3ª PARTE
CAPÍTULOEra o primeiro dia de Mel como enfermeira, todos no hospital acabaram de ver o tiroteio que havia acontecido na cidade, pela pequena televisão suspensa na parede, exceto Mel, ela estava no lugar errado e na hora errada.
Os mais variados especialistas e médicos esperavam a maca em frente a porta principal, foi nesse momento que Mel se fez presente na sala, ela não sabia o que todos estavam fazendo encarando aquela porta, até que numa explosão de barulhos a porta se abre com dois paramédicos empurrando uma maca, um deles segurando uma bolsa de ar e pressionando ferimentos que gotejavam sangue do peito do paciente.
Os médicos acompanhavam a maca correndo ao lado, os barulhos das sirenes lá atrás iam desaparecendo conforme eles andavam.
- Pra esquerda - Dizia um eles
- Pupilas ok – Dizia outro.
- Pressiona aqui, não tira a mão! – Gritava uma voz feminina!
Sala 503, sala 503! – Dizia o mais velho enquanto colocava as luvas
- Senhor, senhor, olha pra mim, o senhor pode dizer seu nome?
- E.... E....
- Senhor?
- E.... Laine!
- Quem é Elaine, senhor?
- O nome dele é Jorge – Dizia um imenso policial negro que corria logo atrás!
- Senhor, a partir daqui só médicos e enfermeiros
- Mas ele...
- Senhor, por favor senhor!
- Mel, venha!
2004
Em dez anos de trabalho, Mel ainda estava desacostumada com esperar o inesperado e não queria se acostumar mesmo, achava que a adrenalina a fazia funcionar melhor e a mantinha acordada. Ela estava certa.
Mel checava dois pacientes que pareciam dormir tranquilamente em suas camas enquanto fazia anotações, ouvia de longe os passos apressados de pessoa entrando no hospital.
- Aqui! Aqui! – Dizia alguém que seguia a maca ao entrar pela porta principal.
- O que aconteceu? – Perguntava um dos médicos que seguia a maca enquanto checava a respiração e o batimento cardíaco do paciente que se encontrava ali.
- Eu.... Eu não sei, ele estava.... Ele foi refém deEnfermeira? – Gritou o médio.
- Senhor, qual o seu nome?!
- Jorge! – Disse assustado.
- Muito bem....
- O nome dele é Mike! Mickey! - Disse Jorge afobado.
- Muito bem Jorge, eu preciso que você segure a cabeça do Mike assim!
- Assim? – Jorge repetiu o movimento.
- Sim, para evitar que o sangue escorra do nariz dele. – Disse o médico limpando o rosto a procura de mais algum hematoma pelo corpo.
- Esse sangue não é só dele – Disse Jorge.
- Enfermeira!
E de repente Mel aparecia sabendo exatamente o que fazer.
- Jorge, Jorge, o senhor pode esperar na sala de espera que em um momento alguém vem falar com o senhor – Disse Mel
- Mas ele...? – Tentou Jorge.
- Senhor, por favor.
Jorge consentiu e parou enquanto via Mike se afastar rapidamente.
- Que sala? – Perguntou MelO chefe de cirurgia se moveu ao centro da sala principal e parou sobre a escadaria conseguindo visualizar todo os internos naquele espaço.
- Atenção todos! Um acidente de carro acabou de acontecer não muito longe daqui. Cinco homens com ferimentos graves e uma mulher grávida com um tiro de abdômen, vamos precisar de todos os enfermeiros que pudermos, eu já bipei os outros e eles já estão descendo, em alguns minutos precisaremos da colaboração de todos vocês. - Disse com uma voz firme recebendo olhares sérios e nervosos. Segundos depois, quatro macas adentraram.
Um paramédico entra com um sujeito desacordado exalando sangue pela boca.
- Quatro? Não eram seis? – Perguntou o Chefe de cirurgia.
- Óbito de dois deles – Confirmou o paramédico.
- Muito bem, o que temos aqui? – Perguntou a ortopedista.
- Múltiplas fraturas, incluindo as duas pernas e braço esquerdo, risco de hemorragia e também há sangue em seus pulmões, talvez exija um tubo torácico...
- Ok, sala 208, bipem Dra. Ana.
- Sim.
A segunda maca vem com dois paramédicos a empurrando.
- E aqui?
- Esse é o motorista que atropelou os outros
- Por que infernos tem queijo e calabresa em cima do paciente?
- Havia pizza no carro na hora da colisão.
- Ele estava embriagado?
- Não há sinais de álcool em seu corpo, doutora.
- O que infernos aconteceu com você? - Perguntou A doutora que o encarava com raiva - Aparentemente estável, ele só está desacordado, respiração ok, pupilas ok, sem contusão aparente, só uma leve procissão na testa, nada profundo, Ok. – A doutora se aproximou - talvez.... um band aid, por favor sala 409, eu estarei lá em um momento.
Aurélio acompanhava a terceira maca.
- Amor, amor! Você está bem!?
Débora estava acordada, mas não conseguia abrir os olhos, havia muito sangue saindo de sua barriga.
- Meu be.... – Débora tentava dizer algo – O.... Beb....
- Cama, amor, vai ficar tudo bem. - Disse Aurélio nervosos perto dela.
- Senhor, encaminharemos ela a sala de cirurgia, precisamos que o senhor fiquei aqui
- E aqui? – Perguntou o médico se aproximando, acompanhando a até a sala de cirurgia.
