aqui no meio da chuva e quando cheguei aqui em frente um idiota jogou lama em mim.
- OK, - falou ele voltando a ler os papéis – não tem problema, acidentes acontecem, só gostaria que me ligasse avisando da próxima vez – falou ele parando de ler e digitando algo no computador.
- Sim senhor, me perdoa por não dar a ligação avisando meu atraso – falei me levantando e me virando para ir embora
- Não se martirize tanto por isso – falou ele olhando para mim forçando um meio sorriso – mas eu agradeceria se você me ligasse todos os dias antes das sete. Seria bom ouvir uma doce voz todas as manhãs depois de minha esposa gritar por trinta minutos por eu ficar mais tempo no trabalho do que com minha família.
- Me desculpe? – falei confuso olhando para ele.
- Minha reunião com aquele cliente, o dono do tal restaurante ainda está marcada?
- Jack Montgomery?
- Esse mesmo.
- Sim senhor, hoje ás quatorze horas na sala de reuniões do sétimo andar. Está tudo preparado.
- Por favor Senhor Fabray, não me deixe esquecer dessa reunião. Ela é importante.
- Não se preocupe Dr. White. Aviso o senhor.
- Obrigado.
- Com licença – falei me virando novamente para sair e dois passos dados alguém abriu a porta. Era Steve. O ‘idiota’ que jogou lama em mim.
Ao abrir a porta ele olhou para mim de cima em baixo.
- Michael, vejo que já se lavou da lama que joguei em você.
- Quer dizer que foi você quem jogou a lama? – perguntou Adam para Steve.
Quando ele falou isso minha cara foi no chão e voltou. Sem graça olhei pelo canto do olho para Adam e ele olhou para mim com uma expressão não muito boa coçando a barba. Ele só fazia isso em certos momentos, em especial quando não estava muito contente.
- Foi sim – respondeu Steve.
Esperei Dr. White me dar uma grande bronca por ter chamado Steve de idiota.
- O nome dele é Mickey e não Michael – falou Adam olhando sério para Steve que entendeu o recado.
- Se me dão licença eu vou… - falei saindo pela porta e fechando-a. Respirei fundo e confuso pelo o que tinha acontecido essa manhã. Não entendo o porque, mas algo estava diferente. Dr. White nunca tinha me tratado dessa forma antes. Ele tinha me dito coisas esquisitas naquela manhã. Meu coração estava palpitando pela conversa que nós tivemos antes de Steve chegar. Ouvi-lo dizer que minha voz é doce foi estarrecedor e estranhamento delicioso de se ouvir porque a voz dele é rouca e macia e eu adorava ouvi-la todas as manhas.
- Tenha foco Mickey Fox Fabray – falei para mim mesmo indo até a recepção.
Havia chamado Steve de idiota para Adam e nem tinha percebido. Ao invés de me repreender por aquilo ele tinha repreendido Steve por nunca acertar meu nome. Foi bom ver um idiota se dando mal pela primeira vez na vida. Mesmo assim eu tinha o dever de me desculpar com Dr. White por ter chamado seu colega de trabalho, sócio e possível amigo de idiota. Quando tivesse a chance eu iria até sua sala e me desculparia com ele.
Voltando ao trabalho, tive uma manhã bem corrida digitando planilhas e alterando dados cadastrais de clientes devido a migração de um programa de dados. Uma hora de trabalho tinha me estressado o suficiente para não ver que Gray Collins, o dono do C, havia chegado. Ele saiu do elevador em silêncio e estava á dez segundos me dizendo bom dia tentando tirar minha concentração.
- Bom dia Mike. – falou ele com um sorriso.
- Bom dia Dr. Collins, posso ajuda-lo de alguma maneira?
- Dr. White já está em sua sala?
- Está sim senhor e o Dr. King está lá com ele.
- Obrigado – falou Dr. Collins piscando seu olho direito com um meio sorriso. Ele desapareceu entrando na sala.
Poucos minutos depois de Gray entrar na sala de Adam, os últimos sócias chegaram. Vanessa Smith, a dona do S e Xavier White, irmão de Adam.
