1ª PARTE
CAPÍTULO 11
ADEUSFoi possível ouvir de longe o soco que Jorge deu na mesa quando ouviu a notícia ao chegar na sua sala da delegacia. Desde que saiu de casa, nunca tinha tido uma alteração tão de violenta de humor.
- Como assim ele foi visto nas redondezas e eu não sei? Quem o viu? Quando? Por que que vocês só estão me notificando isso agora?
Eram tantas perguntas difusas em sua cabeça quente, que mal conseguia raciocinar direito.
- Senhor...- Aurélio entrou na sala segurado alguns arquivos. - ...me desculpe, mas no estado que o senhor estava não haveria nada que o senhor pudesse fazer, nós estamos tomando conta de situação e foi o senhor mesmo que nos deu ordem para não o incomodar a não ser que o caso seja urgente.
Jorge tentou manter a calma, lembrou do sexo oral com Mike em sua cama e pensou na praia que estava planejando final de semana, depois se sentiu imediatamente raivoso por Aurélio estar certo e mais furioso ainda por ele mesmo não estar certo. Ele colocou as mãos na cintura e olhou para cima como se estivesse colocando os inúmeros pensamentos em ordem. Respirou, claramente tentando se controlar e abaixar sua voz perguntando:
- Essa informação que temos... Eu quero falar com essa pessoa. – Disse encarando Aurélio.
- Sim senhor!
Os dois entraram no carro.
Aurélio era o único que não se sentia extremamente intimidado com a presença de Jorge, o respeitava muito, isso era visível, mas também tinha audácia para dizer o que era preciso ser dito, muitos o achava estúpido ao invés de corajoso, e agora sozinho num carro com ele, tinha o difícil trabalho de colocar racionalidade em sua cabeça dura.
- Senhor, eu entendo que o senhor esteja aborrecido, porém é preciso que o senhor saiba que eu não tive outros escolh-
- Você teve outras escolhas – interrompeu Jorge – Porém eu não quero saber delas, onde estamos indo afinal?
- Fico a oito quadras frente, terceira casa a esquerda – Respondeu Aurélio secamente.
Jorge estacionou o carro, duas casas antes, tinha aprendido a não chamar atenção na sua chegada, anos atrás.
- Qual o nome dela mesmo?
- Susan, Senhor, ela nos disse alguns dias atrás que...
- Obrigado.
Bateu na porta e imediatamente uma moça nova de longos cabelos negros e vestido amarelo abriu a porta. Jorge imediatamente pensou que ela estava saindo ou ela estava os esperando.
- Susan?
- Sim, eu mesma. – Ela parecia nervosa, mas ao mesmo tinha firmeza em sua voz.
- Indo para algum lugar, Susan? - Perguntou Jorge reparando na expressão facial dela.
- Não... não estou saindo... posso ajudar com alguma coisa? – Ela passava a mão atrás da cabeça, como se precisasse fazer alguma coisa. Atrás dela havia uma caixa grande, de um metro mais ou menos com um laço extremamente grande e azul sobre.
- Sim, nós queremos que você repita as inf - Iniciou Aurélio, que logo foi interropido por Mike.
- Eu sei como isso funciona – Cortou Jorge novamente.- Você viu o....
- Professor Augusto Tritão? Sim, sim o vi... duas vezes na verdade... A garota falava como se já tivesse decorado aquela informação, poderia ser impressão de Jorge, mas também já havia se arrependido de duvidar do seu instinto outra vez.
- Nós estamos juntando todas as pistas para capturá-lo, por favor, ele não é simplesmente um fugitivo, ele também tem sérios problemas mentais, ele pode machucar alguém, você está ciente disso, não?
-Bom, o que eu sei eu já havia dito... ele estava nas proximidades com várias sacolas, mas não eram sacolas de compras normais sabe...? Elas não eram de plástico, elas eram de um material que eu não sei o nome... também tinham uma cor diferente... desculpa não poder ajudar mais, mas isso é tudo que eu sei.
Jorge continuava a encará-la, como se soubesse que estava perdendo algum detalhe, estava deixando alguma coisa passar, havia algo que ela não estava lhe contando. Jorge sabia reconhecer mentira nas pessoas e definitavamente havia uma ali e gostaria de afirmar que a moça a sua frente não estava dizendo a verdade, pois o sentimento de vazios em sua declaração era constante.
- E como você sabia que era ele? – Perguntou Jorge.
- Bom, eu o vi no jornal uns dias atrás, ele é bem alto, né? - Disse Susan com pressa.
- Alto? Como você sabe que ele é alto, a que distância você o viu? - Permanecendo com sua voz grossa.
- Nós já perguntamos isso a ela Senhor... – Jorge fingiu nem ouvir o que Aurélio
- Bom.... - Começou Susan transparecendo confusão ao tentar encarar o dois ao mesmo tempo - ele estava perto de umas caixas no beco e ... as caixas são quase o dobro da minha altura...
- E para onde ele estava indo?
- Ele estava indo em direção ao centro....
- Mais alguma coisa que você queira no dizer... qualquer detalhe é importante... que horas aconteceu isso?
- Foi em volta das 18h.... Pouco depois... eu sei porque eu estava saindo do trabalho...
