Cap.1
Sou um garoto normal. Como qualquer outro. Estudo, como, saio, faço alguns esportes de vez em quando, me divirto, tento ser romântico de vez em quando. Mas nem sempre foi assim. E, na maioria das vezes, eu faço essas coisas contra a vontade das pessoas que eu conheço.
FLASHBACK
Estava surfando com alguns amigos na praia, feliz como sempre.
-Como é que você consegue fazer aquelas manobras ein ? - eles perguntavam.
-Anos de prática não é meu caro... - eles riam
-Modéstia te define ein André ? - agora era a minha vez de rir.
-Agora deixem eu ir, senão é capaz da minha mãe me esgoelar... - dizia, caminhando em direção ao carro.
TEMPO DEPOIS
Já tinha 18 anos, portanto podia dirigir. Partia para casa dirigindo o meu carro, ainda muito feliz por ter conquistado mais essa liberdade. Comparado a tudo o que eu já ouvi, achei que nem dirigir eu poderia na vida. Cheguei em casa, estacionei o carro. Sai, e como esperava, mamãe estava na sala a minha espera.
-Aonde você estava André ? - revirei os olhos.
-Estava surfando mãe...
-Surfando ? Mas filho, você sabe o que o médico diz a respeito desses esportes...
-É, eu sei, você me lembra todo dia.
-Pois então ? Porquê você continua a desobedecê-lo ?
-Porquê eu já não vou viver muito mesmo... Para que ficar me privando de curtir as coisas boas da vida, sendo que eu posso morrer amanhã de um AVC, ou de repente ter uma veia do coração fechada e morrer de parada cardíaca ?
-Filho, eu... - deixei minha mãe falando sozinha e subi para o meu quarto. Entrei nele e fechei a porta. Eu sei que eu não devia falar com a minha mãe daquela forma, que ela sofre tanto quanto eu. Mas eles tem que entender que eu quero ao menos sentir o que é ser normal de verdade. O que é não ter que viver rodeado de hospitais, agulhas e médicos. A minha chance de viver já é menor do que de qualquer um, pra quê ficar restringindo a minha vida, que já deve ser curta ?
TEMPO DEPOIS
Ninguém além da minha família e dos médicos sabem. De longe, todo mundo imagina que eu sou perfeitamente normal. Um garoto moreno, alto, magro, de cabelos pretos lisos bem encaixados no rosto, e olhos castanhos. Absolutamente ninguém diz que eu tenho uma doença que já me fez sofrer muito na vida, apesar de ter uma vida ainda tão curta.
11 ANOS ANTES
Eu estava completamente confuso. Não sabia dizer aonde estava e o que estava acontecendo. Só via pessoas desesperadas ao meu lado, enquanto eu era arrastado sobre uma maca.
-Vamos, andem logo com isso, ele está tendo um AVC – uma criança não sabe direito o que é um AVC. E eu também não tinha muita noção do que era. Mas de uma coisa eu sabia, aquilo podia matar...
-O que está acontecendo ? - eu falava, com a minha voz saindo diferente do normal. Não conseguia mexer o lado direito do meu corpo. De repente então eu apaguei.
MINUTOS DEPOIS
Acordei numa sala clara. Olhei ao redor, percebi que estava num hospital.
-O que está acontecendo ? - falei, sentindo a minha boca estranha.
-Você acordou ? - olhei pro lado, vi uma enfermeira.
-Porquê não estou conseguindo mexer o meu braço direito ? - falava, olhando para ele e tentando entender...
-Tenha calma, tudo vai passar – falou então uma voz ao meu lado esquerdo. Olhei, e percebi que era um médico – logo você vai poder mexer seu braço de novo. Eu tenho certeza disso.
