A desconhecida

Um conto erótico de Aparecido Raimundo de Souza
Categoria: Heterossexual
Contém 637 palavras
Data: 23/05/2016 22:58:31
Última revisão: 23/05/2016 23:00:29

A desconhecida

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza

Especialmente para a “CASA DOS CONTOS”.

1

Quando aquela moça bonita e elegantemente vestida atravessou a avenida movimentada e veio em direção à calçada que eu estava, baixou em mim uma espécie de insanidade temporária. Se a minha ânsia pudesse emitir um som, teria explodido uma fileira de taças de cristal que se espatifariam em várias direções ao mesmo tempo. Com a alma superestimulada, deixei que me passasse adiante. Na verdade, queria observá-la por trás.

2

De frente, havia visto o que queria. Confesso, achei excepcional. A começar pelos cabelos compridos, os olhos verdes e argutos, as maças faciais maquiadas por uma beleza invulgar. Tudo nela resplandecia a um oásis de altivo amor explosivo, desses que quando chega, destrói todas as bases por mais sólidas que possam parecer. Sem falar que, no geral, irradiava uma satisfação sem pudores, um contentamento prazeroso que brotava em abundância, como nascente inesgotável.

3

Ao conferir sua cauda, viajei em tresloucados desejos. De pronto, me imaginei, no escurinho de quatro paredes, cavalgando estrepitosamente montado numa cama redonda, sendo sugado levianamente pela sua língua (que num fugaz momento capturei irrequieta em meio a dentes brancos), com movimentos libidinosos, a ponto de deixar Von Ebner e seus botões gustativos cheios de secretas segundas intenções. Talvez essa minha fome voraz, não estivesse longe de acontecer. Por que não um encontro entre nós? Era o que eu pretendia tornar possível, ainda que todas as limitações se me apresentassem desfavoráveis.

4

Sempre condescendi e, sobretudo, carreguei a bandeira de que em matéria de homem e mulher, amor e sexo, loucuras e desloucuras, prazeres e desprazeres, existe um ponto obscuro. Como um imo poderoso, que atrai os opostos. Se a gente consegue encontra-lo, o bote à presa desejada se torna real. No meu caso, seria como ganhar o céu inteiro, numa caixinha de presente.

5

Ter e sentir aquela cavala (no bom sentido) estirada em minha cama, nua em pelo, e eu, em delírio, arrancando a calcinha minúscula e aplicando uns tapinhas carinhosos na sua bundinha elegante, com ares de “me dá um trato de pica”, me levaria a ouvir uma imensidade de sinos tocando, a perceber luzes se acendendo, o sangue fervilhando nas veias, numa velocidade inimaginável. Embora passasse um pouco das vinte horas, me pareceu mezzanotte no restante do mundo.

6

Fiquei tão fora de mim, o rosto ostentando uma expressão de perplexidade, que me revesti de um abismar inexplicável, como se, de repente, perdido no meio do Antártico desse frontalmente, de proa, com Belleny diante de estupefato e inexplicável assombro.

7

Quando, enfim, a linda se adiantou de vez, endereçou a minha pasmocidade um sorriso sensório, indulgente, uma contração facial incomparável, marota, que por instantes me deixou um pouco constrangido. Em outros passos, eu voava no paroxismo de uma tara descontrolada. Ela sabia que minha tesão havia dado um tempo na pressa, para melhor poder observá-la pela cauda. Sem me perder do seu campo ótico, andou uns duzentos metros e caiu para dentro do shopping.

8

Condescendente a seus ímpetos, não só aos seus, aos meus, principalmente, aquiesci. Como um cachorrinho de madame, embasbacado, lequeando o rabinho, a língua de fora, não pude me quedar insensível. Levado por um tresloucado desejo, tomado por um querer inconcebível, me flagrei fulminado pela maviosidade excêntrica de seus dotes. De contra peso, o calor incontrolável que emanavam deles me tirou fora do sério.

9

Babando a mais não poder, parti com tudo, no seu encalço. Nesse momento, enquanto subíamos pela escada rolante, numa loja de departamentos tocava a alto som, uma antiga de Elvis Presley, acho que Always On My Mind.

10

Embalado nesse som e sem perdê-la de vista, acorri pressuroso, com todas as passadas que me restavam nas solas do tênis.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 63 anos é jornalista.

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