- Bom, nós agradecemos a sua colaboração. Nos procure caso saiba de mais alguma coisa...
Os dois deram meia volta e se dirigiram até o carro
- Eu comentei que não havia nenhuma nova informação... – Comentou Aurélio, tendo a rápida falsa impressão que ele pela primeira vez estava certo e Jorge errado.
- Você não procurou no lugar certo. – Afirmou Jorge como se estivesse somente esperando ser contrariado
- Como assim? – Aurélio disse prestes a abrir a porta do carro.
Jorge ignorou a pergunta e entrou no carro. Aurélio entrou e tentou procurar os detalhes que tinha perdido, ele estava zangado por não ter percebido o que quer que tenha sido, e feliz por ter Jorge de volta, mesmo fazendo ele se sentir assim, meio bosta.
- Ela disse que ele estava carregando uma sacola de matéria diferente, cor estranha...
Aurélio cavou ainda mais a mente a procura do que Jorge queria dizer com aquilo, mas não achou nada. Jorge continuou:
- Ela estava falando de uma sacola ecológica, Aurélio, uma sacola moderna, que os supermercados estão tentando... É uma nova tentativa de controlar o meio ambiente, ou algo assim. Jorge dirigia com concentração falando pausadamente e olhando de relance pra Aurélio como se esperasse ele completar alguma frase. De repente Aurélio pescou algo entre suas ideias.
- ...e o único Supermercado no centro que tem dessa sacola é o...
- Exatamente! - Disse Jorge, sorrindo de lado, pela primeira vez aquele dia.
Os dois foram ao supermercado, exigiram as gravações da câmera e voltaram a delegacia.
Nem Aurélio, tampouco Jorge pararam para fazer qualquer outra coisa que não fosse se afundar com seus pensamentos e atenção nas inúmeras possibilidades que haviam de prender Augusto, também conhecido como Tritão.
- Como você acha que uma pessoa perde a cabeça assim? – Perguntou Aurélio que dentro do carro, no banco do carona, tentava acompanhar Jorge perdido dentro dos seus próprios pensamentos - ...quero dizer... você está dando aula e depois... perde a cabeça... eu não entendo isso! – Aurélio percebeu que desde que entraram no carro pela última vez, Jorge não emitira nenhum som, porém a cara carrancuda dele já falava por si. Não era um bom momento para interagir.
- Todo mundo meio que já nasce louco, Aurélio – disse Jorge transbordando algo da sua cabeça pela boca. - Algumas pessoas descobrem cedo, outras, tarde, outras nunca descobrem... esse professor aí, poderia passar o resto da vida dele normal... Mas ele acordou, botou a gravata e foi trabalhar, esse dia ele surtou... quem sabe? Nós temos que pegar esse cara, ele é perigoso ...e pior, muito inteligente.
Aurélio não tinha entendido nada do que Jorge havia dito, mas concordou com a cabeça balançando positivamente.
- Você... – Aurélio começou uma pergunta mas desistiu no meio dela. Jorge não manifestou nenhum movimento. - O senhor... – Aurélio tentara cuidadosamente escolher as palavras, mas parecia não conseguir encontrar nada para expressar a estranha pergunta que inútil e perigosamente tentava montar.
- Não – disse Jorge sério – Não pergunte.
Aurélio olhava pra Jorge surpreso como se achasse que ele podia ler mentes ou algo assim.
- Eu... – Continuou Jorge - ...não guardo mágoa dessa cara ou coisa assim, acredito inclusive que é esse tipo de sentimento que a gente guarda dentro da gente que nos deixa doentes sabe? Para mim ele é um criminoso qualquer... perigoso, além de doente...
- Desculpa, - interrompeu Aurélio - ..., mas eu não consigo parar de pensar que se ele não tivesse atirado em você, você estaria acordado para ver Dona Elaine... – Aurélio parou de falar como se de repente pudesse ouvir o que dizia - ...Desculpa, eu acho que falei demais!
- Tudo bem – Consolou Jorge – Eu daria tudo para estar segurando a mão dela quando chegasse a hora, às vezes eu acho que isso foi para o melhor, às vezes eu me atenho às boas lembranças... eu não disse Adeus, esse é o tipo de coisa que... enfim, a gente tem que pegar esse, Tritão ...é como ele se chama, certo?
- Sim – Aurélio disse agindo como se houvesse caído um cisco no seu olho.
- Certo então, enfim, vamos assistir essa porra e manda aquele filho da puta apodrecer na cadeia? – Disse Jorge forçando um sorriso na cara.
- Vamos! – Disse Aurélio com um sorriso que parecia uma criança olhando quilos e quilos de doces.
Os dois estraram na delegacia para uma sala que possuía uma mesa grande e bege, umas cadeiras, reuniram aproximadamente uma dúzia de policiais, explicaram o que estava acontecendo e qual era o procedimento a ser seguido.
“Tritão” ou “O cara com o nome ridículo” como ele era conhecido por alguns ali dentro, era prioridade, todo mundo parecia estar atrás dele com um tipo de vontade maior, como se fizessem aquilo por Jorge. Todo mundo sabia o que estava acontecendo, mas ninguém tocava no assunto, a não ser Aurélio que o tinha feito instantes atrás:
- Como ele consegue fazer tudo isso? – Perguntou Débora, uma nova e jovem policial, para Aurélio, tendo certeza de quem ninguém ouviria.