- Ela é a única que não estava fisicamente envolvida no acidente com o carro
- E esse sangue?
- Arma de fogo, ela foi atingida, senhor ela está esperando.... Ela estava esperando um bebê senhor.
- Bipem Dra. Chris, Cirurgia imediatamente.
A quarta maca vem com Jorge atrás. Gabriel desacordado tem sangue por sobre o nariz e boca.
- Por favor.... – Começa Jorge.
- E aqui? – Pergunta um dos médicos acompanhando.
- Coma.
- SalaOnde infernos eu estou?
Sua visão ainda estava turva, as coisas estavam tão escuras que Gabriel demorou para se dar conta que a sala está escura e que ele não está de olhos fechados. Ao mexer a cabeça para o lado esquerdo ele se assusta com o barulho que ouve em sua cabeça. Testando agora o movimento dos braços ele sente em seu canal esquerdo um tubo. De repente sentiu sua boca extremamente seca. Há flores numa jarra próxima a ele e a porta estava semiaberta, sentiu-se extremamente cansado e notou que havia uma cadeira próxima à ele, percebeu que há a possibilidade de alguém estar o visitando e que nesse exato momento não estar ali. Gabriel pensou em seus pais e notou que mesmo se tentasse falar algo, não conseguiria. Notou uma sombra se aproximar e já não sabia se estava sonhando. Viu a imagem de Jorge estrar silenciosamente no quarto, ele segurava um celular. Gabriel sorriu e dormiuGabriel estava definitivamente acordado.
Jorge dormia na cadeira próxima aos seus pés.
- Água!
Jorge pareceu roncar mais alto.
Gabriel riu internamente, desistiu e decidiu tentar novamente mais tarde. Era incrível a facilidade com a que ele dormia.
Gabriel não sabia quanto tempo havia passado desde a última vez que tinha acordado, poderia ser alguns minutos, horas ou até mesmo dias, ele sentia que parte dele não era ele e que coisas essenciais tinham alterado seus valores de significância, ele poderia se esforçar para falar novamente, mas assistir Jorge se torturar para descobrir a palavra que se encaixava naquele espaço de sete letras, era divertido.
- DIII – Se esforçou Gabriel.
- DIII?
- Isso, DIII! – Repetiu Gabriel!
Num susto Jorge se ergueu da cadeira numa felicidade imensa se aproximando de Jorge.
- Gabriel? Gabriel! Você acordou!! Gabriel! – Jorge foi em direção à ele tentando se aproximar e censurando seu abraço, ele não sabia o eu poderia doer!
Jorge ria alto.
- Enfermeira! Ele acordou – Gritava aos corredores!
Gabriel ria. – Tinha acabado de se arrepender de ter dito algo, deveria ter observado Jorge por mais tempo.
- Você está bem? Tá com dor? Quer alguma coisa? – Perguntava Jorge rapidamente.
Gabriel falava baixo.
- DIII
- Hã? O que é isso?
- Quinhentos em algarismos romanos é D, o que cruza com a palavra em vertical “Residência” e esse D.... Ele.... – Respirou fazendo força - é de Quinhentos eGabriel se sentia sempre sobrecarregado, era como se seu corpo estive fora de serviço, foi necessário esforço para sentir qualquer coisa, inclusive dor.
Acordou com o braço de Jorge o segurando.
- Jor....?
Jorge novamente se surpreendeu com o leve toque no seu braço.
- Tudo bem.... – Dizia baixinho – Eu tô aqui!
- Olá! – Disse Gabriel baixinho.
- Olá... – Disse Jorge sorrindo.
- Tudo bem? – Continuou Gabriel mais sussurrando do que de fato falando.
- Ótimo! – Respondeu Jorge com gestos exagerados – Você vem sempre aqui!?
Gabriel riu sentindo o carinho de Jorge em sua sobrancelha.
- Mike?
Jorge tirou o sorriso que tinha em seu rosto rapidamente.
- O Mike ele.... – Jorge desviou o olhar. – Vamos focar na sua recuperação agora, a Doutora disse que em poucos dias você vai sair daqui
- Jorge? - Perguntou Gabriel baixinho.
- Sim!
- ... De volta! - Dizia Gabriel com esforço para arregalar os olhos e tentar não dormir.
Gabriel estava apagando novamente.
- Desculpa....
- Can. - Com esforço somente essa sílaba havia saído de Mike.
- O que está de volta? - Perguntou Jorge confuso.
Gabriel reuniu toda a força que tinha e no tempo de um respiro sentiu o seu corpo desistindo e antes de apagar coneguiu soltar.
- O câncer de Mike!
Gabriel adormeceuGabriel agora acompanhava Elaine, lado a lado os dois andavam de braços cruzados.
- Quão diferente seria a vida se ele fosse egoísta? - Perguntou Elaine olhando para Gabriel.
- Bom... Para começar... - Pensou Gabriel – Pra começar ele estaria vivo! - Disse se forçando a pensar mais,
- Aah... E isso seria bom? - Perguntou ela quebrando as folhas secas do chão.
- Hm... Eu sinto que se ele fosse... Nada teria acontecido... Eu não teria me apaixonado por ele por exemplo...
- Entendi...
A presença de Gabriel a partir daí era apenas física, sua mente desfilava em outro lugar e em outro tempo, até que o sol se posicionando para ir embora o despertou e o trouxe novamente ao presente.
- Meu Deus... Que horas são? - Perguntou.
5:03h - Respondeu Elaine.
- Tá na hora de ir para casa...