- Bom dia – falou ela sem dar muita atenção á mim passando direto e entrando na sala do Dr. White.
- Bom dia Srta. Smith – respondi prestando mais atenção ao meu trabalho do que aos lindos cabelos loiros e em sua forte maquiagem vermelha. Uma linda mulher.
Voltei ao trabalho e continuei digitando a planilha no novo sistema, que ao meu ver era um sistema superior ao antigo, todo o trabalho valerias a pena porque depois da migração os benefícios ficariam.
Estava distraído com o trabalho quando meu celular vibrou em cima da mesa – VOCÊ TEM UMA NOVA MENSAGEM – apareceu na tela. Ao clicar no aviso vi o nome de Charley, meu namorado.
Bom dia meu amor – Charley
Bom dia – Mike
Já no trabalho – Charley
Sim, e você? – Mike
Acabei de chegar… o que você acha de um jantar no sábado? – Charley
Seria ótimo – Mike
Na sua casa, com o seu pai – Charley
Não estou pronto para te apresentar a ele – Mike
Estamos juntos á quatro meses, quando estará pronto? – Charley
Não sei – Mike
Eu sei, sábado ás oito da noite – Charley
Não – Mike
Você tem vergonha de mim? – Charley
Tenho vergonha de nós, você será o primeiro namorado que apresento ao meu pai – Mike
É bom saber disso. sábado ás oito? – Charley
Sábado ás oito – Mike
Tenha um ótimo dia em seu trabalho, um beijão – Charley
Um beijo – Mike
Depois de trocar essas mensagens com Charley, deixei meu celular em cima do balcão e voltei ao trabalho. Agora nervoso por esse jantar. Charley e eu nos conhecemos na noite de ano novo em uma festa que meu amigo Denny fez. Nós nos conhecemos na festa, bebemos, tranzamos e durante uns dois meses tivemos vários encontros casuais até que Charley me pediu em namoro. Eu aceitei, mas não imaginava que iriamos tão longe. Faz umas três semanas que ele vem me pressionando querendo conhecer meu pai. Já namorei outros caras em minha vida, mas nenhum pareceu ser tão sério quanto esse namoro com Charley.
Não é que eu tenha medo de levar Charley para conhecer meu pai é que eu não em sinto a vontade. Meu pai está tranquilo quanto a minha sexualidade, mas talvez eu só tenha medo de compromissos. A partir do momento que eu apresenta-lo ao meu pai o nosso relacionamento se torna real.
- Mike você pode vir aqui por favor? - Dr. Steve King abriu a porta da sala de Adam e me tirou do transe.
Peguei minha agenda eletrônica e fui até á sala. Ao entrar todos levaram seus olhares até mim.
- Mike, para quando está marcada nossa viagem á Detroit?
- Inicialmente eu tinha marcado a viagem para o dia sete junho, mas esse é o dia do aniversário de sua filha e sua esposa disse que a presença do pai é obrigatória então remarquei para o dia oito no voo dás sete e trinta da manhã.
- Você comprou passagens de primeira classe para todos nós?
- Sim senhor, passagem para os cinco e hospedagem de quatro dias e três noite no Aphrodite Inn. A hospedagem se inicia ás seis da manhã do dia oito de junho na sexta-feira e vai até o meio-dia de onze, segunda-feira.
- Ótimo – falou Dr. White – vou precisar de você em Detroit então você pode comprar outra passagem para você e outra hospedagem no mesmo hotel de preferência no mesmo andar.
- Vou ter que viajar?
- Sim, é sua primeira vez em viagem de negócios? – perguntou ele com um sorriso no rosto malandro no rosto.
- Sim senhor – falei sinto um frio na barriga ao vê-lo sorrindo para mim.
- É um problema pra você? – falou ele se arrumando em sua cadeira.
- Não… não senhor. Eu posso comprar as passagens… eu po-posso agendar e eu…
- É só isso por enquanto – falou Adam me dispensando indiferente – quando terminarmos aqui, você pode vir á minha sala?
- Sim Dr. White.