- Não sei – respondeu rapidamente e em um tom baio para Débora.
Aurélio olhou pra Jorge, organizando os fios da tv que ajeitava para poder assistir aos vídeos das gravações do supermercado e respondeu – Eu não sei.
Depois de conectar e ter o controle nas mãos, Jorge respirou fundo e fechou os olhos, ele se visualizava na praia com Mike, andando por entre a areia úmida e ouvindo o barulho das quebras das ondas. Jorge abriu os olhos novamente e viu os policias todos ali naquela sala, alguns sentados e outros em pé, alguns olhando para ele e outros olhando para a tv, todos esperando algo em completo silêncio.
Bom, aqui vamos nós! - Disse Aurélio numa tentativa frustrada de ser engraçado.
Assim que a imagem na televisão apareceu todos os policiais ali dentro estavam prestando atenção em todos os detalhes, dezenas de olhos estavam arregalados e atenciosos para o que acontecia nas imagens em preto e branco, se passaram vários minutos até alguém dos fundos falar em voz mais elevada:
- É ele!
Débora, apontava para o canto superior direito da tela em que alguém aparentemente alto e mal vestido aparecia com algumas sacolas, nas duas mãos.
- Sim, é ele mesmo! – Concordou Aurélio.
Jorge prestava atenção naquilo como se o avaliasse de uma forma diferente. Por que ele não está simplesmente passando? Ele se perguntou a si mesmo. Por que ele está parado?
E de repente Tritão olhou para a câmera e sorriu!
- Esse filho da puta sabe que está sendo gravado! - Gritou Débora
Vários policiais ali naquela sala emitiram sons indignados e raivosos.
- Ele está brincando com a gente! Gritou alguém do fundo.
Jorge respirou aliviado sem saber direito o porquê, mas parte dele acreditava que agora ele não estava mais perdido num emaranhado de pistas sem conteúdo algum, ele não se sentia mais cego na situação toda. Tinha certeza que “O idiota com o nome ridículo”, estava tramando algo grande, mas ele também tinha certeza que estava chegando a hora de pegá-lo, jogar na cadeia novamente e mostrar aos outros policias que justiça não se faz com as próprias mãos.
Finalmente Tritão tinha parado de encarar a câmera sorrindo, virou de costas e se moveu.
- Ele está deixando alguma coisa no guarda volume – destacou Aurélio.
- O que é aquilo? – Perguntou um policial da primeira fileira de cadeiras que se inclinava na esperança de enxergar melhor. – É uma caixa?
- Esse cara já foi pego com objetos que poderiam facilmente montar uma bomba caseira, eu deveria chamar o AB? - Perguntou Débora.
Jorge pensou um pouco e realmente aquela era a sensação mais sensata e se fazer.
- Sim, chame o time antibomba e evacue todo o supermercado...
Débora saiu imediatamente da sala.
Os outros policiais continuaram na sala para ver se obtinham mais alguma pista sobre o vídeo, mas nada mais aparecia nele.
Jorge encarava a televisão na esperança de ver mais algo útil ali, uma pista ou qualquer coisa, aos poucos o desespero foi subindo pelas suas costas, ele precisava dar ordens aos policiais que estava ali, mas sentia como seu cérebro estivesse ocupado demais com a possível bomba do outro lado da cidade.
- Vocês! - apontou pra uns cinco policias no canto – Acompanhem Débora e ajudem a evacuar o local, façam todo o possível para que o esquadrão AB tenham uma operação tranquila, estacionem carros nas redondezas do supermercado, liguem a sirene! Vocês – apontou pra outro lado da sala, - assistam esse vídeo até perceberem alguma coisa que não vimos e me digam alguma coisa que eu ainda não sei, procurem por pistas, se possível assistam os vídeo de outras câmera, vejam o que ele comprou e o que pretende, qualquer coisa que nos dê uma pista de onde ele tenha ido já é de grande ajuda! Vocês, apontou para a maioria dos policiais no centro da sala, mantenham o resto da cidade sã evitando o caos, Aurélio! Você vem comigo!
Já passavam das duas da tarde, Jorge sentia que cada avanço que fazia, sofria um retrocesso ainda maior. Agora ele estava no carro com Aurélio, o tempo estava cinza e ventoso, tinha alguma coisa no ar que ele não estava percebendo, o tempo estava muito seco e parecia que os pombos daquela cidade estavam todos loucos. O sol se escondia atrás de densas camadas de nuvens e não dava sinal algum de que iria brilhar, era certo de que iria chover aquela noite.
- Para onde estamos indo? – Perguntou Aurélio que agora se deixava perceber um tom nervoso em sua voz.
- Bom... - Jorge nem lembrava que estava furioso com Aurélio horas atrás – A última vez que ele tentou montar uma bomba, ele comprou algumas substâncias em alguns lugares específicos, que só se encontra em um lugar aqui da cidade... Se ele passou lá, realmente temos um problema a mais.