TEMPOS ATUAIS
Tenho certeza que vocês nunca ouviram falar de uma criança de 7 anos que teve um AVC. É, mas comigo aconteceu. Sabem porquê ? Tenho anemia falciforme. Muito pouca gente conhece essa doença. É uma doença rara, genética, que faz com que a forma do glóbulo vermelho, este que circula no sangue, se altere. Em vez de ser arredondado, como conhecemos, em quem tem esta doença, ele toma uma forma de foice. E é aí que está o perigo. Esta doença afeta menos de 50 mil pessoas no Brasil, é muito rara. Acomete principalmente os negros, e como meus antepassados eram negros, passaram os genes para os meus pais, e quando dois genes modificados se cruzam, a doença acontece. A mudança de forma do glóbulo vermelho faz com que possam haver paradas no fluxo sanguíneo. É como se você fosse passar por uma porta. Em pé, você passa normalmente. Mas e se tentasse passar de lado ? Não conseguiria, a mudança na forma não deixa. E como os glóbulos vermelhos levam o oxigênio consigo, se essa parada no fluxo ocorrer nas artérias do cérebro, o AVC é inevitável, assim como insuficiência nos órgãos podem ocorrer, ou rompimento de veias. Tudo por causa dessa maldita doença incurável.
FLASHBACK
Ouvia meus pais conversarem com o médico atrás da porta.
-Mas o que nós podemos fazer ? - eles perguntavam.
-Praticamente nada. Só há como tentar amenizar os sintomas. Ele deve tomar alguns remédios e, fazer transfusão de sangue todo mês para evitar que tenha novos AVCs, ou insuficiência de oxigênio em algum órgão. Vai ter que ser acompanhado sempre por profissionais de saúde e ter cuidado para não ficar doente, a imunidade dele é muito baixa. Sugiro que não coloquem ele em escolas para evitar pegar doenças de outros jovens e, evitar que ele faça esportes, já que com o fluxo sanguíneo maior, a chance de alguma artéria oclusar é enorme. E eu sinto muito mas... A expectativa de vida dele é pequena. É possível que ele não chegue nem aos 50 anos. E se não fizer o que eu estou mandando, nem aos 30 ele chega – imaginem o que é uma criança ouvir isso ? Uma criança que não tem culpa de nada ouvir que tem uma doença incurável, que pode matá-lo a qualquer hora, que tem que tomar cuidado com tudo, e que não vai viver muito. É um pesadelo !
FIM DO FLASHBACK
Exatamente por isso, esse ano eu pretendo fazer as coisas diferentes. Não desobedecer o médico por completo, porém, tentar ter uma vida mais normal. Conhecer pessoas, fazer novos amigos e quem sabe, namorar...
-André ? Abre essa porta meu filho... - minha mãe falava, do lado de fora.
-A porta está aberta mãe... - estava deitado no meu quarto, recostando a minha cabeça no travesseiro. Ouvi o barulho da porta abrindo, e logo em seguida dela fechando.
-Filho ? Fiz o jantar... É lasanha, como você gosta... - dizia. Me virei para vê-la, e me pus sentado – não vá esquecer que amanhã cedo temos que ir no hospital, você precisa fazer a transfusão.
-Eu sei... - dizia, olhando para mim mesmo – mãe, porquê será que eu tive que nascer desta forma ? - ouvi um suspiro vindo da parte dela.
-Eu não sei meu filho... Vai entender o porquê a vida nos prega esse tipo de peça... Eu só sei que... você é extremamente importante para mim... De modo que eu quero que tenha cuidado com a sua vida. Eu não sei o que faria se perdesse você... Não sabe o quanto eu já sofri por você, o quanto sofro quando você tem aquelas crises de dor, ou quando teve aquele AVC, ou quando teve o princípio de infarto...
-Mãe, eu também sofro muito sabia ? Ter que viver com esse relógio em uma contagem regressiva o tempo todo, sabendo que eu tenho um tempo certo de vida, que talvez nunca veja meus netos, e que de repente amanhã morra e não curta a vida. Eu tenho 18 anos e nunca nem dei um beijo na boca em ninguém – ela riu – eu queria lhe pedir uma coisa ?
-O quê ?
