Namorados
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
Especialmente escrito para o site “CASA DOS CONTOS”.
REGININHA ENTRA no quarto de seu irmão Toninho, aos berros.
- Levanta seu preguiçoso.
Toninho se assusta, não por ser acordado as carreiras, mas, pelo fato de topar com a irmã ali, parada, bem ao seu lado.
- Como... como entrou aqui?
- Pela porta, seu Mané. Por onde mais?
- Ta legal. Já me acordou. Agora pula fora. Dá um tempo.
- Não enrola. São quase nove.
- Eu sei...
- Pois então. Não parece. Hora de pular. Vamos, se meche.
- Mais cinco minutos.
- Nem que a vaca tussa.
***
No que fala, Regininha escancara as cortinas deixando que o sol que ilumina um imenso jardim penetre igualmente em todo o aposento. O menino fica brabo e grita enfezado:
- Fecha isso, Reeeeeeee...
Sem se importar com o mau humor do irmão, a jovem deixa a janela e em seguida sai catando, pelo chão afora, as roupas espalhadas aqui e acolá.
- Nem pensar, Toninho. Esqueceu que dia é hoje?
- Não!
- Acaso lembra o que temos de fazer agora cedo, às onze horas?
- Lembro mana. Dá um tempo. Cinco minutos.
- Então me diga: que dia é hoje?
- Um dia após o de ontem que passou.
- Engraçadinho. Salta dessa cama ou vou lhe jogar água fria.
- Calma Regininha.
- Nada de Regininha, nem de calma Regininha. Vou puxar as suas cobertas.
Nessa hora o garoto se desespera e procura, com as mãos, evitar que a irmã cumpra o prometido.
- Toninho, por que não posso puxar as cobertas? O que está me escondendo?
- Nada.
- Como, nada. Deixa eu ver.
***
Regininha parte para cima do irmão e embora ele se debata a irmã descobre que ele está pelado.
- Que deu em você, Toninho? Nunca dorme pelado! Que está acontecendo?
- Noite muito quente...
- Toninho, não minta. Conheço você há quinze anos e você nunca dormiu sem roupas. Mesmo em dias de intenso calor. Vamos, desembucha. Por que está com a bunda de fora?
- Me deu vontade.
- Pois vou fazer você pular daí agora, com roupa ou sem. Seu safado. Vou contar até dez.
- Conta até dez mil.
- Toninho, olha a falta de responsabilidadeDeixa de ser enxerida...
- Três, quatro,Para com isso. Que droga!
- Então pulaCom você aqui? Ta doida?
- Estou de olho fechado. Pula... nove dez. Pronto.
- Vai embora, sua nojenta. Que merda!
- Desocupa a moita.
- Que moita, Regina, que moita?!
***
- Modo de falar, seu idiota. Vamos, vamos para o banheiro...
- Conta de novo. Não ouvi você contando.
- Pare de palhaçada. Não vou contar coisíssima nenhuma. O chuveiro lhe espera.
- Manda ele vir aqui.
- O quê?! Ele quem?!
- O chuveiro...
- Você vai ver qual é o chuveiro que virá aqui... Espera só...
Regininha gira sobre si mesma e sai do quarto às carreiras. Toninho aproveita a ausência momentânea da moça e corre a cerrar as janelas. Antes de pular na cama, bate numa das portas de um imenso guarda roupa. Feito isso, se cobre da cabeça aos pés. Regininha retorna carregando um enorme balde com água.
- Filho da mãe. Não vai levantar, pois não? Olhe a surpresa que vou lhe fazer.
Num safanão inesperado, a espevitada puxa as cobertas, sem dar tempo ao irmão de se cobrir novamente com alguma coisa. Levanta o recipiente até a altura da cama e aponta para seu corpo nu. Nessa hora ela se espanta, pois vê o irmão esconder sobre o travesseiro uma peça íntima de seu uso pessoal.
- Toninho, o que faz ai com a minha calcinha?
***
- Que calcinha, Re. Ficou doida?
- Não sou cega. Você acabou de esconder a minha calcinha.
Espantada com essa descoberta estranha Regininha enfurece mais os ânimos com o guri e se prepara para atirar o conteúdo do balde sobre sua cabeça...
Não percebe um estranho elemento de cor negra, alto, forte, espadaúdo, trajando apenas uma minúscula sunga branca que, abre a porta do armário onde Toninho havia batido e sai tão silencioso como um gato à cata de um camundongo. No instante seguinte o sujeito aplica uma gravata certeira prendendo Regininha por trás. A força é tamanha que Regininha deixa cair o balde que se espatifa no assoalho derramando o conteúdo por todos os cantos. O rapaz coloca, devagar e com cuidado, a jovem desmaiada numa poltrona, ao lado da cama.
***
- Levanta meu irmão – ordena o estranho com a voz firme. Estou saindo pela janela, como das outras vezes. Liga depois. À noite eu volto. Veja se desta vez não deixa furos, tipo essa calcinha que usou e a porta que deixou sem passar a chave. Por pouco sua irmã não me pega grudado em você com a pica enterrada até os colhões nesse buraco gostoso do seu lindo cuzinho. Fui!...
***
Tão furtivamente como saiu do armário, a estranha figura catou seus pertences, e, à socapa, deslizou pela janela.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 63 anos, é jornalista.