Franklin Damasceno bocejou sonolento enquanto vestia sua calça jeans decidido a investigar o barulho que o acordou. O relógio na mesa-de-cabeceira mostrava que passava um pouco de uma da manhã. Seu vôo de Santa Catarina para o Rio de Janeiro atrasou, devido a uma forte tempestade, e quando finalmente chegou em casa tomou um banho rápido e se largou na cama.
Logo que ouviu o barulho, demorou alguns minutos para se orientar e descobrir de onde vinha. Tinha se mudado para esta casa há uma semana e logo teve que se ausentar da cidade por alguns dias para tratar de negócios importantes.
Precisou esfregar os olhos alguma vezes para lembrar que não estava mais na casa que dividiu por alguns anos com seu melhor amigo, Pedro Alves.
Pedro, o solteiro divertido e festeiro, agora estava casado com Larissa e era pai de um lindo menino chamado João. Para da mais privacidade aos recém-casados, Franklin comprou uma casa dos seus sonhos, para onde se mudou. Uma bela e glamorosa casa em frente ao mar.
Wesley ouviu outro barulho.
Descalço, desceu silenciosamente a escada para investigar, certo de que não era sua imaginação. Quando chegou ao pé da escada, ouviu outra vez o barulho e teve certeza que vinha de fora.
Abriu a porta dupla e envidraçada e saiu para o terraço. Era abril e a primavera estava no ar. Uma lua cheia brilhava no céu e iluminava o jardim onde estava as latas de lixo.
Lembrou que havia esquecido de trancar o portão quando entrou e logo concluiu que o barulho deveria ser algum cachorro ou gato tentando pegar restos de comida. Franklin já estava quase se virando para entrar na casa, quando viu o movimento de uma figura grande demais para ser um animal de quatro patas.
Firmou um olhar quando percebeu alguém curvando remexendo suas latas de lixo. Imediatamente sentiu um aperto no coração por aquela pobre criatura. Agradeceu o sucesso de sua empresa de comércio pela internet e o lucro de milhões. Porém, uma coisa que havia se prometido era não esquecer suas origens, mesmo, tendo se passado vinte anos e a memória já não estar tão nítida. Tudo o que se sabia é que fora deixado na porta de um orfanato com a idade de apenas três meses. Cresceu pulando de uma casa adotiva para outra. Aos 14 anos, fugiu e viveu nas ruas por três dias, até que a polícia o encontrou. Durante esses dias, um mendigo do nome Aparecido o amparou. Franklin descobriu que Aparecido havia sido professor e que perdera a sua mulher quando a casa onde morava pegou fogo. Sem família, amigos e seguro, Aparecido caiu na desgraça.
Aparecido ajudou muito. Dividiu sua comida com ele, compartilhou o coberto para que ficasse protegido à noite e ajudou a livra-se dos perigos. Sentia-se grato por toda gentileza de Aparecido naqueles dias difíceis. Assim que Wesley ficou rico, contratou um investigador particular para encontrar o Aparecido. Tudo o que descobriu foi que o homem havia morrido de pneumonia um ano antes.
Com toda aquela recordação, Wesley pensou em oferecer ao sem-teto algum dinheiro que pudesse fazer uma refeição decente e encontrar um lugar acolhedor para passar a noite. Era o mínimo que podia fazer. Silenciosamente, voltou para dentro da casa e subiu as escadas para pegar algumas notas de dinheiro em sua carteira. Esperava que a pessoa ainda estivesse lá quando retornasse.
“Alguns repórteres fariam qualquer coisa por uma história, e eu me tornei um deles”
Esse pensamento passou pela cabeça de Anderson Santos enquanto continuava revirando o lixo de Franklin Damasceno. Pode-se descobrir muito sobre uma pessoa fuçando seu lixo. Porém, tudo o que conseguiu descobrir sobre o milionário Franklin Damasceno, o milionário da internet e jogador de futebol número um da cidade, foi que ele adorava lasanha de microondas. E quanto ao feito tradicional? Será que nenhuma de suas amigas sabia que o caminho para o coração de muitos homens é através do estômago e não pelo bolso?
Porém, se os rumores estavam certos, Franklin não era como a maioria dos homens. Anderson leu a biografia dele várias vezes para conhecer toda sua história... Pelo menos o que havia dele. Ele era órfã e entrou e saiu de lares adotivos até os 16 anos. Foi durante o ensino médio que ficou amigo de Pedro Alves, da proeminente Alves C&A (Companhia Atlântica).
Pedro e Franklin tornaram-se grandes amigos. Quando Franklin estava para ser transferido para outro lar adotivo, os pais de Pedro, Paulo e Helena Alves, intervieram e ofereceram a Franklin um lar e uma chance de estabilidade até o final do ensino médio. Foi a primeira família que ele conheceu. Na época da universidade, graças a sua habilidade nos esportes e seu talento em matemática, ele ganhou uma bolsa de estudos na faculdade federal do Rio de Janeiro. Pedro Alves também ingressou na mesma universidade e dividiram um quarto nos quatros anos que estiveram lá.