- Isso aqui parece... parece que eu estou na merda de um quadrinho! – Desabafou Aurélio com uma gota de suor escorrendo pela sua testa, contornando uma veia, que só agora Jorge percebia. Pela primeira vez Jorge pode ver Frederico em Aurélio, aparentemente os dois não tinham semelhança alguma, mas essa explosão de raiva e de inconformidade era inegavelmente coisa de Frederico e apesar das circunstâncias, Jorge se sentiu um pouco feliz ao pensar que estava num carro com Frederico como nos anos passados, pensou também no que Frederico sentiria se o visse ali naquela situação. Jorge passou a sentir algo que a tempos não sentia, era um orgulho que começava a brotar nele, ele não sabia direito de onde vira, porque só agora, mas sentia.
Discussões inúteis surgiram naquele carro por horas até os dois chegarem num antigo galpão que ficava no fim da cidade, um lugar que quando se olhava externamente, não se fazia ideia do que vendia, era coberta por uma madeira branca que não se disfarçava velha, e consumida por insetos e pelo tempo, tinha como vizinhos vastos campos vazios sem nada por perto. Aurélio duvidava que aquilo já pudesse ter sido qualquer coisa e achava suspeito como Jorge conhecia aquele lugar, o tempo ali era mais seco e sem vento, se sentia o pó era vermelho e também se sentia na pele, eles tinham a sensação de que de repente haviam ido para um mundo onde todas as coisas eram sépia e sem graça, ambos olharam para cima e esmiuçaram os olhos para ler as quase apagadas letras que formavam a palavra AGRE no centro superior do armazém.
Jorge saiu do carro, Aurélio sentiu a enorme necessidade de sacar arma e num gesto com a cabeça Jorge concordou com Aurélio afirmando que aquela era uma decisão inteligente. “Como que Jorge conhece esse lugar? ” Esse pensamento não saia da cabeça de Aurélio.
Jorge bateu duas vezes com o punho na parte elevada de um portão improvisado como se aquilo fosse um tipo de sinal de reconhecimento para quem quer que fosse que estivesse ali dentro, soubesse que Jorge estaria do lado de fora. Jorge se afastou, Aurélio apontou a arma como se esperasse algo surgir dali e esperaram, esperaram tempo suficiente para que qualquer outra pessoa desistisse e fosse embora, até que num barulho irritante e agudo aquele portão se abriu.
Um homem encanecido de aspecto horrivelmente caricato e untuoso apareceu.
- Vejam só quem voltou!
O homem que se apoiava numa bengala com a mão esquerda, permaneceu ali segurando o portão aberto com a mão direita. Ele vestia calças cinzas e usava uma espécie sapatos que pareciam terem sido fabricados a uns quarenta anos atrás, ele vestia uma casta da camisa branca envelhecida que havia adquirido aquela cor com o tempo, larga demais para ele, apesar de ser gordo. Parecia que não trocava de roupa a dias, tinha uma barba grande, bagunçada e espaçadamente branca, usava uns óculos de grau antigo e torto apesar de seus olhos serem azuis e novos quase cobertos pelas suas sobrancelhas igualmente brancas e bagunçadas.
Aurélio imediatamente abaixou a arma e não conseguiu evitar de pensar na similaridade daquela pessoa que estava a sua frente com o papai Noel. Logo balançou sua cabeça como se estivesse tentando tirar a imagem de um velho de saco vermelho cheio de brinquedos bombas fora de sua cabeça.
- Jorge? - Disse o enxergando com dificuldade - E o que traz aqui!? – Perguntou o velho rindo e exibindo sua gramde falta de dentes.
- Você sabe! – Disse Jorge sério.
- Sim! – Respondeu mudando radicalmente a afeição – suponho que eu não tenho mais energias para torturas ou respostas forçadas como antes, não é?
Silêncio. Jorge sentiu Aurélio o encarar assustado por trás
- Então a resposta é sim!
- Quando? – Perguntou Jorge não mudando em nada sua afeição, algo que surpreendia Aurélio que não estava entendendo o que se passava ali.
-Três dias atrás, material suficiente para fazer uma pequena, sem grandes estragos, só barulho, potência baixa...
Você.... - Começou Jorge.
- Não, eu abandonei esse ramo, fui convencido a me aposentar – Fez uma pausa - Não trabalho mais com isso, se ele quiser fazer o que eu acho que ele quer, vai ter que arranajar os tomates fora do estado.
Aurélio tinha certeza que eles estavam falando sobre a bomba agora, tentou olhar por trás do velho e via várias estantes de metal avelhantado com uma grande quantidade de produtos que pareciam ser eletrônicos, estavam abertos com fios coloridos para o lado de fora, o espaço era grande e também sujo, um gato pardo parecia dormir tranquilamente em cima de um tapete encardido e colorido, quando voltou a olhar para o velho viu que aqueles imensos olhos azuis o encaravam.
- Por quê? – Perguntou Jorge – emitindo uma voz mais rouca que o normal.
- Eu estava cansado – Disse o velho sorrindo novamente
Aurélio agora percebia que o velho não tinha um dos dedos.
- Você sabe que se isso tudo não for verdade...
- O quê? Eu vou para a cadeia? – Completou o velho transformando o sorriso irônico numa cara pacífica. – Sei, sei Jorge, enfim... Boa sorte! Ah... – Antes de fechar o portão o velho olhou para Aurélio e disse: - Você me lembra muito do seu pai, Aurélio... Saudades – Acenou um tchau com quatro dedos e fechou a porta.