-Deixa eu ir para a escola esse ano ? - ela olhou para mim.
-Filho, você sabe bem o que o seu médico diz disso... Da última vez que você ficou doente foi um Deus nos acuda aqui em casa.
-Mas eu tenho certeza que ao menos alguma chance eu posso ter... É o meu último ano... Eu queria ter uma vida normal pelo menos 1 vez. Poder estudar de verdade, conhecer pessoas, ter amigos. Eu não queria ter que ficar preso aqui nesta casa, ou naquele hospital o resto da minha vida. Posso usar máscara, me prevenir, o que seja. Mas eu quero ir para a escola... - ela me olhou com aquele olhar de medo que eu conhecia bem.
NO HOSPITAL
-Eu não acho uma boa ideia André – o médico dizia.
-Mas porquê ? - olhava para o meu braço sendo furado mais uma vez. Já tinha sentido tantas picadas de agulha que nem mais me assustava.
-Você sabe bem o porquê. Sua imunidade é tão baixa quanto a de um aidético que não se cuida. Uma gripe pode levar a uma pneumonia em poucos dias.
-Por favor doutor ?! Existem formas de se prevenir de doenças ! Máscaras, luvas, o que seja... Eu passei 18 anos da minha vida entre a minha casa e este hospital. Nunca conheci ninguém, nunca soube o que ser uma pessoa de verdade. Tem noção do que é esperar meses depois de um lançamento de um filme para ir ao cinema porquê a sala fica vazia ? Ou ter que assistir todos os shows da sua banda favorita porquê o aglomerado de gente lá é muito grande... Tem de haver um jeito – ele me olhou, pensou
-Você é o caso mais sério que eu tenho André ! Já teve 1 AVC, 1 Infarto, vários órgãos que quase morreram... Eu não acho prudente te expor dessa forma.
-Eu prometo que vou me cuidar doutor ! Além disso, eu estou estável há muito tempo. - ele pensou de novo.
-Vamos fazer um acordo... Você vai usar todo o aparato de proteção, e cuidará daquelas restrições que você sabe que tem... Se você adoecer, ou alguma coisa grave acontecer novamente, você sai da escola imediatamente – sorri – eu não acho que essa história vai dar certo, mas se você quer, eu dou a permissão. Mas, um probleminha que seja e você tá fora...
-Obrigado doutor... - nem acreditei... Poderia enfim ser um adolescente normal como qualquer outro. O que será que eu encontraria na escola ? Será se faria muitos amigos ? Será se me apaixonaria um dia...
DIAS DEPOIS
Fiz minha matrícula num colégio que o médico indicou, aonde havia enfermaria e alguns alunos que tinham algumas doenças, portanto não seria o único a precisar da compreensão dos outros. Além disso, se algo acontecesse, haveriam pessoas capacitadas para fazer os primeiros socorros. Estava nervoso. Não sabia o que esperar, afinal eu nunca havia botado os pés numa escola.
-Você vai se habituar rápido... - minha mãe dizia, me entregando o pacote com as máscaras, o protetor solar e a luva que eu usaria. Era uma luva de tecido, como as que se usam no frio – só lembre-se de ter cuidado, não se expor muito a riscos e qualquer coisa me avise...
-Tá mãe, eu prometo que vou me cuidar – falei, colocando a máscara e as luvas. Peguei meu material e sai andando em direção ao carro. Liguei, e então sai. Prestes a iniciar uma aventura que eu esperava há muito tempo. Quando cheguei lá, estacionei o carro, peguei as minhas coisas e sai. Algumas pessoas me olharam, talvez por causa da máscara, era algo que eu já esperava. Fui entrando e olhando tudo ao meu redor. Parecia um sonho, eu não acreditava que estava enfim pisando em uma escola. Até que de repente bati minhas costas em alguém. Virei-me para olhar e pedir desculpas
-Ei, você não olha por onde anda ? - até que vi a coisa mais linda que já tinha visto.
Continua
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