Fui para a sala e dividi as tarefas com os rapazes. Um pouco antes do almoço Marina se aproximou da plataforma em que eu estava:
-Tem como você descer pra eu falar com você rapidinho?
Ela estava com uma cara triste, eu me preocupei e desci rapidamente.
-Aconteceu alguma coisa linda?
-Não estou me sentindo bem, deve ser cansaço por causa da noite mal dormida. (Deu um sorriso malicioso) Vou indo pra casa.
-É, se não está se sentindo bem não faz sentido mesmo ficar aqui.
-Verdade, mas vou ficar te devendo a carona, você iria buscar seu carro depois do expediente né.
-Pode ficar tranquila, peço ao Roberto para vir me buscar. Vê se fica quietinha e melhora ta.
-Vou esperar você buscar seu carro. Piscou para mim e se foi.
Continuei o trabalho fazendo meus dois papeis, o de coordenadora e de instaladora de equipamentos. Dia estressante, já estava chegando no fim do expediente, eu não ligaria para Roberto me buscar. Como eu iria explicar o incidente com meu carro? Deu a hora, liguei para Roberto passando os horários dos funcionários e fui para o ponto de ônibus, iria em casa e depois passaria na casa de Marina para pegar meu carro, não iria para a faculdade. Tinha passado em todas as matérias e nessa semana só seria para os alunos que estavam de dependência.
Cheguei no ponto e estava lotado. Sentei no meio fio e fiquei esperando o ônibus passar, passou um, dois, três ônibus e neles não cabiam minha alma, piorou meu corpo. Entrei no Facebook e estava entretida no celular quando vejo um carro parado em minha frente buzinando:
-Demorando a passar ônibus?
-Ônibus até passa, o difícil é passar um que eu caiba. Falei sorrindo.
-Vai para o centro?
-Não. O ônibus do meu bairro passa por aqui.
-O ponto final dele é no centro?
-Sim.
-Se não tiver com pressa, eu te levo no centro e de lá você pega um ônibus vazio para seu bairro.
Eu não iria para a faculdade e do centro ficaria mais fácil de ir à casa de Marina para buscar meu carro.
-Se não te incomodar eu aceito. Vou aproveitar para resolver algumas coisas no centro.
Sentei no carona. Ela perguntou:
-O que aconteceu com seu carro?
-Amanheceu com os dois pneus furados.
-É, o bairro de Marina não é fácil.
Fiquei sem palavras, como ela sabia que eu havia dormido na casa de Marina. Ops, elas trabalham juntas. Ela deve ter contado. O celular dela começou a tocar. No visor estava escrito “Amor”. Ver aquilo me incomodava, olhei para fora da janela e ela atendeu, colocou no viva voz:
-Oi amor
-Oi. Onde você está?
A voz era firme, seca e rude. O cara nem se dava o trabalho de responder o “Oi amor” apenas “Oi”. Homens!
-Estou indo para casa, estou levando uma colega de trabalho ao centro.
-Passa na creche da Laurinha e pega ela. Demiti a babá ontem e esqueci de te falar.
Aquilo não era um pedido. Era uma ordem.
-Ela tá na escola até agora?
-Sim.
Ela parecia nervosa, mas acho que para não iniciar uma discursão apenas respondeu:
-Ok
E desligou o celular. Virou-se para mim e disse:
-Desculpa pela transtorno. Meu marido esqueceu de me falar que demitiu a babá e nossa filha tá na creche até agora. Se importa de eu desviar a rota por uns minutinhos?
Balancei a cabeça em sinal negativo, mas na verdade estava chocada com a palavra “filha”. Adoro crianças, mas meu cérebro ainda não tinha digerido o fato de Fernanda ser casada com um homem tão grosso e ainda me aparecia uma filha?
Fomos até a creche particular de maior conceito na cidade e de lá avistei uma menininha de uns 4 anos que chorava sem parar, estava de mãos dadas com uma mulher. Fernanda desceu do carro e foi em direção a mulher e a menina. Conversaram por uns instantes, Fernanda entregou uma nota de 100 reais para a mulher e se despediram. Fernanda colocou o cinto na menina enquanto nos apresentava:
-Mamãe Fernanda, quem é essa moça?
-É a tia Tarine meu amor, uma amiga lá do trabalho da mamãe.
A menina era linda, mas não parecia em nada com Fernanda. Fernanda tinha os cabelos castanhos escuros na metade das costas, lisos, tinha os olhos castanhos, lábios finos e pele clara porém um pouco bronzeada. Laurinha era loirinha de olhos azuis e cabelos ondulados, deveria se parecer com o pai. Sorri para ela e fiz um carinho na sua perninha. Fernanda parecia irada, não falou nada o caminho inteiro até o centro. Pedi que me deixasse em um ponto movimentado. Agradeci pela carona e decidi por não ir buscar o carro naquela noite. Com certeza Marina iria querer mais do que uma simples visita e eu não estava com cabeça para aquilo.