- Ele estava falando do meu pai? O que que esse velho estava falando do meu pai? – Perguntou Aurélio num tom furioso. – Como ele sabe meu nome?
- Eu explico no caminho – Disse Jorge tirando o celular do bolso e se dirigindo ao carro rapidamente.
Aurélio entrou no carro também
- Esse velho que...
- E já te conto Aurélio, por favor!
Jorge tentava ligar para alguém, sem sucesso.
- Não tem área nesse fim de mundo... provavelmente mais alguns quilômetros para a frente, meu Pai Jorge, meu pai! Fale sobre meu pai! – Aurélio se atropelava na sua fala.
Jorge acelerava o carro, olhando para o celular como se esperasse alguma ligação ou alguma oportunidade para poder ligar.
- Seu pai o torturou uma vez, Aurélio, era uma operação... havia suspeitas que o velho tinha porte de alguns produtos ilegais, seu pai estava em maus lençóis, era importante para ele fazer algo certo naquela época, mas... eram só suspeitas, ele negava, mas seu pai estava certo que o Bagre estava escondendo alguma coisa. Nós não podíamos... então seu pai deixou o velho escapar para poder... tirar as respostas dele a seu próprio critério...
Havia passado longos minuto antes dos dois falarem alguma coisa, Jorge sabia que Aurélio estava incomodado tentando montar os pedaços de memórias na sua cabeça com o que tinha acabado de acontecer. Ele tinha informações que eram importante e estava prestes a adquirir memória que não precisava, mas Jorge se sentiu na obrigação de falar algo, mesmo que Frederico desaprovasse e se envergonhasse.
- Aurélio – Começou Jorge.
- Você quer dizer que meu pai – Aurélio, sem perceber, estava gritando – Aquele dedo que o velho...
- Sim – Disse Jorge, tentando manter a calma, prestando atenção no que dizia, na estrada e no celular o mesmo tempo – Caralho de telefone..., mas seu pai era uma pessoa diferente na época!
Jorge agora dirigia a toda velocidade, se continuasse assim, estaria de volta a delegacia em menos de uma hora.
- COMO ASSIM? – Gritou Aurélio que agora estava suando mais que o normal
- NÃO ERA ELE! – Gritou Jorge, perdendo o controle – O velho não tinha fabricado aquel-
Um enorme cogumelo de fumaça bege tinha se formado no ar acima da cidade, uma bomba tinha explodido além onde Jorge e Aurélio agora tinham certeza que vinha do supermercado.
- QUE PORRA É ESSA? – Gritava Aurélio – QUE PORRA É ESSA?
Jorge já tinha largado o celular e se concentrado apenas na seta vermelha avançando e a velocidade do carro aumentando.
- O velho mentiu, o velho... – Dizia Jorge para si mesmo, tentando entender porque seu instinto havia falhado.
- FIHO DA PUTA!! VAMOS VOLTAR LÁ AGORA E MATAR AGORA AQUELE DESGRAÇADO! – Gritava Aurélio.
Aurélio lembrava agora perfeitamente de Frederico, que estava ali agora. De repente Jorge olhou para o lado e viu a cena toda sem som, observou as coisas todas se mexendo lentamente e viu agora um enorme policial negro, bufando e gritando, batendo nas janelas, furioso, Jorge reconheceu que antes sempre foi a parte que fazia Frederico voltar a pensar, sua racionalidade, mas não saberia dizer se suas palavras funcionariam novamente. Era um trabalho enorme ser o cérebro toda vez e mesmo que num momento inoportuno Jorge pensou em como seria a vida de Aurélio se Frederico estivesse ali. Como num raio, a queda da realidade, Jorge de repente se encontrou no lugar onde estava, num carro em alta velocidade com Aurélio pirando ao seu lado, e sua dúvida sofria uma transição.
“Como seria a vida de Aurélio se ele não estivesse ali? ”
Jorge parou o carro de repente, fazendo Aurélio avançar violentamente para frente, levantando uma quantidade exagerada de poeira.
- O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO? – Gritou Aurélio
- ESCUTA AQUI MOLEQUE! NÓS TEMOS DUAS OPÇÕES AGORA! DUAS! OU A GENTE VOLTA PARA ENFIAR AQUELA MULETA NO CU DAQUELE VELHO OU NÓS VOLTAMOS PRA CIDADE E CERTIFICAMOS QUE AS PESSOAS ESTÃO BEM! EU VIVI COM SEU PAI, ME DESCULPA SE VOCÊ NÃO TEVE A MESMA SORTE, MAS EU SEI QUE ELE IRIA VOLTAR E FAZER A GARGANTA DAQUELE VELHO SANGRAR E SE DIVERTIR COM ISSO, EU SEI, E É ESSE TIPO DE ESCOLHA QUE O LEVOU ONDE ELE ESTÁ AGORA, UM CAIXÃO!
Aurélio estava olhando para Jorge com os olhos arregalados, nunca ouvira a voz de Jorge naquele tom, ninguém também havia falado com ele daquele jeito, era tudo o que ele não queria e tudo o que ele mais precisava. Aquelas palavras entraram na cabeça de Aurélio e emitiram um sentimento que ele desconhecia, era uma raiva com culpa com um toque de coisa boa, ele não sabia o que era, mas permaneceu em silêncio.
