Como cheguei mais cedo da faculdade consegui dormir um pouquinho mais comparado as outras noites. Acordei sem atraso e até bem humorada. Tomei um banho, coloquei o uniforme e sai. Não tinha o habito de tomar café da manhã. Trabalho o dia quase inteiro dentro da empresa, mas quando surge um problema na casa ou estabelecimento de algum cliente e o técnico não consegue resolver eu tenho que ir no local e executar a manutenção com minhas próprias mãos. Então meu uniforme é uma calça jeans apertada, com uma camisa polo com a logo da empresa e um coturno marrom básico. Foge muito ao meu estilo do dia a dia, mas tudo pela segurança.
Não peguei transito, então cheguei adiantada para o início de meu expediente. Resolvi passar na padaria para tomar café, coisa que nos dias normais não dá tempo. Olhei para o céu e disse:
-Deus, dizem que quando a esmola é boa o santo desconfia. Até então meu dia vem sendo maravilhoso, por favor, faça com que ele termine assim.
Quando acabo de falar olho para a porta e de lá vem a certeza de que quando a esmola é boa o santo desconfia.
Depois de 4 anos sem vê-la, eis que me surgi a imagem de minha ex DAYANA com uma menininha de uns 3 anos e outro recém-nascido nos braços. Não a reconheceria se não fossem os olhos. Ela havia engordado, usava roupas largas, o cabelo estava escuro com alguns fios mais claros, preso de forma desorganizada deveria estar com 31 anos, mas aparentava uns 45. Ao vê-la, voltei no dia em que a conheci:
Estava tendo uma feira cultural na escola. Cada turma ficava responsável por um tema e caracterizava a sala para que as outras pudessem visita-la. Eu estava no terceiro ano. Já ficava com meninas, mas sempre fui muito discreta. Andava pelo corredor da escola com meus fiéis escudeiros Camila e Tiago. Tiago tinha prometido a sua peguete que iria visitar a sala dela quando ela fosse se apresentar, então entramos. A garota deu a introdução da apresentação da turma, o tema da sala era superação. Ela chamou alguns convidados que iriam contar suas histórias de vida. Tinha um homem que havia sido criado na favela, mas não entrou para o crime. Uma moça que havia tido uma filha fruto de estupro e mesmo assim criou a menina com muito amor. Um rapaz que havia visto seu pai matar sua mãe quando ele tinha 10 anos e por fim uma moça chamada Dayana que havia sido abandonada na porta de uma igreja quando bebe, tinha sido criada em um orfanato, mas quando completou 18 anos, saiu de sua cidade enfiou a cara nos estudos, conseguiu uma bolsa para curso técnico em enfermagem, se formou e hoje tinha uma vida confortável. Tiago percebeu de cara meu encanto com a mulher, ela aparentava ter uns 28 anos, cabelos lisos um pouco abaixo dos ombros, castanhos com mechas platinadas, não fazia o tipo “gostosa” era magra um pouco mais baixa que eu, mas tinha um rosto muito chamativo, delicado e tinha um sorriso encantador, parecia ter muito orgulho da vida que levava. Acabou a apresentação, saímos da sala e ficamos no corredor, Tiago cutucou Camila e falou:
- A Tarine estava pirada na coroa kkkkkkkkkkkk
Estávamos com 16 e 17 anos na época e Tiago tinha mania de chamar todos que tinham acima de 25 anos de coroa. Camila apenas riu e balançou a cabeça confirmando. Fiz cara de brava e falei:
-De onde você tirou essa ideia Tiago?
Na hora a mulher saiu da sala e passou por nós e eu fui acompanhando com olhar até dobrar a esquina do corredor. Tiago deu dois tapinhas no meu rosto e falou:
-Limpa a baba Tarine. Gargalhou alto. Eu apenas ri e sai rumo ao bicicletário da escola, pois já iria bater o sinal da saída e eu queria ir rápido pra casa.
Quando peguei a bike percebi que algum FDP tinha furado meu pneu. Fiquei irritada e o jeito era ir a pé pra casa. Fui empurrando até que para uma moto do meu lado, era ela:
-Pensei que a bicicleta te levava e não você que levava ela. Risos.