Sai rapidamente da sala e ao fechar a porta sentei-me em minha cadeira e respirei fundo novamente. Uma viagem de negócios com meu chefe? Era sim a primeira vez que viajava, mas não estava intrigado com isso e sim com essa demonstração de afeto que Dr. White estava demonstrando desde que cheguei. Pensei que fosse paranoia ou apenas fruto de minha imaginação, mas era real. Todos os sorrisos fora de hora e as mudanças de humor que ele vinha tendo desde que cheguei. Não sei bem o que é, mas estava mexendo comigo.
Liguei para agência de viagens e pedi outra passagem, mas dessa vez na classe econômica. Não me atreveria a viajar ás custas da empresa na primeira classe. Seria muito abuso. Liguei para o hotel é pedi um quarto no mesmo andar que as outras reservas, mas infelizmente só tinham quartos três andares acima. Era isso ou não ter reserva. Depois de marcar tudo certinho voltei ao trabalho
Depois que a reunião acabou Vanessa, Gray, Xavier e Steve saíram da sala de Adam fui á sala dele como ele tinha pedido. Bati na porta tímido e nervoso esperando a ordem.
- Pode entrar Mike – falou Adam com sua voz rouca e macia.
- Com licença Dr. White
- Mike por favor, sente-se. – falou Adam de costas olhando pela parede de vidro que tinha atrás dele. toda a lateral do prédio era de vidro dando uma privilegiada visão da praia de La Jolla e o oceano pacifico que se estendia ao longo.
- Você comprou sua passagem e confirmou sua hospedagem no hotel?
- Sim senhor, mas infelizmente o hotel só tinha vagas três andares acima do de vocês.
- Isso será um problema, vou precisar de você para me ajudar a ler o contrato antes da audiência. O cliente é perfeccionista e inseguro. Ele adiciona e retira clausulas todos os dias. Tenho certeza de que poucas horas antes da audiência ele via mudar de idéia, mas vamos resolver isso lá mesmo.
- Eu também marquei minha passagem na classe econômica.
- Classe econômica? – perguntou ele olhando para mim.
- Sim senhor.
- Você vai viajar ás custas da empresa e não vai se aproveitar dessa oportunidade? Não vai sentir falta dos serviços e da comodidade da primeira classe?
- Não senhor, nunca viajei de primeira classe, não vou sentir falta do que nunca tive.
- Nunca? Está decidido. Assim que sair da minha sala, ligue lá e compre uma passagem na primeira classe. Se não tiver no nosso voo, compre no voo disponível. Ida e volta, OK?
- Sim senhor – falei tentando esconder um sorriso.
- Mike, o cliente que estamos defendendo em Detroit está sendo acusado de homicidio culposo. Ele é acusado de matar uma criança de oito anos.
- Não ouve intenção de matar?
- Nosso cliente se chama Wallace Parker, ele é um farmacêutico e alega que o fabricante cometeu um erro na hora de empacotar as caixas de remédio vendendo remédio para dor de cabeça como aspirina. Ambos são remédios inofensivos, mas a criança que tomou tinha alergia á dipirona. A mãe que é solteira, deu ordens á babá que cuida da criança para dar o remédio antes da criança ir dormir. Quando ela chegou em casa a criança estava morta. A garganta se fechou durante a noite e ela desmaiou e depois morreu por asfixia.
- Meu deus – falei sentindo um mal estar, aquela história era horrível.
- Ao apegar o remédio que deu a criança ela leu o frasco e percebeu que o remédio dentro da caixa era diferente do remédio descrito na embalagem.
- Se o erro foi do fabricante, porque o farmacêutico é quem está sendo processado pela mãe?
- A corda arrebenta do lado mais fraco Mike. O fabricante conseguiu provar que o erro foi do fabricante alegando oque as caixas tinham sido violadas.
- E elas não foram?
- Não, mas como eu disse, a corda arrebenta do lado mais fraco. Nós sabemos que existe uma mãe com a dor de perder o filho, mas não se trata de mostrar que ela está errada, mas defender um homem inocente. Você sabe e eu sei que para um advogado não importa se meu cliente é inocente ou culpado. Desde que eu acredite que vale a pena defende-lo eu defendo.