- Vamos... para o Supermercado... – Disse evitando olhar nos olhos de Jorge que agora estavam arregalados.
Sem dizer nada, Jorge engatou a marcha, pegou o celular que estava no banco de trás e jogou no colo de Aurélio.
- Verifica se essa merda já tem sinal e tenta ligar para alguém!
Duas barras no canto superior da tela, indicavam que o sinal estava começando a voltar. O celular agora dava toques informando os dois que estava funcionando e que estavam formando uma ligação.
- Alô!! Débora!? Débora... Você está bem?! Débora!?
O sinal estava ruim, a voz mal se ouvia, existia muito ruído na ligação, mas se conseguia ouvir uma voz que não deixavam dúvidas de que era uma voz feminina. Aurélio apertou um botão e agora Jorge ouvia também, de repente o sinal ficou limpo e se ouviu a fala:
- Estamos todos bem, o local foi evacuado a tempo, ninguém saiu ferido.
Ao ouvir isso, parte do cérebro de Jorge se desligou e ele já conseguia ouvir os barulhos das ondas com Mike, talvez depois de anos ele entraria na água, talvez Mike ficasse lindo num tom mais bronzeado, talvez eles levassem frutas numa cesta, um suco, um vinho. A cabeça de Jorge foi inundada por pensamentos bons que envolvia ele e Mike sozinhos num outro lugar, nem distante dali. Ele estava sorrindo sem saber e finalmente aproveitando o vento que aquela velocidade o permitia permitindo que seus cabelos se esvoaçassem.
- CARAALHO!!!!! - Gritou Aurélio num tom de comemoração – CAAAAAAARAAAAALHO!!!
- Jorge agora sabia que estava rindo e olhava pra Aurélio, batendo em suas costas num tom de aprovação. O dia finalmente estava começando a mudar de cenário, as coisas pareciam estar se transformando, o sol finalmente aparecia para ir embora, deixando neles um tom de esperança, uma sensação de que as coisas iriam se endireitar, capturar Tritão talvez fosse questão de tempo agora, inclusive ao chegar na estação policial talvez incluísse mais novidades.
Uma hora se passou e Jorge estava na delegacia, numa sala sozinho onde avaliava novamente o vídeo de segurança do supermercado esperando perceber alguma coisa óbvia que antes não tinha se passado em sua cabeça, da sua janela era possível observar Débora contando entusiasmada aos outros policiais como a operação tinha se tornado um sucesso, via também dois integrantes do esquadrão anti bombas se refrescando com alguma bebidas que ele mesmo tinha pago ao pessoal em agradecimento pelo bom trabalho. Aurélio e mais algumas viaturas policias, tinham voltado para capturar Bagre com uma ordem de prisão, mas tinha certeza que não acharia nada lá, o velho era inteligente e deveria estar longe. Ele estava feliz com sua equipe, eles mereciam os parabéns, mas ainda havia algo que não o deixaria dormir tranquilamente, aquela noite. Tritão ainda estava à solta e ele começava a pensar na aposentadoria depois que o prendesse. Logo pensava no sexo ao voltar para casa aquela noite, e riu sozinho ao dizer para si que estava muito cansado para ser gay aquela noite.
- Diga Parabéns para Aurélio – Disse Jorge saindo da sua sala para Débora, que estava comentando os detalhes com outro policial que se fazia interessado.
- Tudo bem!
- Novamente, bom trabalho equipe! – Disse se despedindo - Nos vemos amanhãe vamos prender aquele filho da puta! – Completou meia dúzia de policiais que estavam naquele recinto.
Jorge se surpreendeu mais com o entusiasmo do grupo do que com as palavras usadas, sorriu novamente e saiu.
Antes de entrar no carro ele, parou para observar se existia qualquer sinal de Aurélio se aproximando, mas não ouvia nada e nem ouviu nada. Entrou no seu carro pensando num bolo cor de rosa ou qualquer outra comida que fosse. Tinha acabado de se lembrar que não havia comido nada o dia inteiro, estava ansioso para dormir com alguém, ele observou o hidrante, a farmácia, a esquina em que salvara Mike, “Meu Deus que saudades daqueles olhos azuis”, disse agora em voz alta. Sentia-se como se a recompensa do seu bom trabalho estivesse prestes a chegar, pensavam em Mike descamisado e começava a sentir ereções, se movia dentro do seu carro na expectativa de achar uma posição confortável, mas se sentia cada vez quente a cada metro que avançava.
Viu um raio cortando o céu, segundos depois veio o barulho, que anunciava a vinda da chuva logo após, estava chovendo forte, era uma chuva bonita, sem ventos. Jorge abriu a janela do carro e sentiu alguns respingos no seu rosto. Por que estava tão feliz? Por que queria sentir a chuva? Jorge não tinha a mínima pressa de achar respostas para suas perguntas estúpidas, ele queria era um banho morno com Mickey, ou Mike, tanto faz. Aquele garoto tinha o poder de levá-lo para longe de qualquer problema que ele já teve, e o incrível é que Mike nem se esforçava para fazer tal. Jorge sentiu como se houvesse um propósito na vida agora. Ele tinha motivos para acordar, ele tinha motivos para levantar, ele tinha motivos para voltar pra casa.