-É. Eu pensei que meu pneu iria estar cheio quando eu saísse da escola kkkkkkkk
-Quer uma carona?
-Como vou levar essa bicicleta de moto?
-Você ainda está na porta da escola. Deixa ela aí, leva só o pneu e amanhã traz cheio.
-Pra mim seria ótimo!!!!
A verdade é que eu odiava andar a pé. Como ainda era de menor e não podia dirigir o jeito era apelar para a bicicleta. Fui no Seu Zé, “faz tudo” lá da escola e pedi algumas chaves emprestado. Tirei o pneu da bike, sentei na garupa da moto e fui o caminho todo viajando no Perfume de Dayana. No caminho não conversamos. Não demorou para chegarmos em minha casa. Desci e pedi obrigado. Ela tinha me ajudado a tirar o pneu da bicicleta e tinha sujado as mãos e graxa, perguntei:
-Quer entrar pra lavar as mãos?
-Se não for te incomodar?
Quando fui olhar na mochila, tinha perdido a chave de casa. Procurei, procurei e nada. Meus pais já sabiam como eu era, então deixavam uma chave reserva escondida debaixo do tapete da porta dos fundos que dá acesso a cozinha. Entramos e logo ela sorriu e ela falou:
-Deve ser muito bom ter alguém que se preocupa com você.
-Depende. Olhei pra ela com cara de “Por que você está dizendo isso?”
Ela apontou pra geladeira.
Eu olhei. Não era um bilhete. Era um CARTAZ. “Filhota, mamãe precisou levar o vovô em uma consulta. Seu remédio anti-inflamatório está em cima da geladeira e sua sopinha no micro-ondas. Nada se comer coisas muito sólidas pra não machucar sua gengiva e atrapalhar o crescimento do seu dentinho do siso. Mamãe te ama bebe.”
Fiquei vermelha e ela disse:
-Sua mãe parece ser muito legal.
-Às vezes sim, outras não. Mãe é mãe né.
Ela abaixou o olhar e eu me lembrei que ela não tinha conhecido seus pais. Mudei de assunto e mostrei o banheiro. Ela foi e depois de uns 5 minutos voltou:
-Muito obrigado, então vou indo porque ainda tenho plantão a noite.
-Almoça comigo, odeio comer sozinha. Tem comida de verdade lá na cozinha, se quiser preparo pra você.
-Melhor eu ir. O que seus pais vão pensar se chegarem e me verem aqui na sua casa?
Eu estava distraída e soltei:
-Que você é minha namorada!
-Haaam? Ela me olhou assustada e eu só falei:
-To brincando. Relaxa ai que já já ta pronto.
Começou a chover e ela não teve escolha. Preparei uma comidinha básica ela almoçou e eu também. Ficamos na sala vendo uns vídeos no notebook, até que minha mãe chegou:
-Tarine, trouxe Danoninho pra você filhota.
Mamãe me racha a cara. Quando viu que Dayana estava lá:
-Boa tarde. Sorriu e Dayana respondeu com um aceno de cabeça. Foi para a cozinha e voltou depois de um tempo.
Apresentei Dayana e falei que ela tinha me ajudado na escola. Mamãe soltou:
-Tarine, você convidou sua amiga para sua festa de 17 anos?
-Não mãe, mas como você já se adiantou.
Eu e mamãe ficamos olhando para Dayana, ela respondeu:
-Tenho que ver se não vou estar de plantão. Me liga Tarine.
Se levantou, disse que precisava ir, despediu-se de mim e de mamãe e saiu.
Estávamos eu e mamãe:
-Mãe, por que você convidou a Dayana sem me consultar? Você nem sabia se eu queria convidá-la.
-O irmão mais novo de seu pai vai vir. Quero arrumar uma moça direita para ele. Ela me pareceu perfeita. Não temos nada a perder. E você mocinha, não quero estranhos em casa. Sorte sua que fui com a cara dela.
Vai entender minha mãe pensei.
Fui para o quarto, iria mandar a foto do convite para Dayana. Quando peguei o celular, passei a mão no cabelo, deixei meu corpo cair na cama:
-Merda!!! Eu não peguei o número dela.