- Porque é tão importante defender esse cliente?
- Esse é um trabalho gratuito. O Sr. Parker não tem dinheiro para pagar um advogado, mas as vezes fazer a coisa certa é mais importante do que o lucro. É por isso que esse trabalho é tão importante para mim. Eu disse á Xavier, Gray, Steve e Vanessa e vou dizer a você: Preciso de foco porque não podemos perder. Não quando um homem inocente está sendo julgado injustamente por um crime que não cometeu.
- Não se preocupe senhor, vou estar focado.
- Não se trata apenas de um crime Mike. O Sr. Wallace Parker é negro. Pense nesse caso como o caso O.J. Simpson. Não é apenas um homem, mas toda uma comunidade sendo julgada e discriminada. O cliente vai ao tribunal com “culpado” escrito em sua testa, não porque ele é culpado, mas porque ele um negro que matou uma criança branca. A cor da pele define sua culpa e é por isso que eu aceitei o caso. Gosto de desafios e eu sei que vamos ganhar. Nós temos a mídia em cima desse caso e temos ativistas de outro lado querendo justiça. A justiça será feita e eu já estou preparado para sair daquele tribunal com o veredito que inocente.
- O senhor tem tanta certeza de que vai ganhar?
- O que eu posso dizer? Eu sou foda! – falou Dr. White rindo quando disse aquilo.
Foi estranho ouvi-lo dizer um palavrão. Ele é sempre tão educado e cuidadoso com as palavras que diz. Senti vontade de rir, mas me segurei e mantive minha expressão de total compreensão.
- Senhor eu gostaria de aproveitar esse momento para pedir desculpas pelo o que eu falei mais cedo. Chamei o Dr. King de idiota.
- Não precisa se desculpar Mike, o Dr. King é um idiota. Lee é rico, ambicioso e talentoso, mas é um idiota.
- Mesmo assim prometo que não vai acontecer.
Ele ficou em silêncio e por alguns segundos e coçou a barba.
- Você vai ligar e me avisar quando se atrasar novamente?
- Sim senhor.
- Está perdoado – falou Dr. White sentando-se novamente.
Levantei-me e saí da sala dele voltando a recepção para comprar a passagem. Liguei novamente para a companhia aérea, depois de passar alguns dados fui transferido para outra atendente.
- No que posso ajuda-la? – perguntou a atendente.
- Gostaria de transferir minha passagem da classe econômica para a primeira classe.
- Qual o voo?
- JF079.
- Nós temos cinco lugares disponíveis. A1, B3, B5, E17 e E19.
De todos os lugares disponíveis apenas um deles me chamou a atenção. O assento de Adam é o E20. Se eu escolhesse o E19 ficaria ao seu lado. Seriamos nós dois durante duas horas e meia de voo. Não sei porque, mas essa idéia me excitou. Não me uma forte divertida, mas de uma forma quente que fez o meio de minhas calças palpitar.
Deus, eu estava sentindo algo por meu chefe. Não sei se é fruto da minha imaginação ou se é real. O meu chefe que é casado e que tem dois filhos estava dando em cima de mim. Seria loucura pensar que um advogado tão competente quando ele estaria interessado em um garoto da classe média como eu? Porque eu? Porque agora? Depois de um ano e meio de trabalho, porque ele estaria dando esses sinais agora?
- E19 – falei sentindo um frio que me cortou a barriga e subiu até meu pescoço.
- A troca foi confirmada, mais alguma coisa?
- Não. Apenas isso.
- A Golden Airlines agradece a preferência.
Essa foi a última coisa que ouvi antes de desligar o telefone. Eu tinha um sentimento em mim. um sentimento oque dizia que o que fiz era errado, mas como pode ser errado se me sinto tão bem? me sinto excitado e estranhamento contente por ter feito aquilo?
Passei o dia todo nervoso pensando naquilo. No fim do expediente arrumei minhas coisas e para meu azar mais uma vez choveu. A chuva que eu tanto amava no começo do dia agora era odiada por mim. Não muito afinal eu ainda tremia de felicidade quando ela passava entre meus dedos.