Enfim, em casa, um sorriso se formava no seu rosto que desapareceu no instante em que abriu a porta.
Tritão agora estava li, segurando Mike com uma faca que reconheceu ser a de Frederico.
- Bem vindo, Jorge! - Disse Tritão parecendo extremmente feliz.
Jorge levou um tempo para reconhecer o que estava acontecendo, a imagem era nítida ali na sua frente, mas ele se negava a acreditar.
Tritão estava apertando Mike contra a faca em seu pescoço, Mike estava estranhamente mais calmo do que qualquer outra pessoa ficaria numa situação como essa.
- O que você... O que você quer? – Perguntou Jorge, dando mais dois passos à frente com as mãos para cima.
- O que eu quero? Hum, boa pergunta... – Tritão fazia gestos infantis para demonstrar o que estava sentindo naquele momento, colocava um dedo sobre a boca e olha para cima para demonstrar o que estava pensando – Bom... primeiro eu quero que você deixe a arma em cima do sofá. Cal-ma-men-te. – Disse ele separando silabicamente a última palavra.
Jorge num gesto extremamente cuidadoso, se posicionou tirando a arma e colocando no sofá lentamente, quando olhou para o chão próximo da porta do quarto e viu mais algumas gotas de sangue, olhou pra Mike procurando algum hematoma, mas aparentemente não via nada.
- Agora vamos convers- Jorge tentou negociar fingindo calma.
- Fecha a porta! Cal-ma-men-te. – Interrompeu Tritão
Jorge deu mais dois passos para trás e fechou a porta, na esperança que alguém lá fora pudesse ver o que estava acontecendo ali dentro e chamar ajuda, mas a rua estava vazia, somente com o barulho da chuva entrava.
- Eu poderia estar aqui com uma arma – Disse Tritão - ...mas se eu desse um tiro no... Como é que é? Mickey, Mike... seria muito, uma coisa muito... Qual é o nome daquela palavra? Concisa, talvez... E não! Eu não quero isso para você
- O que você quer Trit... – Jorge interrompeu Tritão como se recusasse dizer o nome dele.
- O que eu quero? – Tritão cortou Jorge num tom sarcástico. - Eu quero meus anos de volta! – Disse Tritão num grito mais alto que o normal, arregalando os olhos como se eles fossem saltar do rosto dele
Tritão tinha uma aparência velha, apesar de ser novo, ele não tinha mais que quarenta anos de idade, tinha uma barba média, umas marcas de insônia abaixo dos olhos, não era magro, mas estava magro, tinha os cabelos encaracolados negros e o nariz torto. – Eu quero aqueles anos que você me coibiu quando atirou em mim... na escola... Lembra?
A imagem da maca, a cor do sangue, o som das sirenes, a voz da enfermeira e o som dos passos de Frederico e Tom entrando na sala passaram em milésimos de segundos em sua cabeça.
- Olha, eu não posso voltar ao tempo ..., mas se tem uma pessoa que não tem nada a ver com isso, é o Mike...
- Ah, mas é aí que você se engana! – Disse Tritão, erguendo uma risada gostosa – Aí que você se engana, não é!? – Tritão estava tão empolgado contando isso que mostrava todos os dentes e olhava pra Mike enquanto falava. – Aí que você se engana Jorge – Tritão pronunciava o nome de Jorge como se houvesse uma sílaba mais grave que o normal – Jorge, você está perdendo os detalhes, - Tritão parecia que a cada momento encostava mais a faca no pescoço de Mike, que não demonstrava rejeição ou desespero algum para com aquela situação.
Mike permanecia imóvel, como se sentisse tudo com os olhos, que lamentava mais por Jorge estar naquela situação do que por si mesmo. Era como se ele não tivesse forças para se manter em pé, agora com a cabeça abaixa, preocupava ainda mais Jorge por não conseguir manter um contato visual que fosse.
- Eu venho observando você Jorge, sinceramente, achei que eu era carne morta quando fiquei sabendo que você acordou e sua mulher já...Puff! Hehehe... Bom, olha... não foi nada pessoal sabe...? Digamos que você só me pegou num mal dia. – Disse Tritão agressivamente enquanto segurava Mike por detrás do sofá – Eu achei que fosse seu filho... Mas é algo a mais, não é? – Mike encolhia os olhos e virava a cabeça num movimento lento – Eu achei que você iria achar um novo hobby, um esporte quem sabe... talvez tricô... mas ele? – Dizia sacudindo Mike, que se encontrava mole.
- Desde quando você começou a me observar? – Perguntou Jorge, de olhos arregalados, mas tentando manter a calma.
- Como?
- Eu perguntei quando você começou a me observar - Repetiu Jorge muito calmo.