Anderson suspirou enquanto continuava a cutucar o lixo. Havia muita coisa sobre Franklin Damasceno que ele ainda não sabia, inclusive o fato de que o negócio de suplementos para restaurante pela internet que ele criou já havia rendido milhões. Com apenas 25 anos de idade ele era considerado o homem mais bem-sucedido do Rio de Janeiro e o solteirão mais cobiçado. Ele também sabia de seus fortes laços com a Família Alves. Aliás, essa era a principal razão para ele estar ali remexendo seu lixo em uma hora imprópria.
De repente, Anderson ficou imóvel. Por um momento, achou que tinha ouvido algum barulho. Esperou alguns segundos e, não ouvindo mais nada, continuou a fazer o que havia parado.
Segundo Carolina “Carol” Duarte, repórter graduada e uma de suas melhores amigas, estar em casa sábado à noite não fazia o gênero de Franklin. De acordo com o que leu ao seu respeito, ele deveria estar em algum lugar fazendo o que melhor sabia fazer, além de administrar seus negócios: divertindo-se como um playboy milionário.
Ao ouvir um barulho, ele parou o que estava fazendo e virou-se. Segurou um grito estridente ao dar de cara com o próprio playboy milionário. Tal visão tirou-lhe o fôlego. Quando ele saiu da escuridão descalço e vestindo apenas uma calça jeans, Anderson olhou primeiramente para seu peito nu e depois para seus magníficos olhos castanho-claros. Ele era mais alto do que imaginava, forte, musculoso e magro. Tinha uma pele branca bronzeada. Não era tipo que o leva a abrir fogo, mas suscita outro tipo de fogo.
Foi pega em flagrante no lixo de Franklin e seu primeiro pensamento foi sair correndo. Mas não conseguiu se mover, parecia estar preso ao chão.
Franklin ficou chocado. Na realidade, era um jovem rapaz, e não um homem, como pensava. Ele pôde perceber o pânico nos olhos do jovem moço e sabia que ele estava prestes a sair correndo. Não podia deixar que isso acontecesse sem antes lhe oferecer algo. Tentou imaginar o que teria acontecido com ele na juventude para torna-se um indigente.
---Espere! Não vá. Quero ajudar
Ele olhou nos seus olhos arregalados e percebeu que ele tinha os olhos castanho-escuros mais incríveis que já tinha visto em um rapaz. Um moletom com capa cobria toda sua cabeça. No escuro do jardim, com apenas a luz da lua, ele pôde perceber que suas feições eram tão incríveis quanto os olhos. O tom da sua pele aveludo era claro como neve e ele não aparentava mais que 22 anos. A mesma idade que ele tinha quando juntou seu primeiro milhão.
Anderson vestia um moletom surrado e, por incrível que pareça, cheirava bem. Seu olfato reconheceu a fragrância, era um daqueles sedutores. Era uma marca bastante cara para o gosto de uma pessoa sem dinheiro. Provavelmente, encontra um vidro meio vazio de perfume masculino e caro no lixo de alguém.
Ele pestanejou tentando se concentrar na situação em si e não nas possiblidades, que por sinal sequer existiam.
--Qual a sua idade?—perguntou calmamente para não assustá-lo e garantir que não lhe faria nenhum mal, apesar de ele ter invadido sua propriedade.
Franklin observou quando ele deu um passo para trás, e pôde vê-lo melhor, de repente ficando sem ar. Havia algo em Anderson que balançava seu coração de uma forma diferente. Não era possível que ele tivesse recorrido aquela vida por si mesmo.
--Tenho 21 anos—finalmente respondeu, atraindo totalmente sua atenção—Por quê?
--Eu só queria saber. Aqui tem algum dinheiro—falou, oferecendo o chumaço de dinheiro que tinha nas mãos.—Deve ter uns 500 reais. Pegue e vá comprar alguma coisa para comer e guarde o resto para se cuidar—Completou Franklin, achando que ele não era tão mal-trapilha assim. Parecia muito limpo para um sem-teto.
--Como provavelmente você não encontrara nenhum lugar aberto para comer essa hora, se estiver realmente faminto posso lhe arrumar alguma coisa para comer.
Ele observou seus lábios contraírem-se em um sorriso quando Anderson disse.
--Uma lasanha de microondas?
Franklin piscou e depois compreendeu o motivo da pergunta. Ele jogou a cabeça para trás e deu uma sincera gargalhada. Evidentemente, Anderson descobriu que fuçar seu lixo foi um total perda de tempo. Todos os seus amigos sabiam o quanto ele gostava de lasanha de microondas.
Quando conseguiu controlar sua gargalhada, percebeu que ele já tinha ido. Tudo que pôde ver foi um flash de seu moletom enquanto ele disparava pela sua garagem e escapava pelo portão de ferro maciço.
--Pare! Espere! Não vá sem levar o dinheiro!
Tarde demais, ele pensou, enquanto observava a fuga. Tomando cuidado com os pés descalços, ele descei pela entrada da garagem para ver a direção que ele tomou. Não conseguiu ver nada. Foi como se tivesse desaparecido totalmente. Insatisfeito por tê-lo assustado antes que pudesse pegar o dinheiro que ofereceu, já estava quase voltando para dentro de casa quando olhou para baixo. Havia algo brilhando sob a luz da lua, caído no concreto. Ele pegou o objeto e viu que era um tipo de medalhão que o rapaz provavelmente deixou cair. Franklin voltou para casa segurando firmemente o objeto.