- Bom... – Tritão riu, desconfortavelmente – Foi até que fácil... É claro que quando você está há anos na cadeia, isso te dá uma certa vantagem... Um tempo. Mas enfim, planejar esse... – Tritão apontava para a perna de Jorge – acidentezinho, foi até que fácil na verdade, a intenção era deixar você sem andar, mas deixar você mancando foi tempo suficiente para agir sem você notar, mas venha cá Sr. Jorge, eu esperei que você assistisse sua televisão... Não me viu na tv? Eu estava nos detalhes... Não abriu o jornal para fazer sua palavra cruzada? Eu apareci na página 16, não... Não... – Disse balançando a cabeça negativamente – você preferiu transar com seu novinho, novo brinquedinho... Devo confessar que isso me deixou um pouco surpreso. – Eu poderia fugir, mas como eu poderia ser livre sabendo que você está feliz? – Perguntou rindo.
- Você arquitetou isso tudo sozinho, então? – Perguntou Jorge num tom falsamente calmo.
- Bom... – Tritão imitou uns movimentos anteriores e fingiu racionar por um longo tempo, mas respondeu imediatamente – Sim!
Jorge mexeu os olhos como se tentasse prever a trapaça por todas as pistas que seguiu durante o dia, mas era demais para sua cabeça, sabia que Tritão gostava de se vangloriar, então enquanto ele dava sua arquitetura do plano, Jorge tinha tempo para pensar em algo.
- Vamos ver.... - Disse Tritão ficando mais contente – A asiática, foi fácil, dinheiro compra as pessoas sabe? Eu molhei a mão dela e ela disse que mentiria para mim, mentiu bem, não é? Estudamos as possibilidades e ele tinha uma resposta para cada pergunta sua... eu achei que ela fosse estragar tudo, mas até que me surpreendi. Eu mandei um oi para você na câmera do supermercado, viu? Bagre tinha o filho dele na cadeia, o que você sabe muito bem porque ele estava lá né? Heheheh Ele que inclusive me ajudou a fazer com que você... que você... ganhasse esse machucado aí...
- Minha perna? Você planejou isso...? Por quê? Como? – Jorge já conseguia ver furos nas suas teorias e sabia como Tritão poderia ter sido a cabeça por detrás de tudo isso, mas ele ainda queria tempo para pensar em algo. Imaginou ele que depois de chantagear a asiática, ele pensou em ganhar tempo em distrair a polícia com a bomba, ele não queria mesmo matar ninguém, porque Bagre sabe como fazer uma bomba maior. Jorge sabia que assim como qualquer policial, ele não era muito apreciado por um fugitivo, mas a ponto de arquitetar todo um plano só para fazê-lo sofrer, isso não entrava na cabeça de Jorge.
- Eram para ser ambas as pernas na verdade, mas o que eu queria mesmo era te deixar em casa - Mike que aparentava tranquilidade, agora tinha um semblante fraco e pálido, como se estivesse com muito sono e fosse dormir ali mesmo, Jorge já tinha tentado observar toda a parte do seu corpo pela aquela distância, mas não encontrava lugar algum por onde o sangue poderia estar saindo.
Tritão notou a procura que Jorge fazia por uma ferida qualquer e se alimentava com aquela agonia.
– O garoto? Vamos conversar sobre ele, disse levantando a cabeça de Mike com uma mão e fazendo-se notar que este estava desacordado.
Jorge, por instinto, agiu como se fosse para cima de Tritão, que fez questão de lembra-lo quem estava com a faca.
- Não, não... Segura o ciúme. - Disse pressionando a faca sobre o pescoço de Mike.
Nesse momento houve um pequeno barulho no vidro na janela, quase que inaudível, pareceu o barulho de uma coisa muito pequena e rápida atravessando fina camada de vidro. Os dois se encararam e demoraram para entender o que era, até Tritão olhar para si mesmo e ver que na sua camisa estava se formando uma grande poça vermelha. Quando olhou para a janela novamente, pode ver lá longe, uma pessoa com uma arma de cano longo olhando para ele.
- Frederico? – E caiu. Mike desabou para frente fazendo um barulho alto, enquanto Tritão tentou inutilmente se apoiar na parte inferior do sofá, encostou-se na parede tossindo e descendo lentamente, sentiu que seu cérebro demorou para aceitar a dor, mas agora que sentia, não podia sentir outra coisa.
Jorge correu para tentar animar Mike, checava novamente cada centímetro do corpo dele a procura de um corte qualquer que o fizesse liberar aquela quantidade de sangue no assoalho, mas não encontrou nada.
- Mike! Mike! Acorda, você tá bem? Fala comigo! – Jorge chacoalhou Mike, mas ele não respondia, a porta foi lançada violentamente e Aurélio surgiu na casa, chutou a faca para longe da mão de Tritão, checou se ainda tinha pulso, colocando dois dedos no pescoço e olhou para Jorge que agora estava abraçando Mike, sem entender coisa alguma.
- O que você fez com ele? Veneno? Deu algo para ele!? – Perguntou Jorge, desesperado olhando para Tritão.
Tritão, agora com esforço, exibia um sorriso largo e se esforçava para falar. Liberava muito sangue pelo peito, surpreendia-se pela quantidade de líquido vermelho em sua roupa, sabia que essas seriam suas últimas palavras.
- Eu... eu... adoraria viver num mundo onde você o perde Jorge... Hahaha, E eu queria, de verdade, ser o autor do seu suicídio... porque nós sabemos que você não aguentaria isso de novo... mas o garoto... Ele já estava caído no chão quando eu cheguei... Boa noite. – Tritão virou o rosto para esquerda e deu seu último respiro.